Aos trancos e barrancos, a presidente Dilma vai reescrevendo por linhas tortas um novo programa de governo, e o corte de juros determinado na quarta-feira pelo Banco Central já é parte dessa nova postura, que difere radicalmente de tudo o que ela disse e prometeu durante sua campanha eleitoral. Ficou evidente agora que o Banco Central de Tombini trabalha em estreita colaboração com o Ministério da Fazenda de Guido Mantega, e isso sinaliza uma mudança drástica de orientação, na qual a autonomia do Banco Central está em xeque.
O interessante é que quando o então candidato tucano José Serra deu declarações durante a campanha de que preferiria que a Fazenda e o Banco Central trabalhassem em harmonia, recebeu críticas cerradas não apenas dos que defendiam, dentro de seu campo de ação política, a autonomia do BC como fator fundamental de credibilidade da política econômica, mas também, e especialmente, da candidata petista Dilma Rousseff, que se bateu fortemente pela autonomia do Banco Central.
Tudo indica que há um forte componente de risco político na decisão do BC de cortar 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros e, embora o caminho seja o certo, a maneira de trilhá-lo parece no mínimo bastante arriscada.
É certo que ele foi precedido de um anúncio do governo de que faria um ajuste fiscal para acrescentar R$10 bilhões ao superávit primário, citado no comunicado anormalmente extenso divulgado após a reunião que decidiu o corte inesperado dos juros.
Mas esse adendo sugere uma simulação, já que não houve corte nenhum de despesas, mas um contingenciamento de excesso de arrecadação que dificilmente se repetirá, inclusive porque a maior parte dele - R$6 bilhões - é proveniente de uma multa que a Vale decidiu pagar sem questionar, como se também estivesse envolvida em uma combinação para ajudar o governo nessa aventura de criar condições políticas para reduzir os juros.
Os gastos públicos continuam subindo de ano para ano, e a nova política governamental só teria sustentação em caso de uma grande crise internacional - que foi aventada no comunicado oficial do Banco Central como base para a decisão - ou um forte ajuste das contas públicas.
Com definição de limites ao crescimento dos salários, mudanças da aposentadoria dos funcionários públicos, limite de gastos para o governo federal, tudo estabelecido em leis aprovadas pelo Congresso.
A presidente está indo nesse caminho, tanto que ressuscitou a regulamentação do projeto de previdência dos funcionários públicos, que estava parada no Congresso desde o início do primeiro governo Lula.
O projeto que cria o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público, para suplementar a aposentadoria do sistema público para quem queira manter os salários acima do teto do INSS, está recebendo tratamento prioritário do governo, mas encontra resistências dentro da própria base.
A presidente Dilma vai ter muita dificuldade para conseguir apoio para aprovar a regulamentação, porque essa maioria avassaladora teórica de 70% do Congresso foi formada não em sustentação a um projeto de governo, muito menos esse, de caráter recessivo.
Tudo indica que os interesses imediatos dos deputados e senadores não coincidem com os interesses do governo.
Eles aderiram ao governo na euforia dos gastos de 2010, e não se conformam com o fato de que, justamente na hora em que chegaram ao poder, vão ter que cortar gastos.
Vai ser preciso que a crise mundial chegue muito forte, para assustar os nossos políticos, que não estão propensos a acreditar que o momento exige prudência e medidas preventivas.
Mas não creio que ela tenha condições convencer esse grupo, que está à sua volta apenas com interesses pessoais, a abrir mão deles para o bem do país, não me parecem ser esse tipo de gente.
O plano subentendido nos movimentos governamentais exige uma série de novas legislações no Congresso, e a maioria parlamentar dificilmente caminhará na direção de um programa de contenção de despesas que não foi previsto na campanha, ao contrário, foi renegado.
O tempo todo a candidata Dilma negou que precisasse fazer uma reforma fiscal e defendeu o aumento do gasto público com a saúde que ela agora quer derrotar.
A certa altura da campanha, ela desmentiu categoricamente notícias de que iria fazer um ajuste fiscal se fosse eleita, chamando-as de factóides. "Não vou fazer ajuste fiscal em hipótese alguma", disse, em conversa com jornalistas em São Paulo. "O Brasil não precisa mais de ajuste fiscal".
A Dilma candidata, em 18 de maio de 2010, na Marcha dos Prefeitos, assumiu "o compromisso de lutar pela Emenda Constitucional 29. Sobretudo considerando os princípios de universalização, equidade e melhoria da qualidade da saúde".
Ela mesma explicou que esse compromisso estava baseado na certeza de que "entramos numa nova era de prosperidade; que esse país vai crescer, sim; vai arrecadar mais, que nós podemos, priorizando a saúde, ter recursos suficientes pra assegurar que haja saúde de melhor qualidade. A participação da União é fundamental".
Agora, está dizendo que é preciso um imposto extra para dar mais recursos para a Saúde, dando força ao movimento dentro do Congresso para a recriação da CPMF.
O fato é que a presidente Dilma está tentando encontrar um caminho novo para trilhar, e tem se perdido nos atalhos que busca abrir.
Começou um movimento de combate à corrupção que teve o apoio da opinião pública, e parece ter recuado diante da reação dos aliados.
Busca o equilíbrio entre manter a popularidade que a economia aquecida tem proporcionado, mas sabe que não pode continuar nessa marcha da insensatez de gastos maiores e juros reduzidos artificialmente.
FONTE: O GLOBO