quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Reflexão do dia – Prof. Raimundo Santos

“A novidade de agora não são apenas as políticas sociais assistencialistas, mas também os apelos populistas, sobremaneira verbalizados pelo Presidente da República. Cada vez mais eficazes no nosso imaginário, eles também cumprem função dissolvente em instituições (Congresso, partidos, associativismo). Essa nova discursividade presidencial também corrói valores igualmente fundamentais ao Estado democrático de direito, como, por exemplo, a formação da opinião pública mediante asseverações desencontradas e particularmente a reiterada minimização da questão ética nas atitudes e falas do Presidente.”

(Raimundo Santos. "O sentido da esquerda na atual circunstância", texto da coletânea O centenário de Caio Prado Jr., FAP, no prelo.)

Merval Pereira :: Democracia direta

DEU EM O GLOBO

Uma mudança fundamental na elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos, que o diferencia dos demais divulgados anteriormente, é que, desta vez, o protagonismo ficou com diversas instâncias de representação da sociedade reunidas em infinidades de conselhos e conferências realizadas pelo Brasil afora. O processo é o mesmo utilizado no governo anterior para auscultar a chamada "sociedade civil", mas o que antes não passava de sugestões, desta vez, ganhou caráter terminativo, sem que nenhum setor do governo tenha feito uma filtragem das "decisões".

Esse é um procedimento recorrente no governo Lula na tentativa de ultrapassagem do Congresso, com a criação de diversas instâncias de negociação em que os sindicatos e as ONGs decidem o que o governo vai enviar para uma aprovação quase formal dos deputados e senadores, que passariam a ter um papel meramente simbólico, e são contemplados em troca com quinhões do orçamento e outras benesses governamentais.

A tese de que a democracia representativa já não é suficiente para refletir os verdadeiros anseios populares está por trás desse sistema decisório, e também da defesa da "democracia participativa" ou "direta", preferida por setores influentes do governo e mais uma vez incluída entre as propostas no plano de direitos humanos.

É claro que democracia não depende apenas do voto direto, também não das consultas populares, mas da criação de um ambiente onde os direitos individuais estejam protegidos e acima da vontade do poderoso da ocasião, seja o guarda da esquina ou o presidente da República.

A democracia representativa está em crise no mundo todo, e a democracia direta surge aqui na América do Sul como uma solução manipuladora de esquerda.

Em diversos textos, o atual ministro da Justiça, Tarso Genro, aborda o que considera ser a falência da democracia representativa, e defende a organização de um novo Estado com "outras formas de participação direta", surgindo daí a defesa de "instituições conselhistas".

Entre esses, ele cita especificamente o controle dos meios de comunicação através de "conselhos de Estado". O ministro acha que o que chama de " ritualismo democrático-formal" é uma das causas da decadência do modelo representativo atual.

Também o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, hoje ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo, defende que as camadas mais excluídas da sociedade participem efetivamente das decisões governamentais "através de referendos e plebiscitos".

Ele considera que as eleições nas democracias representativas sofrem grande influência econômica, o que, na sua opinião, "dificulta a participação das camadas excluídas da população, provocando grandes tensões sociais".

A questão é que a transformação dessas diversas representações da "sociedade civil" em instâncias decisórias para políticas do governo faz com que apenas os setores mais mobilizados da sociedade surjam como os grandes protagonistas dos tais conselhos, tornando suas decisões representativas não da maioria da sociedade, mas de sua parte mais politicamente ativa.

Seriam interesses fragmentados que ganhariam uma dimensão majoritária que não têm na realidade. Também as chamadas "consultas diretas", como referendos e plebiscitos, correm o risco de ter resultados distorcidos, refletindo mais a influência de lobbies e grupos bem financiados do que realmente a vontade majoritária de uma população.

O cientista político Bolívar Lamounier considera que a possibilidade de manipulação é inerente ao instrumento, "pois a autoridade incumbida de propor os quesitos pode ficar muito aquém da neutralidade".

É por isso que o Congresso, eleito através do voto nacional, deve ser a última instância. A definição de políticas públicas fora da arena congressual não é uma decisão democrática.

Quando o governo negocia com sindicatos o aumento do salário mínimo, por exemplo, e manda ao Congresso uma proposta consensual, consegue impor sua vontade aos parlamentares, que não têm força para discutir um acordo já fechado diretamente entre o governo e os sindicatos.

Mas quando o assunto afeta os interesses da própria base congressual do governo, aí o sistema apresenta suas falhas. O governo tem uma maioria heterogênea que nada tem de ideológica. É mais uma barreira a que problemas políticos alcancem o governo do que um grupo político unido em torno de um programa. Seria uma maioria "anti-impeachment" montada após a crise do mensalão em 2005.

Estudo do cientista político Gustavo Venturi, citado em recente artigo do ex-porta-voz de Lula André Singer sobre o fenômeno do "lulismo", mostra que a tendência para a direita do eleitorado de menor escolaridade, associada à renda - já registrada na eleição de 1989 - continuava presente quase duas décadas depois, na eleição de em 2006.

Enquanto os eleitores de escolaridade superior dividiam-se por igual entre os campos da esquerda (31%), do centro (32%) e da direita (31%), entre os que frequentaram até a quarta série do ensino fundamental, a direita tinha 44% de preferência, mais do que o triplo de adesão que tinha a esquerda (16%) e o centro (15%).

Assim como a sociedade brasileira, a maioria do Congresso não é de esquerda, o que inviabiliza a aprovação de um programa tão amplo e baseado em ideologia como o apresentado.


Tive a honra de fazer parte do júri do GLOBO que concedeu o Prêmio Faz a Diferença a Dona Zilda Arns em 2003. Morreu como viveu, ajudando os mais necessitados.

O nome correto do historiador italiano autor do livro "O queijo e os vermes" citado na coluna de ontem é Carlo Ginzburg.

Dora Kramer:: A estaca da barraca

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva aproveitou ato administrativo do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida para dar um aviso geral aos navegantes em seu discurso de estreia no ano eleitoral: não será mais o "Lulinha paz e amor" porque não é candidato.

Depois de confessar que a face amena de 2002 foi uma construção feita ao molde da necessidade da eleição, Lula não informou quem exatamente será durante a campanha de 2010, embora tenha dado uma pista ao informar que está preparado "como capoeirista" para enfrentar os adversários.

Por esse critério, depreende-se que vá sobrar pernada.

Mas mais que isso não se entende a respeito do que fala o presidente. Alude a um cenário de guerra de extermínio quando diz que identifica sinais de que a oposição não terá "discursos programáticos" e que, portanto, distribuirá "chutes do peito para cima".

Em quem, nele ou na candidata Dilma Rousseff Lula parece esperar que seja o alvo, mas até pelo receio de fazer um enfrentamento pesado com presidente popular como ele não parece ser essa a intenção dos oponentes.

Avançando para além dos "sinais" de agressão presumida, Lula diz estar "convicto do que vai acontecer neste país no processo eleitoral".

A curiosidade sobre o que "vai acontecer neste país" é aguçada pelo acréscimo que faz o presidente à sua previsão. Segundo ele, haja o que houver nada vai fazer com que perca "um milímetro" do seu bom senso e "desvie o País do caminho em que estamos hoje".

Estaria o presidente se referindo ao caminho democrático? Nesse caso, suas garantias soam como temeridade, pois admitem como raciocínio hipotético a possibilidade de que algo justifique o "desvio" que, apenas por obra de seu "bom senso", será evitado.

"Vocês estão vendo", continuou ele para a plateia, "mais ou menos o perfil do discurso que vai ocorrer, o tipo de agressão, o tipo de insinuação."

Como o presidente joga com a ambiguidade, não fala sobre o que sustenta suas convicções, não diz quais são elas nem explicita quais os sinais de preparativos para "chutes no peito", é de se supor que fale das críticas que são feitas a ele, ao seu governo, à candidata oficial, ao PT, a condutas e a procedimentos erráticos como a edição de um decreto que é um verdadeiro monumento em matéria de abertura de frentes de conflitos.

Por seu discurso inaugural de 2010, o presidente Lula pretende criminalizar o contraditório.

Além de preventivamente transferir ao oponente a responsabilidade da iniciativa que ele mesmo tomou ao vislumbrar sinais de agressão no horizonte e, no lugar de rechaçar a violência, avisar que o "Lulinha paz e amor" era só um figurino passageiro que deu frutos e se acabou.

Olho no lance

Em meados do ano passado, logo que se começou a falar no nome do presidente da Câmara, Michel Temer, para vice de Dilma Rousseff, a cúpula do PMDB dizia que só havia uma possibilidade de se alterar a escolha: se o PSDB fosse de Serra/Aécio e o governo precisasse de Hélio Costa para marcar a presença de Minas Gerais na chapa.

Agora os pemedebistas mais ligados ao Planalto começam a considerar aquela solução, mesmo Hélio Costa sendo o líder nas pesquisas para governador.

Certamente não é porque o PMDB esteja interessado em deixar o espaço aberto para quem venha ser o candidato do PT de Minas.

Mas talvez seja porque identificam chance de Aécio Neves vir a formar dupla com José Serra deixando a vaga ao Senado para o atual ministro das Comunicações tentar a renovação de seu mandato que é exercido pelo suplente Wellington Salgado.

Donos do jogo

Os deputados responsáveis pela montagem das investigações de faz de conta na Câmara Distrital de Brasília, para impedir o julgamento dos pedidos de impeachment contra o governador José Roberto Arruda e evitar a punição dos parlamentares envolvidos, não são ovelhas desgarradas.

Pertencem a partidos: DEM, PSDB, PPS, para citar as legendas de oposição que no Congresso reclamam que são impedidas pela maioria governista de cumprir seu papel de fiscalização.

Considerando que pela lei, reforçada na interpretação recente do Supremo Tribunal Federal, os partidos são os donos dos mandatos, cabe a eles a responsabilidade sobre os atos dos deputados a eles filiados.

Mas nenhuma das direções dos três partidos deu nem foi cobrada a dar palavra a respeito do que pensam da armação ou sobre como - e se - pretendem orientar os respectivos representantes a atuar fora da pauta da farsa.

Missão cumprida

Síntese da solidariedade, Zilda Arns morreu como viveu, trabalhando ao lado de quem precisa. Uma artimanha trágica, mas significativa, do destino.

Marina aprova Gabeira, mas alerta para impasse

DEU EM O GLOBO

Senadora afirma que decisão final ficará apenas para fevereiro: "A questão é que não tenha ambiguidade"

Cássio Bruno

A senadora e pré-candidata à Presidência Marina Silva (PV-AC) disse ontem ser favorável à intenção do deputado federal Fernando Gabeira de disputar o governo do Rio. Mas, segundo ela, o partido ainda precisa discutir o fato de Gabeira ter dois palanques no estado - o dela e o do governador de São Paulo, José Serra (PSDB) - já que o deputado deverá disputar a sucessão fluminense pela coligação PSDB/DEM/PPS/PV.

- Todos (os integrantes do PV) são favoráveis à candidatura de Gabeira. Agora, caberá debater como vamos viabilizar isso. A questão prioritária é que não tenha uma ambiguidade para não entrar em contradição com o projeto nacional do partido. Só vamos decidir depois do carnaval - afirmou a senadora.

Cesar Maia discute com Serra palanque do Rio

Marina lembrou que foi o próprio Gabeira quem decidiu, inicialmente, retirar a pré-candidatura ao governo do Rio, justamente para evitar subir nos dois palanques durante o primeiro turno das eleições de outubro:

- Era uma tese que já estava pronta. O Gabeira tinha uma coligação (partidária) em curso. E o partido está avaliando. O Gabeira é a liderança mais forte que temos. É a nossa maior estrela. Tem um impacto político.

O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, sinalizou que o acordo com o PV caminha bem:
- O assunto está avançando com o PV.

Ontem, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM), pré-candidato ao Senado, conversou com o governador José Serra. Por e-mail, Cesar explicou que, na opinião do tucano, Gabeira conseguirá resolver o impasse dos palanques com dirigentes do PV:

- Foi (uma conversa) pelo telefone e sobre o positivo da decisão (da pré-candidatura) do Gabeira. O Serra acha que a experiência dele resolverá tudo.

O chefe de fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), Luiz Fernando Santa Brígida, confirmou que a lei eleitoral permite a candidatos fazerem campanha em dois ou mais palanques:

- A verticalização acabou. Formalmente, não há problemas. O que pode acontecer é o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) baixar uma resolução antes das eleições, determinando o contrário.

Gabeira vai tirar votos de Cabral, avalia Garotinho

Gabeira disse que, a partir de agora, discutirá alternativas para resolver o impasse no PV: - Queremos saber (com integrantes do partido) quais são as demandas e de que forma poderemos encontrar uma solução para o caso.

Uma das soluções apontadas pela coligação que apoia Gabeira é que o deputado dê o palanque para Marina no primeiro turno e a Serra, no segundo. O deputado é contra:

- Daria a entender que o segundo turno já estaria decidido - descartou Gabeira.

Apesar de insistir em dizer que não é pré-candidato ao governo, o ex-governador Anthony Garotinho (PR) comemorou a intenção de Gabeira de voltar à disputa. Antigos aliados, Garotinho e Cabral são da base aliada da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), pré-candidata à Presidência.

- Eu acho ótimo. Quanto mais candidatos melhor. O Gabeira tiraria votos do Cabral na Região Metropolitana - avaliou Garotinho.

Procurado, Cabral não quis falar sobre eleições.

Serra entra em campo para consolidar palanque no Rio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano articula coligação em torno da candidatura de Gabeira ao governo

Christiane Samarco de Brasília, Alfredo Junqueira e Luciana Nunes Leal do Rio

APOIO - Em visita ao Rio, Serra recompôs relação com Cesar Maia

O governador de São Paulo e candidato tucano à Presidência, José Serra, entrou em campo para ajudar os dirigentes do PSDB a consolidar um palanque forte no Rio. De passagem pela capital carioca para prestigiar o lançamento de uma publicação da Unesp, Serra fez questão de telefonar ao ex-prefeito Cesar Maia (DEM) para recompor a relação pessoal entre os dois. Antes disso, o governador paulista já havia procurado o deputado e pré-candidato do PV ao governo fluminense, Fernando Gabeira.

Na conversa com Maia, Serra deixou claro seu empenho pessoal em favor da montagem de um "chapão" em torno de Gabeira no Rio, em que Maia teria vaga garantida para disputar o Senado.
A cúpula do PSDB já vinha trabalhando desde a virada do ano para fechar uma coligação ampla, incluindo PPS, PV e DEM. Com o sinal verde de Serra, dirigentes tucanos trabalharam para obter o aval da candidata do PV à Presidência, a senadora Marina Silva (AC), e assim finalizar a montagem da coligação.

"Trocamos ideias sobre como a decisão do Gabeira recompunha o quadro eleitoral do Rio", explicou Maia, via e-mail. Para ele, a mudança de posição de Gabeira, que tinha anunciado a intenção de concorrer ao Senado e depois de disputar a reeleição para a Câmara, pode ser explicada pela compreensão de Marina Silva sobre o quadro eleitoral no Rio. "Coerentemente, (Gabeira) se alinhou com a candidatura de Marina até que ela entendesse bem o quadro do Rio e liberasse a formação que se tinha antes dela ser candidata", afirmou o líder do DEM.

CAUDILHOS

Maia e Serra não se falavam desde novembro passado, quando o ex-prefeito chamou Serra de "personalista" e chegou a dizer que ele lembrava "os piores caudilhos", por se recusar a tratar da candidatura presidencial.

O ex-deputado tucano Márcio Fortes, um dos interlocutores tucanos mais frequentes de Gabeira, disse que a intenção é formar uma chapa encabeçada pelo deputado do PV, com um tucano candidato a vice-governador. A aliança incluiria ainda o DEM e o PPS na disputa pelas duas vagas do Senado.

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse ontem que Gabeira sempre foi "a primeira alternativa" do PSDB na disputa pelo governo e que os partidos os aliados chegarão a um acordo sobre a campanha presidencial. "Avaliamos que não há problema", disse Guerra, referindo-se ao fato de a candidatura oposicionista ter dois candidatos à presidência, com Marina apoiada por Gabeira e Serra ao lado do PSDB, do DEM e do PPS.

Marina também lembrou ontem a aliança PV-PSDB na disputa pela prefeitura do Rio em 2008. "Os partidos reconhecem Gabeira como uma liderança inconteste no Rio. O importante é não haver ambiguidade no projeto nacional do PV. A construção está sendo trabalhada, não há solução mágica para o problema", afirmou a senadora.

Aliança PSDB-PV por Gabeira no RJ esbarra em "série de nós"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Verdes recusam apoio à candidatura ao Senado do ex-prefeito Cesar Maia, do DEM

Acomodação de Serra e Marina num só palanque e resistência de deputados da sigla são outros empecilhos para formalizar a coligação

Catia Seabra
Da Reportagem Local

Apesar da aprovação da pré-candidata do PV à Presidência, Marina Silva (AC), e da torcida do governador de São Paulo, José Serra, o PSDB tem ainda que desatar um emaranhado de nós para a consolidação do palanque de Fernando Gabeira (PV) ao governo do Rio.

A avaliação é do próprio Gabeira: "Há uma série de nós pelo caminho", admitiu.

Além de uma delicada engenharia para acomodação de Serra e Marina num só palanque, um dos imbróglios está na difícil relação entre o presidente estadual do PV, Alfredo Sirkis, e o ex-prefeito e candidato ao Senado, Cesar Maia (DEM).

"O PV não tem como apoiar a candidatura de Cesar Maia", avisa Sirkis, defendendo que cada um dos partidos da coligação -PSDB, DEM, PPS e PV- lance candidato ao Senado.

Maia diz desconhecer por que Sirkis -seu "secretário por dez anos"- impõe restrições.

"Mas é natural que no inicio de negociações os partidos se posicionem em seus limites para avançar", afirmou Maia, que, na terça, conversou com Serra pelo telefone. "Estávamos ambos satisfeitos pela decisão dele [Gabeira]", relatou.

Outro foco de discórdia será a edição de chapa de deputados. O PV resiste à coligação. Mas o PSDB alega que os verdes seriam únicos beneficiários do tempo concedido a Gabeira.

"Vamos usar nosso tempo para repetir "vote em Gabeira, 43". Então, o PV se coligar obedece à lógica justa e racional", disse o tucano Otávio Leite.

Assunto da conversa entre Maia e Serra, outro desafio da coligação é convencer Denise Frossard (PPS) a assumir papel ativo na campanha.

Lembrando a eleição do ex-governador Jorge Vianna (PT) -eleito no Acre graças à aliança entre PT e PSDB- a pré-candidata do PV à Presidência disse que a candidatura de Gabeira é uma das principais apostas do PV, mas alertou para a necessidade de não se fragilizar um projeto nacional.

"É uma construção delicada. É possível fazer um arranjo em que haja autonomia?", perguntou Marina.

Para verdes, PSDB e PV terão de sentar agora para fixar critérios de distribuição de tempo e de material de campanha. Para tucanos, o ideal seria postergar o debate para depois da oficialização da aliança.

Gabeira deve fechar acordo com o PSDB

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ana Paula Grabois e Heloisa Magalhães, de São Paulo e do Rio

Depois de desistir da disputa pelo governo do Estado do Rio, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) voltou atrás e agora vê "perspectivas boas" para a candidatura. Nos últimos dias, uma tropa do PSDB esteve no Rio para convencê-lo a disputar o cargo e, assim, dar palanque no Rio ao presidenciável José Serra, governador de São Paulo. "Estamos encaminhando um acordo, o entendimento vai depender das condições para que todos se sintam confortáveis", disse o deputado. O desafio para sua candidatura deslanchar é conjugar o apoio a Marina Silva, pré-candidata a presidente do PV, e a Serra. Gabeira desistira anteriormente porque teria pouca chance de vencer o pleito com apenas 30 segundos de propaganda eleitoral enfrentado o favorito, Sérgio Cabral (PMDB), que tentará a reeleição. Se a coligação for fechada, Gabeira ficará com tempo de TV de 5 minutos a 6 minutos.

"Nossa ideia é fechar ª o acordo] até o carnaval", afirmou Gabeira.

O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, é mais otimista e prevê que a coligação será alinhavada até a próxima semana. Guerra, um dos principais articuladores da aliança, diz que a candidatura do deputado do PV é "muito importante para Serra e para o Rio ter um candidato em quem votar", mas ressalta que a coligação trata da eleição estadual, sem causar problema jurídicos. O PSDB deve ter candidato no Rio a senador, mas o nome ainda não foi escolhido.

Nos últimos dias, vários integrantes do PSDB conversaram com Gabeira, como os deputados federais Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES) e Jutahy Magalhães Júnior (BA). Do PSDB fluminense, o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha e a vereadora Andrea Gouvêa Vieira conversaram com Gabeira. A avaliação que saiu das conversas é de que Gabeira tem chances de vencer Cabral, favorito nas pesquisas eleitorais e apoiado pela pré-candidata do PT, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Em 2008, Gabeira foi ao segundo turno da eleição para prefeito do Rio e perdeu por pequena diferença de votos para Eduardo Paes (PMDB). Na época, o deputado já contava com a aliança tucana.

Gabeira já havia até desistido de concorrer ao Senado e tentaria a reeleição como deputado federal. A avaliação era de que poderia não conseguir votação suficiente para uma das duas vagas no Senado diante dos nomes que devem disputar no Estado. Já anunciaram a intenção de concorrer ao Senado o senador Marcelo Crivella (PRB), o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB) e o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (DEM). O PT ainda vai escolher entre a ex-senadora Benedita da Silva e o prefeito de Nova Iguaçu (RJ), Lindberg Farias.

Cesar Maia disse que conversou por telefone com o governador José Serra na noite de terça-feira. Serra esteve no Rio para o lançamento de um livro da Unesp. Maia contou que os dois conversaram sobre a decisão de Gabeira de realmente concorrer ao governo do Rio, o que vai compor o quadro eleitoral no Estado. Para Maia, a revisão da decisão de Gabeira faz sentido, pois inicialmente o deputado, "coerentemente, alinhou-se com a candidatura Marina até que ela entendesse bem o quadro do Rio e liberasse a formação que se tinha antes dela ser candidata". O momento, disse ele, é de "arrumação da chapa". Maia, porém, enfrenta resistências por parte do PV do Rio. "Não há nenhuma hipótese do PV apoiar Cesar Maia", disse o vereador Alfredo Sirkis, presidente do PV do Rio.

Planalto recua e altera texto que irritou militares

DEU EM O GLOBO

Para contornar a insatisfação dos militares, o presidente Lula editou novo decreto mudando o texto sobre a Comissão da Verdade. Saem termos como "repressão política" e "apuração de violações". Mas ficam outros pontos polêmicos, que desagradaram à Igreja e aos ruralistas.
Lula tentou minimizar a crise.

Lula cede a pressão e muda plano

AMPLO E POLÊMICO

Presidente edita novo decreto sobre direitos humanos retirando expressões que irritaram militares

Chico de Gois e Luiza Damé

Depois de uma reunião com os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou ontem um novo decreto para acabar com a polêmica entre seus dois auxiliares e os comandantes militares sobre o decreto que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos. O governo editou novo decreto estabelecendo regras para o projeto de lei que será elaborado criando a Comissão Nacional da Verdade. E a redação do novo decreto suprime o principal ponto de atrito com os militares.

Na versão de dezembro do decreto, está escrito que a comissão seria criada para "promover a apuração e o esclarecimento público" das violações de direitos humanos praticadas pela "repressão política". Já o novo texto estabelece que a comissão "vai examinar" as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar.

Ou seja, no decreto assinado ontem por Lula desapareceu a expressão "repressão política" e não se fala em apurar, mas apenas examinar o que ocorreu durante a ditadura. Por enquanto, Lula resolveu manter os outros pontos do decreto anterior do Programa de Direitos Humanos, que prevê a aprovação de 27 novas leis e trata de assuntos polêmicos, como união entre homossexuais e descriminalização do aborto.

À noite, Lula minimizou as críticas ao programa, especialmente da Igreja, e as divergências entre os ministros Jobim, Vannuchi, Reinhold Stephanes (Agricultura) e Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário). Para Lula, a posição da Igreja contra o aborto não impede que a sociedade se manifeste:

- Eu conheço o comportamento da Igreja sobre aborto há muito tempo. Vocês conhecem o meu comportamento sobre aborto há muito tempo. O fato de eu ter posição... Não cabe a mim proibir que a sociedade se manifeste tendo posição contrária. São as posições antagônicas que permitem construir o caminho do meio.

Nelson Jobim se diz satisfeito

Segundo Lula, agora um grupo de trabalho vai formalizar o projeto que será enviado ao Congresso, e a palavra final será dos parlamentares. Ele disse que as divergências entre Jobim e Vannuchi foram resolvidas.

- Não tinha problema. Quem criou o problema... Está resolvido. O problema nem deixou de existir nem era tão grave. As pessoas imaginaram que a República ia cair por causa da divergência - disse Lula, negando que os comandantes militares tenham pedido demissão. - Enquanto eu estava de férias, carregando isopor, vocês escreveram isso.

O texto atende à reivindicação de Jobim, que deixou a reunião dizendo-se satisfeito com o teor do novo documento. Vannuchi saiu sem falar com a imprensa. O grupo de trabalho criado para elaborar o anteprojeto de lei que institui a Comissão Nacional da Verdade terá até abril para apresentar os resultados a Lula. O grupo terá seis pessoas e a presidência será de um funcionário indicado pela Casa Civil.

O texto deixa claro, ainda, que será respeitada a Lei de Anistia. O artigo 5 diz que o anteprojeto estabelecerá que a Comissão da Verdade poderá realizar atividades como "colaborar com todas as instâncias do poder público para a apuração de violações de direitos humanos, observadas as disposições da Lei 6.683/79" (Lei da Anistia).

Jobim disse que a solução agradou:

- Da minha parte, está resolvido.

A presidente da Confederação Nacional da Agricultura, senadora Kátia Abreu, afirmou que as mudanças feitas pelo governo "devem ser recebidas com reserva e atenção". Para ela, discutir a Comissão da Verdade não é suficiente para esgotar as polêmicas: "Todas as outras declarações de intenções contidas no programa permanecem. Foram mantidas ameaças às instituições democráticas, ao estado de direito e à liberdade de expressão".

Lula abranda Comissão da Verdade

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula mexeu ontem no texto do Programa Nacional de Direitos Humanos, para abrandar a Comissão da Verdade. Outros pontos polêmicos, como o controle da mídia e o aborto, permanecem inalterados.

Sob pressão dos militares, Lula abranda a Comissão da Verdade

Outros pontos polêmicos do plano como mídia, aborto e questão agrária, alvos de protestos, não foram mexidos

Leonencio Nossa

BRASÍLIA - Pressionado pelos militares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou ontem a primeira ação concreta para esvaziar o Programa Nacional de Direitos Humanos. Por decreto, mesmo instrumento usado para lançar o plano, ele abrandou os objetivos da Comissão da Verdade - criada para investigar crimes da ditadura - retirando o trecho que previa o exame de delitos da "repressão política".
Embora tenha indicado que deve fazer outras alterações, mais especificamente nos itens que preveem controle social da mídia, descriminação do aborto e mudança nas regras para desocupações de áreas invadidas, Lula ainda não mudou esses três pontos sensíveis. Além da repercussão negativa, o plano gerou uma onda de protestos que reuniu ruralistas, Igreja Católica e ministros do próprio governo, como o titular da Agricultura, Reinhold Stephanes.
A revisão do item relacionado à Comissão da Verdade era defendida pelo ministro Nelson Jobim (Defesa) - que ameaçou pedir demissão junto com os três comandantes das Forças Armadas em dezembro - e por entidades que reúnem militares da reserva que atuaram na repressão política durante o regime militar, incluindo duas centenas de citados nas listas de torturadores elaboradas por grupos de direitos humanos.
Foi uma derrota para o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria dos Direitos Humanos, na queda de braço com Jobim pela manutenção do plano, que previa o exame de "violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política".
Vannuchi já vinha sofrendo pressão de parentes de mortos na ditadura e de grupos de combate à tortura por ter incluído, no decreto de dezembro, a expressão "reconciliação nacional", que não estava no projeto original aprovado em 2008 pela Conferência Nacional de Direitos Humanos.
O texto assinado ontem dá mais força a essa expressão.O decreto de ontem foi definido em encontro de Lula com Vannuchi e Jobim, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. O titular de Direitos Humanos deixou a reunião sem falar. O ministro da Defesa se limitou a dizer que, de sua parte, estava tudo "resolvido".
A retirada da palavra "repressão política" não traz prejuízos para instalação da Comissão da Verdade, dizem assessores do governo. Mas, na guerra de simbologias, travada desde o início da distensão política por militares e parentes dos mortos, venceram mais uma vez os que negam a repressão política, avaliam esses mesmos assessores.
A Comissão da Verdade será formada por representantes do Arquivo Nacional, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da Comissão de Mortos e Desaparecidos e do grupo de trabalho da Defesa que faz buscas na região do Araguaia (TO).
MAIS MUDANÇAS
O abrandamento do Programa Nacional de Direitos Humanos - em sua terceira versão - só está no começo. O tom definido pelo presidente para a política nacional de direitos humanos deverá ser bem menos incisivo que o decreto, publicado no último dia 22. A orientação de Lula é para que a mudança seja feita de forma discreta, nos projetos de lei previstos para ser enviados ao Congresso.
O único ponto em que o presidente não cedeu às pressões dos militares é o que prevê a identificação pública dos locais utilizados para torturar participantes da resistência à ditadura.
Pelo decreto, os centros de violação dos direitos humanos, em estruturas militares ou civis, devem se tornar públicos.

Programa continua com ilegalidades, dizem críticos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Controle da mídia, aborto e conflito agrário estão entre pontos polêmicos

Adriana Fernandes, Luiz Alberto Weber

BRASÍLIA - O recuo do Planalto para reverter o descontentamento dos militares com o Programa Nacional de Direitos Humanos não acaba com a crise, pois se restringiu a um dos 518 itens do documento, que tratou de temas tão diversos como controle da mídia, aborto e conflito agrário.

O consultor jurídico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, lamentou ontem que a Presidência tenha mantido "ilegalidades" do texto original. "A interferência nos meios de comunicação, o monitoramento, está tudo lá ainda", disse. O plano prevê "instituir critérios editoriais para criar um ranking de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos, assim como dos que cometem violações", além de propor mudanças na concessão de rádios e TVs.

Na mesma linha, a senadora e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu (DEM-TO), veiculou nota dizendo que foram mantidas as ameaças à democracia da primeira versão. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deve divulgar nota amanhã com sua avaliação do programa. A Igreja é contra a aprovação do aborto ? "considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos", como diz o plano ?, a união civil de homossexuais e o que considera "intolerância" contra símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União.

Na Esplanada, um dos principais críticos do decreto, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, vai levar a Lula um levantamento técnico com os principais pontos de preocupação do setor agrícola em relação ao documento.

TRANSGÊNICOS

Embora o texto tenha sido endossado pelo secretário executivo José Gerardo Fontelles, o Ministério da Agricultura quer a revisão não só da parte que trata de invasão de terras e reintegração de posse, mas da diretriz que determina a garantia da aplicação do "princípio da precaução" no uso de transgênicos.

O uso desse princípio pressupõe que determinada ação não ocorra se houver dúvida de que possa ocorrer dano à saúde e ao meio ambiente. Na análise técnica preparada pela Agricultura, essa restrição funciona na prática como uma barreira ao uso de transgênicos, matéria "já vencida". A avaliação é de que essa nova diretriz constitui um retrocesso e se sobrepõe ao trabalho da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

O estudo técnico também aponta como extremamente preocupante para a economia a parte do programa que condena as monoculturas, especialmente a de soja. Assessores do ministério ressaltam que 70% do plantio de soja é feito por produtores médios e pequenos.

O ministério avalia, ainda, como inconstitucional e um "perigo jurídico" a proposta de institucionalizar, por meio de projeto de lei, a utilização da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos, priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos. A mediação, como o previsto no decreto, seria uma medida preliminar à avaliação da concessão de liminares para reintegração de posse.

Janio de Freitas:: Lula e a sua verdade

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O novo decreto do presidente é o ato mais grave do seu governo; e o mais denunciador dele próprio

Mais do que ceder à exigência militar contra o Programa Nacional de Direitos Humanos, o novo decreto de Lula permite evitar por tempo incalculável o que falta saber e fazer sobre os crimes da ditadura. E, como complemento, abre a possibilidade de que opositores do regime sejam outra vez investigados, com eventuais desdobramentos.

A percepção deste sentido do decreto não requer leitura atenta de mais do que três trechos do seu espichado texto.

O primeiro deles está já no início do decreto: "Fica criado o grupo de trabalho para elaborar anteprojeto que institua a Comissão Nacional da Verdade (...) para examinar as violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".

O período cuja investigação tem sido reivindicada é o da ditadura, o que está claro no próprio decreto anterior de Lula ao se referir a levantamentos da "repressão política". Sob a aparência indiferente, no novo decreto, de "período fixado no art. 8º" do ADCT, o período da ditadura e a sua repressão tornam-se frações de um tempo vasto e de ocorrências inumeráveis. O disfarce da remissão às Disposições Transitórias esconde este novo período:
(...) "de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição" atual.

À Comissão Nacional da Verdade de Lula cabe investigar 42 anos de violações de direitos humanos no Brasil. Sequer é de repressão política só, mas de direitos humanos em geral.

Nem em um século a tarefa seria executada por um contingente de pesquisadores.

Lá para as tantas, o propósito do novo decreto se trai, ao pretender disfarce de mais seriedade e, com isso, enveredar por tema que não lhe compete, seria do anteprojeto futuro.

Está no art. 6º: "O anteprojeto de lei estabelecerá que a Comissão Nacional da Verdade apresentará, anualmente, relatório circunstanciado" (...). "Anualmente": uma sequência de anos indeterminada, sem motivo ou possibilidade de estimativa, antes vista com a certeza de que entrará pelos tempos.

Não faltou a Lula entregar o que jamais fora cogitado de ceder aos militares: igualar os opositores da ditadura aos torturadores, assassinos e autores de desaparecimentos. Sempre com artimanhas malandras, esta assim posto no art.5º do decreto, que autoriza a comissão a "realizar as seguintes atividades": "V - identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos aparelhos de Estado, e em outras instâncias da sociedade".

A identificação reivindicada pela verdade não é a de estruturas, mas de autorias e responsabilidades correlatas. Na repressão da ditadura, e não nos direitos humanos em geral. A sordidez maior, porém, vem no fim: "em outras instâncias da sociedade". Que instâncias podem ser, senão movimentos, partidos, imprensa, entidades profissionais, entidades estudantis?

Cabem na expressão indefinida as "instâncias" capazes de incluir todos os opositores. E torná-los objeto de investigação, com seus desdobramentos, a partir de informações dadas à comissão, como prevê o decreto. Informações, por exemplo, procedentes de militares quando considerem necessária uma represália ou um recuo da comissão.

O novo decreto de Lula é o ato mais grave do seu governo. E o mais denunciador dele próprio.

Lula recua em texto de direitos humanos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula edita novo decreto para encerrar crise com militares

Pressionado por Jobim, presidente retirou a expressão "repressão política" do texto

Outros pontos polêmicos do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos foram mantidos, como o que trata de legalização do aborto

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pressionado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e pelos comandantes militares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou ontem decreto criando grupo de trabalho interministerial que vai elaborar projeto de lei da comissão da verdade sobre a ditadura militar (1964-1985) sem mencionar a expressão "repressão política".

Sem alterar o polêmico decreto que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos, alvo de críticas também da igreja, da mídia e de ruralistas, o novo decreto visa encerrar a mais recente crise militar.

A expressão "repressão política" remetia à apuração dos excessos cometidos pelos agentes do Estado, como os torturadores. Sem ela, o alvo da comissão da verdade fica genérico, sem especificar quem e que lado -se os torturadores, se a esquerda armada ou se ambos- será investigado pela comissão, conforme solução antecipada pela Folha na segunda-feira.

O anteprojeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso em abril, mas o grupo de trabalho poderá ter seu prazo prorrogado, prevê o decreto a ser publicado hoje no "Diário Oficial".

A solução para a crise militar saiu de uma reunião entre os ministros Nelson Jobim (Defesa) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), na noite de anteontem, e foi levada ontem de manhã a Lula, que acatou e assinou na hora o novo decreto.

"Da minha parte está tudo resolvido", disse Jobim. Tanto Vannuchi como os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica haviam ameaçado pedir demissão se não houvesse acordo. A solução puramente semântica foi suficiente para acalmar os ânimos.

Na reunião de ontem, Lula nem sequer falou de outros temas polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos. Embora ele não concorde em apoiar a descriminalização do aborto nos termos previstos pelo decreto de dezembro, esse e outros dispositivos foram mantidos intactos. Por ora, não há definição sobre mudanças no decreto de 22/12. A maioria das ações não é autoaplicável.

Jobim se concentrou em resolver a questão da comissão da verdade. Os militares julgam que o decreto original criava uma comissão unilateral, para investigar só um dos lados, deixando de fora a apuração de crimes da esquerda armada.

O novo decreto mantém a previsão de identificar "as estruturas utilizadas para a prática de violações dos direitos humanos", mas não fala nada sobre a possibilidade de retirada de nomes de responsáveis por violações de direitos humanos em logradouros públicos. Jobim argumentou com Vannuchi que isso poderia levar a situação até ridículas, como a da destruição de fotos de militares como Castello Branco e Costa e Silva na galeria oficial de ex-presidentes.
(Eliane Cantanhêde, Simone Iglesias e Marta Salomon)

O decreto da incompetência - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Acuado pela ampla reação contrária ao Programa Nacional dos Direitos Humanos criticado até por ministros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recuar para evitar custos políticos maiores, mas procurou poupar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata à Presidência da República. Ela é, no entanto, pelo menos tão responsável quanto o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, pelo embaraço causado ao presidente. De certo modo, sua responsabilidade é maior, porque cabe à Casa Civil a avaliação final de qualquer projeto encaminhado ao chefe do governo. Segundo informação daquela Pasta, só os aspectos legais do programa foram analisados. Isso equivale à confissão de uma falha. É função do gabinete civil não só a "verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade dos atos presidenciais", mas também a "análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas, inclusive das matérias em tramitação no Congresso Nacional, com as diretrizes governamentais". Não é preciso pesquisar a legislação para descobrir esses dados. Tudo isso está nas páginas da Casa Civil, facilmente acessíveis pelo site do Palácio do Planalto.

Não tem sentido, em termos administrativos, lançar sobre o secretário Paulo Vannuchi toda a responsabilidade pela desastrosa publicação do decreto sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos. O secretário fez um péssimo trabalho em todos os sentidos ? muito ruim como projeto para o País e politicamente custoso para o governo ?, mas o texto foi submetido a uma instância intermediária, antes de chegar ao chefe de governo. O presidente alegou ter assinado sem ler. Não explicou se o fez por aversão à leitura, mas, de toda forma, deve ter confiado no trabalho de seus auxiliares. Se confiou, errou.

Com esse escorregão, a ministra Dilma Rousseff demonstrou de forma irrefutável seu despreparo para mais um cargo federal. Já havia mostrado sua inépcia ao chefiar o Ministério de Minas e Energia, onde sua gestão foi abaixo de inexpressiva. Chamada para a Casa Civil, foi desde o início poupada, pelo presidente, de toda a responsabilidade pela articulação política. Foi-lhe atribuída a gerência dos investimentos federais e, em 2007, o presidente Lula entregou-lhe a coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais que isso, ele a nomeou "mãe do PAC". Mais uma vez a ministra demonstrou sua inépcia gerencial, desmentindo novamente sua injustificável fama de executiva.

No ano passado ? o de melhor desempenho na execução das obras ? o Tesouro desembolsou apenas 65% do valor previsto no orçamento para o programa. Além disso, pouco mais de metade do total desembolsado correspondeu a restos a pagar. Mas o presidente Lula ainda não está saciado. Persistente, decidiu proporcionar à ministra Dilma Rousseff a oportunidade invejável de exibir sua inépcia no posto mais alto da administração nacional, a Presidência da República. Se Lula tiver sucesso, terá contribuído de forma notável para a revisão do Peter Principle, divulgado em 1969 pelo professor Lawrence Johnston Peter: "Numa hierarquia, todo funcionário tende a subir até seu nível de incompetência." Na formulação revista, ampliada e já comprovada em parte, a ascensão pode continuar por níveis de incompetência cada vez mais altos e mais perigosos para a organização ? ou, neste caso, para o País.

Não se sabe se Lula conseguirá transferir para sua candidata prestígio suficiente para permitir sua eleição. Neste momento, ele está empenhado em transferir-lhe um de seus atributos mais invejáveis, semelhante à propriedade principal das panelas teflon. Graças a essa propriedade, nenhum escândalo grudou em sua figura e nenhum erro importante maculou sua imagem, pelo menos perante uma grande parcela dos cidadãos. Ao isentar a chefe da Casa Civil de responsabilidade pelo desastroso decreto, Lula procura transformá-la numa candidata igualmente imune a prejuízos de imagem. Na terça-feira, por exemplo, ele a conduziu ao primeiro grande evento eleitoral de 2010, em Brasília, perante uma plateia de prefeitos, governadores e parlamentares. A cerimônia teve até beija-mão, protagonizado pelo presidente do Congresso, senador José Sarney. Foram liberados na ocasião R$ 3 bilhões para prefeituras, destinados ao programa de habitação popular. Um grande investimento, sem dúvida pelo menos na candidatura oficial.

Frei encosta em Piñera e acirra campanha no Chile

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pesquisa dá 50,9% a Sebastián Piñera e 49,1% a Eduardo Frei a 4 dias do 2º turno

Marco Enríquez-Ominami, que ficou em terceiro no 1º turno, anuncia apoio ao ex-presidente Frei e pode abalar reta final do pleito

Thiago Guimarães
Enviado Especial a Santiago

A quatro dias do segundo turno, a eleição presidencial no Chile se acirrou ontem, com uma pesquisa que apontou empate técnico entre o governista Eduardo Frei e o opositor Sebastián Piñera e o anúncio de apoio a Frei por Marco Enríquez-Ominami, terceiro colocado no primeiro turno.
Projeção do Centro de Estudos Mori indicou vitória de Piñera com 50,9% dos votos, contra 49,1% de Frei. A pesquisa ouviu 1.200 pessoas de 1 a 9 de janeiro e usa perguntas adicionais para interpretar a opção daqueles que não respondem.

"Frei encurtou a distância a Piñera, que, contudo, tem uma vantagem com mais chances de se manter do que de se anular", diz o estudo, que tem margem de erro de três pontos.

Em que pese o favoritismo de Piñera, um moderado de direita que venceu o primeiro turno com 44% dos votos e lidera as pesquisas desde então, a candidatura do ex-presidente Frei (1994-1999) ganhou alento ontem com a declaração de voto de Ominami, o deputado dissidente do governo que competiu como independente e conseguiu 20% dos votos.Sem citar o nome de Frei -se referiu apenas ao "candidato de 29% dos chilenos", votação do ex-presidente no primeiro turno-, Ominami disse ter optado por "contribuir para que a direita não impeça a marcha do Chile rumo ao futuro".

Ominami, 36, foi a grande surpresa da eleição chilena. Impedido de participar das primárias presidenciais da Concertação -a coalizão de centro-esquerda que governa o país há 20 anos-, deixou a aliança e se lançou como independente. No segundo turno, seu 1,39 milhão de votos se tornou o principal alvo de Piñera e Frei.

O deputado construiu sua candidatura com fortes críticas às cúpulas partidárias -pediu a renúncia dos líderes da Concertação para apoiar Frei.

Na última semana de 2009, dois presidentes de sócios menores da aliança deixaram os cargos, mas os chefes dos partidos maiores -Socialista e Democracia Cristã, de Frei- se mantiveram. As saídas, contudo, repercutiram negativamente na campanha de Frei.

A disputa do segundo turno viu os candidatos incorporarem colaboradores e promessas de campanha de Ominami. Foi Frei, contudo, por meio do governo Michelle Bachelet, quem deu a cartada decisiva: enviou ao Congresso, em caráter de urgência, projetos-chave do programa de Ominami, como o do voto voluntário e o do registro eleitoral automático.

Aprovada por 80% da população, mas sem conseguir transferir sua popularidade a Frei, Bachelet reforçou o discurso eleitoral nos últimos dias. "Uma candidatura escutou ao povo no primeiro turno e somou apoios, como o de Ominami", disse.

"Os últimos fatos agudizam o acirramento da eleição, mas a ajuda de Ominami chegou tarde", disse à Folha o analista político Ascanio Cavallo.

Segundo a pesquisa Mori, o eleitorado de Ominami se divide da seguinte forma no segundo turno: 44% por Frei, 20% para Piñera, 21% votam nulo ou branco e 15% não sabem ou não responderam.

O QUE PENSA A MÍDIA

EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
Clique o link abaixo

Eliane Cantanhêde:: O Nobel da Paz brasileiro

DEU NA FOLHA DE S, PAULO

Zilda Arns foi o que todas nós, ou muitas de nós, gostaríamos de ser ou de ter sido: uma mulher de infinita dedicação às suas crianças, à sua gente, ao seu país e ao seu mundo.

Ela morreu como viveu: chacoalhando em desconfortáveis jipes militares, aos 75 anos, numa guerra contra a pobreza, a sujeira, a ignorância. A favor da vida. Morreu para que tantos outros vivessem no pequeno Haiti, o mais miserável país da América Latina, quase um encrave da África pobre na região.

Médica, especializada em educação física e pediatria, coordenadora da Pastoral da Criança da CNBB, Zilda foi indicada três vezes pelo Brasil para o Prêmio Nobel da Paz. Merecia, e seria uma honra para cada um de nós. Mas ela não era só brasileira, era do mundo.

Suas soluções simples, baratas e enormemente eficazes cruzaram fronteiras e foram salvar vidas em 15, 20 países pobres da América Latina e da África. Coisas assim como lavar as mãos, tomar banho, aproveitar os alimentos até o último detalhe. Quem não leu sobre macerar cascas de ovos para adicionar cálcio à alimentação de pobres? Quem não sabe da mistura caseira para salvar crianças de desnutrição e desidratação?

Sua história e seus ideais se confundem com os de um ícone mundial, que foi Madre Tereza de Calcutá. Mas Zilda não era freira, não usava hábito e dedicou sua vida à vida alheia, mantendo-se bonita, vaidosa, imensamente feminina. Não interpretou um papel. Era apenas ela mesma em ação.

Se Zilda Arns tivesse morrido de uma doença qualquer, de um acidente qualquer, mesmo assim sua morte teria imensa repercussão e geraria uma tristeza nacional. Quis o destino, ou a sua saga, que ela morresse no Haiti, num terremoto.

Torna-se, portanto, uma personagem única, cercado por símbolos e exemplos que deixam marcas, rastros. Zilda, definitivamente, não passou pela vida em vão.

Miriam Leitão:: Orgulho e dor

DEU EM O GLOBO

Metade dos haitianos tem menos de 18 anos. São crianças. A médica Zilda Arns dedicou sua vida às crianças. Salvou incontáveis vidas no Brasil, espalhava seu trabalho pelo mundo, morreu no país que mais precisava de ajuda. O Haiti é o país mais pobre do Ocidente, diz o Banco Mundial. Sobre essa extrema privação é que aconteceu a devastação de um terremoto histórico

O Brasil tem tido sabedoria, estratégia, autoridade na condução dos trabalhos da missão da ONU no Haiti. Com sabedoria, estratégia e solidariedade, Zilda Arns construiu uma rede poderosa de voluntários que se espalhou pelo Brasil salvando vidas.

Quando a missão brasileira chegou ao Haiti, em 2004, a maior preocupação da ONU era com as gangues formadas por ex-integrantes das forças armadas haitianas que haviam sido extintas em 1994. E foi nesse ponto que os militares brasileiros começaram a trabalhar, segundo me contou ontem o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, primeiro comandante da Missão da ONU: — Nosso primeiro trabalho foi neutralizar os ex-militares, fomos prendendo, dissuadindo, desarmando e dissolvendo os grupos.

Depois, foi preciso mostrar coragem.

— Nós entrávamos nas áreas de conflito, numa cidade quase completamente favelizada que é Porto Príncipe, mas saíamos logo depois.

Os integrantes das gangues diziam que nós tínhamos medo deles, e assim evitavam que a comunidade cooperasse conosco.

Decidimos ocupar a primeira grande favela, Belair, que ficava perto do Palácio Presidencial — esse que acaba de ruir. Isso mostrou aos bandidos que não tínhamos medo e fortaleceu nossa relação com a população.

Depois, fomos para Cité Soleil — conta.

Mas tudo mudou mesmo quando chegou a companhia de engenharia do Exércio e começou o trabalho de reconstrução de hospitais, escolas, casas.

— Não era esse o nosso trabalho, mas diante da carência de tudo, fomos ganhando a confiança da população assim, construindo, fazendo poço artesiano, refazendo o destruído — diz o general.

A médica Zilda Arns foi chamada pelo irmão, na época cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, porque ele tinha tido uma ideia: — Zilda, você não quer pensar como a Igreja poderia ensinar às mães a preparar o soro caseiro? Porque se elas tomassem soro, não morreriam com diarreia.

Então eu pensei: quero multiplicar a informação — me disse doutora Zilda numa entrevista.

Ela foi organizando um método para essa multiplicação de informações: treinando voluntárias, educando as mães, organizando grupos, montando rede. As informações que foram sendo multiplicadas eram sobre como preparar o soro caseiro, como e por que manter o aleitamento materno, como preparar a mistura que fortalecia as crianças.

O Brasil, nesse período, por ações de voluntários como Zilda Arns, e atuação governamental, derrubou fortemente a mortalidade infantil. Mesmo assim, as estatísticas mostram que o trabalho que ela estruturou, a partir daquela conversa com Dom Paulo em 1982, fez diferença.

Hoje, a mortalidade infantil brasileira é de 22 em cada 1.000 crianças nascidas vivas. Nas áreas onde a Pastoral da Criança atua, é de 11 por mil. E o espantoso é que a Pastoral atua justamente nas áreas mais pobres do país.

O Haiti tem números terríveis.

Basta olhar esse gráfico para ver. Metade do país é de analfabetos, 80% dos haitianos são pobres, destes, 50% estão em estado de pobreza absoluta.

Só 30% de luz elétrica, só 20% das casas têm água encanada.

O país já foi vítima da mais sangrenta das ditaduras de Papa Doc cuja polícia matou 30 mil pessoas.

É atingido por inundações, como a de 2004, em Gonaives, que deixou mais de dois mil mortos, ou os furacões de 2008.

O que mostra a presença dos brasileiros no Haiti, e a vida de Zilda Arns, é que a tragédia social não é invencível.

Com método, objetivos e solidariedade, ela pode ser derrotada. Hoje é um desses momentos em que os sentimentos se misturam.

Orgulho dos brasileiros que morreram levando paz e solidariedade a um país devastado, e dor pelo sofrimento humano que está diante de nós.

André Rio e Spok Frevo Orquestra - Chuva de sombrinhas