quinta-feira, 9 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lei Orgânica da PM cria mais problemas do que resolve

O Globo

Ela tenta reduzir politização de forças policiais, mas esvazia secretarias de Segurança e enfraquece controle civil

O Senado aprovou na terça-feira uma lei orgânica para reger as polícias militares e corpos de bombeiros, tema enviado ao Congresso pela primeira vez ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Apoiada pelo Palácio do Planalto e pela oposição — com destaque para a bancada da bala —, ela busca padronizar o funcionamento das duas categorias em todo o país, ainda que as normas tenham de ser regulamentadas pelos governos estaduais. Embora a iniciativa tenha méritos, o texto final deixou a desejar.

O principal problema será o esvaziamento previsível das secretarias de Segurança Pública nos estados. Pela nova lei, os comandantes da Polícia Militar responderão ao governador. Não é difícil prever situações em que secretários serão escanteados. O texto peca por aprofundar um dos principais problemas na gestão da segurança no Brasil, a separação entre as polícias Civil e Militar. Quando essas forças trabalham juntas, os resultados são sempre mais satisfatórios. Quando cada uma age por conta própria, sem a coordenação de um secretário com poder de decisão, a situação tende a piorar.

Míriam Leitão - Reforma Tributária é vitória do governo Lula

O Globo

O texto é alvo de muitas críticas, mas o fato é que a travessia iniciada com a aprovação é histórica

Na intensa tarde de ontem, o líder do governo Randolfe Rodrigues acreditava que o placar seria entre 52 a 54 votos, e foi exatamente isso: 53 votos consagraram em primeiro e segundo turno a Reforma Tributária no Senado. Foi uma longa tramitação e, nesse tempo, a proposta perdeu qualidade, mas é sem dúvida uma enorme vitória do governo Lula. A última mudança ampla no sistema tributário brasileiro ocorreu na ditadura, essa agora se dá na democracia, com debate livre e a pressão de todas as forças da sociedade. Isso faz toda a diferença. É fácil mudar manu militari algo assim complexo e sensível, mas na democracia é tarefa que, até o atual momento, ninguém havia conseguido.

O Brasil está sem dúvida avançando, mas num terreno cheio de obstáculos. A reforma que está saindo do Congresso é pior do que o projeto inicialmente apresentado, apesar de ser muito melhor do que o atual sistema que aflige há tantos anos. O país tomou o caminho errado há muitas décadas, quando decidiu tributar mais fortemente o consumo e menos a renda e o patrimônio, explicava ontem o deputado Reginaldo Lopes a quem duvidava das qualidades do projeto.

Merval Pereira - Ano difícil

O Globo

Aproxima-se o momento, também, em que novos impostos serão necessários para garantir crescimento e manter de pé o novo arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos

A aprovação da reforma tributária ontem pelo Senado chegou em boa hora para o governo, que vem colecionando uma série de más notícias na área econômica, a justificar as palavras pessimistas do próprio presidente Lula quando admitiu publicamente que a meta de zerar o déficit não será alcançada:

— Nós sabemos que o ano que vem se apresenta como um ano difícil, (...) não vamos ficar parados esperando que notícias ruins aconteçam.

O problema é que, para o presidente, “não ficar parado” significa mais gasto. O rombo das contas públicas ficou em R$ 18 bilhões em setembro, em comparação com superávit de R$ 10,7 bilhões no mesmo mês do ano passado. Para piorar, a projeção de economistas era de superávit.

Malu Gaspar - A guinada de Lula

O Globo

Duas frentes vinham funcionando relativamente bem neste terceiro mandato de Lula: o Ministério da Fazenda e a Polícia Federal (PF). Enquanto Fernando Haddad negociava com o Congresso novas leis e reformas para organizar as finanças, numa narrativa de responsabilidade fiscal que emplacou entre os parlamentares como no mercado financeiro, a PF investigava os crimes e abusos cometidos pelo governo anterior contra a democracia e suas instituições.

Além de cumprir sua missão, a PF produzia notícias em série durante todo o ano para lembrar à opinião pública a principal razão que fez Lula vencer Jair Bolsonaro em 2022.

Sem a Fazenda convencendo o Congresso e o mercado de que tinha um plano, e sem a PF alimentando o noticiário com novidades anti-Bolsonaro, teriam sobrado mais holofotes para as incongruências entre o discurso e a prática ambiental do governo ou a falta de coordenação entre as políticas sociais – alvo, aliás, de queixas do próprio Lula.

Luiz Carlos Azedo - Guerra em Gaza pôs o Brasil na rota do terrorismo

Correio Braziliense

A guerra em Gaza acirra o antissemitismo e a islamofobia, em detrimento da convivência étnica e tolerância religiosa entre árabes e judeus no Brasil

O antropólogo Darcy Ribeiro, criador da Universidade de Brasilia (UnB), pouco antes de morrer nos deixou sua obra mais importante: O povo brasileiro, editada em 1995. Nesse ensaio histórico-antropológico, apostou na construção de uma civilização original: “tropical, mestiça e humanista”. Fugiu aos paradigmas eurocêntricos, que até a II Guerra Mundial legitimaram uma visão de que os povos de outros continentes seriam inferiores, exceto naqueles países de colonização anglo-saxã.

Obviamente, o Brasil era enquadrado na segunda categoria, visão que ainda sobrevive em parcela da elite brasileira. Para combater esse paradigma, Darcy valorizou o crioulo, o indígena, o caboclo, o vaqueiro, o matuto, o caipira e tantos mais tratados como gente de segunda classe. Contrapôs o patriciado colonial formado por donos de terra, traficantes de escravos, comerciantes, altos burocratas à massa de negros, mestiços ou brancos paupérrimos.

Dani Rodrik* - Nacionalismo da maneira certa

Valor Econômico

O nacionalismo econômico que dá errado é uma política de empobrecer a si mesmo, e não de empobrecer o vizinho

Com os EUA na liderança, o mundo parece entrar em uma nova era de nacionalismo econômico, uma vez que muitos países estão priorizando suas agendas social e econômica internas e as agendas ambientais, em detrimento do livre comércio e do multilateralismo. Embora a abordagem do presidente Joe Biden seja mais comedida e aberta à cooperação do que a de Donald Trump, ela provoca preocupações entre os liberais econômicos, que veem ecos de um retorno ao protecionismo e à autarquia ao estilo dos anos 30.

Mas o “nacionalismo econômico” é uma daquelas expressões assustadoras que os liberais econômicos usam para desacreditar práticas de que não gostam. Assim como acontece com qualquer rótulo ideologicamente carregado, ele esconde mais do que revela. Afinal, o nacionalismo econômico assume muitas formas, algumas prejudiciais e outras benéficas. Além disso, alguns dos principais teóricos do nacionalismo econômico, como Alexander Hamilton e Friedrich List, eram liberais políticos.

César Felício, Valor - Clima conflagrado no Senado tornou tramitação da reforma tributária mais complexa

Valor Econômico

Não é corriqueiro Lula se reunir com parlamentares e chama atenção número de emendas acatadas

O clima conflagrado que vigora no Senado há quase dois meses, desde a votação do marco temporal no STF, fez com que a atenção do governo em relação à tramitação na Casa da reforma tributária tenha sido redobrada. Não é corriqueiro nessa nova passagem pelo Planalto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reunir com parlamentares para tratar de uma votação importante, e chama a atenção a quantidade de emendas acatadas pelo relator da proposta, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Foi uma média de uma a cada três sugestões enviadas pelos senadores. A preocupação com o resultado pode ter motivado a base governista no Senado a aceitar mais modificações em relação ao texto do se previa inicialmente.

reforma tributária foi aprovada em dois turnos por 53 votos a 24, ou apenas quatro a mais que o necessário.Foram tantas as modificações feitas por Braga que não se pode um caminho mais tortuoso para que a PEC tenha chancela nas duas casas e seja encaminhada para a promulgação.

Lu Aiko Otta - Feito histórico, mas ainda é cedo para comemorar

Valor Econômico

Longe de causar euforia, a conclusão dessa etapa apenas descortina os grandes desafios que há pela frente. O principal deles é a insegurança quanto à carga tributária

Apontada há quase quatro décadas como prioritária para elevar a produtividade do país, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, da reforma tributária, foi aprovada nessa quarta-feira (8), em dois turnos, no Senado Federal. Ainda há etapas de tramitação a cumprir no Congresso Nacional, mas trata-se de um feito histórico.

Porém, longe de causar euforia, a conclusão dessa etapa apenas descortina os grandes desafios que há pela frente. O principal deles é a insegurança quanto à carga tributária.

Pelo lado positivo, a reforma vai alinhar o sistema brasileiro ao padrão internacional. Isso não é pouca coisa, pois vai favorecer a atração de investimentos. O Brasil tem o sétimo pior sistema tributário do mundo, segundo ranking do Banco Mundial.

Os impactos econômicos não serão vistos de imediato. Virão com o tempo, apontam estudos.

O Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada (Ipea) calculou que a economia brasileira crescerá 2,39% mais com o novo sistema, comparando com o atual, no período até 2032. Estudo de Débora Freire, atual subsecretária de Política Fiscal do Ministério da Fazenda, aponta que no longo prazo todos os setores serão beneficiados com a reforma.

José Serra* - O último tango argentino

O Estado de S. Paulo

A melhor forma de acabar com os populismos é finalizar com os seculares ciclos que alternam ilusão e desencanto

Ernesto Sabato (1911-2011), um grande escritor numa terra (Argentina) de grandes escritores – como Borges e Cortázar, por exemplo –, tem uma frase que diz: “um gênio é alguém que descobre que a pedra que cai e a lua que não cai representam um só e mesmo fenômeno”.

O debate econômico – e também o político – parece girar articulado entre dois polos. De um lado, aqueles que, na retórica, estariam comprometidos com o crescimento, a redução da pobreza e a redistribuição de renda. No imaginário popular, para esta alternativa, denominada inadequadamente de progressista, não existiriam restrições monetárias ou fiscais. “Gasto é vida” e despesas fiscais nutririam a demanda, propiciariam a ampliação do capital físico do país e abririam espaço para políticas públicas na área social. Ocorre que, no médio e no longo prazos, por meandros já bem identificados e conhecidos, as restrições assomam. Inflação, depreciação descontrolada da moeda, queda dos salários reais, aumento da pobreza e reversão do ilusório aumento do nível de atividade criam um ciclo que abre espaço para viabilizar politicamente o outro polo.

William Waack - Triunfo das partes

O Estado de S. Paulo

Os principais desafios da reforma tributária ainda não foram resolvidos

A reforma tributária é um perfeito retrato do Brasil. Ficou longe do potencial, deixa muita coisa fundamental para depois, mas, ainda assim, traz uma sensação de alívio.

Tornou-se consenso que tão somente a simplificação de impostos já trará notável ganho de produtividade para empresas. O que equivale a atestar de maneira indireta como é complicado o ambiente de negócios no País.

O texto que está sendo aprovado significa o triunfo das partes sobre o todo. Sem uma forte liderança política capaz de conduzir o processo, toda a energia foi dirigida para a acomodação de dezenas de interesses dos mais variados setores e regiões.

Felipe Salto* - Do sistema feioso ao monstrengo tributário

O Estado de S. Paulo

Maior probabilidade é o ‘day after’ da PEC 45 ser marcado por choro e ranger de dentes, e não pela simplificação, palavra já surrada pelo mau uso

Quando vocês estiverem lendo este artigo, a reforma tributária já poderá ter retornado à Câmara dos Deputados. Cristiane A. J. Schmidt, Priscilla Santana, Luis Claudio Gomes e Sergio Gobetti publicaram um artigo no Estadão (7/11, A4) em resposta à minha avaliação pessimista sobre a reforma tributária. Mostrarei por que estão errados.

A discórdia central não reside no diagnóstico. O sistema atual é muito complexo, gera ineficiências econômicas e é regressivo, porque os mais pobres pagam mais que o andar de cima, sobretudo no que se refere à tributação do consumo. No ICMS, a guerra fiscal está longe de terminar e vai ser estimulada pela reforma.

Vinicius Torres Freire - Senado piora Reforma Tributária, mas impostos melhoram mesmo assim

Folha de S. Paulo

No final da xepa da votação senadores distribuíram mais favores; risco é de Câmara imitar farra

O presidente da República não pode vetar emendas constitucionais. Câmara e Senado promulgam o que sair do voto. O Senado mudou a Reforma Tributária para pior, criando até mais fundo-favor regional para zonas francas, como a de Manaus, na xepa dos minutos anteriores à votação.

O risco agora é de que a Câmara queira aumentar sua cota de distribuição de benesses para ainda mais setores empresariais ou regiões ou enfiar jabutis na emenda, como o fizeram os senadores —o salário de auditores fiscais municipais e estaduais foi equiparado ao dos federais. Os deputados vão votar a emenda de novo, por causa das mudanças senatoriais.

Ainda assim, o sistema de impostos deve ficar melhor do que é. É mérito do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. De Fernando Haddad, que fez da reforma uma prioridade do ministério da Fazenda. Do secretário extraordinário da reforma, Bernard Appy, um messias que pregou a mudança por quase 20 anos, muita vez no deserto, além de ter elaborado seus fundamentos técnicos. Do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que em 2019 fez um longo e correto trabalho de amarrar politicamente o que viria a ser a base da reforma.

Conrado Hübner Mendes* - Desbolsonarizar o futuro, reparar o passado

Folha de S. Paulo

Anistiar e não mudar as coisas não nos interessa mais

A delinquência política bolsonarista não foi delinquência de um homem só. Foi programa estruturado de governo que atiçou atores públicos e privados, civis e militares, industriais e extrativistas, urbanos e rurais. Em geral, fora da lei. Em bom número, armados. Com juristas invertebrados debaixo do braço. Praticando autolegalidade.

O homem que dá nome, rosto e voz para a época de maior incivilidade federal da história brasileira recente agregou muita gente na construção de uma máquina multifacetada e pluriautoral. Causou morte, sofrimento e empobrecimento por ação e omissão dolosas.

Essa engrenagem colocou o Brasil entre os líderes da onda global de autocratização, na companhia de Índia, Nicarágua, Hungria, Polônia, etc. Cada um a seu modo e ritmo, com caixa de ferramentas compartilhada, foi esvaziando liberdades, exaurindo instituições de controle e corrompendo a competição eleitoral.

Maria Hermínia Tavares* - Israel, Hamas e a decência

Folha de S. Paulo

Israelenses e palestinos têm igual direito a um Estado no espaço que ambos consideram seu

Para um humanista deveria ser fácil tomar posição frente ao conflito entre Israel e o Hamas. Israelenses e palestinos têm igual direito a um Estado no espaço que ambos consideram seu. O ataque da organização terrorista contra moradores dos kibutzim próximos à Faixa de Gaza só merece repúdio.

O mesmo se aplica à destruição de moradias e instalações públicas, ao sofrimento agravado pelo bloqueio de luz, acesso a mantimentos e água e –acima de tudo– às mortes por atacado de civis, resultantes do revide de Israel à atrocidade de 7/10.

Ruy Castro - Acabou, mas ainda tem

Folha de S. Paulo

O imperialismo, o romance, a bossa nova, o samba, o Carnaval, o Rio, todos já morreram, sabia?

"Antigamente diziam que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabava com o Brasil", escreveu Rubem Braga. "Agora estou bastante velho, me lembro dessa história e vejo que continua havendo saúva e continua havendo Brasil. O pessoal é muito afobado."

O afobamento não se limita à saúva. Em 1945, o líder comunista Luiz Carlos Prestes, sempre otimista e mal informado, declarou: "A derrota do fascismo é um golpe de que o imperialismo jamais irá se recuperar. O imperialismo está moribundo". Hoje sabemos que o imperialismo não morreu e muito menos o fascismo. O mesmo quanto à profecia do crítico Antonio Moniz Vianna nos anos 60: "O dia em que o western acabar acabará também o cinema". Os westerns eram então uma importante fatia na produção de Hollywood. Bem, o western já acabou há décadas e o cinema continua por aí.

Poesia | Entender é limitado - Clarice Lispector

 

Música | Você abusou - Jorge Aragão