sábado, 2 de julho de 2022

Marco Antonio Villa: O desespero de Bolsonaro

Revista Istoé

Nada indica que o presidente vá transferir a faixa presidencial ao seu sucessor. Isso porque é líquido e certo a sua derrota eleitoral em outubro

Como esperado, Jair Bolsonaro tem ampliado os ataques aos poderes constituídos. São tão constantes as agressões dirigidas especialmente aos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, que, infelizmente, são recebidas como se fossem ações políticas e não graves violações constitucionais, além da quebra do decoro presidencial.

Nada indica que Bolsonaro vá transferir a faixa presidencial ao seu sucessor. Isso porque é líquido e certo a sua derrota eleitoral em outubro. Não será a primeira vez na história da República que isto irá ocorrer. Em 1894, Floriano Peixoto não aguardou a chegada de Prudente de Morais ao Palácio do Itamaraty, então sede do governo. Abandonou o local e foi para sua residência. Quase cem anos depois, João Figueiredo fez a mesma coisa e não esperou José Sarney no Palácio do Planalto, em Brasília. Em ambos os casos, os presidentes eram militares, porém, registre-se, Jair Bolsonaro não está à altura de nenhum dos dois, especialmente do Marechal de Ferro.

Fernando Schüler*: O liberalismo no divã

Revista Veja

Cacofonia dos dias de hoje é apenas um teste sobre nossa capacidade de viver em um mundo diverso e sobre o valor que efetivamente concedemos ao pluralismo

Desde que comecei a lidar com temas de política ouço falar na “crise das democracias liberais”. Hoje em dia é comum escutarmos que os anos 90 foram uma época de grande euforia, mas ainda me lembro de nosso Milton Santos denunciando a “globalização como perversidade”, e toda a conversa em torno do Consenso de Washington. Depois veio o 11 de Setembro e o “fim das ilusões liberais”, e logo a era Bush e o fantasma da “teocracia americana”. Depois o apocalipse da crise de 2008 e a malhação de judas dos “mercados desregulados”. Ainda depois veio Trump e a “nova direita”, e prateleiras de livros nos alertando sobre como as democracias “morrem por dentro”. Isso tudo até a vitória de Joe Biden, quando o sol parece ter voltado a brilhar. De modo que fui ficando um tanto desconfiado. Não tenho um “crisômetro”, para medir a temperatura das democracias liberais, e desconfio que esse aparelhinho não existe.

Francis Fukuyama discute o tema em seu novo livro, O Liberalismo e Seus Descontentes, ainda sem tradução no Brasil. A polarização política cresceu, a grande sombra chinesa projeta sua “economia de mercado sem democracia” sobre o Ocidente, valores essenciais da tradição liberal, como a liberdade de expressão, são relativizados e os novos iliberalismos ocupam o centro das discussões. É por aí que Fukuyama pauta sua análise. O veneno vem da direita e da esquerda. No primeiro time há tipos como Viktor Orbán e Vladimir Putin, com seu apelo à ideia de “nação” e sua acusação de que as democracias liberais se tornaram “obsoletas”, visto não oferecer às pessoas uma base de valores essenciais à coesão social. O discurso não responde como seria possível estruturar uma tal base de valores em grandes sociedades sem a imposição das crenças e modos de vida de eventuais maiorias sobre os cidadãos que divergem. O atual debate em torno do aborto, nos Estados Unidos e no Brasil, é apenas um sinal disso.

Oscar Vilhena Vieira*: Supremocracia lá e cá

Folha de S. Paulo

Enquanto não formos capazes de reformar nosso sistema político, estaremos fadados a conviver com a judicialização da política

Supremo Tribunal Federal brasileiro e a Suprema Corte norte-americana ocupam uma posição proeminente em seus respectivos sistemas políticos. Não há questão relevante de natureza política, econômica e, sobretudo, moral que não termine sendo submetida à apreciação dessas cortes. Isso não significa que esses tribunais empreguem seus poderes "supremocráticos" da mesma maneira. Por "fortuna", como diria Maquiavel, nosso Supremo tem se colocado, na presente conjuntura, ao lado da democracia; já a corte de Washington confirmou-se, nesta semana, como vanguarda do atraso.

Enquanto nosso boquirroto Supremo Tribunal Federal vem se empenhando na defesa da integridade do processo eleitoral, do meio ambiente, dos direitos indígenas, do controle das armas e da violência, entre outros valores constitucionais cotidianamente atacados por um presidente hostil à Constituição de 1988, a circunspecta Suprema Corte assumiu, após a derrota eleitoral e a frustrada tentativa de golpe promovida por Trump, a liderança do movimento conservador, promovendo, sem intermediários, o maior processo de regressão constitucional na história constitucional norte-americana.

Cristovam Buarque*: A Amazônia é nossa e da humanidade

Blog do Noblat / Metrópoles

Deveríamos liderar campanha mundial por governança internacional de todas as florestas do mundo, não apenas da Amazônia

Quando em 1845 os ingleses tentaram impor ao Brasil a Lei Aberdeen, que proibia o tráfico, muitos brasileiros usaram a soberania nacional para justificar o direito de continuar trazendo escravos da África. Alguns lembravam da hipocrisia inglesa, que por séculos se beneficiou da escravidão.

Poucos lembram desta história quando hoje, em nome da soberania, criticam Leonardo Boff, por defender regras internacionais para impedir a devastação da Floresta Amazônica. Outros dirão que há grande diferença entre tráfico de escravos e queima de florestas. Não percebem que o mundo passou a ter uma consciência mundial que atravessa fronteiras em relação a outros valores morais, além da escravidão. É por esta consciência que os dirigentes da Fórmula 1 não aceitaram a desculpa de Nelson Piquet, ao dizer que, no Brasil, a expressão “neguinho” é uma manifestação brasileira de carinho. Até sem perceber, ele usou a soberania nacional para definir racismo com olhos brasileiros.

Mas, a soberania não pode mais ser usada para justificar a prática nacional de racismo, exploração sexual ou laboral de crianças, nem a depredação ecológica.

Ascânio Seleme: E o palhaço ainda fala em ética

O Globo

No dia seguinte ao estouro do escândalo de assédio sexual, Pedro Guimarães disse durante uma reunião na Caixa que teve sua “vida inteira pautada pela ética”. Uma falsidade baixíssima contada por um homem do mesmo nível, que levou a mulher para assistir o ato patético. Pelo seu comportamento de predador em série, está claro que Guimarães não tem a menor ideia do que seja ética, muito menos ética nas relações de trabalho. Seu comportamento foi sempre de um vândalo, um autoritário, um bárbaro satisfazendo seus instintos grotescos às custas de subordinados.

Trata-se de um abusador, que depois de denunciado discursou sobre sua ética pessoal. Segundo o empresário Oded Grajew, fundador e presidente emérito do Instituto Ethos, “ética não é discurso, ela precisa ser traduzida em ações concretas”. Passar a mão na bunda e nos seios de funcionárias ou destratar outros servidores com insultos e palavrões é exatamente o contrário disso. Um estudo produzido por professores da PUC-MG liderados pelo doutor em Filosofia Roberto Patrus, que discute todos os aspectos da ética e da responsabilidade social na gestão empresarial, mostra que o que as empresas buscam está a milhares de quilômetros de distância do que Guimarães praticava na Caixa.

Um conceito incluído no estudo, publicado na Revista Brasileira de Gestão de Negócios em 2013, prova como Pedro Guimarães é um indivíduo atrasado, mesmo quase dez anos depois. O documento fala do “compromisso permanente de dirigentes empresariais em adotar comportamento ético, contribuindo para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus trabalhadores e suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”. O que Guimarães produzia generalizada e sistematicamente nos funcionários da Caixa com seu comportamento invasivo, violento e criminoso era estresse, medo e insegurança.

Demétrio Magnoli: Biden na jaula estratégica de Trump

Folha de S. Paulo

Presidente dos EUA mostra-se capaz de passar no teste militar, mas fracassa no estratégico

Na cúpula da Otan que definiu o novo conceito estratégico da aliança, sentaram-se à mesa quatro estranhos convidados. A presença dos chefes de governo de Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia sinaliza a identificação explícita da China como "desafio estratégico". Os EUA, responsáveis pelos convites, esqueceram a lição de Henry Kissinger. No lugar dela, Biden prende a Aliança Atlântica na jaula fabricada por Trump.

Kissinger sabe que é preciso impedir uma "aliança permanente" entre Rússia China. Por isso, há pouco, clamou por negociações urgentes com Moscou para encerrar a guerra na Ucrânia. A Rússia, disse, tem papel insubstituível a desempenhar na balança de poder na Europa. Na prática, o ex-secretário de Estado alinhou-se com o francês Macron, que teme a "humilhação da Rússia" e prefere apaziguar o Kremlin pela cessão de territórios ucranianos.

Cristina Serra: A república dos cafajestes

Folha de S. Paulo

Bolsonaro é hors-concours, e Pedro Guimarães concorre ao título de cafajeste-mor

No campeonato de cafajestice deste governo, Bolsonaro é hors concours. É tão superior aos demais competidores, paira tão acima em patifarias e vilezas que não pode participar da disputa. É o cafajeste-geral da república.

Vamos, pois, aos aspirantes com maiores chances. Um ano atrás, escrevi que nesta república acanalhada seria muito difícil superar Paulo Guedes. Pelo conjunto da obra, claro, mas especificamente pela maneira como conduzia a negociação de medidas para combater o impacto da pandemia sobre os mais pobres. Era na base da chantagem explícita.

João Gabriel de Lima: Um sonho de cidade feliz

O Estado de S. Paulo

Indianos, africanos, escandinavos. Brasileiros, ucranianos, cabo-verdianos. Todas as cores, sabores e gêneros. Quem vai a Lisboa não se impressiona apenas com a mistura de vários estilos arquitetônicos espalhada em colinas às margens do Rio Tejo. O que chama a atenção é a riqueza humana – que se traduz em vibração musical, cultural e gastronômica.

Lisboa conseguiu sua melhor classificação de sempre – o terceiro lugar – no ranking de qualidade de vida da revista britânica Monocle. A lista se destaca por ir além de índices como cobertura verde e números de segurança pública – quesitos em que, por acaso, Lisboa pontua bem. “Olhamos também para questões imateriais, o chamado ‘soft power’”, diz a jornalista portuguesa Carlota Rebelo, da Monocle, entrevistada no minipodcast da semana.

Bolívar Lamounier*: Uma pergunta que vale ouro

O Estado de S. Paulo

Ânimo recomendado a investidores será inútil se não se livrarem do simplório entendimento do populismo como simples demagogia

A pergunta que de fato importa é esta: algum megainvestidor estrangeiro destinará seus bilhões a um país governado por Lula ou Bolsonaro?

Ou, ao contrário, o Brasil terá de se virar com seus próprios meios para superar a estagnação econômica e dar um mínimo de proteção aos segmentos mais vulneráveis da sociedade? Quais meios? Em 2021, o crescimento da economia foi pífio, e 2022 não será melhor. O próximo poderá ser bem pior, caso se confirme uma tendência mundial recessiva, o que significa que, para nós, crescer zero por cento já estará de bom tamanho. E pode estar de bom tamanho, também, para meu hipotético megainvestidor, afinal ele não destina seus recursos aos países mais “cívicos”, e sim aos que lhe tragam algum retorno ou não lhe causem perdas muito grandes.

Do nosso ponto de vista, a questão é que traço aproxima figuras aparentemente tão díspares como Lula e Bolsonaro. Esse traço é, evidentemente, o populismo. No mundo empresarial, muitos tomam esse termo como sinônimo de demagogia, o que lhes traz certo alívio, pois sugere que o bicho é manso, ou facilmente domesticável. E está por toda parte, visto que a demagogia é um atributo onipresente entre as atuais elites políticas, nos Três Poderes.

Miguel Reale Júnior*: Golpe contra o Judiciário

O Estado de S. Paulo

Tanto deputados do PT, há dez anos, como hoje deputados bolsonaristas propuseram fazer do Congresso órgão revisional do STF

Em junho de 2011, pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 33, de iniciativa do deputado Nazareno Fonteles, do PT do Piauí, impunha-se grave restrição ao poder jurisdicional do Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de combater o “ativismo judicial”. Na justificativa da emenda, afirmava-se que o STF, sem legitimidade eleitoral, passou a ser um legislador ativo, criando normas.

Conforme a PEC, a decretação da inconstitucionalidade de lei só teria eficácia se decidida por quatro quintos dos ministros do STF. Assim, se 9 dos 11 ministros entenderem estar a lei eivada de inconstitucionalidade, o vício, então, será reconhecido. No entanto, se apenas oito ministros considerarem a lei inconstitucional, esta permanecerá eficaz, por ter a inconstitucionalidade sido acolhida, “tão só”, por três quartos dos ministros.

A proposta de emenda, “generosamente”, também permite ao STF criar súmula, por decisão de quatro quintos dos seus membros. Mas a súmula só terá força vinculante se tal efeito for outorgado pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta.

Adriana Fernandes: Pode isso, TSE?

O Estado de S. Paulo

Aprovação de pacote com novos benefícios joga no lixo a legislação eleitoral do País

Governo, direita, centro e esquerda. Não importa o lado político. O Congresso em peso vai aprovar um pacote de bondades com dinheiro público que mina um dos princípios básicos da legislação eleitoral, que é a busca do equilíbrio de forças na véspera da disputa pelos votos dos eleitores.

Isso pressupõe não criar programas ou benesses com gratuidade para a população para não transformar as políticas públicas em compra de voto. Esse ponto foi solenemente ignorado pelos parlamentares, que se aliaram ao governo Bolsonaro para patrocinar o pacote do desespero com a PEC Kamikaze.

A aprovação da PEC é um grave retrocesso institucional que joga no lixo a lei eleitoral. Para que serve a lei se basta mudar a Constituição num atropelo regimental escandaloso? Pode isso, TSE? Pode isso, STF?

Entrevista | José Serra: 'É como se o Senado fosse testa de ferro do governo'

Senador foi o único a votar contra proposta que libera gasto bilionário às vésperas da eleição

Por Renato Andrade / O Globo

SÃO PAULO - Único voto contrário à PEC que abre espaço para o governo Jair Bolsonaro conceder benefícios bilionários faltando três meses para a eleição, o senador José Serra (PSDB-SP) afirma que a política fiscal terá quer ser repensada depois do que aconteceu ontem no Congresso.

O tucano pondera que não é contra o aumento de transferência de recursos para a parcela mais carente da população, mas é contra os meios empregados pelo governo — e chancelados pelos colegas de Senado — para fazer isso em pleno ano eleitoral.

Qual a dimensão do estrago provocado pela aprovação da PEC das bondades sobre a política de responsabilidade fiscal do país?

Votamos numa tarde uma PEC que autoriza despesas da ordem de R$ 41 bilhões. Não tínhamos o texto final consolidado da proposta ainda durante a votação. O texto foi sendo construído ao sabor das circunstâncias para ser aprovado o quanto antes. Ao final, inscrevemos no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias um dispositivo que autoriza, para 2022, despesas da ordem de R$ 41 bilhões.

Um conjunto de despesas: transferência de renda para os elegíveis ao Auxílio-Brasil, subsídio à gratuidade para idosos no transporte público urbano e semiurbano, compensação aos estados por crédito de ICMS ao setor de etanol, transferências para caminhoneiros e taxistas, aumento do auxílio-gás.

Carlos Góes: O país tornou-se uma grande Sucupira

O Globo

Odorico Paraguaçu se acomoda no Palácio do Planalto e distribui benesses para tentar se reeleger

Não importa onde você mora no Brasil: você tem na cabeça um político que representa o arquétipo do populista tupiniquim. Aquele do rouba-mas-faz, que adora inaugurar obras e tem um talento inigualável acima de um palanque.

Nos últimos 30 anos, criamos várias amarras institucionais para evitar que políticos desse tipo se utilizem da máquina pública para prosperar. Infelizmente, estamos dando um passo para trás. Esta semana, o Congresso abriu os cofres do governo federal em ano eleitoral, algo que seria ilegal em tempos normais.

Nos meus anos formativos, minha referência de populista era Joaquim Roriz, ex-governador do Distrito Federal. Um de seus programas chamava-se “Pão e Leite”. O governo literalmente comprava pão e leite e distribuía para a população mais pobre. Parte do povo cantava: “Roriz é ‘bão’; dá leite e dá pão”.

Eduardo Affonso: Que tal um samba, apesar de você?

O Globo

Em 1970, Chico Buarque lançou, num compacto simples, um samba endereçado a “uma mulher muito mandona, muito autoritária”. Na letra, vaticinava que, apesar dela, amanhã seria outro dia. Ela ia se dar mal. Ia pagar dobrado, inclusive — porque ele jurava cobrar com juros cada lágrima rolada.

Fosse hoje, uma feminista mais radical e mais afoita acusaria o autor de misoginia. Um militante identitário apontaria o racismo estrutural implícito nos versos E inventou de inventar/Toda a escuridão — por associar o escuro a algo negativo — e Vendo o céu clarear — a claridade como fonte de luz e esperança, onde já se viu?

Demorou mais de um ano para que a ficha caísse (havia fichas, em 1970), e a censura percebesse que a tal mulher autoritária atendia pelo nome de Ditadura. Então, o subtexto daquele samba no escuro ficou claro — ou escuro — e “Apesar de você”, exemplo incontestável da inteligência buarquiana, foi proibido. Censores — sejam eles do aparato do Estado ou da polícia do pensamento — nunca primaram muito pela desenvoltura intelectual.

Passaram 52 anos, e Chico Buarque lançou, nas plataformas virtuais, outro samba antológico. Não há mais fichas a cair nos orelhões ou na famigerada Turma de Censura de Diversões Públicas. O recado agora é direto, sem subterfúgios: Que tal um samba (...) Para espantar o tempo feio/Para remediar o estrago/Que tal um trago?/Um desafogo, um devaneio.

Pablo Ortellado: Programa social sem garantia de continuação é canalhice eleitoreira

O Globo

Num gesto irresponsável, o governo Bolsonaro, por meio da sua bancada no Senado, propôs e conseguiu na quinta-feira a aprovação em duas votações consecutivas da Proposta de Emenda à Constituição 1/2022 (PEC 1/2022). A PEC decreta estado de emergência devido ao aumento do preço dos combustíveis e abre crédito extraordinário para criar e ampliar programas e benefícios sociais, entre eles o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família.

Se a PEC for aprovada na Câmara, o valor pago pelo Auxílio Brasil às famílias terá um acréscimo de R$ 200, chegando a R$ 600 mensais entre agosto e dezembro de 2022. O governo pretende também zerar a fila dos que aguardam o benefício, incorporando 1,6 milhão de novas famílias, na estimativa oficial (um estudo da Confederação Nacional de Municípios estima a demanda reprimida em 2,8 milhões de famílias).

A ampliação do Auxílio Brasil é oportuna, já que a pobreza extrema e a fome são a emergência número um do país. Não há sombra de dúvida de que ampliar a cobertura e o valor do benefício pago é a medida social mais urgente e mais importante neste momento. Trinta e três por cento dos que recebem o auxílio seguem, mesmo com a ajuda do governo, passando fome (insegurança alimentar grave), segundo o último Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar. No total, 33 milhões de brasileiros passam fome, cifra que deveria nos envergonhar e dar prioridade absoluta ao problema.

Carlos Alberto Sardenberg: Farra fiscal produzirá herança maldita

O Globo

A coincidência não poderia ter sido pior. No dia em que se comemorava o 28º aniversário do real, ontem, o país tomava conhecimento da maior farra fiscal na era da moeda estabelecida em 1994.

A trapaça teve requintes de cinismo político. O Senado aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional para burlar a Constituição. E, já que estavam com a mão na massa, senadores aproveitaram para jogar no lixo nada menos que três leis essenciais para garantir a imparcialidade das eleições e o equilíbrio das contas públicas: as leis eleitoral, de responsabilidade fiscal e do teto de gastos.

Para “constitucionalizar” um gasto de R$ 41 bilhões fora do teto num período vetado pela lei eleitoral, senadores se apoiaram na declaração do estado de emergência. Que emergência?

A guerra na Ucrânia — caramba, tem uma guerra!— causando uma baita emergência por aqui. Assim, em poucos dias, o Senado descobriu que tinha gente passando fome no país. Uma crise!

No mesmo dia em que o Senado votava o pacotão, o Banco Central divulgava relatório dizendo que a economia se recuperava de modo mais intenso que o esperado. E o IBGE registrava nova queda do desemprego e aumento recorde da população ocupada.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Covardia coletiva no Senado

O Estado de S. Paulo

Senadores preocupados exclusivamente com a eleição, e não com o País, aprovam uma PEC que atropela leis e moralidade para autorizar Bolsonaro a comprar votos

Na noite de quinta-feira, o Senado aprovou uma aberração fiscal, moral, social e institucional. Não apenas condescendeu com uma manobra bolsonarista eleitoreira e antidemocrática, como aceitou inscrevê-la na própria Constituição. O Senado, que em diversos momentos foi resistência à barbárie e ao retrocesso de Jair Bolsonaro, aprovou em dois turnos, com um único voto contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, que institui o estado de emergência até o fim do ano com o único e exclusivo intuito de burlar a legislação eleitoral e criar benefícios sociais às vésperas da eleição.

A votação é o marco histórico de um retrocesso sem precedentes. Em tramitação relâmpago, os senadores autorizaram que a Constituição seja alterada – sem estudo, sem planejamento, sem debate, ignorando as consequências fiscais, sociais e institucionais – para mudar casuística e arbitrariamente as regras do jogo democrático, de forma a permitir o mais deslavado clientelismo. Depois disso, restará algum limite para conter o descalabro e a desfaçatez?

Poesia | Castro Alves: Ode ao 2 de Julho

(Castro Alves, São Paulo, junho de 1868)

Era no Dous de Julho

A pugna imensa

Travava-se nos cerros da Bahia…

O anjo da morte pálido cosia

Uma vasta mortalha em Pirajá.

“Neste lençol tão largo, tão extenso,

“Como um pedaço roto do infinito …

O mundo perguntava erguendo um grito:

“Qual dos gigantes morto rolará?! …

 

Debruçados do céu. . . a noite e os astros

Seguiam da peleja o incerto fado…

Era tocha — o fuzil avermelhado!

Era o Circo de Roma — o vasto chão!

Por palmas — o troar da artilharia!

Por feras — os canhões negros rugiam!

Por atletas — dous povos se batiam!

Enorme anfiteatro — era a amplidão!

 

Não! Não eram dous povos os que abalavam

Naquele instante o solo ensanguentado…

Era o porvir — em frente do passado,

A liberdade — em frente à escravidão.

Era a luta das águias — e do abutre,

A revolta do pulso — contra os ferros,

O pugilato da razão — com os erros,

O duelo da treva — e do clarão! …

 

No entanto a luta recrescia indômita

As bandeiras – como águias eriçadas —

“Se abismavam com as asas desdobradas

Na selva escura da fumaça atroz…

Tonto de espanto, cego de metralha

O arcanjo do triunfo vacilava…

E a glória desgrenhada acalentava

O cadáver sangrento dos heróis!

 

Mas quando a branca estrela matutina

Surgiu do espaço e as brisas forasteiras

No verde leque das gentis palmeiras

Foram cantar os hinos do arrebol,

Lá do campo deserto da batalha

Uma voz se elevou clara e divina.

Eras tu — liberdade peregrina!

Esposa do porvir — noiva do Sol!…

 

Eras tu que, com os dedos ensopados

No sangue dos avós mortos na guerra,

Livre sagravas a Colúmbia Terra,

Sagravas livre a nova geração!

Tu que erguias, subida na pirâmide

Formada pelos mortos do Cabrito,

Um pedaço de gládio — no infinito…

Um trapo de bandeira — n’amplidão!. ..

Música | Habeas Corpus (Noel Rosa)