quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

(...) O republicanismo, por meio do "Estado Novo do PT", ressurge como um Estado fortalecido e pelo "czarismo, getulismo e cidadania concedida". A falta de cultura republicana exporia a democracia, pelo voto, a manifestações inesperadas pelo quantitativo dos setores subalternos, por exemplo, que não estão se movendo apenas por questões materiais, mas também por uma agenda valorativa como o aborto. Uma agenda valorativa no sertão urbano.(...)

(...) Os de baixo fizeram emergir seus próprios intelectuais, os pastores que são da sua origem. Não leem Platão, mas salmos, e têm a retórica da persuasão. Isso está acontecendo nas nossas costas em escala de milhões (...)
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(Luiz Werneck Vianna, no primeiro dia do 34º Encontro Anual da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) – Caxambu/MG , 26 a 29/10/2010)

Diferenças regionais :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Uma das grandes incógnitas desta eleição, e que pode definir o vencedor, é saber se o candidato tucano, José Serra, conseguirá abrir em São Paulo e no Sul do país uma diferença que compense a vantagem que a candidata petista, Dilma Rousseff, está abrindo no Nordeste.

Até o momento, há em comum entre as diversas pesquisas a constatação de que o máximo que Serra consegue é empatar no Sudeste com Dilma, o que indica que ele não está abrindo uma vantagem capaz de colocá-lo no jogo para valer.

O hoje governador eleito Geraldo Alckmin perdeu a eleição para Lula em 2006, mas ganhou no Sudeste por uma margem de cerca de 700 mil votos, mesmo perdendo no Rio, em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Ele tirou em cima de Lula uma diferença de 3,8 milhões de votos em São Paulo que permitiram ao PSDB manter a liderança da região que reúne os maiores colégios eleitorais do país.

Este ano, o PSDB elegeu também os governadores de São Paulo e Minas Gerais, mas a votação para presidente não está correspondendo à tradicional vantagem que os tucanos têm na região.

No primeiro turno, Serra estava perdendo para Dilma até em São Paulo, mas terminou vencendo por 700 mil votos. Neste segundo turno, ele está ampliando a vantagem para cerca de 1,5 milhão de votos, o que é insuficiente para dar chance a que os tucanos alimentem a esperança de uma virada na reta final.

As pesquisas refletem essa dificuldade, de maneira mais ou menos clara, e nem mesmo a redução da vantagem em Minas pode ajudar se, no maior estado do país, onde o PSDB domina a política há 16 anos, ele não mantiver a vantagem histórica sobre o PT, que já chegou a ser de 5 milhões de votos de diferença, de Fernando Henrique sobre Lula na eleição de 1998.

Na eleição de Alckmin, embora tenha ocorrido no primeiro turno, já houve uma diferença muito menor a favor dos tucanos, o que quase levou a eleição para o segundo turno contra Aloizio Mercadante, que havia perdido facilmente para Serra em 2006.

Mas, mesmo assim, Alckmin recebeu 3 milhões de votos a mais para governador do que Serra para presidente, eleitores que provavelmente escolheram Marina no primeiro turno.

O mais natural é que a identidade com o PSDB, que os levou a votar em Alckmin e não no candidato do PT, fizesse agora com que seus votos desaguassem em Serra, mas não é o que está acontecendo, pelo menos integralmente, até o momento.

Ao contrário, há pesquisas que mostram Serra perdendo terreno no Sul e no Sudeste, enquanto a diferença que Dilma abre no Nordeste só faz aumentar.

Pelas pesquisas, a candidata oficial está abrindo entre 6 milhões e 7 milhões de votos de vantagem no Nordeste, onde há lugares em que ela atinge marcas próximas de 70% dos votos.

O resultado da eleição ainda não está definido, mas os institutos de pesquisa caminham para mostrar aquela situação que chamam de "boca do jacaré abrindo", isto é, a diferença entre os candidatos aumentando gradativamente. É possível que pesquisas a serem divulgadas hoje mostrem uma diferença maior que os 12 pontos que o Datafolha detectou.

Só resta mesmo ao candidato Serra desqualificar as pesquisas, com base no exemplo recente do primeiro turno, para manter a militância animada e conseguir que seus eleitores das regiões Sul e Sudeste não desistam de votar, achando que a eleição está perdida, e partam para aproveitar o feriadão.

Aliás, a se crer nas pesquisas, esse feriadão pode afetar também os eleitores de Dilma, que estaria inclusive vencendo no Sudeste.

No Rio de Janeiro, onde a sua vantagem está se ampliando, pode acontecer de eleitores não votarem pensando que a eleição já está ganha e que seu voto não fará falta à candidata de Lula.

No primeiro turno, a abstenção teve uma média alta, próxima de 20%, mas em algumas regiões da Amazônia chegou a 40%.

Esse cenário pode se repetir agora no segundo turno, pois a seca na região continua muito grande, impedindo os ribeirinhos de sair de casa.

Essa é uma abstenção que atinge diretamente o eleitorado de Dilma.

Os pesquisadores estão tentando entender o que acontecerá com a abstenção neste segundo turno, mas também com os votos nulos e em branco.

Os anulados por erro no primeiro turno, quando o número de votações é maior - desta vez foram seis votos para cada eleitor -, costumam diminuir no segundo turno, pela simplificação do processo de escolha entre apenas dois candidatos.

Mas pode haver um aumento de votos nulos em protesto contra a campanha, especialmente nos grandes centros. Caetano Veloso, por exemplo, já anunciou que anulará o seu voto.

O índice de abstenção pode afetar o resultado da eleição e prejudicar o prognóstico das pesquisas, enquanto o de votos nulos e em branco pode ter um significado político importante, embora não afete o resultado final, pois o que conta são os votos válidos.

Mais uma vez, estamos caminhando para uma decisão de segundo turno que mostra o país dividido, com um número próximo da metade dos votos se distribuindo na oposição, e em nulos e em branco, e uma abstenção que pode ser maior que 20%.

O fato não tira a legitimidade do presidente eleito, mas significa que os 80% de popularidade do presidente Lula não são consequência de uma unanimidade burra em torno de seu governo.

Assembleia permanente :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O que o cidadão, ex-presidente Luiz Inácio da Silva fará durante os próximos quatro anos a contar já do próximo domingo quando será eleito o (a) sucessor (a)?

O que fez desde o instante em que assumiu a Presidência do Brasil: campanha eleitoral. A ele não bastam os dois mandatos; quer mais dois, perfazendo 16 anos de Presidência com um breve intervalo de quatro para cumprir uma exigência legal.

Se a realidade contrariar as pesquisas e o eleito for José Serra, a tarefa de Lula será a de comandar a desestabilização do governo. Não poderá contar com as Forças Armadas nem com o Congresso.

Os militares querem distância do jogo e os parlamentares quem proximidade com o poder qualquer que seja.

Lula recorrerá ao PT, aos aliados tradicionais e talvez possa contar com o PSOL. Certamente poderá contar com o lumpesinato, com os coronéis da antiquíssima política, com os "movimentos sociais", os sindicatos e todos os que nutrirem insatisfação em relação ao governo.

Se for um governo que toma providências e, portanto, compra brigas, haverá grosso caldo de cultura para a ação do tipo de oposição ao gosto de Lula, destrutiva.

Se as pesquisas estiveram certas e a eleita for Dilma Rousseff fica tudo bem mais fácil. Ou não. Há duas possibilidades: a primeira, a de que Dilma seja tutelada por Lula, faça as coisas como ele acha que devam ser feitas e permita que ele tenha um espaço tal no governo que torne sua presença um fato constante e destacado no noticiário.

Nessa hipótese teremos o governo todo posto a serviço da campanha presidencial de Lula para 2014 e muita contestação à atitude da presidente.

A segunda, que muita gente no PT e fora dele, mas com experiência de poder, considera a mais provável, é a de que Dilma exerça o poder na plenitude. Mas só depois de um período, digamos, de quarentena, para tomar pé da situação e externar seu agradecimento ao antecessor pela eleição.

Em português claro, os defensores da segunda hipótese dizem que o efeito da caneta e da cadeira presidenciais é inexorável: quem está de posse de uma e sentado na outra dificilmente aceita dividir o poder.

Em geral isso é fato, mas no caso presente não há como concordar de antemão porque, além do absoluto controle sobre Dilma, Lula tem o partido, a popularidade e nenhum constrangimento em exigir da presidente o atendimento às suas vontades.

Republicano. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, atendeu à determinação do presidente Lula, que reclamou mais votos para Dilma no segundo turno.

Transferiu o feriado de hoje (dia do funcionário público) para segunda-feira, a fim de prolongar mais o já prolongado feriado, dando a impressão de que pretende com isso estimular a abstenção eleitoral.

Em 2008, quando da disputa pela Prefeitura do Rio, o governador havia feito o mesmo, contribuindo para uma abstenção de quase 26% na zona sul, onde o então candidato Fernando Gabeira, adversário de Cabral, tinha a preferência do eleitorado.

Melhor não. Para quem argumenta que a imprensa precisa ser "controlada" porque os outros Poderes da República contam com instrumentos de fiscalização, uma informação: imprensa não é Poder constitucional.

Na sua grande maioria, os veículos de comunicação são privados, cujo grau de maior ou menor sucesso depende de investimentos, talento, capacidade administrativa e credibilidade.

A liberdade plena serve exatamente para quem quiser criar o próprio meio de expressão. Sem esse atributo essencial, os que hoje reclamam por controle amanhã podem ser vítimas dos controladores, caso a correlação de forças não seja politicamente favorável a eles.

Boca de urna. A campanha do PT está incentivando os eleitores a votarem vestindo camisetas estampadas com a imagem de Dilma.

Conversa vai, conversa vem :: Cora Rónai

DEU EM O GLOBO

-Você tem certeza mesmo de que não quer falar sobre a campanha? Você só tem essa semana, depois ela acaba, e aí adiós...

— Tenho. Absoluta. O que antes já estava ruim, agora ficou pior.

— Também não é assim. Toda campanha política tem pelo menos alguma coisa positiva.

O próprio fato de estar sendo realizada, por exemplo.

— Isso não é argumento! Não gosto nem de pensar na alternativa. O Brasil já ultrapassou esse estágio. Nós somos uma democracia, ou talvez seja o caso de dizer ainda somos uma democracia, apesar de todos os pesares. Uma das coisas que mais detesto nessa atual campanha é, justamente, a sua feição pouco democrática.

A presidência é um cargo sério, o presidente de um país é o presidente de todos os brasileiros, mesmo daqueles que não simpatizam com as suas ideias ou com a sua candidata.

Quando faz papel de cabo eleitoral ou de líder de gangue não se diminui apenas a si, diminui o cargo que ocupa e, consequentemente, diminui a todos nós.

— Tá, isso todo mundo já disse e já sabe.

— Não é verdade. Dá uma olhada no Twitter ou no Facebook. A quantidade de gente que acha normalíssimo o comportamento do presidente é de assustar. Também é de assustar a quantidade de gente que até ontem não tinha ideia de quem é a Dilma e que hoje a põe num pedestal, só porque foi ungida pelo “cara”.

— Pode ser que, com a propaganda política, tenham passado a conhecê-la melhor.

— Será mesmo? A propaganda política não faz a gente conhecer ninguém melhor. Pelo contrário, faz desconhecer até quem achava que conhecia. Você algum dia imaginou o Serra distribuindo aqueles santinhos dizendo que “Jesus é verdade”? — É, aquilo pegou muito mal.

— Pegou péssimo! Se Jesus é verdade, como fica a verdade dos brasileiros não-cristãos? E, aliás, o que é que um postulante à presidência tem que meter o bedelho nisso? Ele não está disputando a eleição para Papa.

— É, mas isso também todo mundo sabe.

— Ah, mas não mesmo! Se todo mundo sabe, como é que os gênios do marketing, esses que estão aí ganhando por uns meses de trabalho mais do que eu e você vamos ganhar juntas a vida inteira, ignoram? — Mas a Dilma também anda com mania de falar em Deus e em ir à igreja por qualquer dá cá aquela palha...

— Estranho menos, porque a Dilma eu não sei quem é. Eu sei quem são os marqueteiros da Dilma, sei como eles pensam e sei como eles mandam ela se comportar, se vestir e se maquiar, mas, sinceramente, não faço a menor ideia de quem seja a Dilma. Tenho minhas dúvidas, aliás, se ela mesma ainda sabe quem é. Ou quem foi.

— Pois eu, se escrevesse em jornal, falava da eleição numa crônica sim e na outra também.

— Já não te basta o jornal inteiro batendo nessa tecla? Você não acha que faz parte do processo democrático ter, num mesmo veículo, assunto para todos, mesmo aqueles que não querem saber das eleições? No outro dia mesmo o Joaquim fez uma crônica linda falando sobre o início da primavera. Estava coberto de razão, as campanhas passam e as primaveras ficam.

— Pois é, agora você disse: as campanhas passam. É isso que eu estava querendo dizer antes, as eleições passam e se você não falar logo sobre isso não vai poder mais falar, porque elas terão passado...

— Sim, mas felizmente o assunto não é obrigatório. Eu já acreditei em eleição, já curti tanto campanha política que até andava com adesivo no carro.

— Você nem tem carro.

— Já tive. Há muitas luas, mas tive.

— Mudou você ou mudaram as eleições? — As duas coisas, provavelmente; mas acho que as eleições mudaram mais. Antes quase todo carro andava com adesivo, as pessoas punham faixa na janela, sacudiam bandeira, usavam camiseta. E não eram esses pobres diabos que ganham uns trocados para ficar parados na esquina. As pessoas acreditavam, de fato, que o resultado das eleições podia mudar alguma coisa.

— Mas é claro que pode, como não? — Estou cada vez mais convencida de que, em Brasília, todos se tornam iguais. E, ultimamente, quando alguma coisa muda de verdade, em geral é para pior. O Congresso sempre foi isso que a gente sabe, mas nunca teve um Tiririca antes. O meu problema com o Tiririca, aliás, não é que ele seja um palhaço. Acho que há palhaços melhores e mais dignos de confiança do que muitos parlamentares. O meu problema com o Tiririca não é a profissão, mas a indigência mental da criatura. E de seus eleitores.

— Tá, mas essa fase das eleições já passou.

Agora é só presidência, outro nível.

— Outro nível? E o confronto em Campo Grande, aquilo foi coisa de alto nível? — Não, aquilo foi baixaria, mas também não foi tão ruim quanto os tucanos disseram, bolinha de papel ou rolo de fita crepe, vai, nada disso é arma letal...

— Viu só? Até você está caindo nessa! O problema não é o que jogaram; é ter acontecido! Cuspe na cara também não fere, e daí? Pode-se cuspir nos outros só por causa disso? É inaceitável que uma turma saia para fazer a sua festa, a sua passeata, e os adversários venham com tumulto e provocação! Isso é inadmissível num país civilizado. E não adianta dizer que não foi nada, porque até o comércio fechou as portas...

Bando de hooligans! Depois vem o Lula mentir em público e falar em militância de paz e amor, e vem o perito falar em “evento bolinha” e “evento rolo de fita”, mas não vi ninguém falar do “evento pedra” que atingiu a repórter da Globo e tirou sangue.

— Tá bom, tá bom, então esquece as eleições.

Domingo elas acabam mesmo.

— Ufa! Taí o ponto positivo dessa campanha.

Um mito de papel :: Demétrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Não me importo de ganhar presente atrasado. Eu quero que o Brasil me dê de presente a Dilma presidente do Brasil", conclamou Lula, do alto de um palanque, dias atrás. Não foi um gesto fortuito. Antes, a Executiva do PT definira a campanha "Dê a vitória de Dilma de presente a Lula". Aos 65 anos, a figura que deixa o Planalto cumpre uma antiga profecia do general Golbery do Couto e Silva. O "mago" da ditadura militar enxergara no sindicalista em ascensão o "homem que destruirá a esquerda no Brasil". Quando o PT trata a Presidência da República como uma oferenda pessoal, nada resta de aproveitável no maior partido de esquerda do País.

Lula vive a sua quarta encarnação. Ele foi o expoente do novo movimento sindical aos 30, o líder de um partido de massas aos 40, o presidente salvacionista aos 60. Agora, aos 65, virou mito. O mito, contudo, é feito de papel. Ele vive nos ensaios dos intelectuais que se rebaixam voluntariamente à condição de áulicos e nos artigos de jornalistas seduzidos pelas aparências ou atraídos pelas luzes do poder. Todavia ele só existe na consciência dos brasileiros como fenômeno marginal. Daqui a três dias, Lula pode até mesmo ficar sem seu almejado carrinho de rolimã. A mera existência da hipótese improvável de derrota de Dilma evidencia a natureza fraudulenta da mitificação que está em curso.

"É a economia, estúpido!", escreveu James Carville, o estrategista eleitoral de Bill Clinton, num cartaz pendurado na sede da campanha, em 1992. George H. Bush, o pai, disputava a reeleição cercado pela auréola do triunfo na primeira Guerra do Golfo, mas o país submergia na recessão. Clinton venceu, insistindo na tecla da economia. Por que Dilma não venceu no primeiro turno, se a economia avança em desabalada carreira, num ritmo alucinante propiciado pelo crédito farto e pelos fluxos especulativos de investimentos estrangeiros?

A pergunta deve ser esclarecida. Lula abordou a sua sucessão como uma campanha de reeleição. No Brasil, como na América Latina em geral, o instituto da reeleição tende a converter o Estado numa máquina partidária. A Presidência, os Ministérios, as empresas estatais e as centrais sindicais neopelegas foram mobilizadas para assegurar o triunfo da candidata oficial. Nessas condições, por que a "mulher de Lula", o pseudônimo do mito vivo, não conseguiu reproduzir as performances de Eduardo Campos, em Pernambuco, Jaques Wagner, na Bahia, Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, Antonio Anastasia, em Minas Gerais, ou Geraldo Alckmin, em São Paulo?

"Há três tipos de mentiras - mentiras, mentiras abomináveis e estatísticas", teria dito certa vez Benjamin Disraeli. Os institutos de pesquisa registram uma taxa de aprovação de Lula em torno de 80%. Cerca de dois terços da aprovação recordista se originam de indivíduos que conferem ao presidente a avaliação "bom", não "ótimo". Nesse grupo, uma maioria não votou na "mulher de Lula" no primeiro turno. Mas a produção intelectual do mito, a fim de fabricar uma "mentira abominável", opera exclusivamente com a taxa agregada. Há muito mais que ingenuidade no curioso procedimento.

As águas que confluem para o rio da mitificação de Lula partem de dois tributários principais, além de pequenas nascentes poluídas pelos patrocínios oriundos do Ministério da Verdade Oficial, de Franklin Martins. O primeiro tributário escorre pela vertente dos intelectuais de esquerda, que renunciaram às suas convicções básicas, abdicaram da meta de reformas estruturantes e desistiram de reivindicar a universalização efetiva dos direitos sociais. Eles retrocederam à trincheira de um antiamericanismo primitivo e, ecoando uma melodia tão antiga quanto anacrônica, celebram a imagem de um líder salvacionista que fala ao povo por cima das instituições da democracia. Nesse conjunto, uma corrente mais nostálgica, que se pretende realista, enxerga em Lula a derradeira boia de salvação para a ditadura castrista em Cuba. A Marilena Chaui pós-mensalão, transfigurada em porta-estandarte do "controle social da mídia", é a síntese possível do lulismo dos intelectuais.

"As pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo", urrou Lula num comício eleitoral em Belo Horizonte, pronunciando um diagnóstico inquestionável. O segundo tributário da mitificação desce da vertente de uma elite empresarial avessa à concorrência, que prospera no ecossistema de negócios configurado pelo BNDES e pelos fundos de pensão. Essa corrente identifica no lulismo o impulso de restauração de um modelo econômico fundado na aliança entre o Estado e o grande capital. Os empresários da Abimaq divulgaram um manifesto em defesa do BNDES, enquanto Eike Batista, um sócio do banco estatal, o cobria de elogios. Na noite do primeiro turno, os analistas financeiros quase vestiram luto fechado. Tais figuras, tanto quanto os controladores da Oi e os proprietários da Odebrecht, representam o lulismo da elite econômica.

O mito ficou nu no primeiro turno. Todos os indícios sugerem que o aguardado triunfo de Dilma foi frustrado exatamente por Lula - que, na sequência do escândalo de Erenice Guerra, afrontou a opinião pública ao investir contra a imprensa independente. "Nem sempre é a economia, estúpido!": os valores também contam. Naquele momento as curvas de tendências eleitorais se inverteram, expressando a resistência de mais de metade dos brasileiros ao lulismo. O jornalismo honesto deveria refletir sobre isso, antes de reproduzir as sentenças escritas pelos fabricantes de mitos.

Os mitos fundadores pertencem a um tempo anterior à História. No fundo, desde a difusão da escrita na Grécia do século 8.º a.C., só surgiram mitos de papel - isto é, frutos da obra política dos filósofos. Por definição, tais mitos estão sujeitos à desmitificação. Já é hora de submeter o mito de Lula a essa crítica esclarecedora.

Sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Abstenção, nulos e brancos :: Jairo Nicolau

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nos últimos dias, tenho lido muitas declarações de dirigentes das campanhas preocupados com os eventuais efeitos da abstenção e dos nulos e em branco sobre os resultados do segundo turno. As informações que circulam são desencontradas, e a maior parte delas, não corresponde aos fatos. Para esclarecer ao leitor, segue m algumas informações sobre o tema.

1. A abstenção no primeiro turno foi de 18%. Valor semelhante ao das duas últimas eleições presidenciais: 2002 (18%) e 2006 (17%).

2. A abstenção subiu em todas as disputas do segundo turno nas eleições presidenciais, comparativamente ao primeiro turno: passou de 12% para 14% em 1989; de 18% para 21% em 2002 e de 18% para 20 % em 2006.

3. Nas eleições de 2010 a variação da taxa de abstenção entre as regiões, estados e municípios foi muito menor do que em eleições anteriores. Mas alguns padrões permaneceram: a abstenção é sempre menor na região Sul e maior nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo nas cidades menores (ver gráfico).

4. Existem muitas evidências de que uma parte da abstenção deve-se a problemas com o cadastro e não são fruto de ação deliberada dos eleitores para não comparecerem. Nas eleições deste ano, houve um recadastramento dos eleitores de 57 cidades que utilizaram o voto biométrico. A média de abstenção nestas cidades foi de 10%, bem menor do que a do pais (18%).

5. Não há como prever o impacto do feriado sobre o crescimento da abstenção no segundo turno. Nas eleições para prefeitura do Rio de Janeiro em 2008 - que aconteceu no meio de um feriado prolongado - a abstenção passou de 18% para 20%. Curiosamente, o maior crescimento (em pontos porcentuais) da abstenção entre os dois turnos, aconteceu em áreas mais pobres da cidade, e não nas áreas de renda média e alta.

6. Temos o hábito de somar os votos em branco e os nulos. Mas eles têm padrões muito diferenciados no pais. Nas eleições presidenciais deste ano a taxa de votos em branco foi de 3% e a de nulos foi o dobro, (6%).

7. A taxa de votos nulos e em branco caiu em todas as disputas de segundo turno nas eleições presidenciais: de 7% para 6% em 1989, de 10% para 6% em 2002; de 8% para 6% em 2006.

8. Coincidentemente, o total de votos nulos e em branco em todas as disputas presidenciais no segundo turno foi 6%. Em números absolutos, o aumento da abstenção acaba sendo compensado pelo declínio dos votos anulados.

9. Os votos em branco se distribuem de maneira homogênea pelo país (ver gráfico). Não há diferenças relevantes por renda/escolaridade do município, nem localização no território. Os estados com taxas mais altas tiveram apenas 4% de votos em branco.

10. Os votos nulos têm padrões muito diferenciados. A taxa tende a ser mais alta nos municípios mais pobres e com mais analfabetos, sobretudo do Nordeste. Nas cidades menores (até 50 mil habitantes) do Nordeste o total de votos anulados foi de 10% (ver gráfico).

11. As cidades com mais taxa de votos nulos do Nordeste são redutos da Dilma. Mas em termos absolutos as perdas da candidata do PT foi muito pequena. Se as menores cidades nordestinas tivessem o mesmo patamar de votos nulos de todo o pais (6%), e se os votos dos eleitores que anularam tivessem a mesma distribuição da de outros eleitores de suas cidades, Dilma teria recebido 112 mil votos a mais, em relação aos seus adversários.

12. Na ponta do lápis, os efeitos da abstenção e dos votos nulos e em branco sobre o resultado final do segundo turno das eleições de 1989, 2002 e 2006 foi ínfimo. Não há razão para acreditar que este ano será muito diferente.

Dois programas antagônicos :: José Arthur Giannotti

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Se Dilma tende ao estatismo, Serra cada vez mais se torna adepto de controle desenhado por instituições que se tornem públicas sem serem estatais

Aos poucos, na confusão generalizada da batalha eleitoral, vão se configurando duas diferentes concepções do que possa ser o Estado brasileiro. Lembremos, antes de tudo, que nossa política está atravessada pelo debate entre PT e PSDB, dois partidos de centro, sem que se possa perceber entre eles antagonismo ligado a classes sociais, embora cada um possa ser mais ou menos popular.

Não há no horizonte qualquer perspectiva neoliberal, pois os dois concorrentes à Presidência da República são profundamente intervencionistas, pedem um Estado forte, capaz de controlar democraticamente as instituições e o capitalismo brasileiro. A diferença reside na forma da democracia proposta e no modo de intervir no capital.

Depois do insucesso do socialismo real, que se mostrou um capitalismo de Estado propício a regimes ditatoriais, tornamo-nos sociais-democratas. Somos obrigados a conviver com um sistema capitalista de produção assentado em diversos mercados. Sem suas indefinições, que obrigam a economia a se ajustar segundo interesses privados, sem as informações que esses desajustes provocam, sem o estímulo da competição tecnológica, o sistema produtivo emperra e deixa de suprir as necessidades da população.

Além do mais, é preciso levar em conta diferenças no desempenho de cada indivíduo. Desapareceram as propostas de igualar os salários e de que cada um contribuísse segundo suas capacidades e recebesse segundo suas necessidades. Não há critério para determinar capacidades e necessidades sem o jogo das indefinições privadas.

Não é por isso, entretanto, que devemos acreditar que o movimento dos interesses privados naturalmente se ajustaria a padrões de justiça social. O mercado trama ilusões que abrigam sistemas injustos de troca sob a aparência de operações equilibradas. Bom exemplo são os efeitos perversos do mercado imobiliário na cidade de São Paulo.

Daí a importância da política. Mas, para ser democrática, não pode deixar nas mãos dos gestores instrumentos permitindo-lhes bloquear a luta pelo poder. É desse ponto de vista que a privatização deve ser discutida, pois nem sempre implica perda para os fundos públicos.

Tudo depende de como a empresa privada fica submetida a uma regulação pública e ao sistema tributário. Quando um partido submete uma empresa pública a seus interesses, ela se torna privada.

Se reconhecermos a necessidade da alternância do poder, já que um único partido não é capaz de anular as injustiças provadas pelo desempenho descontrolado dos mercados; se acreditarmos que somos apenas parte da verdade, o adversário vindo a ser indispensável na sua constituição, passaremos a combater o Estado proprietário.

Em vez dele, apostamos em forte sistema de controle social, para que cada um de nós tenha assegurada suas liberdades pública e privada. Sob esse aspecto, avultam as diferenças entre Dilma Rousseff e José Serra. Se Dilma tende ao estatismo, a um controle direto dos meios de produção, Serra cada vez mais se torna adepto de um controle desenhado por instituições que se tornem públicas sem trazerem o peso de serem estatais.

Essas duas tendências independem das personalidades dos candidatos, intensamente propositivos, mas se configuram pelas forças políticas que passam a representar.

Numa democracia em que o embate político se dá no centro das opções ideológicas, se o governo será mais à direita ou à esquerda, tudo vai depender de como cada grupo que chega ao poder se abre às novas formas de demanda social e às exigências de um capitalismo atual e competitivo.


José Arthur Giannotti, filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".

De que lado você está? :: Roberto DaMatta

DEU EM O GLOBO

Quando trabalhava num museu cheio de ossos e de artefatos indígenas cheirando a naftalina e mofo, eu recém-chegado de Harvard e contrariamente ao meu projeto de ser apenas um pesquisador fui galgado à posição de coordenador de um programa de ensino e pesquisa. A saída de seu fundador promoveu a minha entrada na burro-cracia federal da universidade e, de repente, eu me vi na posição de liderar um grupo de pessoas que mal conhecia. Éramos todos contra a ditadura militar que então governava um Brasil administrado pelo arbítrio e sem a regra de lei que entre nós, humanos, sempre instáveis e interessados, ajuda a manter a coerência; e, eventualmente, mas nem sempre, garante o uso de um só peso e medida.

Um dia, graças a circunstâncias que espero contar com mais detalhes em outro lugar, surgiu a oportunidade de contratar o grupo de professores do programa (de fato, a sua esmagadora maioria), integrando-os aos quadros da universidade. Digo integrar porque, àquela época, eles eram pagos por uma fundação americana que, por meio de sua filantropia, dirimia a nobre culpa ianque por ter criado um colar de ditaduras militares que coroavam com seus diversos tipos de despotismo o nosso continente. O tal cone sul ou América latina que só agora os americanos estão deixando de ver como um bloco instável, único e atrasado. Algo que, sem nenhum exagero, ainda se situa na sua lata de lixo por contraste com uma certa Europa e Ásia que estão na sua sala de visita.

Pois bem. Quando um todo-poderoso burocrata da universidade dignou-se a entrar em contato comigo, solicitando os nomes dos professores a serem finalmente integrados no nosso programa, não tive dúvida ou neutralidade. Eu sabia de que lado estava, muito embora alguns desses colegas não comungassem comigo das mesmas convicções liberais que, aos 20 anos, eu havia consolidado na minha experiência com a América de Jefferson, Lincoln, Luther King, Thornton, Wilder, Capra, John Ford, Kubrick e muitos outros; mais do que com a vivência com os Estados Unidos de Joseph McCarthy, Nixon, da Ku-Klux-Klan e da dinastia Bush. E assim eu confirmei os seus nomes, muito embora na nossa convivência eu sempre fosse direta ou marginalmente tachado como sendo de direita ou de liberal com tudo o que essa palavra contém de execrável, de indigno e de desprezível no Brasil (e mais ainda no Brasil daquela época). O mesmo ocorrendo com a minha mal começada obra. Uma vez me disseram que em vez de falar de carnaval ou de renunciantes, como Augusto Matraga, de comida e de dona Flor como metáfora do Brasi, eu deveria estudar camponeses e operários.

Em alguns projetos e publicações produzidos naquele museu eu, apesar de coordenador, era excluído porque certamente não ficava bem mencionar o nome de um semifascista nos resultados de pesquisas de esquerda que iriam transformar o Brasil.

Lembro essas passagens não para ativar ressentimentos que já encontraram seu lugar num velho e machucado coração, mas para insistir num ponto: jamais assumi uma posição de neutralidade que como o limbo seria mais do que justificado por um coordenador acidental e marcado por um preconceito político tão distorcido pela inútil, mas sempre ressuscitada dualidade entre direita e esquerda.

Por causa disso, e mesmo ouvindo com mágoa a suspeita de um colega que expressou dúvida se o seu nome constaria da lista que enviei à universidade, não fiquei em cima de um doce muro do qual, como fizeram dona Marina e os verdes, muita gente pensa que se pode descortinar os dois lados.

Faço estas confidências porque elas têm muito a ver com o clima eleitoral brasileiro. Você fica neutro quando um presidente da República e um partido que se recusou a assinar a Constituição e foi contra o Plano Real usam de todos os recursos do Estado que não lhe pertencem para ganhar o jogo? Você diz que o jogo não interessa porque você queria que os adversários fossem do mais alto nível e isso não existe em nenhum país e muito menos no Brasil? Será que você não enxerga que o exemplo da neutralidade é fatal quando há uma óbvia ressurgência do velho autoritarismo personalista por meio do lulismo que diz ser a opinião pública? O que você esperava de uma disputa eleitoral no contexto do governo de um partido dito ideológico, mas marcado por escândalos, aloprados e nepotismo? Você deixaria de tomar partido mesmo quando o magistrado supremo do Estado vira um mero cabo eleitoral de uma candidata por ele inventada? É válido ser neutro quando o presidente vira dono de uma facção, como disse com precisão habitual FHC? Se o time do governo deve sempre vencer porque tem certeza absoluta de que faz o melhor, pra que eleição? A dúvida, o debate, os momentos de ansiedade e de tédio são parte do fardo grandioso da democracia que tanto queríamos. Só os fascistas e os de máfé, só os ignorantes desse processo podem achar que tudo é péssimo, inclusive os candidatos. Você pode não gostar de um ou do outro, mas a disputa que o Lula e o PT querem anular usando o pessimismo burro do brasileiro para com a política é crítica para liquidar as convergências liberais que alcançamos.

Pense nisso, não enverdeça.

Não esconda o seu medo de decidir com argumentos bacharelescos. Diga de que lado você está. Lembre-se que neste mundo não há deuses ou superheróis.

Há apenas pessoas comuns que são candidatos temporários a cargos que têm uma enorme e decisiva influência no nosso destino!


ROBERTO DaMATTA é antropólogo.

Democracia está distante da República, concordam intelectuais:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O país vive um aprendizado democrático. Isso não quer dizer, todavia, que tenha se assumido plenamente como republicano. "Existe um hiato entre o aprendizado da democracia e a constituição da República", afirmou ontem o cientista político Gabriel Cohn, na mesa redonda "Estado, instituição e democracia", no primeiro dia do 34º Encontro Anual da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), evento que se estenderá até a sexta-feira. "A República é uma grande trapaça histórica que não vai ser resolvida no curto prazo. A Democracia é um aprendizado. A República ainda vai exigir do país mais duas ou três gerações", afirmou Cohn.

Se existiu uma concordância entre Cohn e seu debatedor, Luiz Werneck Vianna, foi essa. A interpretação de Werneck Vianna é de que, nesse hiato, o republicanismo, por meio do "Estado Novo do PT", ressurge como um Estado fortalecido e pelo "czarismo, getulismo e cidadania concedida". A falta de cultura republicana exporia a democracia, pelo voto, a "manifestações inesperadas pelo quantitativo dos setores subalternos, por exemplo, que não estão se movendo apenas por questões materiais, mas também por uma agenda valorativa como o aborto" - referência à extensão que tomou o tema aborto nas eleições presidenciais de primeiro turno. "Uma agenda valorativa no sertão urbano ", para Vianna, é mais preocupante e perigosa.

"Os de baixo fizeram emergir seus próprios intelectuais, os pastores que são da sua origem. Não leem Platão, mas salmos, e têm a retórica da persuasão. Isso está acontecendo nas nossas costas em escala de milhões", afirmou o cientista político fluminense. O paulista Cohn, todavia, fez uma diferenciação clara do que entendia por "republicanismo": não os valores, mas a virtude republicana, "uma certa capacidade de colocar o que importa a todos". Divergências de valores seriam resolvidos dentro do jogo político democrático, pelo voto; o republicanismo, pela virtude. Há uma distância entre o aprendizado a democracia e a consolidação de uma República. "Existe um hiato entre o aprendizado da democracia e a constituição da república como forma de vida. Para o cidadão a democracia é fundamental, mas as regras do jogo são regras que podem ser jogadas de várias maneiras. A democracia se firmou devido a sua fantástica plasticidade. É a melhor opção para todos. Dá para resolver quase tudo. A coisa mais severa é a dimensão republicana", disse Cohn.

Um alto grau de confiança nas instituições, no entanto, não compensa a fragilidade das instituições republicanas. "Não sei se o ideal, na relação do cidadão com as instituições, é ter maior ou menos segurança nas instituições democráticas. Nunca houve tamanha confiança do cidadão nas instituições do que na Alemanha nazista e na União Soviética stalinista", lembrou Cohn. A institucionalidade da República e da democracia também não são tudo. "É a relação crítica e a relação institucional que tem que ser trabalhadas". É fácil satisfazer os cidadãos com a democracia, mas quando ela agrega simplesmente a ideia de um Estado como "referência fixa" e ordenamento do conjunto, o próprio Estado já não dá conta dessa mediação. "O cidadão republicano tem alta mobilidade, capaz de se colocar ativamente nas mais diversas situações e responder de maneiras assertivas . O Estado tem que ter alta mobilidade para ser capaz de se amoldar - sem perder posição dirigente - aos movimentos e ritmos da sociedade ampla", disse Cohn.

"Na própria experiência da teoria política brasileira, democracia e república se distanciam. Propor para a democracia o programa republicano, e não o mercado da política. Democracia pode ser autoritária", concluiu Cohn.

Por que pesquisas dão vantagem a Teotonio?:: Anivaldo Miranda

Não sou favorável à divulgação de pesquisas eleitorais. Pelo menos a um mês de qualquer eleição. Elas, as pesquisas, terminam se convertendo em instrumentos de intervenção e direcionamento do processo de livre escolha de candidatos. Todavia, como são permitidas atualmente, recorro aos seus números para analisar rapidamente o porquê da vantagem que o candidato tucano, Teotonio Vilela, continua a ostentar em relação ao seu opositor.

Essa vantagem não decorre, em sua base mais profunda, de nenhuma fórmula espetacular de marketing ou de algum traço carismático do governador candidato à reeleição. Em verdade, ela repousa sobre conquistas administrativas e institucionais que, apesar de óbvias para qualquer projeto equilibrado de governo, terminam sendo notáveis para o contexto do Estado de Alagoas, onde o processo de desagregação da máquina governamental há muitos anos parecia irrefreável.

Teotonio, à diferença do seu adversário, consegue agora, com ajuda da mobilização de campanha e do horário eleitoral, apresentar um elenco consistente de ações que efetivamente comprovam a reversão das tendências negativas que pairavam como uma nuvem sombria sobre as perspectivas da gestão pública e das possibilidades de retomada do desenvolvimento em Alagoas.

O atual governador demorou muito em mostrar, para amplos segmentos da população, em que consistia essa reversão e a conseqüente criação de um clima positivo em Alagoas. Agora, porém, os ventos parecem finalmente ajudá-lo a velejar um barco cujas estruturas foram reformadas com muitas dificuldades, mas em grau suficiente para permitir a chegada a um porto seguro.

Esses fundamentos que dão vantagem a Vilela não se prestam a grandes apelos de propaganda, mas são essenciais para conformar as convicções dos que formam opinião e, em última instância, são fatores de razoável influência no processo eleitoral. Com efeito, são esses segmentos dos formadores de opinião, aqueles que percebem com nitidez o quão necessário foram os ajustes feitos nas contas públicas, na política fiscal, no enxugamento da máquina e no resgate da moralidade administrativa como elementos imprescindíveis para resgatar o peso do Estado no movimento da socioeconomia.

Esses processos mais profundos não aparecem, mas terminam deixando suas marcas políticas. A regularização do repasse constitucional aos municípios, por exemplo, consolidou a imagem da administração atual para além daquilo que talvez nem mesmo seus integrantes imaginem. E a ela somam-se ações extremamente importantes como a renegociação das dívidas, a reabertura dos canais de crédito, a estabilização da condição de adimplência, a capacidade de oferecer contrapartidas, a retomada da poupança interna.

Os frutos desse processo de estabilização de um Estado que parecia dramaticamente afundado numa crise inadministrável no curto e médio prazos, aparecem justamente agora e são traduzidos em realizações mais visíveis para o eleitor, como é o caso dos investimentos que foram atraídos, do melhor funcionamento dos serviços públicos, do amplo cardápio de projetos em elaboração ou trâmite, dos convênios firmados, das metas menos fantasiosas e mais tangíveis, inclusive no que diz respeito aos orçamentos e planejamento.

Apesar da crescente despolitização e desqualificação das disputas políticas no Brasil, o eleitorado, mesmo submetido a inventivas técnicas de manipulação da opinião, nunca perde totalmente um certo sentido de realidade. E é isso que parece prevalecer na campanha eleitoral em curso e aquilo que explica porque Teotonio tem começado como perdedor e terminado como favorito nas últimas eleições majoritárias.

Anivaldo Miranda é jornalista.

''Pesquisa é furada'', diz Serra, que vê empate

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o presidenciável tucano, há ""problemas metodológicos"" nos levantamentos eleitorais e alguns institutos são ""alugados""

Angela Lacerda

O candidato tucano à Presidência, José Serra, desconsiderou ontem as pesquisas eleitorais que indicam sua adversária com mais de 10 pontos porcentuais de vantagem sobre ele.

"Acho que de fato há um empate técnico", afirmou.

Serra citou os institutos Vox Populi e CNT Sensus como "alugados" e, embora não destratando o Ibope e o Datafolha, disse que, "mesmo no caso dos outros, há problemas metodológicos". "Não tem nada mais errado no Brasil do que pesquisa", afirmou, ao lembrar de eleições cujos resultados foram diferentes do que indicavam as pesquisas. "Pesquisa é furada e isso no futuro vai ter de ser examinado."

Ele criticou o comportamento do presidente Lula na campanha e disse que no segundo turno ele "passou dos limites". Reiterou que Lula deixou de governar e "ficou todo jogado para eleger Dilma" como se fosse uma questão de poder pessoal. Destacou que ninguém consegue governar de fora e, se a candidata do PT for eleita, "vai ficar tudo na mão dela". "Não há no mundo nem na história do Brasil um exemplo desse tipo que tenha funcionado, um presidente largar o governo para eleger o sucessor e ficar governando na sombra."

Voltou a acusar o PT de fazer uma campanha baseada em mentiras contra ele e disse que o presidente Lula falta à verdade ao dizer que ele não dará continuidade ao que ele fez no governo federal. Para Serra, o presidente diz isso "por motivos puramente eleitorais", dentro "dessa cisma que tem de ganhar de qualquer maneira". "Ele sabe que vou continuar", disse.

Debate. O tucano lamentou que Dilma "não dê a devida importância ao Nordeste", por conta sua ausência no debate do primeiro turno para discutir a região, e no que estava programado para ontem na Bahia e foi cancelado diante da negativa da candidata em participar.

Sua assessoria distribuiu proposta para o semiárido nordestino, com diagnóstico, projetos e metas - que ele iria divulgar durante o debate cancelado. Entre as metas para 2020, a inclusão de 100% das famílias pobres do semiárido na rede de proteção social, 100% das residências com água de beber disponível, 100% de recuperação ambiental nas áreas de desertificação e redução em 80% da mortalidade infantil.

Serra garantiu não serem promessas de campanha, mas "anúncios", o aumento do salário mínimo para R$ 600 e o 13.º do Bolsa-Família. Sobre o futuro da economia, disse que o governo tem de estar de olho, "porque o Brasil está com um déficit no exterior que é o maior da história".
"Estamos pegando emprestado furiosamente do exterior ao contrario do que se diz", afirmou ele.

Com foguetório, percussão de maracatu empolgada e carro de som tocando suas músicas de campanha e bandeiras, José Serra liderou uma caminhada no final da tarde de ontem, na Rua da Imperatriz, no centro do Recife. Nenhum incidente foi registrado na caminhada.

Mobilização. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, afirmou que a campanha de Serra "não tem cartas na manga" nesta reta final. "Todas as peças estão articuladas, os Estados estão mobilizados, não há rigorosamente muita coisa a fazer", disse ele. "Apenas sustentar ao longo dos últimos três dias essa mobilização."

Serra: ato grande e tumultuado

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Oposições mostram força em caminhada para o tucano no Centro do Recife. O empurra-empurra, porém, causou tumulto e furtos foram registrados

Cecília Ramos e Daniel Guedes

A passagem do presidenciável José Serra (PSDB) pelo Centro do Recife, onde fechou sua nova visita ao Estado, ontem à tarde, surpreendeu positivamente o candidato e aliados, tamanha receptividade de populares na capital. Um “mar de gente” parou para ver, falar e tirar foto com o tucano. Por conta do assédio, ele acabou levando uma hora para percorrer a Rua da Imperatriz.

A falta de organização, porém, trouxe transtornos. O empurra-empurra foi grande e algumas pessoas, incluindo jornalistas e o filho do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), Jarbas Filho, tiveram objetos furtados. Em muitos momentos, barracas de comerciantes ameaçavam cair em meio à confusão.

A caminhada começou às 16h, da Rua do Hospício, e foi interrompida no meio do trajeto pelo próprio Serra, sem aviso prévio, às 17h. Antes de partir rumo ao aeroporto, o tucano subiu em um banquinho e falou de improviso. “Quem vai ganhar no domingo é o povo brasileiro”. Em coro, a militância bradou: “O povo não erra, o presidente é Serra!”.

O presidenciável entrou em uma van que já o aguardava na Rua da Aurora.

Estavam no veículo Jarbas, o senador Marco Maciel (DEM), o deputado Raul Jungmann (PPS). Ao longo do percurso, mal se podia enxergar Serra. Jornalistas e fotógrafos se acotovelavam. Os políticos que começaram a caminhada perto do tucano acabaram se afastado rapidamente.

A saída inesperada de Serra acabou frustrando políticos, militância e populares que aguardavam o candidato na Praça da Independência, o ponto final do trajeto. Havia um trio elétrico no local que serviria de palanque. Populares abordados pelo JC e até políticos não sabiam que o tucano não iria mais. Já no aeroporto, Serra disse ter levado muito tempo percorrendo a Rua da Imperatriz. Ele minimizou o tumulto no percurso. “Eu gosto, me solto. Não há risco de cair porque não há para onde cair. É sempre muito agradável a adesão das pessoas comuns”.

A assessoria de Serra informou que o ato foi interrompido pois ele precisava retornar às 17h30 a São Paulo. Antes de seguir viagem, Serra atendeu, no aeroporto, seis pastores, entre eles o bispo da Igreja Episcopal Carismática, Paulo Garcia. Na última sexta, o grupo oficializou apoio a Serra.

POLÍCIA

A Secretaria de Defesa Social informou que 50 homens estavam responsáveis pela segurança do ato. Diante dos casos de furto (celular e carteira), o secretário Wilson Damázio designou o delegado de Santo Amaro, João Dantas, para apurar as ocorrências. Até o início da noite de ontem, cinco queixas foram registradas.

Jarbas, Maciel e Sérgio Guerra marcam presença

O ato pró-Serra, ontem, marcou o retorno de todos os aliados das oposições em Pernambuco (PMDB/DEM/PSDB/PPS/PMN) na campanha presidencial. Pela primeira vez, desde o fim do 1º turno, os senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB), Sérgio Guerra (PSDB) – que não se falam mais – e Marco Maciel (DEM) apareceram em um mesmo ato.

Desde a derrota, Maciel não havia sido visto na campanha. Viajou para Portugal, retomou os trabalhos no Senado, em Brasília, e ontem, tentou ficar ao lado de Serra, mas, assim como Jarbas e Guerra, desistiu logo, pois não havia condições por conta do empurra-empurra. Jarbas e Maciel estavam na van que levou Serra ao aeroporto. Guerra já havia deixado o local.

Presidente nacional do PSDB e coordenador nacional da campanha de Serra, Guerra foi o único que concedeu entrevista. O tucano disse não acreditar que a visita do candidato possa promover alguma mudança significativa na disputa eleitoral e afirmou que Serra será “mais claro” no debate da Globo, amanhã. “Mas não necessariamente mais ofensivo”.

Guerra garantiu ainda que, se desejar, o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves pode ser seu sucessor na presidência do PSDB. “Se ele quiser, com certeza (fica com a presidência). Já fiz o que tinha que fazer”, afirmou, pontuando a boa relação do mineiro com partidos importantes como o PMDB e PSB.

“Minas decidirá a eleição”, diz Serra

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Em entrevista à Rádio Jornal, tucano desdenha das pesquisas e acredita que quem vencer em Minas Gerais levará a melhor na disputa presidencial

Ayrton Maciel

O candidato a presidente da República, José Serra (PSDB), avaliou, ontem, que a disputa presidencial com a petista Dilma Rousseff (PT) vai ser decidida por Minas Gerais, com 14 milhões de eleitores, onde a petista venceu no primeiro turno – 46,98% a 30,76% dos votos válidos. O candidato tucano vai estar, hoje e sábado, em Minas, em campanha com o senador e o governador eleitos, Aécio Neves e Antônio Anastasia, ambos do PSDB.

Após entrevista ontem no programa Supermanhã, da Rádio Jornal, quando ressaltou que não se conduz pelos resultados dos institutos de pesquisas, que indicam Dilma se distanciando, Serra garantiu que os números internos da sua campanha apontam um empate técnico com a petista. Indagado se esses mesmos dados revelam que é Minas que vai decidir a eleição, o tucano foi sucinto: “É!”. “No primeiro turno, a maioria das pesquisas furaram. Algumas são muito furadas, trabalham para o governo. Não mexem comigo, é zero. Agora, quando há diferenças pequenas (entre candidatos), podem influenciar. Há um uso e abuso no Brasil das pesquisas. É um problema e tem que ser examinado”, defendeu.

Serra insinuou que Dilma seria uma invenção, como candidata, resultado de “um cisma de Lula” de que tem que fazer o sucessor, e como perdeu a chance de lançar os principais quadros do PT (José Dirceu e Antônio Palocci) por questões políticas (escândalos), optou por Dilma. O tucano admitiu a alta aprovação do presidente Lula, mas ressalvou que o petista deu continuidade a muitos programas do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Ele vive xingando, mas deu sequência ao Plano Real, à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao Fundo de Apoio à Educação (Fundef, hoje Fundeb), ao Saúde da Família, aos genéricos, ao coquetel contra a Aids e reuniu outros (programas) no Bolsa Família” relacionou.

Numa retaliação às acusações de ser privatista, repetiu que Dilma dividiu a exploração do pré-sal com mais de 100 empresas e loteou entre partidos e aliados os cargos da empresa, e denunciou que o ex-presidente Fernando Collor – aliado da petista – controla e usa de influência na Petrobras Distribuidora.

MENTIRAS

Serra rechaçou, também, a versão de que é um “antinordestino”, e utilizou termos como “a petralhada” para atribuir aos petistas a difusão – segundo definiu – de mentiras. O tucano afirmou que vive sendo alvo de uma “central de mentiras” montada pelo PT para espalhar inverdades. “Espalham que sou contra os funcionários públicos. Sou contra o cabide de emprego, aquele sem concurso. Farei concurso e quero aumentar a eficiência das universidades”, disse, negando ter interesse em privatizar a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste.

O candidato assegurou, também, que, caso seja eleito, o governador reeleito Eduardo Campos (no caso, Pernambuco) vai estar melhor com ele do que com Dilma. “Eduardo sabe disso. Ele vai estar melhor comigo porque não faço chantagem, porque não sou de ficar enrolando, eu faço acontecer. Tratarei Pernambuco da mesma forma como se fosse Jarbas (Vasconcelos) o governador", disse. Garantiu, também, que vai cumprir o reajuste do salário mínimo para R$ 600,00, os 10% de reajuste para os aposentados e o 13º para o Bolsa Família.

“Não é promessa, é anúncio”, ressaltou.

Secretaria para o semi-árido

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O presidenciável José Serra (PSDB) anunciou ontem, no programa Supermanhã, da Rádio Jornal, que caso seja eleito vai criar um órgão específico para enfrentar os problemas e coordenar as ações do semi-árido nordestino, a Secretaria do Semiárido Celso Furtado, vinculada à Presidência da República e com o nome do idealizador da Sudene. O órgão já nascerá, segundo a proposta, tendo agregado o Projeto Semiárido, com duração de dez anos, visando a oferecer emprego, renda e qualidade de vida. “Serra uma secretaria multidisciplinar exclusiva para o semiárido. Será um olhar como um todo para a Região”, explicou Serra.

O projeto tem dez componentes sociais e dez metas a ser atingidas até 2020 . Entre as ações sociais, estão: criar uma rede de proteção social, com inclusão do Bolsa Família, rede de distribuição e água potável, irrigação e capacitação em agropolos, agentes rurais e agentes de saúde, educação e capacitação de jovens, e apoio ao empreendedorismo. Entre as metas, estão: 100% das famílias pobres na rede de proteção social e 100% das residências com água potável, 100% de recuperação das áreas em desertificação, redução em 80% a mortalidade infantil, e 100 novas escolas técnicas.

O semiárido brasileiro abrange nove Estados, oito no Nordeste (exceto o Maranhão) e mais o norte do Estado de Minas Gerais. São 1.133 municípios e cerca de 21,6 milhões de habitantes, o equivalente a 40,5% da população do Nordeste.

Debate na Rede Globo será amanhã

DEU EM O GLOBO

Último encontro antes das eleições, amanhã, não terá confronto direto entre candidatos, mas questões de eleitores indecisos

Cássio Bruno, Maria Lima e Silvia Amorim

RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO. Os candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) se enfrentam no último debate antes das eleições, na Rede Globo, amanhã, depois da novela “Passione”. A mediação será do jornalista William Bonner.

Dilma e Serra vão responder a perguntas feitas por eleitores indecisos na plateia. A seleção dos participantes foi feita pelo Ibope em diferentes estados.

Segundo a emissora, cada eleitor vai elaborar cinco perguntas — individualmente e por escrito — escolhendo temas definidos pela produção: saúde, educação, meio ambiente, políticas sociais, previdência, infraestrutura, política econômica, agricultura, saneamento, política externa, corrupção, transportes, desemprego, segurança, habitação, funcionalismo público, impostos, legislação trabalhista e energia. Serão selecionadas as 12 mais representativas de cada tema.

O debate terá três blocos. Um sorteio definirá o candidato que responderá à primeira pergunta.

Ele, então, sorteará o eleitor indeciso, que terá 30 segundos para ler sua pergunta. O candidato terá dois minutos para a resposta, com dois minutos de réplica e mais dois minutos para a tréplica.

Ao fim do terceiro bloco, haverá as considerações finais.

Se Serra for para o ataque, Dilma vai rebater com firmeza, no estilo “assertiva”. Ela chega hoje ao Rio, onde terá uma agenda mais leve. Os coordenadores da campanha dizem que não têm muito como traçar uma estratégia para esse debate, pois não há perguntas diretas entre os candidatos.

Os petistas dizem acreditar que Serra vai bater duro no governo. E a orientação é que Dilma fuja de pegadinhas.

— O Serra vai partir para cima dizendo que o governo de Lula foi uma merda, e ele é o bom da boca. E ela terá oportunidade para ser mais propositiva — disse o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra.

Já a campanha de Serra espera um clima de menos confronto, justamente devido às regras do debate. O tema corrupção, que gerou ataques na TV Record, será usado em uma única pergunta.

A estratégia, então, será focar na comparação de propostas, realizações e biografias. O discurso de que Serra é o mais experiente será repetido à exaustão.

A comparação servirá para desconstruir a estratégia de associar o governo Lula à imagem de gestão eficiente.

O tucano também deverá ter uma agenda leve amanhã.

'Um mundo referido a realidades do poder'

Anpocs reúne quase 2 mil cientistas políticos, sociais e antropólogos, mas não discute a campanha eleitoral

Arnaldo Bloch Enviado especial

CAXAMBU (MG). Cinco anos passados do ciclo de conferências “O silêncio dos intelectuais” — em que Marilena Chauí conclamou os pensadores a um maior engajamento —, um silêncio pré-eleitoral parece ter baixado no balneário mineiro. A três dias das eleições, os temas da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e campanha eleitoral não deram o ar da graça, pelo menos entre os eventos centrais, até o encerramento do segundo dia de atividades do 34oEncontro Anual da Anpocs, que reúne sociólogos, antropólogos e cientistas políticos em dezenas de fóruns, simpósios e mesas-redondas, com apresentação de mais de 600 trabalhos.

Nem nas duas sessões do fórum “Instituições políticas sob o governo Lula”, terça-feira e ontem, os participantes abordaram os temas, limitando-se a apresentar trabalhos avaliando — em geral em comparação ao governo Fernando Henrique — os oito anos de Lula. E destacando, quase sempre, o viés positivo.

‘Serra e Dilma são melhores do que mostraram’ Participante desta mesa, Fernando Luiz Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, que apresentou um painel sobre o pragmatismo do segundo mandato de Lula, atribui o silêncio à radicalização da campanha.

— Só vai ser possível olhar além quando os ânimos estiverem mais aplacados. Mesmo na FGV, onde trabalho, o grau de belicismo é figadal. Serra e Dilma são muito melhores do que mostraram. Ficaram à mercê dos joguinhos, dos ódios. Serra tem uma história maior que Dilma, mas ela tem experiências administrativa e partidária não negligenciáveis. Não é uma neófita.

Eles se equivalem em vários aspectos.

Menos condescendente, embora falando sempre baseado em constatações, como deve fazer um sociólogo, é o cientista Luiz Werneck Vianna, professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

— Faltam pouquíssimos dias para a eleição. Numa reunião com quase 2 mil intelectuais, você só ouve falar do assunto em conversas privadas, entre colegas.

Admitamos: há uma dominância do PT na academia e na área de pesquisa em geral, que tem a ver com as políticas públicas que tiveram o setor de ciência e tecnologia como alvo.

Participante do grande encontro como expositor numa sessão especial em homenagem a Gildo Marçal Brandão, é com a mesma isenção que Werneck observa o evento em si: — Este acontecimento aqui não se explica sem o apoio do Estado, das estatais, do BNDES, da Finep.

Este não é o espaço da opinião livre, mas um mundo todo referido a realidades do poder. O mundo da opinião tem presença aqui, mas ela não é dominante. Na maior parte dos casos, esses congressos envolvem indivíduos que dependem mais das agências estatais que da sociedade.

É um espaço muito particular.

E os grandes recursos privados não se interessaram ainda por esse pedaço do mundo. Se é que algum dia vão se interessar.

Um exemplo do que ele diz pode ser representado pelas palavras de um participante da mesa de avaliação do governo Lula que, a certa altura de suas considerações, deixou escapar: “Vou parar por aqui porque esse assunto é arriscado”.

Nota-se, também, a ausência quase completa de menções a temas como corrupção, evolução dos valores, ou ética na política. Na visão de Abrucio, o que ocorre é uma espécie de esgotamento do tema e uma “fulanização”.

— A discussão da ética está se fulanizando muito e apresentando poucas soluções. Há um certo cansaço. Paulo Preto ou Erenice? O eleitorado padrão acha que todo mundo é ladrão. Venho trabalhando nos últimos 15 anos com muitas pesquisas qualitativas que deixam clara esta noção.

Instado a responder se, como dizem alguns críticos, Lula teria contribuído para esta noção por sua postura relativista diante dos escândalos do mensalão, Abrucio destacou avanços.

— Coisas boas foram feitas das quais pouco se fala, como o trabalho da Controladoria Geral da União. Talvez nós, intelectuais, junto com a mídia e os partidos, estejamos focando de maneira errada tais questões. Temos que sair um pouquinho só do denuncismo e ver o que faz esses processos ocorrerem. E formular soluções, de curto prazo, como melhoria das instituições, e de médio prazo, como o avanço da educação. E, importantíssimo, como destaquei em minha apresentação: a reforma da administração pública. Precisamos de mecanismos mais claros de cobrança e uma maior transparência. Está na hora de mudar o disco para uma linha mais propositiva de recuperação, não de destruição da política. Há questões mais importantes que a bolinha de papel. Em que canal vamos circular, para não transformar a discussão da ética simplesmente no sobrevoo sobre Brasília de “Tropa de Elite”? Fernando Henrique me ensinou que o papel do cientista político é pesquisar políticas públicas. É mais do que um governo, o que estamos analisando aqui.

Manifesto de artistas e intelectuais pró- Serra Presidente

Artistas e intelectuais decidiram declarar apoio a candidatura a Presidência de José Serra e organizaram o blog O Brasil com Serra.

Até o momento mais de 170 pessoas assinaram o manifesto. Para conferir a lista de assinaturas acesse o blog O Brasil com Serra
http://obrasilcomserra.blogspot.com/

Manifesto

Votamos em Serra! Ele tem história. Serra está na origem de obras fundamentais nas áreas da Cultura, da Educação, da Saúde, da Infraestrutura, da Economia, da Assistência Social, da Proteção ao Trabalho.

Apoiamos Serra, porque ele tem um passado de compromisso com a democracia, com a verdade e com o uso correto dos recursos públicos, dando bons exemplos de comportamento ético e moral, de respeito à vida e à dignidade das pessoas.

Votamos em Serra, porque o País está, sim, diante de dois projetos: um reconhece a democracia como um valor universal e inegociável, que deve pautar o convívio entre as várias correntes de opinião existentes no Brasil; o outro transforma adversários em inimigos, conspira contra a liberdade e a democracia. Precisamos de um Presidente que nos una e reúna, não de quem nos divida.

Apoiamos Serra, porque repudiamos o dirigismo cultural, a censura explícita ou velada, as patrulhas ideológicas, as restrições à liberdade de imprensa, o compadrio, o aparelhamento do Estado em todas as suas esferas e a truculência dos que se pretendem donos do Brasil. Estamos com Serra porque não aceitamos que um partido tome o lugar da sociedade.

Votamos em Serra, porque o grande título da cidadania dos brasileiros é a Constituição, não a carteirinha de filiação a um partido. A democracia é fruto da dedicação e do trabalho de gerações de brasileiros, que lutaram e lutam cotidianamente para consolidá-la e aperfeiçoá-la. O país não tem donos. O Brasil é dos brasileiros.

Apoiamos Serra, porque precisamos ampliar verdadeiramente as conquistas sociais, econômicas e culturais, sobretudo as que ocorreram no Brasil desde o Plano Real e que nos habilitam a ocupar um lugar de destaque no mundo. Estamos com Serra, porque as outras nações precisam ouvir o Brasil em defesa dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos e da paz. O nosso lugar é ao lado das grandes democracias do mundo, não de braços dados com ditadores, a justificar tiranias.

Votamos em Serra, porque ele pautou toda sua vida pública com coerência na luta pela justiça social e pela preservação dos valores universais da democracia e das liberdades individuais.

Apoiamos Serra, porque é preciso, sim, comparar os candidatos e identificar quem está mais preparado para enfrentar os desafios que o Brasil tem pela frente, com autonomia, sem ser refém de grupos partidários ou econômicos. Homens e mulheres, em qualquer atividade, se dão a conhecer por sua obra, que é o testemunho de sua vida. A Presidência da República exige alguém com experiência e competência comprovadas. Não basta querer mudar o Brasil, é preciso saber mudar o Brasil. E a vida pública de Serra demonstra que ele sabe como fazer, sem escândalos e desvios éticos.

Serra é a nossa escolha, porque queremos desfrutar, com coragem e confiança, da liberdade e da igualdade de direitos, como exercício de dignidade e consciência.

Vamos juntos eleger Serra para o bem do Brasil e dos brasileiros - sua maior riqueza!

Por um Brasil de verdades e de bons exemplos.

Vote e peça votos para Serra Presidente 45!

Menos uma no manifesto pró-Dilma

DEU EM O GLOBO

Escritora de livros infantis, Ruth Rocha diz em carta que não assinou documento e que vai votar em Serra

Carolina Benevides

Depois de o cineasta José Padilha, diretor de “Tropa de Elite”, protestar por seu nome ter sido incluído, à sua revelia, no manifesto de artistas e intelectuais em favor da candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff, foi a vez da escritora de livros infantis Ruth Rocha, cujo nome estava no documento, anunciar por carta que não votará na petista e que sequer fora procurada para subscrever o texto.

— Meu nome aparece na lista, mas só fiquei sabendo quando comecei a receber telefonemas de amigos que conhecem minha posição política e ficaram espantados. Então, resolvi escrever uma carta para desmentir e aproveitei para falar um pouco sobre política — contou Ruth.

Na carta direcionada “à candidata Dilma”, a escritora diz: “Eu não a apoio. Incluir meu nome naquele manifesto é um desaforo! Mesmo que a apoiasse, não fui consultada. (...) esse tipo de descuido revela duas coisas: falta de educação e a porção autoritária cada vez mais visível no PT.” A escritora critica ainda o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Queira o presidente Lula ou não, foi com FHC que o mundo começou a perceber uma transformação no Brasil. (...) Todos os indicadores sociais melhoraram com a democracia.

Não foi o Lula quem fez. O PT tem a ver com isso. O PSDB também tem assim como todos os cidadãos brasileiros.” — Ninguém me procurou para pedir que eu assinasse. Imagino que um gaiato tenha dito: põe o nome da Ruth. Mas, em uma eleição disputada como esta, achei que não podia deixar passar — disse a escritora, que não recebeu pedido de desculpas dos organizadores do manifesto ou da campanha petista pela inclusão do seu nome: — Ninguém se manifestou.

Nem antes nem agora.

Também o cineasta José Padilha já tinha protestado. Em nota no site oficial do seu filme, ele criticou a postura adotada pelas duas campanhas presidenciais e disse: “Não pertenço a nenhum partido político, agremiação, sindicato ou lista de apoio a candidatos, na qual eu não tenha me inscrito voluntariamente”. E ainda que não aderiu “a candidato algum nesta eleição pelos motivos explícitos em Tropa de Elite 2.

Escritora grava para programa de Serra Procurada pela equipe do candidato do PSDB a presidente, José Serra , Ruth aceitou gravar uma participação no programa eleitoral do tucano.

O depoimento da escritora vai ao ar hoje.

— Declaro meu voto no Serra e conto que meu nome apareceu no manifesto de apoio a Dilma sem que eu tivesse sido consultada — contou Ruth.

O manifesto de apoio à candidata petista foi divulgado em encontro realizado no Rio, no Teatro Casa Grande, no Leblon.

'É a democracia que permite a transformação do país"

DEU EM O GLOBO

Leia a íntegra da carta da escritora Ruth Rocha à candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff:

“Carta à candidata Dilma.

Meu nome foi incluído no manifesto de intelectuais em seu apoio. Eu não a apoio. Incluir meu nome naquele manifesto é um desaforo! Mesmo que a apoiasse, não fui consultada.

Seria um desaforo da mesma forma. Os mais distraídos dirão que, na correria de uma campanha... ‘acontece’.

Acontece mas não pode acontecer.

Na verdade esse tipo de descuido revela duas coisas: falta de educação e a porção autoritária cada vez mais visível no PT. Um grupo dominante dentro do partido que quer vencer a qualquer custo e por qualquer meio.

Acho que todos sabem do que estou falando.

O PT surgiu com o bom sonho de dar voz aos trabalhadores mas embriagou-se com os vapores do poder. O partido dos princípios tornou-se o partido do pragmatismo total. Essa transformação teve um ‘abrakadabra’ na miserável história do mensalão. Na época o máximo que saiu dos lábios desmoralizados de suas lideranças foi um débil ‘os outros também fazem...’. De lá pra cá foi um Deus nos acuda! Pena. O PT ainda não entendeu o seu papel na redemocratização brasileira. Desde a retomada da democracia no meio da década de 80 o Brasil vem melhorando; mesmo governos contestados como os de Sarney e Collor (estes, sim, apoiam a sua candidatura) trouxeram contribuições para a reconstrução nacional após o desastre da ditadura.

Com o Plano Cruzado, Sarney tentou desatar o nó de uma inflação que parecia não ter fim. Não deu certo mas os erros do Plano Cruzado ensinaram os planos posteriores cujos erros ensinaram os formuladores do Plano Real.

É incrível mas até Collor ajudou.

A abertura da economia brasileira, mesmo que atabalhoada, colocou na sala de visitas uma questão geralmente (mal) tratada na cozinha.

O enigmático Itamar, vice de Collor, escreveu seu nome na história econômica ao presidir o início do Plano Real. Foi sucedido por FHC, o presidente que preparou o país para a vida democrática. FHC errou aqui e ali. Mas acertou de monte. Implantou o Real, desmontou os escombros dos bancos estaduais falidos, criou formas de controle social como a Lei de Responsabilidade Fiscal, socializou a oferta de escola para as crianças. Queira o presidente Lula ou não, foi com FHC que o mundo começou a perceber uma transformação no Brasil.

E veio Lula. Seu maior acerto contrariou a descrença da academia aos planos populistas.

Lula transformou os planos distributivistas do governo FHC no retumbante Bolsa Família. Os resultados foram evidentes. Apesar de seu populismo descarado, o fato é que uma camada enorme da população foi trazida a um patamar mínimo de vida.

Não me cabem considerações próprias a estudiosos em geral, jornalistas, economistas ou cientistas políticos. Meu discurso é outro: é a democracia que permite a transformação do país. A dinâmica democrática favorece a mudança das prioridades. Todos os indicadores sociais melhoraram com a democracia. Não foi o Lula quem fez. Votando, denunciando e cobrando, foi a sociedade brasileira, usando as ferramentas da democracia, quem está empurrando o país para a frente.

O PT tem a ver com isso. O PSDB também tem assim como todos os cidadãos brasileiros.

Mas não foi o PT quem fez, nem Lula, muito menos a Dilma. Foi a democracia. Foram os presidentes desta fase da vida brasileira.

Cada um com seus méritos e deméritos. Hoje eu penso como deva ser tratada a nossa democracia. Pensei em três pontos principais.

1) desprezo ao culto à personalidade;

2) promoção da rotação do poder; nossos partidos tendem ao fisiologismo. O PT então...

3) escolher quem entenda ser a educação a maior prioridade nacional.

Por falar em educação. Por favor, risque meu nome de seu caderno. Meu voto não vai para Dilma.”

Correios: TCU condena ex-diretor

DEU EM O GLOBO

Osório Batista e consórcio terão de pagar multa e devolver R$5,5 milhões

Fábio Fabrini

BRASÍLIA. O Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem o ex-diretor de Administração dos Correios Antônio Osório Batista e o Consórcio Alpha, de empresa ligada do PT, a pagar R$10 milhões ao erário por favorecimento ilegal num contrato público. Auditoria feita pelo órgão constatou que o dirigente da estatal aprovou, sem necessidade, reajuste de R$5,5 milhões num contrato com as empresas Positivo Informática e Novadata Sistemas, cujo dono, Mauro Dutra, tem relações com petistas do Distrito Federal.

Osório e as duas empresas terão de pagar, cada um, R$1,5 milhão de multa pela suposta irregularidade. Além disso, ficam obrigados a restituir os R$5,5 milhões, corrigidos e acrescidos de juros, aos Correios. O ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material Maurício Marinho recebeu multa de R$35 mil por não punir as empresas por atrasos no cumprimento de cláusulas contratuais. Ele aparece cobrando propina no vídeo que detonou o escândalo do mensalão, em 2005.

O Consórcio Alpha foi investigado na CPMI dos Correios e pela PF por favorecimento. No inquérito que apurou o esquema de corrupção na estatal durante o primeiro governo Lula, Dutra é apontado como suspeito de fazer acertos com servidores da empresa para vencer licitação.

O reajuste de R$5,5 milhões, em julho de 2002, foi obtido graças a pedido de reequilíbrio econômico-financeiro à estatal. O contrato original era de R$98 milhões. A justificativa foi que as variações cambiais, provocadas principalmente pelo processo eleitoral, elevaram os custos de computadores e equipamentos fornecidos aos Correios.

O TCU concluiu que a flutuação era previsível e que o risco decorrente dela deveria ser absorvido pelas empresas. Além disso, apurou que não houve alteração significativa nos custos. Tanto que micros melhores foram comprados mais tarde, a preços menores, por meio de aditivo contratual dos Correios.

Ontem, o plenário seguiu voto do relator, Walton Alencar. O ex-presidente dos Correios João Henrique de Almeida Sousa e diretores foram isentados. O ministro destacou que a estatal decidiu com base em pareceres sem fundamento. E que uma servidora admitiu ter mudado seus relatórios após sofrer pressões.

Os condenados terão 15 dias, a partir da notificação, para comprovar o pagamento dos débitos. Eles não foram localizados para comentar a decisão.

Usina avalizada por Dilma no RS deu prejuízo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Idealizada em 2000 pela hoje candidata petista e por Valter Cardeal, a Termogaúcha nunca saiu do papel

Turbinas compradas por US$ 100 mi foram vendidas 6 anos depois por menos da metade do preço, US$ 43,1 mi

Silvio Navarro e Ranier Bragon

SÃO PAULO, BRASÍLIA - À frente da Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff (PT) e seu braço direito no setor elétrico, Valter Cardeal, hoje diretor da Eletrobras, participaram da criação de usina a gás que nunca saiu do papel e gerou prejuízo para a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica).

Batizada de Termogaúcha, a usina idealizada em 2000 foi liquidada seis anos depois pelos acionistas -CEEE, Petrobras, Ipiranga e Repsol-, sem funcionar.

Os sócios movem processo contra a CEEE pelos prejuízos causados e por dívidas.A Termogaúcha foi incluída no programa do governo FHC para construir termelétricas. A intenção era utilizar gás argentino, o que não se viabilizou em seguida.

Dilma e Cardeal culpam a crise energética argentina pelos problemas.

Documentos obtidos pela Folha mostram que Dilma avalizou a compra de turbinas a gás e a vapor da empresa GE (General Eletric), por US$ 100,3 milhões. Na época, ela ocupava o cargo de presidente do Conselho de Administração da CEEE.

Em 2006, as turbinas foram vendidas por menos da metade do preço pago: US$ 43,1 milhões. Na época, Dilma presidia o Conselho de Administração da Petrobras, uma das sócias, que tentou comprar as turbinas. Cardeal foi para a Eletrobras.

Os sócios ainda gastaram para estocar as turbinas no exterior no período.

A principal crítica ao projeto é que a gestão se precipitou por não ter garantias."Foi feito sem ter a venda da energia, o que é uma tradição no setor elétrico. A gente só começa um empreendimento quando essa energia está vendida, o que dá contratualmente segurança", afirmou o atual presidente da CEEE, Sérgio Camps. "A CEEE vai sair com prejuízo de pelo menos R$ 60 milhões [investimento e dívidas] nessa participação frustrada."Hoje, o governo gaúcho é do PSDB. Na época, era administrado pelo PT.

Auditorias e analistas estimam que a dívida da CEEE seja de R$ 35 milhões.Atas das reuniões da CEEE que a Folha teve acesso mostram que Dilma deixou o projeto nas mãos de Valter Cardeal, então diretor da CEEE. A rapidez no processo chamou a atenção da Eletrobras.

Numa das reuniões do conselho da CEEE, o próprio Cardeal informa a advertência feita pela Eletrobras para que "nos próximos empreendimentos" a documentação relativa à constituição da empresa deverá ser submetida previamente e em tempo hábil para análise".

Petista e aliado atribuem fracasso à crise argentina

As assessorias de Dilma Rousseff e da Eletrobras -Valter Cardeal é diretor de Planejamento- atribuíram à crise econômica argentina o motivo para o fracasso da Termogaúcha. Segundo eles, se as turbinas não fossem compradas haveria risco de descumprimento de prazos.

Em respostas bem similares, as assessorias afirmam que nem Dilma nem Cardeal tinham mais responsabilidade sobre a CEEE em 2006, quando houve a decisão da venda das turbinas por menos da metade do preço da compra. Dilma, entretanto, presidia o Conselho de Administração da Petrobras.

"Os empreendedores assinaram com o governo federal [então do PSDB] contrato com compromisso de prazo [a entrada em operação comercial da usina estava prevista para 2004] e, para seu cumprimento, adquiriram as turbinas da GE, conforme deliberação de todos os sócios."

A assessoria de Dilma diz ainda, que, "na ocasião, o mercado estava muito aquecido, com muitos pedidos de turbinas em carteira".

"A Termogaúcha seria abastecida com gás argentino, o que se inviabilizou com a grave crise econômica vivida por aquele país. As turbinas foram vendidas posteriormente, quando Dilma Rousseff já não era mais Secretária de Minas e Energia do Estado", afirmou.

Cardeal dá resposta semelhante, via assessoria: "A CEEE, da qual Valter Cardeal era diretor, tinha participação minoritária de 23%. (...) Não há participação alguma de Valter Cardeal na decisão de vender os equipamentos [turbinas], pois o mesmo já não era mais membro da diretoria da CEEE e nem representante da Termogaúcha".

Ele afirma que "os responsáveis pela venda dos equipamentos foram os sócios do empreendimento no ano de 2006/2007, cabendo aos administradores da Termogaúcha explicar os motivos da venda e dos resultados econômicos".

Procurada pela reportagem, a Petrobras não se manifestou até o fechamento desta edição sobre seu papel no empreendimento e sobre o destino das turbinas após serem vendidas.

Abramovay pediu cargo para a mulher na Casa Civil

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nomeação fere súmula do STF contra nepotismo

Lucas Ferraz

BRASÍLIA - A mulher do secretário nacional de Justiça, Pedro Abramovay, ganhou, no mês passado, um cargo na subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. O chefe dela é Beto Vasconcelos, advogado como Abramovay e um de seus melhores amigos.

A Folha apurou que a nomeação de Carolina Haber, no último dia 6 de setembro, partiu de um pedido do marido. Pedro Abramovay e a Casa Civil negam.

A nomeação dela fere a súmula do Supremo Tribunal Federal que proibiu o nepotismo nos três Poderes. Ela proíbe "a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente (...) em cargo de direção, chefia ou assessoramento (...) na administração pública direta ou indireta em qualquer dos Poderes da União".

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ao analisar dois casos, considerou que "configura nepotismo a nomeação de servidor ocupante de cargo comissionado, que possua parente até terceiro grau exercendo cargo de direção, chefia ou assessoramento ainda que ausente de subordinação hierárquica" e optou pela demissão.

A Presidência da República entende diferente. Em decreto editado em junho para normatizar o assunto, disse ser possível contratar parentes em órgãos diferentes, como é o caso do Ministério da Justiça e Casa Civil.

Esse decreto diz haver nepotismo quando a contratação em órgãos distintos se dá em "circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo".

Luiz Navarro, secretário-executivo da CGU (Controladoria Geral da União), afirma que nesses casos é preciso investigar para saber se de fato houve ou não nepotismo.

Carolina Haber atua em cargo comissionado. À Folha, ela disse não ver "problema" em ser casada com Abramovay e atuar na Casa Civil. "São órgãos diferentes. Eu tenho qualificação para trabalhar aqui, sou formada em direito, tenho mestrado, estou fazendo doutorado."

Carolina também trabalhou na SAL (Secretaria de Assuntos Legislativos), órgão do Ministério da Justiça que foi chefiado por Pedro Abramovay. "Não éramos casados", disse. O casamento, disse ela, se deu em março. Eles vivem juntos mas não são casados no papel.

Por meio de assessoria, Abramovay disse que a "contratação foi feita em estrita consonância com as regras legais vigentes, baseada em análise de currículo e entrevista". Desde que a revista "Veja" divulgou diálogo em que ele diz não suportar mais pedidos de Dilma Rousseff e de Gilberto Carvalho (chefe de gabinete do presidente Lula) para fazer dossiês, ele não falava com a imprensa.

Beto Vasconcelos afirmou que não atendeu pedido de Abramovay para contratar sua mulher. "Faço uma seleção rigorosa de currículos e contrato pela experiência e competência", disse.

"A decisão de contratar foi minha, eu já conhecia o trabalho da Carolina e a procurei", disse Vasconcelos.

Erenice fez pressão por empresa de padrinho

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Erenice Guerra, ex-braço direito de Dilma Rousseff, pressionou a Anatel em favor da Unicel, à qual seu marido dava consultoria.

O dona da empresa, que é seu padrinho de casamento, enviou carta a Dilma reclamando de uma licitação.

Erenice mandou cópia à agência e cobrou explicação urgente, relatam Elvira Lobato e Mario Cesar Carvalho. Seu advogado nega a pressão. Segundo a Casa Civil, Dilma, então ministra, ignorava o elo entre Erenice e a Unicel.

Erenice usou carta a Dilma para pressionar Anatel a dar concessão

Ex-ministra pressionou agência para favorecer a Unicel, empresa na qual seu marido atuava

Firma de padrinho de casamento de Erenice ganhou concessão para entrar no mercado de telefonia celular em SP

Elvira Lobato e Mario Cesar Carvalho

SÃO PAULO - Erenice Guerra usou uma carta enviada à então titular da Casa Civil, Dilma Rousseff, para pressionar a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em 2007 em favor da Unicel Telecomunicações. O marido de Erenice, José Roberto Campos, era consultor da empresa.

Em janeiro de 2007, o presidente da Unicel, José Roberto Melo e Silva -padrinho de casamento de Erenice e Campos- mandou uma carta para Dilma com graves acusações à Anatel.

Erenice, que era secretária-executiva da Casa Civil, mandou cópia da carta ao então presidente da Anatel, Plínio Aguiar Júnior, e cobrou explicação urgente.

O empresário acusava a comissão de licitação e a procuradoria da Anatel de mentirem à Justiça Federal, de vazarem informações para empresas de fora da licitação e de coagirem o advogado da Unicel, Gabriel Laender -que depois foi nomeado assessor na Casa Civil.

A empresa tentava obter concessão para oferecer telefonia celular na Grande São Paulo, numa licitação iniciada pela Anatel, em 2005. Foi a única a apresentar proposta, mas depositou garantia aquém da exigida no edital -R$ 930 mil em vez dos R$ 9,3 milhões, graças a uma liminar obtida na Justiça.

A pressão da Casa Civil na Anatel, agora comprovada por documentos obtidos pela Folha, foi relatada em setembro pela revista "Veja".

Começou uma disputa judicial que levou a Anatel a cancelar a licitação. Quando a acusação do empresário chegou à Casa Civil, no dia 17 de janeiro de 2007, a licitação havia sido retomada. A empresa ganhara, em segunda instância, o direito de completar a garantia exigida.

A carta foi escrita um dia depois de a comissão de licitação adiar a abertura da proposta de preço, para averiguar pontos da garantia oferecida pela Unicel. A Intec, empresa que estava fora da licitação, alegara que a garantia estava vencida. O presidente da Unicel diz desconfiar que a Anatel iria beneficiar outra empresa, caso a disputa fosse anulada.

Na carta a Dilma Rousseff, o presidente da Unicel diz que o Brasil estava "a ponto de perder US$ 1 bilhão em investimentos", por culpa da Anatel, e que a agência tinha uma burocracia "capturada e descomprometida com os interesses do país".

O empresário acusou a Anatel de abuso de poder e de ter "propósitos escusos". A carta deixa claro que ele discutiu a questão previamente com a assessoria da Casa Civil antes de enviar as denúncias à ex-ministra.

"REPULSA"

A ingerência da Casa Civil criou um clima de revolta na Anatel. "É com total repulsa que esta CEL [Comissão Especial de Licitação] analisa o texto narrado na correspondência da Unicel", diz o relatório remetido à Casa Civil, também obtido pela Folha.

A comissão de licitação era formada por três gerentes e um advogado da União. Ela alegou, em sua defesa, que a Lei Geral de Telecomunicações exige depósito de garantia de 10% nas licitações da Anatel, e que a Unicel teria mentido à Justiça ao dizer que a agência teria de cumprir a Lei das Licitações, que estabelece garantia de 1%.

Para o ex-conselheiro da Anatel José Leite Pereira Filho -que ocupou o cargo de novembro de 1997 a novembro de 2007-, houve interferência indevida de Erenice Guerra, o que "causou mal-estar em pessoas sérias" da agência, como disse à Folha.

Sem ter experiência num mercado dominado por grandes corporações, a Unicel ganhou o direito de explorar telefonia celular no maior mercado do país -a Grande São Paulo. Hoje a empresa está em estado pré-falimentar.

Segundo o conselheiro, era visível que a Unicel não teria capacidade financeira para implantar a telefonia celular em São Paulo, como se provou mais tarde.

Antonio Menezes - Melodia nº 1 para Violoncelo

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