sábado, 23 de abril de 2016

Opinião do dia - Bolívar Lamounier

O que de fato importa é a fala dualista do PT: a divisão maniqueísta do mundo, o povo contra a zelite, o nós contra eles, etc. Isso é um pensamento de esquerda que intelectuais lidos e viajados possam honestamente endossar? A íntima associação que o governo Lula e, depois, Lula como pessoa física estabeleceram com o chamado “grande capital financeiro” e com as maiores empreiteiras do País são mais do que suficientes para demonstrar que o nóis contra a zelite nunca passou de uma fulgurante mistificação.

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Bolívar Lamounier é cientista político. ‘Existe uma ideologia petista?’. O Estado de S. Paulo, 23/4/2016

Dilma pede sanções de Mercosul e Unasul ao País

Dilma pedirá ao Mercosul e à Unasul que avaliem ‘golpe em curso’ no Brasil

• A jornalistas estrangeiros, presidente voltou a se dizer injustiçada e classificou processo de impeachment como infundado

Altamiro Silva Junior e Cláudia Trevisan - O Estado de S. Paulo

NOVA YORK - Depois de fazer um discurso moderado no plenário da Organização das Nações Unidas (ONU), a presidente Dilma Rousseff voltou a atacar nesta sexta-feira a tentativa da oposição de afastá-la do cargo e disse que avalia pedir a aplicação da cláusula democrática do Mercosul e da Unasul ao Brasil. Os dispositivos podem levar à suspensão de integrantes dos blocos, como ocorreu com o Paraguai em 2012.

“Está em curso no Brasil um golpe. Então eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem esse processo”, afirmou a presidente a jornalistas brasileiros em Nova York na tarde desta sexta-feira. Questionada se pedirá a suspensão do País por descumprimento de princípios democráticos, Dilma foi evasiva. “A cláusula democrática implica uma avaliação da questão.”

Pela manhã, a presidente fez no plenário da ONU uma alusão breve e indireta à situação política brasileira, em um discurso no qual não usou as palavras “golpe” e “impeachment”. A crise doméstica ocupou menos de 1 minuto dos 8 minutos e 42 segundos do pronunciamento.

Supremo. Na entrevista, a presidente criticou declarações de ministros do Supremo Tribunal Federal que avaliaram que o processo de impeachment não é golpe. “Não é a opinião do Supremo Tribunal Federal. É a opinião de três ministros. São apenas três ministros. São ministros que não deveriam dar opinião porque vão me julgar”, ressaltou ela aos jornalistas.

Antes da viagem de Dilma a Nova York, o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, disse que a presidente cometia um “gravíssimo equívoco” ao tratar o impeachment como um golpe. Os ministros da Corte Dias Toffoli e Gilmar Mendes também se manifestaram sobre o assunto na mesma linha de Celso de Mello.

Antes de falar a jornalistas brasileiros, a presidente deu entrevista a dez veículos de comunicação dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Espanha. Nas duas ocasiões, o tom adotado pela petista foi bem mais enfático do que a fala na ONU.

O discurso da petista na ONU foi elogiado por líderes da oposição e pelo vice-presidente Michel Temer, que o considerou “adequado”. O vice não comentou as entrevistas de Dilma concedidas aos jornalistas durante a tarde desta sexta-feira.

Democracia. “Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento que vive o Brasil”, declarou Dilma no fim de seu pronunciamento na ONU. “O Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. O povo brasileiro é um povo trabalhador, que tem grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos.”

A presidente foi aplaudida de forma protocolar antes e depois do discurso pelos dirigentes presentes no plenário da ONU. “Sou grata a todos os líderes que expressaram a mim sua solidariedade”, disse.

Direitos. Aos jornalistas, Dilma afirmou que o suposto desrespeito a seus direitos é uma ameaça aos próprios cidadãos brasileiros. Disse, ainda, ser vítima de uma injustiça. “Se há injustiça contra o presidente da República, se eu me sinto vítima de um processo ilegal, golpista e conspirador, o que dizer da população do Brasil quando seus direitos forem afetados?”, questionou.

“A garantia do meu direito não é garantia minha pessoal. É a garantia de que no Brasil a lei vai se sobrepor a qualquer interesse pessoal ou político”, declarou.

No fim da entrevista aos jornalistas brasileiros, a presidente se emocionou quando foi questionada sobre o impacto do processo de impeachment em curso no País sobre sua família. “Imagine o que estaria a sua família sentindo. Não posso falar porque dói. Dói muito”, afirmou Dilma. O retorno da presidente ao Brasil estava programado para este sábado.

Temer diz que discurso de Dilma na ONU foi 'adequado'

• Havia expectativa de que a presidente fizesse uma fala mais dura a respeito do processo de impeachment, o que não aconteceu

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer classificou nesta sexta-feira como "adequado" o discurso da presidente Dilma Rousseff na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Havia a expectativa de que a presidente pudesse fazer uma fala mais dura a respeito da situação política do País, cinco dias após a Câmara ter aberto o processo de impeachment.

"Acho que foi adequado, nada mais do que isso", disse Temer, que está no exercício da Presidência da República, diante da viagem de Dilma. Temer preferiu, no entanto, não usar o gabinete da Presidência da República e despachar de seu próprio gabinete, no prédio anexo ao Palácio do Planalto.

Desde o começo da semana, Temer procurou responder às acusações de que há um golpe em curso no País por causa do processo de afastamento de Dilma. Para ele, o objetivo do governo é desqualificá-lo, já que, caso o processo seja aprovado, ele assumiria o cargo.

"Acho que o Brasil não merece desqualificação e eventuais agressões à vice-presidência", afirmou. "Não é coisa do vice-presidente, mas é coisa do Brasil." Temer ressaltou ainda que vai esperar a decisão do Senado, que precisa referendar o afastamento autorizado pela Câmara. "Vou aguardar silenciosa e respeitosamente a decisão do Senado. Antes disso, não posso dizer nada", disse Temer.

No últimos dias, Temer concedeu entrevistas ao Financial Times, Wall Street Journal e The New York Times. Na maior parte das vezes, ele afirmou que o processo de impeachment no Brasil tem sido acompanhado de perto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tribunal responsável por zelar a Constituição.

"Fui provocado para dar aquelas entrevistas e achei que deveria dizer alguma coisa à imprensa internacional", disse. Temer deve receber amanhã o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Palácio do Jaburu. Meirelles é cotado para ser o ministro da Fazenda de um eventual governo Temer.

"Dilma teve bom senso na ONU", diz líder do PSDB no Senado

• Nos EUA, presidente não usou o termo "golpe" nem se defender abertamente do processo de impeachment

Pedro Venceslau- O Estado de S. Paulo

FOZ DO IGUAÇU - O senador Cássio Cunha Lima (PB), líder do PSDB no Senado, disse nessa sexta-feira (22) em Foz do Iguaçu, onde participa do 15° Fórum Empresarial, que a presidente Dilma Rousseff teve "bom senso" em seu discurso na ONU.

"No epílogo do mandato, a presidente teve uma dosagem de bom senso de não transformar uma cerimônia internacional da ONU em espaço de proselitismo político. Finalmente alguém a aconselhou de forma adequada. Pelo menos quando sai do Brasil, ela consegue ter equilíbrio no teor das declarações".

A oposição e o grupo político do vice - presidente Michel Temer temiam que a presidente defendesse na ONU, onde ela discursou na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, a tese de que o impeachment é um golpe.

Dilma não usou o termo "golpe" nem se defender abertamente do processo de impeachment. Fez apenas uma discreta menção à crise política do Brasil.

Relator - O senador tucano também falou sobre a resistência dos governistas em aceitar que o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que é aliado de Aécio Neves (PSDB-MG), presidente do PSDB, assuma a relatoria do impeachment no Senado.

"Isso é mais uma tentativa de obstrução da investigação. Não conseguiram apresentar uma defesa consistente e tentam construir factoides. O senador Anastasia não tem nenhum tipo de impedimento para exercer a relatoria".

As duas faces de Dilma em NY

Na ONU, a presidente Dilma evitou falar em golpe. Mais tarde, com jornalistas estrangeiros, voltou ao tema.

Dilma fala em ‘crise’ na ONU e em ‘golpe’ a jornalistas

• Presidente critica ministros do STF que contestaram tese de ilegalidade no processo

Henrique Gomes Batista - O Globo

A presidente Dilma Rousseff usou ontem dois tons diferentes para se referir à crise que enfrenta no Brasil. Na ONU, de forma mais amena, ressaltou o momento grave pelo qual o país está passando, mas, ao contrário das expectativas, não usou a palavra “golpe”. Já à imprensa, Dilma criticou os ministros do Supremo Tribunal Federal que deram opinião favorável sobre a legalidade do processo de impeachment e refutaram a tese de “golpe” da presidente. Contundente, afirmou a jornalistas internacionais que recorrerá ao Mercosul e à Unasul para que, segundo ela, “o processo democrático” seja garantido. Ela disse respeitar os que propõe antecipação de eleições e voltou a criticar indiretamente o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

— Não é a opinião do Supremo. É a de três ministros. São apenas três ministros. E ministros que não deveriam dar opinião porque vão me julgar — criticou Dilma, referindo-se às ponderações de Celso de Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que afirmaram, na quarta-feira, que o processo de impeachment é constitucional.

O anúncio sobre a viagem de Dilma aos Estados Unidos foi antecipado pela colunista Míriam Leitão, do GLOBO. À agência de notícias Reuters, a presidente Dilma denunciou seu impeachment como um “golpe”, e disse que iria ao Mercosul para que o Brasil seja suspenso do bloco:

— Gostaria de apelar à cláusula democrática se houve, a partir de agora, uma ruptura do que eu considero o processo democrático.

O Mercosul tem a chamada cláusula democrática, que pode ser acionada caso um governo eleito em qualquer um dos Estados- membros seja derrubado, como ocorreu com o Paraguai, em 2012. Isto implica na suspensão das reuniões e pode levar o país a perder benefícios comerciais.

— Está em curso no Brasil um golpe. Então eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem esse processo — disse aos repórteres brasileiros.

Em frente à embaixada brasileira, dois protestos, um a favor e outro contra o impeachment, cada um com cerca de 20 pessoas, fizeram barulho para chamar a atenção das autoridades brasileiras. Dilma disse que vai “se esforçar muito” para, em sua defesa no Senado, evitar criticas às propostas de novas eleições.

— Uma coisa é eleição direta, com voto secreto das pessoas, com o povo brasileiro participando. Agora, tem que ter me dado o direito de defender meu mandato — disse, para alfinetar em seguida: 

— Quem assumirá os destinos do país? Pessoas ilegítimas, que não tiveram um voto para presidente? 

Quem tem acusação de lavagem de dinheiro, de conta no exterior, de processo de corrupção? Não tem contra mim nenhuma acusação de corrupção.

‘Dói, dói muito’
Ela afirmou ainda que não falou sobre o processo de impeachment na ONU porque “não era o momento”. No discurso em plenário, falou sobre os avanços climáticos no mundo, nos quais o Brasil teve um papel fundamental. E finalizou:

— Não posso concluir a minha intervenção sem mencionar o momento grave que o Brasil está passando. Não tenho dúvidas de que nosso povo será capaz de evitar quaisquer retrocessos.

A presidente também criticou a imprensa brasileira por ter noticiado que ela falaria sobre a crise política, sem que, segundo ela, isso fosse verdade. Dilma mostrouse emotiva ao falar sobre como a família dela encara o processo:

— Eu não falo sobre a minha família. Acredito que eles estão sofrendo. Você imagina como sua família estaria se sentindo. Então, não posso falar, porque dói, dói muito.

Oposição critica Dilma por dizer em Nova York que existe golpe no Brasil

• Líderes classificaram declaração da presidente como ‘extremamente delirante’

- O Globo

BRASÍLIA – A oposição criticou nesta sexta-feira as declarações dadas pela presidente Dilma Rousseff em entrevista coletiva em Nova York, nos Estados Unidos. Depois de proferir discurso na ONU, em que não fez menção a um suposto golpe do qual seria vítima - tese que vem defendendo desde o início do processo de impeachment -, Dilma disse à imprensa internacional que o processo que ela enfrenta no Congresso Nacional tem todas as características de golpe. Ela também afirmou que não há base legal alguma para justificar o impedimento de seu mandato. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, chegou a elogiar o discurso discreto na ONU. Mas, ao saber da fala da presidente na coletiva, disse que a declaração é “extremamente delirante”.

- Na ONU, ela foi discreta. Concordo com ela no sentido de que a democracia brasileira resiste às intempéries. Essa cantilena do golpe é farsa. Que golpe é esse, realizado pelo Congresso Nacional e fiscalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que duas vezes já decidiu que não há ilegalidade? Ela aponta como golpista o vice, mas ela viaja e quem assume é esse vice. É uma coisa extremamente delirante. Acho que o fracasso do governo lhe subiu à cabeça - afirmou o tucano, que recentemente foi aos Estados Unidos para conversar com autoridades americanas e tentar neutralizar eventuais declarações da presidente sobre o golpe.

Na entrevista, Dilma também declarou que pedirá ao Mercosul a retirada do Brasil do bloco, se ela sofrer o impeachment.

- É uma narrativa completamente desastrada para o país. Mesmo com depoimentos dos ministros do Supremo atestando a constitucionalidade, vem fazer uma proposta dessas na entrevista a jornalistas estrangeiros? Está passando informações mentirosas e sem fundamento. Ela deveria ter mais responsabilidade. Está achando pouco o que já fez de mal ao Brasil? Agora quer que o Brasil seja prejudicado no Mercosul? Que horror! - lamentou o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira.

O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-SP) também elogiou a falta da palavra “golpe” no discurso da ONU.

- Veja o ridículo internacional que ela estaria submetida. Como alguém que se diz vítima de um golpe transfere e recebe de volta, o cargo? Como alguém que se diz vítima de um golpe, apresenta defesa e legitima o processo? No epílogo do seu governo, a presidente Dilma teve um raro momento de bom senso - declarou.

Depois, quando soube do conteúdo da entrevista, o parlamentar retirou os elogios:

- Eu não disse que tinha sido um raro momento? Voltou ao normal.

Para o senador José Agripino Maia (DEM-RN), ela recuou do discurso do golpe na ONU depois que três ministros do STF – Celso de Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes – disseram que o impeachment não é golpe. Para o parlamentar, ela “caiu em si” e desistiu da fala nos Estados Unidos. Depois, para compensar, resolveu dar a declaração à imprensa.

- A presidente está oscilando: ela viajou anunciando que denunciaria o golpe, deve ter sido surpreendida com osministros do STF e mudou o discurso. Essa declaração (à imprensa) é uma justificativa que ela encontrou para o recuo da intenção de denunciar o suposto golpe na discurso ONU. Foi a compensação que ela encontrou. Ela desistiu do discurso porque caiu em si, percebeu que iria denegrir a imagem do Brasil no exterior, ia comprometer a democracia brasileira, na medida em que ministros do STF estavam dizendo que não é golpe. Seria um claro demérito e desprezo à democracia brasileira. Em beneficio próprio, ela estaria brincando com a democracia brasileira - avaliou Agripino.

Um dos interlocutores do vice-presidente Michel Temer também lembrou que ministros do STF disseram que o impeachment não é golpe.

- Em se tratando de legalidade ou ilegalidade, entre os ministros Celso de Melo, Dias Toffoli e Gilmar Mendes de um lado, e a presidente Dilma do outro, eu tenho certeza que a verdade está com os ministros - comentou.

O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) considerou "lamentável" a declaração de Dilma de que pediria ao Mercosul a retirada do Brasil do bloco.

- Você só exige essa cláusula quando há quebra das regras democráticas. Ela tenta confundir os fatos. A Constituição brasileira é clara. O processo democrático foi todo seguido, ela cometeu crime, teve direito a defesa em todos os níveis. Mas agora, ter onde recorrer, ataca a democracia, ataca o povo brasileiro e suas instituições. Com a perda do poder, Dilma agora desce o nível e desrespeita o seu próprio povo. Lamentável. Por isso devemos o quanto antes concluir o seu afastamento - disse o senador.

Dilma repreende ministros do STF críticos à tese de golpe

Para a presidente, eles não deveriam emitir opinião, pois terão de se manifestar em provável recurso feito pelo governo

Dilma critica ministros do Supremo que disseram não haver golpe

Anna Virginia Balloussier, Marcelo Ninio – Folha de S. Paulo

NOVA YORK - A presidente Dilma Rousseff rebateu nesta sexta-feira (22), em Nova York (EUA), as críticas feitas por ministros do Supremo Tribunal Federal ao uso do termo "golpe" para definir o processo de impeachment contra ela.

Sem citar nomes, Dilma reprovou os ministros que se manifestaram sobre o tema depois da votação da Câmara que deu aval ao impeachment –Celso de Mello, Gilmar Mendes e José Antônio Dias Toffoli.

Para a presidente, eles não deveriam emitir opinião, pois terão de se manifestar em provável recurso ao STF feito pelo governo.

Questionada pela Folha ao fim de uma entrevista coletiva na residência do embaixador do Brasil na ONU, Antonio Patriota, sobre o tema, ela respondeu que "não é a opinião do Supremo".

"É a opinião de três ministros. São apenas três ministros, e são ministros que não deveriam dar opinião porque vão me julgar", disse.

Na última quarta (20), Celso de Mello, ministro decano da Corte, disse que caracterizar o impeachment como golpe era um "gravíssimo equívoco", uma vez que o processo era constitucional. Mendes e Toffoli fizeram declarações de teor parecido.

Dilma defendeu a aplicação da cláusula democrática do Mercosul ao Brasil, em reação ao que chamou de "golpe em curso" no país. Ela não questionou a legitimidade de convocação de eleições presidenciais antecipadas, uma saída já proposta por nomes do governo, mas ressaltou que no momento pretende se concentrar em sua defesa.

Dilma veio a Nova York para participar da cerimônia de assinatura do Acordo de Paris de Mudanças Climáticas, e a expectativa era de que usasse o seu discurso na Assembleia Geral daa Nações Unidas para denunciar que o processo de impeachment contra ela é golpe. Mas a presidente só se referiu à crise política brevemente no fim do pronunciamento, sem mencionar a palavra golpe.

Questionada se a cláusula democrática do Mercosul deveria ser aplicada ao Brasil e em que momento, ela foi enfática. "Neste. Eu vou dizer o seguinte: está em curso no Brasil um golpe. Então eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem esse processo. A cláusula democrática implica uma avaliação da questão", afirmou. Ela não quis dizer, porém, se o Brasil deveria ser suspenso, limitando-se a comentar que a questão deve ser objeto de "análise" do bloco.

A cláusula foi aplicada em 2012, quando o Mercosul suspendeu o Paraguai em retaliação ao processo que levou à destituição do então presidente Fernando Lugo, que para muitos foi vítima de um golpe. O país foi reintegrado ao bloco no ano seguinte.

Dilma também falou sobre a hipótese de que seu mandato seja encurtado e haja eleições presidenciais ainda neste ano, como defende uma ala dentro do governo e no PT.

"Não sou contra eleições de maneira alguma. Mas uma coisa é eleição direta com voto secreto das pessoas e o povo brasileiro participando. Agora, tem que ser me dado o direito de me defender. Eu não sou uma pessoa apegada a cargo. Não acuso ninguém que propõe eleição direta de golpista. Isso é outra discussão. Eu quero defender o meu mandato. Devo isso aos meus 54 milhões de eleitores", disse a presidente.

Dilma voltou a atacar os articuladores do processo de impeachment, sugerindo que eles não tem legitimidade por serem alvos de investigações e tentarem derrubá-la por meio de "uma eleição indireta travestida de impeachment".

A presidente persistiu na narrativa de que há uma tentativa de ruptura democrática a fórceps, alertando que ela ameaça os direitos de todos.

"Me dizer que não é golpe é tampar [sic] o sol com a peneira. Sou uma pessoa vítima, sou uma pessoa injustiçada, e isso é grave porque sou presidente da República. Se a lei nem para mim vale, quanto mais para a população do nosso país mais pobre", afirmou.

A entrevista já havia sido dada por encerrada por Dilma, quando Dilma respondeu a uma pergunta sobre como sua família estava enfrentando a crise, e ela não escondeu o abatimento. "Acredito que ela está sofrendo muito. Imagina como estaria a sua família, sofrendo. Não posso falar porque dói, dói muito", disse.

Dilma concedeu a entrevista na residência do ex-chanceler Antonio Patriota, atual representante do Brasil na ONU, onde ficou hospedada. Na porta, dois grupos protestavam, um contra, outro a favor do impeachment. A presidente deve retornar ao Brasil na manhã deste sábado (23)

Em NY, Dilma nega ter cometido crime e reitera que é vítima de 'golpe'

Por Juliano Basile – Valor Econômico

NOVA YORK - A presidente Dilma Rousseff negou, em Nova York, que tenha cometido crimes fiscais e disse que vai procurar os senadores para defender a sua posição contrária ao impeachment. Ela voltou a afirmar ser vítima de um golpe e ressaltou que a sua defesa no Senado será feita pelos ministros da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, e da Fazenda, Nelson Barbosa.

“A lei é clara e a Constituição também. O impeachment é previsto na Constituição, mas se completa dizendo que, para ter impeachment, tem que ter crime de responsabilidade. Eu acho interessantíssimo que só se fale da primeira parte de que é previsto o impeachment. Se esquecem da segunda parte que fala de crime de responsabilidade”, disse ela a jornalistas na residência do embaixador da ONU, Antonio Patriota, horas após falar na Assembleia das Nações Unidas.

A presidente disse ter sido acusada de seis decretos e dois tipos de atos. “Eles dizem respeito a quê? São créditos de suplementação (orçamentária)”, resumiu. Dilma disse que os créditos de suplementação não implicam em aumento de despesa. Em seguida, deu um exemplo: “É quando você vai para o supermercado e a sua lista de compras são as dotações. Eu tinha na minha lista que não havia leite. Eu aumento a minha dotação (para ter leite). Como eu faço? O meu limite financeiro é 100. A lista pode não dar para dois litros, mas, como o limite é 100, só tem um jeito. Eu tiro de alguma outra despesa que eu tinha e transfiro”.

Na sequência, Dilma falou de casos de excesso de arrecadação em rubricas específicas e deu exemplos. Ela mencionou que, se o Tribunal de Contas da União (TCU) pedir crédito suplementar para fazer concurso, pode-se decidir por suplementar a verba necessária. Segundo ela, também é possível aumentar os créditos para hospitais, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e para o Ministério da Justiça.

“Quais as outras alegações? Todo o país do mundo faz transferência de renda. Por quê? Porque é fundamental para a população com a profunda desigualdade que nós temos. Nós pagamos o quê? Parte de direitos previdenciários, seguro desemprego, abono e Bolsa Família. Quem paga para nós? O governo federal não tem um caixa. Nós usamos os serviços usados pelos bancos públicos. Usamos porque é mais eficaz. E não apenas nós usamos. Essa prática existe há muitos anos”, insistiu a presidente, procurando detalhar as explicações técnicas sobre questões fiscais.

“Então, nós vamos pagar seguro desemprego. Estimamos que, naquele mês, o seguro desemprego vai ser igual a dez. Ele pode ser maior ou menor. Dificilmente, a gente vai cravar um número exato”.

Dilma disse que, quando o saldo era maior no banco público, se utilizava esse saldo. Mas, se o saldo fosse menor, o banco cobra uma parte.

“Mais uma questão: os chamados passivos da União, os passivos com o Sistema Financeiro e o FGTS”, afirmou Dilma. “O governo pratica uma coisa chamada subvenção econômica”, afirmou, explicando que, no programa Minha Casa, Minha Vida, o governo paga a diferença entre o juro de mercado e o necessário para o programa funcionar.

“A minha criminalização se dá pelo fato de que discutem se isso é ou não operação de crédito. Nós consideramos que isso não é operação de credito. Nós pagávamos com certa metodologia”.

Injustiça
Dilma afirmou ser vítima de um golpe e uma injustiça no processo de impeachment que sofre no Congresso.

“Eu me julgo uma vítima. Estou sendo injustiçada. Me sinto vítima de um processo ilegal, golpista e conspirador”, declarou.

A presidente acrescentou que, se ela se sente injustiçada, “o que dizer de um cidadão no Brasil quando os direitos dele forem afetados?”, questionou.

“Me dizer que isso não é golpe é tapar o sol com a peneira. Eu sou uma pessoa injustiçada, uma vítima e isso é grave porque sou presidente da República. Se nem para mim a lei valer, imagine para os cidadãos”.

Solidariedade
Dilma disse ter recebido a solidariedade de líderes mundiais na Assembleia das Nações Unidas, onde fez um discurso sobre o acordo contra mudanças climáticas. No discurso, ela não utilizou a palavra golpe, mas manifestou preocupação com a situação no Brasil.

“Eu fui à ONU para falar a verdade. Sem nós, a COP-21 (Conferência do Clima realizada em paris, em dezembro passado) não teria o resultado que teve. Nós fomos decisivos para que hoje estivesse sendo assinado um acordo por todos os países do mundo. Quando o presidente (Barack) Obama me liga para me cumprimentar pela COP-21, ele menciona o papel destacado do Brasil nessa reunião”.

Dilma admitiu ter feito uma referência genérica nas Nações Unidas ao processo que sofre no Brasil e explicou porque deixou para apontar o golpe à imprensa, e não na ONU. “Eu falo golpe para a imprensa porque estou lá (na ONU) falando sobre clima. Eu falo de golpe é para a imprensa”.

Em seguida, a presidente disse ter relações pessoais com líderes mundiais que lhe procuram para prestar solidariedade na ONU. “Eu tenho relações pessoais e todos os presidentes que conhecem a minha história e conhecem o que se passa no Brasil me disseram: ‘Força’. Outros disseram: ‘Solidariedade, segure que você é forte’”, revelou a presidente.

Dilma disse ainda que o Brasil pode ser acionado no Mercosul pelo fato de, segundo ela, as regras democráticas não estarem sendo devidamente respeitadas no processo de impeachment. “Eu vou dizer o seguinte: ‘Está em curso no Brasil um golpe’. Então, eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem esse processo”.

Ela afirmou que a cláusula democrática do Mercosul, que exige que os membros respeitem as regras constitucionais, poderá ser avaliada.

'Golpistas'
Dilma destacou que. uma vez aprovado o processo de impeachment, pessoas que respondem a acusações de lavagem de dinheiro vão assumir o país.

“Quem vai assumir o país? São pessoas com processo de lavagem de dinheiro”, disse ela. “Eu não tenho contra mim nenhuma denúncia de corrupção. Eu não recebi dinheiro para me beneficiar. Nunca fiz isso”.

A presidente acusou que os que falam que não há golpe estão propagando uma visão incorreta. “Dizer que não é golpe é uma visão incorreta. O golpe é você tirar uma pessoa do poder por razões que não estão expressas na lei nem na Constituição. É grave”, enfatizou. “Além disso, no meu caso, tem jeito de dar um golpe. Basta a mão. Você rasga a Carta Constitucional e está dado o golpe. Você rasga os princípios democráticos e está dado o golpe”.

Dilma ressaltou ainda que as pessoas que estão defendendo que ela deixe a Presidência estão com receio de aparecer como golpistas na imprensa internacional. “Por que há esse medo quando falamos que há golpe no Brasil? Estão subestimando a capacidade de compreensão das pessoas”. Para ela, os opositores temem serem chamados de golpistas.

Mandato
Dilma disse que vai defender o seu mandato por causa dos votos que recebeu. “Eu quero defender o meu mandato. Eu devo isso aos meus 54 milhões de eleitores”, afirmou ela.

A presidente acusou os opositores de tentar tirá-la do poder por vias indiretas, e não pelo voto. “O que não é admitido é um processo de impeachment que é, na verdade, uma eleição indireta”, apontou.

“A coisa mais escutada no Brasil é que dizem que o processo de impeachment é político. Não é não. É político, mas é jurídico. Não se pode dizer: ‘eu não gostei e vou assumir o poder de forma indireta’”.

A presidente disse ainda que não tem intenção de ficar a qualquer custo no cargo, mas vai defender a posição que conquistou nas eleições de 2014. “Eu não sou pessoa apegada a cargo, mas vou defender o meu mandato.”

STF
A presidente minimizou o fato de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terem dado declarações opinando que o processo de impeachment tramita regularmente. Para ela, apenas três ministros deram essas declarações.

A presidente ainda advertiu a Corte de que eles não poderiam antecipar opiniões porque terão que julgar o processo no futuro.

“Os ministros do STF não deveriam dar opinião porque vão me julgar”, afirmou ela. Questionada sobre o fato de eles terem dito que o impeachment segue o rito aprovado pela Corte e que estaria sendo conduzido regularmente, Dilma disse que essa é a opinião de apenas três ministros.

A presidente ainda reconheceu que a sua família está sofrendo por causa do processo de impeachment. “Eu não falo sobre a minha família. Eu acredito que eles estão sofrendo. Você imagina como a sua família estaria se sentindo, então, eu não posso falar porque dói. Dói muito”, disse.

Temer diz que querem 'desqualificá-lo' por meio de 'eventuais agressões'

Marina Dias – Folha de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) disse nesta sexta-feira (22) que o governo e os apoiadores da presidente Dilma Rousseff querem "desqualificar" sua posição "por meio de eventuais agressões".

Sem citar o nome de Dilma, que concedeu entrevista a jornalistas estrangeiros e classificou como "golpe" capitaneado por Temer o processo de impeachment, o vice justificou suas declarações à imprensa internacional nesta quinta (21), nas quais rechaçou a tese defendida pelo Palácio do Planalto.

"Fui provocado para aquelas entrevistas. Achei que deveria dizer alguma coisa à imprensa internacional já que houve manifestação [da presidente Dilma] à imprensa internacional, especialmente pretendendo desqualificar a minha posição. Aí não é coisa de vice-presidente, é uma coisa do Brasil. O Brasil não merece desqualificação por meio de eventuais agressões à vice-presidência", declarou Temer.

O vice classificou como "adequado e nada mais do que isso" o discurso de Dilma nesta sexta na sede da ONU, em Nova York.

Durante cerimônia do Acordo de Clima de Paris, a presidente disse que o Brasil vive um momento "grave" e que os brasileiros saberão impedir "um retrocesso".

"Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento que vive o Brasil. A despeito disso, quero dizer que o Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir qualquer retrocesso", afirmou Dilma.

Aliados defendiam um discurso mais duro da presidente na ONU, denunciando o que chamam de caráter "golpista" do processo de impeachment que corre no país. Assessores mais próximos, porém, avaliaram que ela deveria fazer um discurso de "chefe de Estado", com apenas uma "menção sutil" à crise política no Brasil.

A estratégia era endurecer a fala em entrevistas coletivas e declarações a jornalistas durante a viagem a Nova York.

Rotina
Presidente da República interino, Temer voltou a Brasília na noite desta quinta após uma manifestação em frente à sua casa, em São Paulo, que o chamava de "golpista" e logo depois de Dilma embarcar para os Estados Unidos.

O peemedebista passou a manhã desta sexta no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, e chegou a seu gabinete logo após o almoço, por volta das 14h30.

Sem o habitual terno e gravata, o vice recebeu apenas o senador Helio José (PMDB), que anunciou nesta sexta seu voto pela admissibilidade no Senado do processo de impeachment de Dilma, e voltou ao Jaburu após poucos mais de duas horas.

Neste sábado (23), Temer deve receber o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Jaburu. Meirelles é cotado para o Ministério da Fazenda em um eventual governo do peemedebista.

Segundo o vice, ele tem sido procurado "por muita gente" mas, por enquanto, está "apenas ouvindo".

‘Não somos amigos porque ela não se considerava minha amiga’

• Ao NYT, Temer reclama de Dilma e diz que não quer que pareça que conspira para assumir

- O Globo

E m mais uma contraofensiva ao discurso de golpe adotado pela presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer voltou a argumentar, em entrevista a um jornal estrangeiro, que o processo de impeachment contra a presidente está previsto na Constituição. Ao “The New York Times”, o vice negou que o processo se trata de um golpe de Estado. “Não quero que pareça que conspiro para assumir”, afirmou.

Temer disse ainda que esteve no “ostracismo absoluto” nos últimos quatro anos e ressaltou que nunca foi amigo de Dilma, com quem falou pela última vez em janeiro.

“Nós não somos amigos porque ela não se considerava minha amiga”, declarou o vice.

Na entrevista de 30 minutos concedida ao jornal americano na última quinta-feira e publicada na edição impressa de ontem — antes do discurso de Dilma na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) —, Temer também se mostrou preocupado com a possibilidade de a presidente abordar no evento a crise política no Brasil. Dilma, no entanto, não utilizou as palavras “golpe” e “impeachment” em seu pronunciamento, mas usou parte do seu discurso para citar o “grave momento que vive o Brasil”.

O “The New York Times” lembrou que o vice, que assumirá a Presidência caso o impeachment consiga maioria no Senado, e importantes aliados dele enfrentam acusações de envolvimento no escândalo de corrupção na Petrobras, como consta na delação do senador Delcídio Amaral (sem partido - MS). Ao jornal, Temer se disse inocente e argumentou que suas ligações com executivos envolvidos no esquema investigado pela Lava-Jato se deveram às suas responsabilidades burocráticas como presidente do PMDB, partido que integrou a coalizão do governo petista.

Sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que é réu no Supremo Tribunal Federal e vem sendo julgado no Conselho de Ética da Casa, Temer disse que não pediria para ele renunciar. “Esse é um assunto para o Supremo Tribunal Federal decidir”, afirmou.

Vice cita JK e Roosevelt
Temer apontou o desemprego como o problema mais urgente no país, no momento. O vice-presidente disse também que pretende criar um “governo de otimismo”. Ele citou como fontes de inspiração o expresidente Juscelino Kubitschek e os ex-presidentes americanos Theodore e Franklin Roosevelt, enfatizando que planeja se aproximar dos EUA.

O jornal destacou que Temer enfrentará, simultaneamente, a pior crise econômica das últimas décadas, uma epidemia de zika, discórdia política e os Jogos Olímpicos do Rio. Também ressaltou que Temer, segundo pesquisa realizada pelo “Datafolha”, teria apenas 2% das intenções de voto, se houvesse eleições.

O vice- presidente, que ocupa interinamente a Presidência em razão da viagem de Dilma aos Estados Unidos, afirmou ontem que as entrevistas que deu à imprensa internacional foram para defender o Brasil de “desqualificação”.

— Houve manifestações em relação à imprensa internacional, especialmente pretendendo desqualificar a minha posição. Aí não é a coisa do vice-presidente. É uma coisa do Brasil. Acho que o Brasil não merece desqualificação, por meio de eventuais agressões à Vice Presidência — declarou Temer, ao deixar o Palácio do Planalto pela tarde.

Sobre o discurso comedido que a presidente fez em Nova York, na cerimônia de assinatura do acordo sobre mudanças climáticas, no qual citou rapidamente o “grave momento” nacional e não mencionou “golpe”, Temer avaliou que foi “nada mais do que adequado”.

Vice-líderes do governo no Senado anunciam voto pró-impeachment

• Em manifestações no plenário Hélio José (PMDB-DF) e Wellington Fagundes (PR-MT) anteciparam seus posicionamentos

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Dois dos quatro vice-líderes do governo no Senado, Hélio José (PMDB-DF) e Wellington Fagundes (PR-MT), anunciaram nesta sexta-feira, 22, que vão votar a favor do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em manifestações feitas no plenário da Casa, os dois - que são integrantes da comissão especial que analisará o caso e constavam como indecisos no Placar do Impeachment, publicado pelo Estado - passaram a defender o voto contra a permanência da petista.

Com essas novas manifestações, dos 42 participantes da comissão entre titulares e suplentes, 27 já se declararam favoráveis, dez contrários, um indeciso, três não quiseram responder e há ainda um voto em aberto - o senador José Maranhão (PMDB-PB) deixou a comissão e a quinta indicação do PMDB para a comissão está vaga (veja lista abaixo).

“Eu já antecipo a questão da admissibilidade, porque, para mim, é inequívoco o Senado admitir uma questão que veio da instituição Câmara”, disse Hélio José em pronunciamento no Senado. Ele é suplente da comissão a ser eleita na segunda-feira e que começará os trabalhos no dia seguinte.

Segundo o peemedebista, o seu compromisso é com a população do Distrito Federal, com a dona de casa, com as pessoas que precisam de um País estabilizado e que volte a crescer a e gerar empregos. “O meu compromisso não é com pessoas”, ressaltou, ao defender que a admissibilidade deveria ser admitida “de forma consensual” para se depois fazer o julgamento.

Wellington Fagundes, por sua vez, disse que votará a favor do afastamento porque o País está “politicamente” maduro para isso. Titular da comissão especial, ele destacou que o voto não pode ser apenas técnico e que a manifestação dos senadores é uma retribuição do eleitorado.

“Agora cabe a nós votar; já foi votado na Câmara dos Deputados pela maioria. Aí chega o momento político. Isso eu disse à presidente da República (Dilma Rousseff) há 60 dias. Esta semana, eu tive a oportunidade de mais uma audiência, em que fui discutir vários aspectos de interesse do meu Estado que vou abordar daqui a pouco.

Ela me perguntou: 'E aí, Senador Wellington, como está hoje a posição do Senado?' Eu não hesitei em dizer para a Presidente da República: 'Presidente, hoje o clima no Senado é pela admissibilidade, porque todos nós aqui somos políticos e temos que ouvir a população, temos que ouvir as vozes das ruas'”, avaliou.

Comissão Especial do Impeachment no Senado
Presidente: Raimundo Lira (PMDB-PB) - indeciso
Relator: Antonio Anastasia (PSDB-MG) - a favor
Bloco da Maioria (PMDB)
Rose de Freitas (PMDB-ES) - a favor
Simone Tebet (PMDB-MS) - a favor
Waldemir Moka (PMDB-MS) - a favor
Dário Berger (PMDB-SC) - a favor
Raimundo Lira (PMDB-PB) - indeciso

Suplentes
Marta Suplicy (PMDB-SP) - a favor
Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) - a favor
João Alberto (PMDB-MA) - contra
Hélio José (PMDB-DF) - a favor
Vaga em aberto - sem manifestação

Oposição (PSDB-DEM-PV)
Antonio Anastasia (PSDB-MG) - a favor
Aloysio Nunes (PSDB-SP) - a favor
Cassio Cunha Lima (PSDB-PB) - a favor
Ronaldo Caiado (DEM-GO) - a favor

Suplentes
Tasso Jereissati (PSDB-CE) - a favor
Ricardo Ferraço (PSDB-ES) - a favor
Paulo Bauer (PSDB-SC) - a favor
Davi Alcolumbre (DEM-AP) - a favor

Apoio ao Governo (PT-PDT)
Lindbergh Farias (PT-RJ) - contra
Gleisi Hoffmann (PT-R) - contra
José Pimentel (PT-CE) - contra
Telmário Mota (PDT-RR) - contra

Suplentes
Humberto Costa (PT-PE) - contra
Fátima Bezerra (PT-RN) - contra
Acir Gurgacz - (PDT-RO) - não quis responder
João Capiberibe (PSB-AP) - contra (vaga cedida)

Socialismo e Democracia (PSB, PPS, PCdoB e Rede)
Romário (PSB-RJ) - a favor
Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) - a favor
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) - contra

Suplentes
Roberto Rocha (PSB-MA) - não quis responder
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) - contra
Cristovam Buarque (PPS-DF) - a favor

Bloco Moderador (PR, PTB, PSC, PRB e PTC)
Wellington Fagundes (PR-MT) - a favor
Zeze Perrella (PTB-MG) - a favor

Suplentes
Eduardo Amorim (PSC-SE) - a favor
Magno Malta (PR-ES) - a favor

Democracia Progressista (PP-PSD)
Ana Amélia (PP-RS) - a favor
José Medeiros (PSD-MT) - a favor
Gladson Cameli (PP-AC) - a favor

Suplentes
Otto Alencar (PSD-BA) - não quis responder
Sérgio Petecão (PSD-AC) - a favor
Wilder Moraes (PP-GO) - a favor

Governo tem minoria na comissão do impeachment do Senado

Mariana Haubert, Débora Álvares , Leandro Colon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os seis blocos partidários do Senado oficializaram nesta sexta-feira (22) as indicações para a Comissão Especial do Impeachment da presidente Dilma Rousseff, que deverá ser instalada na próxima segunda (25). Em ampla desvantagem, o governo conta com apenas cinco votos favoráveis entre os 21 titulares do colegiado.

Por ser o maior bloco na Casa, coube ao PMDB a indicação da presidência do colegiado. O líder do partido, Eunício Oliveira (CE), designou para o cargo o senador Raimundo Lira (PB) para presidir a comissão.

Antes declaradamente contra Dilma, Lira tem dito que, a partir da indicação, passou a se posicionar de forma isenta, posição que adotará na condução dos trabalhos e que dará espaço para que a defesa da presidente possa se pronunciar.

O senador passou esta sexta no Senado em reuniões com técnicos e assessores para entender como funcionará a comissão especial e quais são os seus ritos burocráticos para se preparar para eventuais questões de ordem.

Ao PSDB, bloco com a segunda maior bancada, coube a indicação para a relatoria da comissão. Aliado do presidente do partido, senador Aécio Neves (MG), Antonio Anastasia (MG) foi o designado do líder tucano, Cássio Cunha Lima (PB), apesar dos protestos dos governistas que não aceitam alguém diretamente interessado no resultado do processo.

Tanto Lira quanto Anastasia ainda precisam ter seus nomes confirmados. Isso deve ocorrer também na segunda. Após o plenário oficializar a instalação da comissão, com uma votação simbólica dos nomes das indicações dos líderes, o colegiado do impeachment vai se reunir e vai, ai sim, ser instalado, com a votação dos cargos de presidente e relator.

O senador José Maranhão (PMDB-PB) pediu para ter seu nome retirado da comissão. Com sua saída, o senador Dário Berger (PMDB-MA), que havia sido indicado para o colegiado em uma vaga de suplente, assumiu uma de titular. O PMDB não indicou outro parlamentar para o posto de Berger e o espaço ficou vago na composição final da comissão do impeachment.

Maranhão era, até então, o senador mais velho da comissão e seria o responsável por convocar a primeira reunião do colegiado em que o presidente e o relator serão oficializados. Dessa forma, o responsável por fazer tal convocação será o senador Raimundo Lira (PMDB-PB), que foi indicado pelo partido para presidir o colegiado.

Posicionamentos
Durante a sessão extraordinária desta sexta, dois vice-líderes do governo na Casa declararam que irão votar contra a presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment em tramitação.

Wellington Fagundes (PR-MT) e Hélio José (PMDB-DF), que até então não haviam dito como votariam no caso, fizeram discursos em que se mostraram a favor da admissibilidade do processo.

"Quando você vota a admissibilidade, você vota a cassação da presidente? Não! É um processo longo, cuja responsabilidade caberá a nós. A Câmara já votou. Dado o momento político que vivemos, não teremos como não admitir esse processo aqui no Senado. Vamos votar sim pela admissibilidade, porque politicamente, o país já está maduro para isso", afirmou Fagundes.

O senador do PR também disse que "os poderes estão funcionando plenamente": "A população se manifestou e, felizmente, não tivemos nenhum incidente. Não tivemos morte, ou seja, a democracia está funcionando plenamente no país".

Antes, o peemedebista Hélio José também destacou seu ponto de vista a favor da admissibilidade, fazendo referência ao vice-presidente, Michel Temer. "A questão da admissibilidade do processo e, consequentemente, a questão do nosso presidente Temer, presidente nacional do nosso partido, assumir por 180 dias, na minha visão, é praticamente normal nessa circunstância".

PSDB ameaça ficar fora de coalizão e complica Temer

• Partido quer criar regra para punir tucanos que integrarem governo

Vice-presidente, que está interinamente no cargo desde quinta-feira, recebeu sucessivas negativas a convites para compor seu eventual Ministério, especialmente na área econômica

Com dificuldades para encontrar nomes para um eventual Ministério, o vice-presidente Michel Temer enfrenta mais um obstáculo: o PSDB, em reunião na próxima terça, deve estabelecer punição para quem assumir qualquer cargo, caso o vice se torne presidente de fato. O grupo de Temer corre contra o tempo, para dar sinais positivos ao mercado financeiro. Até agora, nomes como Arminio Fraga e Marcos Lisboa, para a Fazenda, e Ayres Britto e Nelson Jobim, para a Justiça — cotados como preferidos de Temer —, sinalizaram que não participarão. Interino no Planalto, o vice ontem se queixou da presidente Dilma Rousseff em entrevista ao “The New York Times”: “Ela não se considerava minha amiga.”

Uma difícil composição

• Cotados têm recusado convites de Temer, e PSDB quer punir quem integrar eventual governo

Leticia Fernandes e Eduardo Barretto - O Globo

BRASÍLIA - As intensas articulações do vice-presidente Michel Temer (PMDBSP) nas últimas semanas para montar uma equipe de notáveis caso assuma a Presidência da República estão sendo mais difíceis que o esperado. Apesar das várias consultas feitas a economistas de várias correntes, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Temer e seus aliados mais próximos não tiveram confirmações para a composição do núcleo duro do governo. A dificuldade do vice-presidente se complica ainda mais com a decisão da cúpula do PSDB de propor punição aos integrantes do partido que aceitarem integrar eventual governo do peemedebista.

A posição do PSDB de radicalizar punições e a crescente possibilidade de fechar questão contra a participação de seus quadros em um futuro governo complica a formação de uma equipe com nomes capazes de dar uma sinalização positiva ao mercado e de reverter uma expectativa negativa em relação a Temer. Além da gravidade do quadro econômico, há incerteza também sobre o desfecho do julgamento de impugnação do mandato do vice-presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A Executiva do PSDB se reúne na próxima terça-feira para discutir se o senador José Serra ( PSDB-SP), que vem conversando com Temer, ou outro tucano que venha a ser convidado para ocupar alguma pasta, devam se licenciar da legenda para não causar “conflito de interesse” e prejudicar o projeto do PSDB de disputar a Presidência em 2018. O senador também é cotado para a Saúde, pasta que já ocupou.

Encontro com Henrique Meirelles
Em Brasília, como presidente interino, Temer se encontra hoje com o expresidente do Banco Central Henrique Meirelles, o ministro da economia dos sonhos do ex- presidente Lula. Após uma longa conversa com o vice nesta semana, Armínio Fraga prometeu ajudá-lo a formar sua equipe econômica, mas sem fazer parte do governo. Com a recusa do economista, são vistos como possíveis nomes os presidentes do Insper, Marcos Lisboa, e da Federação Brasileira dos Bancos, Murilo Portugal, ambos ex-secretários do Ministério da Fazenda. Lisboa, no entanto, já disse que não participaria desse eventual governo.

Também é cogitado o nome do economista Paulo Rabello de Castro para o Ministério da Fazenda. Um dos colaboradores do documento Ponte para o Futuro, programa econômico de Temer, o economista ainda não teve um encontro formal com o vice-presidente, mas os dois têm boa relação e ele não descartaria a possibilidade.

— Você não convida alguém para uma possibilidade, sem nem saber quando vai assumir. Claro que ele (Temer) está recebendo pessoas, sentindo disposição, mas nenhum convite foi feito. Nem será feito amanhã (hoje) ao Meirelles. As coisas estão caminhando e não há nenhum problema — busca amenizar um interlocutor de Temer.

Ontem, perguntado se estava fazendo articulações políticas para definir nomes de uma eventual equipe de governo, Temer respondeu:

— Eu estou ouvindo. Naturalmente que estou sendo procurado por muita gente. Estou ouvindo muita gente, mas apenas ouvindo.

O grupo de Temer fala em dois nomes para o Ministério da Justiça: o dos exministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, e da Justiça, Nelson Jobim. Ao GLOBO, Ayres Britto disse que nunca foi consultado sobre essa possibilidade. Mas que, apesar de ser amigo de Temer, não pretende voltar a ocupar cargos na administração pública. Já Jobim, ex-ministro dos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, apesar de ser considerado um bom quadro, não tem boa relação com o vice-presidente.

Tucanos veem conflito de interesses
A proposta de que o PSDB feche questão contra a participação em cargos em eventual governo Temer foi feita ontem pelo líder do partido no Senado, Cássio Cunha Lima (PB). O secretário- geral do PSDB, deputado Silvio Torres (SP), disse que haveria também “conflito de interesses” se o PSDB estivesse formalmente no governo. A sigla está com ação impetrada no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) que pode resultar na impugnação da chapa Dilma/Temer.

Segundo Silvio Torres, o PSDB tem projeto com propostas próprias, derrotado em 2014, que será mantido para 2018. E que a ida de presidenciáveis — sejam do PSDB ou de outros partidos — para o ministério de Temer pode desequilibrar o jogo para 2018.

— Para conseguir o apoio de todos os partidos, Michel não pode levar presidenciáveis para sua equipe de ministros, senão desequilibra o jogo para 2018. Se insistir, vai ter que dar um ministério para o Serra, um para o Geraldo (Alckmin, governador de São Paulo), outro pro Beto Richa (governador do Paraná), para o Marconi (Perillo, governador de Goiás) e outro para o (senador) Aécio Neves. Ele não tem como acomodar todo mundo — disse o secretário-geral do PSDB.

O governador de Mato Grosso, Pedro Taques, que ano passado trocou o PDT pelo PSDB, também se disse contrário ao partido assumir cargos em um governo de transição.

— Sou contra o PSDB ter cargos no provável governo Michel Temer. Sou da opinião de que podemos apoiar o governo Temer no Congresso Nacional, por meio de propostas que ajudem o país a superar este grave momento de sua História. Lutamos pelo impeachment, não podemos deixá-lo só — disse Taques.

Depois de despachar ontem na Vice-Presidência, Temer participou da solenidade de posse do desembargador Mario Machado Vieira Netto na presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Precisamos tentar nos entender - Marco Aurélio Nogueira*

- O Estado de S. Paulo

Breve decálogo para unir os democratas.

1) O governo de Dilma Rousseff foi ruim desde o início, mas piorou muito ao se abrir o segundo mandato. Enveredou por uma trilha de desgoverno explícito, com a agravante de ter-se desviado por completo da rota que traçou na malfadada campanha eleitoral de 2014. Nada deu certo do ano passado para cá, a economia mergulhou em parafuso, as coalizões políticas se desfizeram como pétalas de uma rosa, as relações com o PT pioraram gravemente. Em boa medida, a chama do impeachment foi alimentada pelo próprio governo.

2) O processo do impeachment não é um golpe de Estado nem um golpe contra a democracia. Corre por dentro das instituições, com respaldo jurídico e político. Não há ritos sendo desrespeitados nem liberdades e direitos sendo agredidos ou ameaçados. Mas podemos falar, se acharmos que isso é essencial, em “golpe” contra Dilma e o PT, admitindo que “golpes” são da natureza da competição política. A própria campanha de Dilma em 2014 promoveu um “golpe” desse tipo contra Marina (que foi difamada e agredida de forma vil) e contra os eleitores (que foram iludidos). Nem por isso se deixou de dizer que a eleição dela foi legítima.

3) O fato de Eduardo Cunha presidir o processo mancha gravemente o impeachment, rouba-lhe integridade e representatividade. Mas o piloto é só parte de um voo, o conjunto da tripulação e os passageiros também contam. Deve-se continuar a trabalhar para afastar Cunha e cassá-lo, pois isso é o certo, o melhor e o justo. Ele pode ter feito o serviço sujo para que o impedimento avançasse, mas agora sua serventia é declinante e a lógica das coisas indica que deverá ser dispensado. Porém a política não tem como se orientar só pela lógica das coisas. Cunha tem seus trunfos e tem mostrado que sabe usá-los com competência, sem luvas de pelica e com impressionante desfaçatez. Os que a ele se opõem, pelo motivo que for, precisam se organizar melhor para derrubá-lo. Sua queda é uma tarefa democrática de primeira grandeza, emergencial e estratégica.

4) Michel Temer foi um vice-presidente típico: decorativo, sem voz ou função. Está sendo projetado para uma posição de liderança e poder a que ele próprio provavelmente não imaginaria aceder. Sua legitimidade é duvidosa, porque não claramente referendada pelo voto popular. Caso assuma o governo, comerá o pão que o diabo amassou. Suas chances de sucesso dependerão de muita articulação política e do convencimento dos democratas mais íntegros e ativos, que, se convencidos, poderão fazer a diferença nos dias que virão.

5) Em que pesem controvérsias e questionamentos, o impeachment – como fato político que é – avança conforme sua própria dinâmica. A cada dia se cristaliza um pouco mais. Tende a ir se impondo por inércia, cimentando a perspectiva de que “ruim com Temer, pior com Dilma”.

6) É politicamente burra e improdutiva – um tiro no pé – a operação desencadeada por parte das esquerdas e dos governistas para denunciar ao mundo que o golpe contra Dilma é um “golpe contra a democracia”. Quanto mais sobem de tom e se difundem as vozes denunciantes, mais elas vão revelando o que não querem admitir: põem a nu o isolamento catastrófico de Dilma e do PT, que são convertidos em vítimas frágeis, sem articulação, sem discurso convincente. Para não ter de confessar sua fraqueza e seus erros, as denúncias exageram a força dos adversários (Temer, o PSDB, a mídia “golpista”, o mercado), numa atitude quase suicida.

7) A péssima qualidade da representação parlamentar, na Câmara sobretudo, é um complicador sério. Mostra um sistema político sem cabeça pensante, sem preparo intelectual e envergadura cívica, integrado por pessoas sem noção das próprias funções. O grotesco e teratológico espetáculo exibido no domingo dia 17 de abril deixou evidente a distância abissal entre a voz da política e a voz das ruas, duas vozes que só na aparência estão em sintonia. Em vez disso, mostrou um encaixe perfeito entre a política instituída e o Brasil profundo, paroquial, atrasado, machista e ingênuo, que cria até mesmo espaços para figuras que fazem, em plenário, elogios explícitos a torturadores.

8) Daqui para a frente, é de esperar que o esforço dos políticos democráticos privilegie três direções principais: a) construir um patamar mínimo de estabilidade governativa, para manter o fluxo das decisões políticas; b) acumular forças para aprofundar a “limpeza” ética (a Lava Jato) e para renovar a política – renovar a prática política, o discurso político, os agentes políticos (os partidos); c) promover ações de educação política da cidadania. Sem avanços nessas direções a crise seguirá viva e se agravando.

9) O horizonte é 2018, mas há o curto e o médio prazos. Os dias que passarão até a admissibilidade ou não do impeachment no Senado e, depois, até a conclusão do processo, seis meses, poderão representar tudo ou nada, a estabilidade relativa ou o caos amplificado. Não há indícios de que se assistirá, até o final do ano, seja qual for a composição de um eventual governo Temer, a uma reversão radical das tendências que se têm mostrado vitoriosas no País desde 1994: busca de estabilidade monetária e combate à inflação, ajustes fiscais graduais, crescimento econômico, inclusão social (lenta e errática que seja) e consolidação de direitos sociais, num quadro de liberdade democrática, respeito à diversidade e ao pluralismo. Este caminho é aceito hoje pela opinião pública e pelas mais diferentes correntes políticas e sociais.

10) Tais tendências formam hoje um patrimônio valioso, que merece ser defendido e aprofundado. Deixá-lo ao léu, sem proteção e sem ativação democrática, é largar pela estrada o que já se conseguiu e desprezar, ao mesmo tempo, a necessidade que temos de criar condições para sedimentar um futuro mais justo para todos.

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*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais-Neai da Unesp

Existe uma ideologia petista? - Bolívar Lamounier*

- O Estado de S. Paulo

Um conjunto reconhecível de ideias o Partido dos Trabalhadores (PT) certamente tem; quanto a isso, não há dúvida. Mas é um conjunto que mereça ou deva ser chamado de ideologia?

Em diversas ocasiões, há cerca de 20 ou 25 anos, muita gente que não votaria no PT afirmava enfaticamente, em tom de crítica aos demais partidos: “O PT pelo menos tem uma ideologia”. Tal elogio (sim, era um elogio) era comum até no meio empresarial. Algumas vezes, cheguei a retrucar que era melhor não ter ideologia nenhuma a ter uma sem pés nem cabeça.

Agora que o PT atingiu a invejável marca dos 36 anos – a madureza, se coubesse aqui uma metáfora biológica –, parece-me oportuno indagar em que, exatamente, consiste o referido conjunto de ideias. Qual é o seu conteúdo? Como evoluiu em suas três décadas e meia de existência?

Nunca é demais lembrar que nos primórdios o PT se apresentava como um partido socialista, mas se apressava a explicar que seu socialismo era sui generis. Era um socialismo em aberto, “em construção”.

Devo confessar que essa definição me deixava embatucado. Na versão soviética, o conceito de socialismo sempre me pareceu de uma clareza meridiana.
1) A divisão da sociedade em classes sociais explica-se pela apropriação privada dos meios de produção: indústrias, fazendas, bancos etc;

2) atribuindo-se a missão de representar o proletariado, o Partido Comunista (PC) toma o poder e estatiza os meios de produção, extinguindo, por conseguinte, o fundamento da divisão em classes;

3) para consolidar a tão almejada sociedade sem classes o PC mantém férreo controle sobre o poder de Estado, exercendo-o como uma “ditadura do proletariado”.

O problema, retomando o fio do argumento, era que o PT queria rejeitava tal modelo, mas não sabia o que colocar no lugar dele. Sem a clareza do conceito soviético, substituído pelo “socialismo em construção”, os petistas pareciam estar pedindo um cheque em branco. Mas, por incrível que pareça, essa absoluta vacuidade não funcionou contra, e, sim, a favor da implantação do partido. Ajudou-o a angariar apoios, principalmente entre os jovens universitários, geralmente movidos pelo desejo romântico de acreditar que sua política não é deste mundo.

Que agem por ideais – por motivos “elevados” –, sem sujar as mãos no crasso mundo dos meros “interesses”.

Com o tempo e o acúmulo de experiências práticas, muitas outras interpretações e imagens surgiram, trazendo mais calor que luz à discussão que ora nos ocupa.

Numa pesquisa empírica sobre os eleitores do partido, André Singer julgou discernir entre eles um forte veio “conservador”. Com este conceito em si discutível, ele apenas acrescentou outra incógnita à equação: o que temos, então, é um partido que se diz radical, inclinado ao socialismo, que se apresenta como representante putativo de uma base social conservadora.

Marilena Chaui, num episódio célebre, declarou odiar a classe média por sua “ignorância” e sua tendência ao “fascismo”. Quando externou tal ponto de vista, “seu” governo – quero dizer, o governo Dilma Rousseff – proclamava aos quatro ventos um dos maiores sucessos de sua política econômica, graças à qual mais de 50% da população brasileira ascendera à classe média. Devo concluir que a celebrada professora titular da Universidade de São Paulo – ipso facto integrante da mais alta elite brasileira – empresta seu prestígio a um governo que tem entre suas principais metas criar uma camada social ignorante e intrinsecamente fascista?

E que dizer de Luiz Inácio Lula da Silva, o símbolo e chefe inquestionável do PT? Não há como falar de Lula sem antes falar do mito Lula: o imigrante iluminado que veio para São Paulo, venceu no sindicalismo e se transformou no líder carismático fadado a conduzir as massas à tão esperada redenção. O mito, como bem sabemos, foi em grande parte criado por uma parcela da elite cultural, quero dizer, por professores universitários, artistas, escritores, clérigos e jornalistas, coadjuvados, é claro, pelo outrora rebelde sindicalismo do ABC. Esse segmento da elite cultural “construiu” (para usar o verbo da moda) e ainda hoje cultiva o mito Lula como um líder “de esquerda”. Ora, mesmo quem não se define como esquerda, mas algo leu de História e aprecia o bom debate de ideias, haverá de se sentir desconfortável ao ver o conceito de esquerda, cuja densidade histórica ninguém de bom senso haverá de negar, associado ao populismo – essa aberração endêmica que Lula personifica num grau poucas vezes igualado na América Latina.

O que de fato importa é a fala dualista do PT: a divisão maniqueísta do mundo, o povo contra a “zelite”, o “nós contra eles”, etc. Isso é um pensamento de esquerda que intelectuais lidos e viajados possam honestamente endossar? A íntima associação que o governo Lula e, depois, Lula como pessoa física estabeleceram com o chamado “grande capital financeiro” e com as maiores empreiteiras do País são mais do que suficientes para demonstrar que o “nóis contra a zelite” nunca passou de uma fulgurante mistificação.

Trata-se, na verdade, de um maniqueísmo desprovido de conteúdo, uma persistente propensão a acirrar e dividir a sociedade em termos de “nós contra eles”. Na história das ideias, quem melhor expressou essa percepção do universo político foi o jurista alemão Carl Schmitt, um precursor do nazi-fascismo, para quem a essência de toda política é a contraposição amigo x inimigo. Fariam um bom uso de seu tempo os adeptos do mito Lula e do lulopetismo se relessem seu ensaio O Conceito do Político.
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*Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor do livro ‘Tribunos, profetas e sacerdotes: intelectuais e ideologias no século 20’

Crimes à luz da constituição - Cássio Cunha Lima

- Folha de S. Paulo

Estadista, orador e filósofo romano, Marco Túlio Cícero, nascido em 106 a.C., afirmou que "a fraude é a mais desprezível forma de crime". Para ele, de todas as injustiças, "a mais abominável é a dos homens que, quando enganam, procuram parecer homens de bem!".

A afirmação de Cícero define, com precisão, a quadra política por que passa o Brasil. O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, cuja abertura foi autorizada pela Câmara dos Deputados e agora chega ao Senado Federal, respeitou até o presente momento todas as fórmulas estabelecidas na Constituição.

O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli disse que "falar que o processo de impeachment é um golpe depõe e contradiz até a atuação da defesa da presidente, que tem se defendido na Câmara dos Deputados, agora vai se defender no Senado, se socorreu do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu parâmetros e balizas garantindo a ampla defesa".

Houve crime? Houve. E comecemos por citar os crimes pelas tipificações que eles têm, e não pelos apelidos que ganharam. Assim, conforme o pedido de impeachment em análise, a presidente feriu o artigo 85, incisos 6 e 7 da Constituição, bem como o artigo 4º, incisos 5 e 6, da lei 1.079/50, que consideram crime de responsabilidade atentar contra a lei orçamentária e contra a probidade administrativa.

Também infringiu a lei 10.028/2000, que faz do descumprimento de determinações legais, por parte do agente público, mais do que uma infração administrativa: passa a constituir delito, tanto na esfera política -que enseja o impeachment- como nas áreas civil e criminal.

Ou seja:

1) É crime a edição de decretos de suplementação orçamentária, sem prévia e específica autorização legislativa, porque viola o artigo quarto da lei orçamentária, que só admitia essa hipótese em caso de superavit, o que sabidamente não ocorreu. A conduta criminosa foi tão flagrante que, posteriormente à sua prática, o governo alterou a meta fiscal, em uma tentativa vã de limpar a cena de um crime já consumado.

2) É crime, porque viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, a realização de crédito com entidades controladas pela União -a saber: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES. Houve um efetivo pagamento de despesas da União por essas instituições.

Na prática, a presidente Dilma realizou empréstimos com bancos públicos e não os declarou à contabilidade do governo federal, dando a falsa ideia para a população de que as contas públicas estavam em dia. O crime gerou rombo superior a R$ 57 bilhões. É por isso, devido a esse grave crime de responsabilidade fiscal, que o Brasil tem 10 milhões de desempregados e a volta da inflação, por exemplo.

A fraude, a que me referi no início deste artigo, vem da repetição exaustiva e histriônica da mentira e da farsa de que "os crimes da presidente Dilma Rousseff não configurariam crime porque outros o fizeram e não foram punidos". Ora, no ordenamento jurídico nacional não se admitem, como causas de exclusão de culpa, nem a continuidade delitiva nem a repetição do crime.

O Brasil amadureceu. Os brasileiros estão atentos. As instituições cumprem o seu papel. É exatamente a soma desses fatores que robustecem e sedimentam a nossa democracia. E é em nome dela, e rigorosamente à luz da Constituição, que não vai ter golpe. Vai ter impeachment.
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Cássio Cunha Lima, 53, é senador pela Paraíba e líder do PSDB no Senado

Golpe visto de NY - Merval Pereira

- O Globo

Depois de ter falado com propriedade e sobriedade na cerimônia da ONU que celebrava a assinatura do acordo do clima de Paris, a presidente Dilma foi passear por Nova York e ver uma exposição de Degas no MoMA. Alguma coisa aconteceu nesse percurso, pois, ao retornar à embaixada brasileira, Dilma retomou o discurso que havia desmentido pela manhã, e se disse, em entrevista coletiva, vítima de um golpe no Brasil.

Os não brasileiros devem ter se espantado com uma presidente que, prestes a ser derrubada por um golpe em seu país, tem uma agenda tão agradável em Nova York, além de todas as mordomias inerentes ao cargo presidencial à sua disposição. E se é assim, a presidente golpeada vai retornar ao Brasil ou pedirá asilo político?

O país é o mesmo, esse que é golpista à tarde, e pela manhã é uma “pujante democracia”? Dilma dissera do púlpito da ONU que o Brasil vive um “grave momento”, mas que, “a despeito disso (...) é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos. Sou grata a todos os lideres que expressaram a mim sua solidariedade.”

Parecia uma análise sensata do “grave momento”, embora a mensagem cifrada não deixasse os interlocutores estrangeiros muito informados do que estaria se passando nesse “grande país”. É claro que Dilma, quando disse que o “povo trabalhador com grande apreço pela liberdade” impediria “quaisquer retrocessos”, falava dela mesma, e não do retrocesso que ela representa, na opinião da oposição, que hoje é amplamente majoritária no Congresso e na sociedade.

Enquanto mandava sua mensagem cifrada na ONU, e a explicitava novamente na entrevista, dois vice-líderes do governo no Senado anunciavam a disposição de aderir ao “golpe” e votar a favor da admissibilidade do processo de impeachment no Senado. Já existe, de largada, praticamente o quorum exigido para condená-la em definitivo. Hoje 51 senadores já se posicionaram a favor do impeachment nessa primeira fase, quando seriam necessários 41. E, para a condenação definitiva, há a necessidade de um quorum qualificado de 54 senadores.

Mas a presidente, flanando por Nova York com uma comitiva de 52 pessoas, insiste em afirmar que está sendo vítima de um golpe. Alertada de que incorreria em grave erro diplomático e político se usasse os poucos minutos na tribuna da ONU para falar do suposto golpe, a presidente Dilma portou-se como Chefe de Estado durante mais de sete minutos, falando sobre a intenção de seu governo de levar adiante uma política de redução da emissão de carbono.

No último minuto, não resistiu e abordou lateralmente o “golpe” de que se considera vítima, mas não ousou dizer esse nome, como se a liturgia do momento a impedisse de faltar com a verdade. Depois, em entrevista, voltou ao tom de luta política, anunciando que resistiria até o fim contra o “golpe”.

É uma atitude paradoxal que ela mesma buscou, já que havia anunciado que não iria a Nova York para não deixar o “traidor” do Temer assumir o lugar, mesmo temporariamente. Dentro dessa estratégia de denunciar o “golpe”, faria mais sentido.

Depois, num arroubo revolucionário, decidiu que denunciaria da ONU esse “golpe”, e lá se foi com uma enorme comitiva para Nova York, no avião presidencial, deixando por aqui o vice, que anunciou aos jornalistas estrangeiros estar perturbado com a acusação de traidor, mas pronto para assumir o cargo que a Constituição lhe reserva. E ficamos nós, graças à incapacidade de Dilma de agir de maneira coerente e de organizar suas ideias com clareza, expostos ao mundo como uma sociedade pungente e democrática, mas que está prestes a cometer um crime de lesa pátria destituindo-a da Presidência.

A única explicação, para raposas políticas que avaliam o cenário político, é que Dilma estaria preparando o terreno para um possível asilo político, se não para ela própria, talvez para Lula, que já teria sido oferecido pelo ex-presidente uruguaio Pepe Mujica.