quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

Trazer a cidade de volta à vida e às suas melhores tradições não é tarefa fácil, cuja significação não se limita ao local, porque afeta a própria sorte da democracia no país. Tem-se à mão, nesta sucessão eleitoral que se avizinha a oportunidade de começar a virar esse jogo maléfico. Os partidos políticos de compromissos democráticos não podem ignorar o caminho das alianças que lhes abram a possibilidade de devolver a cidade aos seus cidadãos depois de tantas experiências grotescas. Sobretudo devem estar atentos aos novos personagens que vieram à tona nesta pandemia, principalmente os que souberam armar a trama da rede solidária que protegeu os mais vulneráveis, os profissionais da saúde que com espírito cívico se empenharam na defesa da vida, sem esquecer aqueles que permaneceram firmes em seus compromissos democráticos.

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “O Rio de Janeiro não pode ser Gotham City”, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/09/2020

Merval Pereira - Nos bastidores

- O Globo

A mudança da composição da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), palco de julgamentos sensíveis como o da parcialidade do juiz Sérgio Moro, que pode beneficiar Lula e vários outros condenados pela Lava-Jato, e o do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, sobre o foro em que seu processo sobre a “rachadinha” na Assembléia Legislativa do Rio será julgado, já está sendo negociada nos bastidores.

Sendo o mais provável que o ministro Celso de Mello (foto), que se aposenta no último dia de outubro, não reassuma seu posto por falta de condições de saúde, a Segunda Turma deveria normalmente ser composta pelo novo ministro indicado pelo presidente Bolsonaro para substituí-lo, mas há obstáculos.

Alega-se que ele já entraria tendo pela frente um caso politicamente delicado, o de Lula, e outros em que poderia se declarar impedido, como o do filho do presidente que o indicou. Se acontecer isso, que muitos ministros consideram apenas um pretexto, a troca seria feita com algum membro da Primeira Turma.

A prioridade seria do ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo na Corte, mas ele recusará pela segunda vez. Continua afirmando: “Não mudo de camisa”. Está na Primeira Turma desde 2002, quando deixou a presidência do STF. O ministro Dias Toffoli, que vai para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assumirá a presidência na quinta-feira, poderá, por antiguidade, escolher mudar de turma, e não será a primeira vez que o fará.

Bernardo Mello Franco - Um novo bobo na corte bolsonarista

- O Globo

O papel de bobo da corte estava vago desde que o bolsonarismo despachou Abraham Weintraub para os EUA. Investigado no inquérito das fake news, o ex-ministro avisou que precisava sair do Brasil para escapar do “cadeião”. Faturou um exílio de luxo, com salário de R$ 116 mil para tuitar no Banco Mundial.

A fuga do olavista deixou o governo sem um agitador de prontidão em Brasília. Foi aí que se lembraram de Mario Frias, o ex-galã de “Malhação” que virou secretário da Cultura.

O ator é o quinto ocupante do cargo em um ano e meio de governo. Para durar mais que os antecessores, apelou à tática do sabujismo explícito. Desde que tomou posse, ele se esforça para bajular o capitão e os filhos. Na semana passada, estendeu a prática ao caçula Jair Renan.

Frias recebeu o Zero Quatro em reunião fora da agenda. A pasta informou que os dois trataram de “assuntos relacionados ao futuro dos e-sports”. Faltou informar se o filho do presidente foi recebido como jogador de videogame ou lobista de empresas do setor.

Zuenir Ventura - O bispo e o capitão

- O Globo

Crivella citou a família Bolsonaro como um grupo ‘espetacular’

Ao lançar esta semana sua campanha à reeleição, o prefeito Marcelo Crivella citou a família Bolsonaro como um grupo “espetacular” e comparou sua situação à do presidente na campanha: “O que nos move é o que moveu o presidente quando acordou na UTI esfaqueado”. Ao lado de Crivella estava Rogéria Bolsonaro, ex-mulher do capitão e mãe dos três Zeros à esquerda: o vereador Carlos, o deputado federal Eduardo e o senador Flávio Rachadinha. Leia, sem rir, o que ele disse dela em discurso: “Rogéria não deu seus filhos para si mesma, mas para o povo”.

O prefeito já escapou de sete impeachments e acredita que vai sair ileso da CPI que foi aberta agora, pois tem o apoio da maioria dos vereadores. Com sua voz melíflua, parece dizer: “Não adianta, Deus está comigo”. E continuou mandando seus milicianos para impedir pacientes de reclamar e atrapalhar o trabalho da imprensa na porta dos hospitais.

Luiz Carlos Azedo - Censura à Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Lava-Jato continua sendo um vetor do processo político, com grande influência eleitoral. Porém, os integrantes da operação perderam o monopólio do combate à corrupção

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu, ontem, por 9 votos a 1, punir o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos protagonistas da Operação Lava-Jato, censurado por mensagens em rede social nas quais ele se posicionou contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para a presidência do Senado, em 2019. A vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), o atual presidente do Senado, foi resultado da insatisfação dos demais partidos com a longa permanência do MDB no comando da Casa, mas a atitude ajudou a narrativa política do grupo que queria o apoio da opinião pública à mudança no comando da Casa.

A censura é a segunda punição prevista no regulamento que rege a atuação dos procuradores –– a primeira é a advertência. Como consequência, atrasa a progressão na carreira e serve de agravante em outros processos no conselho. Os procuradores também podem ser punidos com suspensão, demissão ou cassação da aposentadoria. Havia intenção de alguns integrantes do Conselho no sentido de suspender Dallagnol, mas sua saída da força-tarefa de Curitiba abrandou as pressões e consta que o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, que tomará posse amanhã, atuou nos bastidores em favor do procurador.

Calheiros alegou interferência do procurador-símbolo da Lava-Jato na disputa do Senado. O mesmo tipo de crítica que se faz ao ex-ministro da Justiça Sergio Moro em relação às eleições de 2018, para favorecer a candidatura de Jair Bolsonaro. A acusação ganhou veracidade quando o ex-juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, aceitou o convite para ser ministro do atual governo, talvez o maior erro político que tenha cometido.

Rosângela Bittar - A cartada decisiva

- O Estado de S.Paulo

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões envolvendo o PT

A posse de Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal, amanhã, inaugura o processo de decisões judiciais do longo e tenso calendário eleitoral brasileiro, o da sucessão presidencial de 2022. No alto da lista de providências está a aprovação do grid de candidaturas e, nele, a dúvida na escuderia PT: estará ou não sob a direção de Luiz Inácio Lula da Silva?

A configuração do Supremo será peça fundamental nas decisões que darão vantagem ou desvantagem ao Partido dos Trabalhadores. A ascensão de Fux é uma desvantagem. Na divisão do STF, o novo presidente se alinha à Lava Jato e é titular absoluto no grupo dos punitivistas, em oposição aos garantistas. Entre os primeiros, estão os juízes que passam por cima de regras e adotam a máxima de que, para situações excepcionais, decisões excepcionais. Já os garantistas têm na letra da lei o seu único compromisso.

Na Segunda Turma do STF, no entanto, onde se julgará, ainda sem data marcada, o habeas corpus impetrado por Lula arguindo a suspeição do então juiz Sérgio Moro nas decisões que o tornaram inelegível, o PT enxerga uma vantagem. Tanto se o ministro Celso de Mello reassumir seu posto no STF antes da aposentadoria, em novembro, quanto se não voltar.

Vera Magalhães - Olhando a banda passar

- O Estado de S.Paulo

Pandemia segue matando, Bolsonaro se recupera, mas tema da esquerda é stalinismo

Já são mais de 127 mil os brasileiros mortos pela covid-19. Diante desse número, assim como dos que o antecederam, Jair Bolsonaro segue em sua jornada negacionista. O mais recente ataque ao bom senso se dá em declarações diárias semeando desconfiança na população quanto à necessidade e a segurança da vacinação em massa.

Enquanto isso, num planeta muito distante em que vive uma parcela da esquerda brasileira, a discussão do momento se dá entre os que defendem que o stalinismo nem foi tão nefasto assim e os que lembram o genocídio promovido por Stalin na União Soviética no século passado.

A banda de Bolsonaro passa na janela e nossa gente sofrida para tudo para discutir o passado distante.

Isso não é um fenômeno isolado, um lapso de um feriado prolongado. Tem sido uma constante desde antes da eleição do capitão e segue de forma sistemática e espantosa a cada avanço do presidente contra as liberdades, a ciência, o bom senso, as instituições e o que mais ele tiver pela frente para destruir.

E agora, quando ele se recupera nas pesquisas, ou lá na frente, quando e se chegar competitivo a 2022, a “culpa” certamente terá sido da imprensa, que “normalizou” (bocejos) Bolsonaro, e não dos adversários que não entenderam absolutamente nada do modus operandi do bolsonarismo.

Roberto DaMatta - Acabar com a esquerda?

- O Estado de S.Paulo

Não se pode liquidar o dualismo e a complementaridade, pois todos entendemos que, se o esquerdismo atrasa, a esquerda – ao contrário – é essencial para a democracia

A polarização exagerada no Brasil bolsonarista, após – não se deve esquecer – a hegemonia lulista, é um desastre. Se muitos da “direita” querem acabar com a “esquerda” e vice-versa, devo lembrar que não há democracia sem os dois lados.

Os totalitarismos suprimem oposições enquanto a polaridade garante o equilíbrio instável e humano. Sem contrastes, o mundo não teria sentido. Sou um homem porque não sou um gato; descubro o calor quando encontro o frio. Só vivo numa democracia quando o debate engloba o autoritarismo que sufoca liberdades.

Estudei uma sociedade tribal onde se dizia que “tudo tem o seu contrário”. Naquele sistema, a paralisação entre Sol e Lua criou a vida coletiva, o trabalho, gente feia e defeituosa em paralelo a pessoas belas e saudáveis e, para finalizar uma longa lista, os demiurgos inventaram a morte porque sem ela o mundo transbordaria de gente.

Os antropólogos da minha tribo chamam tais sistemas de dualistas e um mestre, o famoso Lévi-Strauss, desvendou essas organizações sociais duais, presentes – como pode facilmente imaginar – em toda parte.

O nosso próprio sistema contempla vários dualismos céu/inferno, Adão/Eva, santos/pecadores, Deus/diabo, esquerda/direita... A lista é longa e, quem sabe, infindável, mas foi somente o Ocidente que encarou a dualidade com o desejo de, um dia, finalizá-la. Seja no Juízo Final, seja quando os operários do mundo conseguissem se unir, conforme reza um outro texto sacrossanto!

O nosso próprio corpo serve como exemplo vivo das dualidades, quando focalizamos o simbolismo das mãos para ver o primado da mão direita sobre a esquerda em muitos contextos. A própria noção de “direito” como correto, justo e legal, indica tal posicionamento cosmológico.

Elio Gaspari - FHC reconheceu a ruína que criou

- Folha de S. Paulo / O Globo

Quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmio

Com sete palavras Fernando Henrique Cardoso reconheceu a ruína política que provocou buscando a própria reeleição: “Devo reconhecer que historicamente foi um erro”.

Foi mais que um erro, foi um crime, e ele sabia disso desde a primeira hora, há 25 anos.

Na noite de 11 de julho de 1995, diante do nascimento da manobra da reeleição, FHC disse ao gravador que guardava suas memórias:

“Assunto delicado, acho difícil por causa da cultura política brasileira e não me comprometo a ser candidato. Vejo uma vantagem: a de que assim os outros se assustam e não lançam uma candidatura desde já.”

A cultura política brasileira não tinha nada a ver com isso. Em qualquer país ou clube de futebol e em qualquer época, quando o governante pode ser reeleito, trabalha de olho nesse prêmio. Hoje, FHC diz que “tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos”. OK, mas no seu artigo autocrítico ele diz que “visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a eleição é ingenuidade”. Ingenuidade de quem, Grande Chefe Branco? Depois de ter praticado um ruinoso populismo cambial para ajudar sua reeleição até novembro de 1998, FHC desvalorizou o real em janeiro de 1999.

Fernando Henrique Cardoso governou o país por oito anos. A ele se deve um novo tempo na economia, um padrão de moralidade pessoal e uma tolerância que hoje fazem falta. Seu ruinoso legado político foi a instituição do princípio da reeleição. Ele envenenou presidentes, governadores e prefeitos. Em 1995 FHC chegou a dizer que “não penso nisso, o sacrifício é muito grande”. Pensava, queria, conseguiu, e a conta do sacrifício foi para os outros.

Ruy Castro* - Ele é o golpe

- Folha de S. Paulo

O Executivo já é de Bolsonaro; o Legislativo foi comprado; só falta agora dominar de vez o Judiciário

A receita para o desmonte da democracia por Jair Bolsonaro, de infiltrar-se nos poderes para miná-los e dominá-los, está-lhe saindo melhor do que ele esperava.

O Executivo nunca foi problema. Como presidente, ele já lhe pertencia, bastando-lhe desmontar o aparelhamento anterior e instalar o seu —o que tem sido feito à custa até dos quadros mais neutros e técnicos, substituídos por jagunços estranhos às funções. É um desastre para o país, mas, para Bolsonaro, e daí?

O Legislativo, por sua vez, pode ser comprado —como ele bem sabe por ter feito parte dele durante 30 anos— e efetivamente já o foi, com a distribuição de cargos e verbas. Cargos e verbas, aliás, com que, aproveitando o carrinho entre as gôndolas, Bolsonaro tirou também o Exército da prateleira e o jogou no meio das margarinas.

Bruno Boghossian –O feijão com arroz de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente sentiu o aperto da alta dos alimentos, que afeta eleitor de baixa renda

Jair Bolsonaro sentiu o aperto da alta dos alimentos. Depois de ter cobrado “patriotismo” dos empresários na hora de remarcar os preços, ele pediu nesta terça-feira (8) aos donos das redes que o lucro com suas vendas “seja próximo de zero”.

O presidente já disse várias vezes que não entendia nada de economia, mas também não precisava exagerar. A ideia era desviar para as empresas a irritação dos consumidores com o arroz e o feijão mais caros. Essa campanha, no entanto, levou o problema para dentro do Planalto.

O próprio Bolsonaro anda inquieto com o assunto. Também nesta terça, ele pediu a uma youtuber mirim que perguntasse a Tereza Cristina (Agricultura) sobre o preço do arroz. A ministra deu à menina apenas uma resposta genérica, mas quem pareceu frustrado foi o presidente.

O preço da comida é uma variável sensível para qualquer governante, já que pesa principalmente sobre a população mais pobre. A disparada atual é especialmente adversa para Bolsonaro porque o presidente acaba de colher nessas classes o aumento de aprovação que deu fôlego a seu governo no pico da pandemia.

Ricardo Noblat - Estão adiantados os preparativos para o velório da Lava-Jato

- Blog do Noblat | Veja

Sem choro nem ranger de dentes

Por que não se acaba de uma vez com a Lava-Jato? Não é o desejo de uma grande parcela da opinião pública identificada com o PT? Não é o desejo, jamais admitido, da maioria dos políticos de todas as cores e patentes? Não é até o desejo de expressivo grupo de ministros de cortes superiores? Pensando bem, o fim da Lava-Jato poderia ser a base do tão falado acordo nacional que nunca se fez.

Por que o Congresso não aproveita a onda de desdém coletivo com o combate à corrupção e vota uma anistia para crimes passados e futuros de quem roubou ou deixou roubar? Os que discordarem dessa passagem radical de pano não chorarão para sempre. Brasileiro não desiste nunca – da praia, do futebol, da caipirinha e do carnaval. Quanto ao resto, dá um jeito e vai levando a vida.

Murillo Camarotto - Fogo no Parquet

- Valor Econômico

Ascensão de Moro deixou Lava-Jato ao relento institucional

A tempestade perfeita chegou de vez ao parquinho da Lava-Jato. Em pouco mais de dois meses, o cenário, que já era difícil, se aproximou perigosamente da implosão, na esteira de uma sequência de reveses sofridos pelas forças-tarefa. Entre os dissabores mais recentes, a demissão coletiva dos responsáveis pela investigação em São Paulo. Dias antes, o principal ícone do grupo, Deltan Dallagnol, abdicou da República de Curitiba envolto em punições disciplinares.

A deterioração, é verdade, começou mais cedo. Integrantes das forças-tarefa reconhecem em reserva que o pecado capital foi a ascensão do superjuiz Sergio Moro a superministro de Jair Bolsonaro. Ao topar a mudança para Brasília, Moro teria empurrado sobre a Lava-Jato uma nuvem de desconfiança antes circunscrita a petistas inconformados e políticos abertamente fisiológicos.

À derrocada lavajatista também contribuiu o vazamento das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores, mas foi a ruidosa saída do ministro da Justiça que degringolou o quadro. Para os procuradores envolvidos na investigação, a forma escolhida para sair de cena aumentou bastante o rol de inimigos poderosos da Lava-Lato.

“A partir do momento em que o Moro se torna um potencial adversário eleitoral do presidente, ele expõe a Lava-Jato a ataques, ‘fake news’ e todo o tipo de prática típica do modus operandi bolsonarista”, disse um procurador.

Vinicius Torres Freire - O arroz com feijão e Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Dólar, exportação, auxílio emergencial e problemas em certos mercados explicam carestia

O dólar subiu, o Brasil está exportando muito grão, houve tropeços nos mercados de alguns produtos e, novidade da calamidade, pode ser que o povo miúdo esteja comendo mais com o dinheiro auxílio emergencial. Mas há ruídos de que talvez esteja acontecendo alguma coisa esquisita em alguns mercados, de soja, milho e arroz em particular.

Gente do agronegócio conta que há criadores e indústrias importando grão a preço mais alto do que o das exportações. Sim, podem ocorrer turbulências em alguns cantos do país. Mas, em tese e em geral, não faz sentido que se exporte a preço menor do que seria possível obter aqui dentro. No entanto, é gente do ramo que aponta o problema, reclamando da inexistência de um regulador eficaz de estoques.

Jair Bolsonaro, que é do ramo da demagogia, sentiu a panela esquentando e tenta tirar o corpo fora com uma mistura de ignorância com oportunismo. Pede “patriotismo” aos comerciantes (como pediu ao mercado financeiro) e que os supermercados vendam comida a preço de custo. Nada disso funciona no que interessa, mas a propaganda pode evitar algum desgaste político.

Inflação da comida rodando a mais de 9% ao ano costuma lascar um pouco da popularidade de governantes. A “inflação do tomate” (dos alimentos em geral, na verdade) em março de 2013 foi um dos motivos do mau humor que contribuiria para o clima ruim que explodiria enfim em junho de 2013.

Em abril do ano passado, um motivo da irritação com Bolsonaro pode ter sido a inflação de alimentos rodando também a 9%. No entanto, o preço da comida sobe a essa velocidade praticamente desde maio. O prestígio de Bolsonaro cresceu desde então.

Ainda não há dados suficientes para estimar a causa do aumento da comida, que se concentra em arroz, em alta recorde de 15 anos, feijão, leite, soja, aves e ovos, na farinha de trigo e, mais recentemente, na batata.

A alta do dólar deve ser um motivo forte –afeta qualquer produto “comercializável” no exterior. A inflação geral dos comercializáveis é quase o dobro da inflação geral. Em quarenta anos, a inflação no atacado e no varejo jamais foi tão díspar.

Monica De Bolle* - Vacina e economia

- O Estado de S.Paulo

Fala do presidente sobre vacina para covid-19 é perda de tempo, sobretudo ante os desafios que o País terá para imunizar a população

Não pretendo perder tempo ou espaço nesse artigo argumentando a favor da obrigatoriedade das vacinas, quaisquer que sejam. A vacina é um direito do cidadão, estabelecido na Constituição. 

Vacinas contra doenças infectocontagiosas são, também, obrigatórias, como em diversos países. A obrigatoriedade é uma questão óbvia de saúde pública e de higidez econômica: vacinas garantem a proteção não apenas daqueles que as “consomem”, como a de todos aqueles com quem possam entrar em contato. 

Vacinas, portanto, geram o que os economistas chamam de “externalidades positivas”, isto é, efeitos que recaem não só sobre quem é vacinado, mas sobre toda a sociedade. Portanto, a recente fala presidencial a respeito da futura vacina para covid-19 como fonte de controvérsias é perda de tempo, sobretudo ante os imensos desafios que o País terá pela frente para imunizar a população quando a vacina para covid – ou as vacinas, já que há várias em estágios distintos de andamento – estiver à disposição.

É de extrema importância considerar tais desafios para que se possa pensar de forma realista sobre a recuperação da economia brasileira.

Não faltam economistas – incluindo o próprio ministro da Economia – a dizer que a retomada será rápida em 2021 já que teremos vacina. Muitos já aderiram à ideia de “recuperação em V” sem parar para analisar o que está em jogo. A impressão que se tem é que alguns economistas e analistas acreditam que uma vez que a vacina esteja disponível, a epidemia e suas consequências desaparecem quase da noite para o dia. Não é assim.

Consideremos, em primeiro lugar, as vacinas em estágio de ensaio clínico mais avançado. São essas as vacinas genéticas (Moderna, Pfizer), as vacinas que utilizam vetores virais (AstraZeneca/Oxford, CanSino Biologics), e as mais tradicionais de vírus desativado (Sinovac). As vacinas de origem genética injetam no paciente o RNA viral de um antígeno do Sars-CoV-2 – antígenos são moléculas virais como as proteínas. 

Cristiano Romero - Estabilidade não evitou corrupção no Estado

- Valor Econômico

“Pedalada fiscal” é exemplo de interferência

Preocupados com a interferência partidária na gestão de políticas públicas, os constituintes consagraram na Constituição de 1988 a estabilidade dos funcionários públicos no emprego. O ambiente em que o assunto foi debatido não poderia ser pior. O país vivia grande efervescência política, partidos de esquerda e entidades da sociedade civil saíram da clandestinidade - a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi legalizada em cerimônia no Palácio do Planalto - e a imprensa respirava ares mais democráticos.

Estávamos no governo de José Sarney (1985-1990), o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar. O momento era de transição de regime, uma vez que Sarney fora o vice da chapa eleita pelo Congresso Nacional. Tancredo Neves, o cabeça de chapa, adoeceu na véspera da posse (15 de março de 1985) e não assumiu, vindo a falecer em 21 de abril.

Pausa para o cafezinho: Tancredo não tomou posse, mas, oficialmente, sim; ele foi o primeiro presidente da Nova República. Sua eleição resultara de acordo firmado entre os generais e a oposição, na ocasião liderada pelo então deputado Ulysses Guimarães. Este os militares não admitiam que assumisse a Presidência na transição, por isso, rejeitaram a possibilidade de eleição direta naquele momento. No fim, a candidatura da oposição era encabeçada por um integrante da chamada resistência democrática (Tancredo, do PMDB) e por um prócer da ditadura (Sarney). Com a impossibilidade de posse de Tancredo, generais da linha-dura quiseram impedir que Sarney tomasse posse. Por pouco, o epílogo do regime militar não foi postergado...

Com a liberdade que lhe foi suprimida durante longos 21 anos, a imprensa cumpriu papel crucial no início da Nova República. Brasileiros tomaram conhecimento todo dia pelos jornais, canais de televisão e rádios de casos de corrupção. A impressão, absolutamente equivocada, era a de que, num governo civil, isto é, no regime democrático, a corrupção grassa com desprendimento.

Míriam Leitão - Os preços ao sabor do tempo

- O Globo

O problema não é apenas o arroz. Ele subiu 15,69% e deve ter sido isso que preocupou a repórter mirim que foi à reunião ministerial. Nos primeiros sete meses do ano, pelo índice oficial, o feijão preto subiu ainda mais: 29,51%. A batata inglesa, 25%. A cebola está de chorar: 81%. Isso de janeiro a julho no IPCA. Hoje sairá o dado de agosto. E o índice geral deve ficar em torno de 0,3%. O acumulado do ano até julho é de apenas 0,46%. O caminho do presidente de pedir “patriotismo” aos supermercados não funciona, mas sim a lei da oferta e da procura. Espera-se que, a esta altura, o ministro Paulo Guedes já tenha explicado ao presidente a ideia básica.

A demanda subiu em parte em consequência do sucesso do programa de transferência de renda para pessoa física. O auxílio emergencial chegou aos mais pobres, houve demanda grande de alimentos e de material de construção. Alguns dos itens de construção estão com atraso de três meses para entrega. Além disso, as exportações do agronegócio, favorecidas pelo dólar alto e pela demanda chinesa, bateram recorde, pressionando ainda mais alguns preços.

No meio de uma recessão deste tamanho, pode parecer estranho. Mas isso tem explicação. Uma parte do programa do governo contra os efeitos da pandemia na economia foi o auxílio emergencial. E ele, noves fora as fraudes e as filas da Caixa, foi bem-sucedido. Pelos dados que o próprio governo tem, na faixa mais pobre da população, com rendimentos de até R$ 500, o auxílio elevou a renda em 250%. Entre quem ganha de R$ 500 a R$ 1.000, houve 150% de recomposição. E nos que recebem até R$ 1.500 chegou a 75%. Isso teve um efeito multiplicador grande na economia. Quem recebeu comprou alimentos, material de construção e alguns itens da linha branca.

Lígia Bahia - Desigualdades e desacertos

- O Globo

Cancelamento da saúde como política governamental na gestão Bolsonaro é fato inédito

Informações recém-divulgadas da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE sinalizam pequenos avanços e recuos do SUS — e a persistência do fosso entre quem mais precisa de cuidados e o acesso. Os dados são essenciais para diagnosticar a situação de saúde, captar tendências e orientar as políticas públicas. Entre os dois inquéritos, realizados com intervalo de seis anos, a cobertura para atendimento médico cresceu: era 71,2% em 2013 e passou para 76% em 2019. No mesmo período, o total de pacientes internados aumentou de 6% para 6,6%, revelando pequeno aumento na capacidade do sistema.

Mas persistem desigualdades nas chances de realizar determinados procedimentos odontológicos e médicos. Em 2019, a proporção de consulta com dentista foi de 36% para quem se situa na menor faixa (menos de um quarto de salário mínimo) e 76% para pessoas da classe mais alta de renda (acima de cinco salários mínimos). A oportunidade para realizar internações e cirurgias foi duas a três vezes maior para quem está vinculado a planos privados de saúde. Consequentemente, o padrão do atendimento na rede hospitalar do SUS difere do organizado pelo setor privado; o público tem maior proporção de casos clínicos, e a assistência suplementar, de pacientes cirúrgicos.

Cristovam Buarque* - A Escola Brasil

- Correio Brasiliense, 8 de setembro de 2020

No próximo ano, a Lei do Ventre Livre completa 150 anos e o Fundeb será incorporado à Constituição, depois de 13 anos como lei provisória. O Brasil já dispõe de leis que destinam recursos federais para financiar parte das escolas municipais, desde 1983, pela Emenda Calmon; o Fundef, desde 1996; e o Fundeb, desde 2007.

Cento e cinquenta anos separam essas duas leis positivas, porém insuficientes. A extinção do Fundeb teria sido uma catástrofe, mas sua continuidade não vai trazer a educação de qualidade que necessitamos, nem vai fazer com que as escolas sejam igualmente boas para todos. Da mesma maneira que, em 1871, a Lei do Ventre Livre libertou mas não emancipou os filhos dos escravos; e, 17 anos depois, a Lei Áurea aboliu a escravidão, mas não emancipou os ex-escravos. Elas quebraram as algemas da escravidão, mas os libertos continuaram amarrados à falta de educação de base e suas consequências: pobreza, exclusão, racismo e abandono.

Assim também, as leis que aumentam recursos federais para a educação, diminuíram a penúria, mas não permitiram a qualidade e ainda menos a igualdade no acesso à educação. Para conseguir isso, será necessário oferecer condições para que toda criança, independentemente da renda e do endereço, tenha a chance de concluir o ensino médio, conhecendo muito bem o idioma português e nossa literatura; sabendo falar, ler e escrever pelo menos um idioma estrangeiro; entender e deslumbrar-se com as artes; saber matemática, filosofia e ciências, história e geografia; ser informado e poder opinar sobre o que acontece no mundo contemporâneo; dispor de um ofício profissional que lhe permita emprego qualificado; ter consciência de seus direitos e deveres e estar pronto para participar da vida social e continuar se educando ao longo da vida.

O bolso do contribuinte – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Congresso demonstrou estar descolado da realidade do País ao aprovar projeto de lei que anistia R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas

O Congresso, quem diria, demonstrou estar descolado da realidade do País ao aprovar um projeto de lei que anistia R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas. Trata-se de um despropósito. Já seria inconcebível ainda que o Brasil não estivesse atravessando uma tempestade perfeita, uma crise que combina emergência sanitária, recessão econômica e alta vulnerabilidade social. Quando contraposta às prioridades ditadas por tantas condições adversas, é ainda mais escandalosa essa demonstração de absoluto descaso com o interesse público.

Agora resta torcer para que o presidente Jair Bolsonaro vete o projeto, como lhe foi recomendado pelo Ministério da Economia. Se assim o fizer, Bolsonaro demonstrará ser mais sensível aos imperativos da moralidade pública do que às fortes pressões do lobby das igrejas, em especial ao das denominações evangélicas com expressiva presença nas bancadas da Câmara dos Deputados e do Senado.

O presidente tem até o dia 11 para decidir se veta ou sanciona o projeto.

De acordo com a apuração do Estadão/Broadcast, a bilionária cortesia feita pelo Congresso com o chapéu dos contribuintes é fruto de um “jabuti” inserido pelo deputado David Soares (DEM-SP) no Projeto de Lei (PL) 1.581/2020, que trata dos acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. O PL foi aprovado pelo Congresso há poucos dias. Seu principal objetivo é destinar os recursos oriundos de descontos obtidos nesses acordos às ações de combate à pandemia de covid-19 ou à amortização da dívida pública mobiliária federal.

O que importa é ser reeleito – Editorial | O Estado de S. Paulo

A reeleição produziu resultados muito diferentes dos esperados inicialmente

Quando foi promulgada em 1988, a Constituição estabelecia mandato presidencial de cinco anos e proibia a reeleição. Em 1994, o Congresso reduziu o mandato para quatro anos. Depois, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 16/1997, permitindo a reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos, para um único mandato subsequente.

Tal possibilidade alinhava-se com a experiência positiva de vários países, conferindo ao eleitor o direito de avaliar a oportunidade de manter num segundo mandato o presidente da República, o governador ou o prefeito. Além disso, a permissão da reeleição era o reconhecimento de que, com as complexidades contemporâneas da vida social e econômica, dificilmente programas de governo se realizam em um único período de quatro anos.

Agora, depois de mais de 20 anos da EC 16/1997, é de reconhecer que a possibilidade de reeleição de presidente da República, governador e prefeito produziu resultados muito diferentes dos esperados inicialmente. Recentemente, Fernando Henrique reconheceu, em artigo no Estado, que o instituto da reeleição foi um erro. “Em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final”, escreveu.

Mídia censurada – Editorial | Folha de S. Paulo

Decisões judiciais contrariam os princípios que garantem o papel do jornalismo

Subvertendo direitos e princípios pelos quais deveria sempre zelar, o Judiciário brasileiro vem protagonizando ataques deploráveis ao livre exercício da imprensa.

O mais recente envolve o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) e seus obscuros negócios. Na semana passada, a juíza Cristina Serra Feijó, do Tribunal de Justiça do Rio, proibiu a TV Globo de exibir documentos das investigações sobre o caso das "rachadinhas" no gabinete do filho do presidente, quando este era deputado estadual.

Não apenas censura, portanto, mas também censura prévia, expediente que deveria restringir-se aos tempos dos regimes autoritários.

Antes, o próprio Jair Bolsonaro já havia dado mostras, de forma mais tosca, do incômodo provocado pelo assunto. Indagado acerca dos R$ 89 mil que Fabrício Queiroz, um dos supostos operadores da "rachadinha", repassara à primeira-dama, o mandatário ameaçou agredir o autor da pergunta.

O comportamento não difere, no espírito, de outras atitudes de seu governo. No fim de semana, o humorista Marcelo Adnet foi alvo de ataques do secretário de Cultura, Mário Frias, e da Secretaria de Comunicação, por um esquete no qual parodia publicidade institucional.

Fica claro que, para o presidente e seus áulicos, a única liberdade de expressão válida seria aquela que reafirma suas próprias ideias.

Volta às aulas – Editorial | Folha de S. Paulo

Prolongar fechamento de escolas trará danos e aumentará a desigualdade

Compreendem-se os temores de pais e mestres quanto à reabertura das escolas em meio à epidemia mal controlada de Covid-19, pois se trata aí de decidir entre alternativas ambas problemáticas. O alongamento da quarentena, entretanto, acarretará prejuízo certo e crescente para crianças e jovens, ao passo que os riscos de infecção se afiguram cada vez mais baixos ou administráveis.

Nesta altura, torna-se claro que a chamada segunda onda da pandemia é evento incomum. No Brasil, as curvas parecem enfim abandonar o alto patamar em que ficaram por mais de dois meses. Nos países onde houve retorno às aulas, predomina a baixa ocorrência de infecções em ambiente escolar e raríssimos casos fatais.

Surtos preocupantes acontecem, por certo, como no ensino básico de Israel e em algumas faculdades americanas, que forçaram renovada suspensão de atividades. Não foi esse o caso, porém, da maioria entre milhares de estabelecimentos reabertos na Alemanha, na Noruega, na França e no Uruguai.

Imperioso se mostra debater e decidir não se aulas devem voltar, sobretudo no ensino público, mas em quais condições. Sem enfrentar o desafio, aumentarão a evasão escolar e a desnutrição de estudantes que dependem de merenda, carecem de meios para acompanhar ensino a distância e são mais vulneráveis à violência doméstica.

Recuperação da economia global é desigual e instável – Editorial | Valor Econômico

Ainda que seja quase certo que a economia americana se reerga, ela não o fará de forma tão rápida quanto se previa

A recuperação global será tanto mais segura e estável quanto mais o coronavírus sair de cena - o que não é certo em nenhuma economia relevante até agora. A reação das principais economias desenvolvidas prossegue, amparada por gigantescos aportes de liquidez nos dois lados do Atlântico e no Japão, mas há sinais de arrefecimento à medida que os estímulos fiscais estão sendo retirados. O auxílio para desempregados e trabalhadores impedidos de trabalhar caiu pela metade, para US$ 300, e mesmo esse apoio veio por decreto do presidente Donald Trump, já que democratas e republicanos não se entendem sobre um novo pacote de medidas de apoio.

A China é a única grande economia onde a recuperação é firme, após ter se livrado da pandemia no primeiro trimestre. O crescimento esperado para o ano é de 2,3% e, em 2021, de 7,5%. Pequim sustentou as atividades com mais investimentos em infraestrutura e em imóveis não-residenciais, mas os resquícios de incertezas sobre o coronavírus persistem, na forma de mobilidade contida, expressa no desempenho das vendas dos restaurantes, 11% menor em julho do que um ano antes, segundo cálculos da Oxford Economics. Os investimentos privados são 5% menores no mesmo período.

Mas a indústria chinesa já ultrapassou com alguma folga a marca de dezembro de 2019, e as exportações crescem com vigor. Em valor, aumentaram 9,5% em agosto ante agosto de 2019, com um salto de 20% nas vendas aos EUA e de 11,2% para a União Europeia.

Fux terá de zelar por unidade e autonomia no STF – Editorial | O Globo

Defender a democracia nos dias que correm será missão prioritária para o novo presidente do Supremo

É inevitável que as severas crises que o país enfrenta na política e na economia, com trágicos reflexos sociais, pairem sobre a troca, na presidência do Supremo, de Dias Toffoli por Luiz Fux. Toffoli, que passa o cargo a Fux amanhã, conviveu com a face mais extremista de Bolsonaro, o tempo das interjeições golpistas e das insanidades proferidas diante do cercadinho da claque à porta do Alvorada. O STF, alvo predileto nessas horas, jamais sofreu tantos ataques populares.

Toffoli foi criticado por ter tentado, para driblá-los, abrir um canal de diálogo com Bolsonaro. Sempre poderá dizer que teve sucesso, afinal o país resistiu às iniciativas de ruptura que rondaram o Planalto. Mas não é possível dizer que a iniciativa do presidente da Corte tenha funcionado como calmante institucional. Ao contrário. Nunca o STF foi tão desafiado — balançou, mas resistiu. Basta lembrar a marcha de empresários, comandada por Bolsonaro, a fim de tentar reverter a decisão da Corte que garantiu autonomia a estados e municípios para manter o distanciamento social na epidemia (o presidente só recuaria das investidas com a prisão do ex-PM Fabrício Queiroz).

Por tudo isso, a mudança na presidência da Corte vai além de uma mera troca de guarda. Fux, não bastasse ter de operar na conjunção das crises econômica e política, enfrentará um contencioso com o Executivo ainda amplo. Assume num momento de grande pressão contra a Lava-Jato. Em oposição a Toffoli, um “garantista”, Fux tem o perfil mais “punitivista”. É reconhecido como um dos maiores defensores da operação anticorrupção no Supremo.

Encontrará de cara sobre sua mesa o problema da substituição de Celso de Mello na Segunda Turma, onde tramitam os processos da Lava-Jato. Com a licença médica de Celso, a turma passou a ter a configuração ideal para a defesa dos denunciados: os “punitivistas” Edson Fachin e Cármen Lúcia, de um lado; os “garantistas” Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski do outro. Como o empate nos julgamentos garante por lei a absolvição dos acusados, os advogados de condenados por corrupção ganharam esperanças. Não se sabe se fundadas. Sob Fux, o plenário poderá voltar ainda a discutir a prisão na condenação em segunda instância, rejeitada em novembro por um voto.

O novo presidente terá também o desafio de lidar com os dois primeiros ministros indicados por Bolsonaro para o Supremo. O primeiro para o lugar de Celso, que se aposentará em novembro. O segundo, em junho do ano que vem, quando Marco Aurélio Mello atingirá a idade limite de 75 anos.

O maior desafio, Fux herdará de Toffoli: o relacionamento com o Executivo. O STF se tornou o maior esteio para garantia do estado democrático de direito, diante dos arroubos autoritários do presidente e de seus seguidores. Para detê-los, será importante Fux apaziguar as divergências numa Corte que, de tantas decisões monocráticas, foi apelidada “11 Supremos”. A busca pela unidade institucional é o princípio que deve guiá-lo. O bom relacionamento com os demais poderes será essencial para preservar a autonomia do STF.

Lei do Saneamento traz esperança para melhorar números vergonhosos – Editorial | O Globo

Pesquisa do IBGE mostra que 34% dos domicílios brasileiros não têm acesso à rede de esgoto

Quando foi feita a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, do IBGE, em parceria com o Ministério da Saúde, não havia a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Seis meses de Covid-19 e quase 130 mil mortos pela doença tornaram ainda mais gritantes os números divulgados na última sexta-feira. Pelos dados da PNS, 34% (24,9 milhões) dos lares brasileiros não têm banheiro ou acesso à rede geral de esgoto. Mesmo no Sudeste, 11,3% das residências estão nessa condição. Na Região Norte, a situação é ainda mais dramática: apenas 20,8% das casas são ligadas à rede coletora de esgoto.

Não é coincidência que estados do Norte tenham enfrentado uma tragédia na pandemia. Como conseguir a adesão da população a protocolos de higiene fundamentais para prevenir a transmissão da Covid-19 — lavar as mãos, limpar e lavar superfícies — se cidadãos não dispõem nem de acesso ao esgoto? A pesquisa mostra que o saneamento continua a ser o gargalo crítico, já que o fornecimento de água (96,7%) e a coleta de lixo (91,4%) são quase universais.

O novo marco do saneamento, sancionado em julho depois de dois anos de tramitação, abre uma esperança para, se não resolver, ao menos melhorar esses índices vergonhosos. Um dos pontos-chave da nova legislação é aumentar a participação de empresas privadas num setor dominado por estatais, muitas delas de desempenho sofrível, como a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio.

Música | Toquinho e Paulinho Da Viola - Caso Encerrado

Poesia | O Haver - Vinicius de Moraes (participação de Edu Lobo)