quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna

A vice-presidência, como o demonstra fartamente nossa experiência republicana recente, não é uma função sem préstimos, e a sua ocupação por Michel Temer, um hierarca do PMDB, mais a forte representação congressual desse partido, significa uma relevante mudança quanto à forma do governo anterior, uma vez que seu principal aliado entre os partidos está firmemente ancorado por quatro anos na própria estrutura constitucional de comando da República.

Para além das naturais dificuldades de administração dos conflitos em torno da alocação de cargos entre os partidos que compõem sua base de sustentação, matéria que povoa a pauta da imprensa, insinuam-se outras, mais intrincadas, tal como na controvérsia sobre a fixação do montante do salário mínimo, dado que traz consigo a ameaça de trincar o até então seguro dispositivo sindical de apoio ao governo.

Essa questão, porém, como notório, não é uma questão sindical em sentido estrito, uma vez que não envolve um litígio entre categorias profissionais - ela é de natureza política, contrapondo partidos e centrais sindicais à política econômica do governo Dilma, com a agravante de que uma delas, a Força Sindical, se encontra, em boa parte, vinculada ao PDT, partido da coalizão governamental que ora ocupa o Ministério do Trabalho.

VIANNA, Luiz Werneck. O que há de novo. Valor Econômico. São Paulo, 10/1/2011.

Papel secundário :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A trégua entre PT e PMDB obtida ontem com a intervenção do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, não quer dizer que tenham sido superados os problemas de convivência entre os dois principais partidos da base aliada governista, e nem que tenha se chegado a um acordo político que contente o PMDB.

Ao contrário, ao negar a presença mais for te do PMDB no chamado “núcleo duro” do governo Dilma, sob a alegação de que os demais partidos da aliança também reivindicariam um lugar nesse grupo decisório do Planalto, ficou delimitada a influência que o governo admite para o PMDB, isto é, igual a todos os demais aliados, sem levar em conta o tamanho e o poder de fogo das bancadas do PMDB na Câmara e no Senado.

Havia a certeza no PMDB de que chegaria um momento em que o partido teria que decidir que atitude tomar: ou usaria sua força para arrancar nacos de poder ou se vincularia a uma agenda de poder.

Ao retirá-lo do seu núcleo estratégico de decisão, o governo jogou o PMDB para a fisiologia pura e simples, não lhe dando alternativa que não seja a de demonstrar sua força política no plenário do Congresso.

Mesmo nesse terreno, no entanto, o PMDB vem perdendo de goleada para o PT, que ampliou seu espaço no Ministério em cima dele e ainda ressaltou essa face do maior aliado, justificando seu apetite com a defesa de administrações eficientes e honestas em cargos anteriormente ocupados por indicações de peemedebistas, como nos Correios.

Mesmo que o resultado “oficial” da reunião tenha sido uma aparente trégua na disputa por cargos, e a reafirmação do apoio ao deputado petista Marcos Maia na presidência da Câmara, as conseqüências desse alijamento do PMDB do centro de decisão governamental surgirão naturalmente no decorrer das votações, não sendo razoável que o maior partido do país se considere atendido em suas expectativas de poder no estágio em que as coisas estão.

Outra questão chave é saber qual será a função do Michel Temer neste governo.

Ainda na campanha eleitoral ele teve que dar umas cotoveladas para ser incluído no grupo que decidia, formado apenas por petistas ilustres, praticamente os mesmos, por sinal, que estão hoje nesse “núcleo duro” que define os rumos políticos do governo.

Temer foi recebido com todas as honras, mas apenas depois que reclamou de sua exclusão, e foi-lhe dada a função de coordenador do grupo, com os demais membros subordinados a ele.

Uma maneira de apaziguar os ânimos do PMDB, mas claramente um arranjo fictício, pois o vice-presidente não tem poder de comando político.

A não ser que use as armas que possui, como o poder de negociação parlamentar, para se contrapor eventualmente a uma decisão do “núcleo duro” petista.

Esse é um dos receios do comando governista, que vê essa possibilidade como uma ameaça à estabilidade política da base aliada, uma colcha de retalhos formada por um grupo de dez partidos sem nenhuma ligação programática entre si, e que só está unido sob a proteção que fazer parte do governo garante.

Se, no entanto, a influência de Temer no Congresso fosse usada pelo governo em seu benefício, seria possível designá-lo para tarefas delicadas e, aí sim, promover a pacificação do PMDB.

Não há, no entanto, até o momento, sinal de que a presidente Dilma tenha intenção de usar o vice-presidente além do papel inócuo que o cargo reserva a seus titulares, o que lhe dá uma posição meramente decorativa no “núcleo de poder” do Planalto.

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Há sinais claros de mudanças, de estilo, mas também de conteúdo na nova gestão do Ministério das Relações Exteriores.

O episódio da censura aos livros do escritor brasileiro Paulo Coelho foi uma boa oportunidade para o Itamaraty demonstrar isso, e a condenação da censura pelo ministro Antonio Patriota não ficou apenas na retórica, o que já seria uma mudança importante.

Ele anunciou que mandou que a embaixada brasileira em Teerã se inteirasse da questão para que possa tomar a atitude mais adequada.

A própria presidente já havia prenunciado essa mudança quando não se furtou a condenar o apedrejamento de iranianas por adultério.

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A discussão sobre os passaportes diplomáticos está sendo distorcida com a nítida intenção de desculpar os filhos do ex-presidente Lula, em operação muito comum no lulismo: espalhar a versão de que todo mundo usa e abusa de tais privilégios, e, portanto, criticar os Lula da Silva só pode ser preconceito.

A questão é maior que isso.O passaporte diplomático existe para viagens a trabalho e, portanto, não é aceitável que qualquer autoridade, seja ministro, deputado, senador, use o privilégio quando viaja de férias, o mesmo valendo para sua família.

E a autorização para que o Ministro das Relações Exteriores dê um passaporte diplomático para alguém que não esteja entre as autoridades previstas na lei não lhe dá o direito de entregar o passaporte para quem lhe aprouver.

Seu poder não é discricionário, mas limitado pela lei, que prevê essa possibilidade “no interesse do país”.

Quando Pelé viaja para fazer propaganda do país, está justo que use seu passaporte diplomático.

Mas é difícil imaginar em que situação um bispo da Igreja Universal ou os filhos de Lula viajarão “no interesse do país”.

A lista dos aquinhoados deveria ser divulgada, com a justificativa de cada concessão.

Toque de recolher:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Nada de inusitado na proibição dos livros de Paulo Coelho no Irã. Gestos como esse são inerentes a ditaduras.

Diferente no episódio foi o Brasil cumprir sua obrigação de protestar e condenar a violência, considerada "abominável" pela ministra da Cultura, Ana de Holanda, que anunciou pedido de providências oficiais ao Itamaraty.

Diante de ataques aos direitos humanos e agressões à liberdade - morte de dissidentes em Cuba, fraude eleitoral no Oriente e matanças na África -, no governo Lula o Brasil não apenas calou como celebrou as ações dos regimes autoritários. Em pelo menos duas ocasiões, confraternizou publicamente com os ditadores e desdenhou da posição dos opositores.

Comparou os dissidentes cubanos a bandidos comuns e igualou os protestos da oposição iraniana contra a roubalheira eleitoral do regime ao choro de perdedores em partidas de futebol.

Manifestou-se a ministra, falta se posicionar a presidente Dilma Rousseff: pessoalmente seria o ideal, como fez no caso da condenação por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, mas se o fizer por intermédio do Ministério das Relações Exteriores já terá dado um passo a mais para reposicionar o Brasil no cenário internacional como uma democracia guardiã de princípios universais.

Condição que o antecessor subtraiu ao País quando subordinou valores a interesses de maneira equivocada e, sobretudo, perversa, contando para isso com a colaboração de um chanceler obcecado pelo ofício da bajulação.

Diga-se em defesa de Celso Amorim que não foi o único. São inúmeros os exemplos de exorbitâncias decorrentes da subserviência de auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, que, receosos de suas reações e curvados à sua popularidade, preferiam fazer suas vontades a cumprir a Constituição e preservar as respectivas biografias.

Amorim é apenas o caso mais patente. O fecho de sua gestão diz tudo: a concessão indevida de passaportes diplomáticos aos filhos maiores de idade e a um neto de 14 anos do então presidente, dois dias antes do encerramento do mandato, sob a justificativa de que atendia aos interesses do País.

Tanto não atendia que o Itamaraty calou a respeito. Sabe-se ali que o ato resultou do afã de cumprir ordens e agradar ao chefe que deixava o cargo consagrado, construindo um cenário de preservação de poder em perspectiva.

Quando a subserviência se sobrepõe a tudo o mais é que se deteriora a proposição fundamental do Estado de Direito: o respeito à legalidade, a observância a quesitos como probidade, impessoalidade e igualdade dos cidadãos perante as regras que regem a vida em sociedade.

No momento em que sai de cena o objeto do servilismo, se sobressai o burlesco da situação. Amorim foi para casa com esse troféu, outros a partir de agora provavelmente - vai depender de a presidente Dilma Rousseff conduzir-se por lógica diferente - dar-se-ão conta das oportunidades que deixaram passar de se dar ao respeito.

Para ficarmos nos episódios finais, temos o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a classificar como "ridículas" as críticas à concessão de área militar para o ex-presidente tirar férias com a família.

Com perdão da deselegância do termo, ridículo é um ministro de Estado se prestar ao exercício da adulação com o dinheiro público para servir ao ex como se a prerrogativas presidenciais ainda tivesse direito.

Que o ar fica mais respirável, o ambiente mais ameno e saudável na ausência de Lula, não resta a menor dúvida.

Em boa medida pelo recolhimento (temporário?) dos bajuladores.

Corda. Pode ser só impressão, mas parece que o PMDB pediu para participar do núcleo da coordenação política do governo porque sabia do veto.

Com o objetivo de colecionar contenciosos para o dia de amanhã.

A desejar. O ministro das Relações Institucionais, deputado Luiz Sérgio, é em Brasília - como dizer de maneira educada? - praticamente uma unanimidade.

Uma CPI para um problema de 500 anos:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A posição da educação na agenda de 2010, durante a campanha eleitoral, foi uma: primeiro lugar em preocupação dos candidatos, assunto preponderante nos discursos, promessa de prioridade total nos planos. Inúmeros programas da propaganda gratuita de rádio e televisão, tanto do governo quanto da oposição, foram ancorados nesta questão, uma das principais para a população, ao lado da saúde e da segurança. Depois das eleições, a educação caiu do galho. Em sua primeira manifestação após eleita, a presidente Dilma Rousseff já disse um ligeiro "a educação está encaminhada"... e passou aos assuntos seguintes.

Como o ministro da área foi um dos mantidos no cargo, não houve sequer aquela abordagem de fôlego renovado que as autoridades imprimiram às suas cerimônias de posse, aqueles votos de recuperação de erros passados e certeza de acertos futuros.

Este início, mais do que anódino com assunto de tamanha relevância, só reforçou um projeto do ex-governador, ex-ministro da Educação, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-petista, senador em segundo mandato Cristovam Buarque (PDT-DF). Ele havia apresentado, em 2007, uma proposta de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Educação, conseguiu um número folgado de assinaturas, a mesa do Senado promoveu sua aprovação mas, quando os trabalhos iam começar, o ministro da Educação, Fernando Haddad, convenceu a base governista a retirar as assinaturas e negar seu apoio à medida.

Segundo Cristovam, o ministro não compreendeu que sua iniciativa não era contra o governo Lula nem a administração Haddad no MEC, mas uma forma de utilizar instrumento contundente para chamar atenção para a gravidade de um problema que tem, no mínimo, 500 anos.

Este ano, na reabertura da sessão Legislativa, em fevereiro, o senador pretende retomar o projeto pois considera insuficientes os sinais emitidos pelo governo de que promoverá a necessária revolução na educação.

"Tenho a sensação de que pelos passos iniciais vai continuar uma simples e ligeira evolução. Evolução que é tão simples e ligeira que continua deixando a gente cada vez mais para trás", diz. Na sua análise, isso ocorre por duas razões: "Os outros estão fazendo um esforço maior e vão deixando o Brasil para trás com relação a eles; e, depois, as exigências da educação crescem tanto que mesmo que a gente melhore um pouco ficamos para trás com relação às exigências".

Os exemplos são inúmeros, cita o senador, e refere-se a alguns deles: até poucos anos atrás uma pessoa que não soubesse ler conseguia fácil um emprego de empregada doméstica. Hoje, não consegue mais. A exigência aumentou. Hoje um garçom precisa saber mexer com um pequeno equipamento eletrônico, um computadorzinho.

Cristovam conta que estava em viagem a Maragogi (AL) quando foi apresentado a dois europeus que acabavam de desistir de fazer investimentos na região, no ramo da criação de cavalos, porque não encontraram mão de obra qualificada. Conversou com eles sobre o que seria necessário saber para desempenhar as tarefas de vaqueiro e ouviu, como resposta, algo que só reforça sua ideia de que a educação precisa passar por uma revolução: "Eles informaram que os cavalos custam de três a quatro milhões de reais, não podem ficar nas mãos de quem não saiba, por exemplo, ler em inglês as bulas de remédios, todos importados. Além disso, contaram que os cavalos são acompanhados com registros, de hora em hora, no computador, sobre o que comeram, o que beberam, remédios, quanto saltaram, quanto correram, para que sejam acompanhados da Europa".

Na transição de governo, Cristovam levou suas ideias de revolução da educação e deixou-as com José Eduardo Cardozo, o atual ministro da Justiça, que era um dos coordenadores dos trabalhos. Começou sugerindo que um bom sinal de mudança seria concentrar o Ministério da Educação na educação de base, deixando o ensino superior para um ministério próprio ou retomando a antiga ideia de absorvê-lo no Ministério da Ciência e Tecnologia, como fazem vários países.

"A primeira coisa para fazer a revolução é o governo federal dizer: eu tenho a ver com a educação de base. Hoje ele diz que isso é dos Estados e municípios".

Cristovam defende, como segunda providência, a criação de uma carreira nacional do magistério. Com esta e com um programa sério de qualidade educacional - que eleve prédios, construa quadras, melhore os equipamentos, vá fazendo horário integral - vai-se fazendo a revolução, sem necessidade sequer de mudanças na Constituição.

E onde entra a CPI nesse processo? Para o senador, é preciso dar força à ideia pelo entendimento das razões pelas quais a Educação está atrasada e dar divulgação a isso. Ele poderia fazer um estudo, mas ninguém tomaria conhecimento. Na CPI, as pessoas falarão sobre o assunto, debaterão com os parlamentares, apresentarão suas avaliações pela TV Senado. "Se eu estivesse no século XIX, ia pedir uma CPI da escravidão. Como estou no 21, quero uma CPI do analfabetismo, uma CPI da educação de base".

CPI - diz - não é para investigar só corrupção, até porque há dois tipos de corrupção, "a do comportamento do político e a corrupção das prioridades erradas, que rouba mais o país".

A CPI, reafirma Cristovam, não é contra o governo, que não é o culpado. "Somos todos nós os culpados". O senador recomeça a coleta de assinaturas em fevereiro, na reabertura do Legislativos, e como toda CPI precisa de um fato determinado a justificá-la, a ementa será "o Brasil está ficando para trás, está ficando indefeso, está ficando em risco".

Uma coisa avançou na educação brasileira, diz Cristovam: a consciência de que ela está ruim.

O senador se diz muito esperançoso com Dilma. "Ninguém foi guerrilheiro à toa". Lula, a seu ver, é um gênio. "Mas a formação dele é sindical, fez a política da reivindicação e do atendimento às reivindicações. Não é da transformação, da construção do novo. Ele atendeu bem às reivindicações das famílias mais pobres, dos empresários, dos banqueiros. Mas não fez um retrato do Brasil daqui a 20 anos".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Câmbio, desligo:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diz que o Brasil não escapará de ser um país com moeda forte. Uma razão é que precisa da entrada de capital. O economista Márcio Garcia alerta que a compra de dólares pelo Fundo Soberano pode trazer prejuízos, ao contrário do que diz o ministro Mantega. O também ex-presidente do BC Gustavo Loyola pensa que há limite nas intervenções no câmbio.

Bom, o assunto do momento é câmbio, não há como fugir. Felizmente, o tema tem ângulos demais. Liguei ontem para os três economistas acima, com as mesmas perguntas: existe limite entre medidas aceitáveis e intervencionistas demais para atuar no câmbio? O quão bem sucedido o Brasil pode ser em barrar a entrada de capital, já que tem déficit em conta corrente?

Todos acham que as medidas estão dentro do aceitável, e que se o país barrasse a entrada de capital teria sérios problemas por causa do déficit, que está indo para US$ 100 bilhões.

Loyola acha que existe sim esse limite entre as regras aceitas e as que podem afugentar o capital, mas pensa que os mercados hoje são muito mais tolerantes do que já foram no passado em relação ao assunto:

— O capital está mais propenso a aceitar desaforo, ele sabe que existem muitos países piores do que nós nesse ambiente pós-crise, mas enquanto ficar em elevação de impostos ou medidas prudenciais não há problema. Há medidas que podem gerar incerteza. Deveriam ser evitadas ameaças e também entrevistas de autoridade no meio do expediente bancário para anunciar medidas que na verdade nem foram anunciadas.

Foi isso que o ministro Mantega fez na semana passada. É regra elementar que desse assunto só se fala com o mercado fechado, como foi aliás o que o BC fez dias depois, numa entrevista convocada para as 8h30m.

O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, acha que Mantega está calculando errado o custo de investir no mercado futuro de dólar. Mantega disse em entrevista que “se não houver valorização (do real) e nós fizermos swap reverso não haverá perda. Pode até haver ganho.”

— O mercado de dólar futuro não é o preço do dólar no futuro. É preciso calcular também o custo do diferencial de juros. Se isso não for entendido, o Fundo Soberano pode ter prejuízo de 10%, mesmo se o dólar permanecer no mesmo valor. Vender dólar futuro, como faz o investidor estrangeiro, equivale a tomar dinheiro emprestado nos Estados Unidos e aplicá-lo às altas taxas brasileiras. Ou seja, se a taxa de câmbio não se alterar, dá lucro ao investidor estrangeiro. Assim, comprar dólar futuro, equivalente a emitir swaps reversos, que é o que fará o FSB, causará, sim, prejuízo — explicou Garcia.

Pastore afirmou que o real está no mesmo patamar de valorização que estava na época de Gustavo Franco na frente do Banco Central, no início do Plano Real, com a diferença que agora o regime é flutuante: — O Brasil não escapa de ser um país que vai viver com moeda forte. Entre outras razões porque não tem poupança e quer crescer, para isso precisará de investimentos externos. Mas de fato o câmbio está mais valorizado do que deveria estar por inúmeros motivos.

Estamos vivendo um momento de exagero causado pela crise americana, pela crise europeia e pela decisão chinesa de manter sua moeda desvalorizada.

Isso afeta uma parte da indústria, sim, porque vaza para o exterior uma parte da demanda doméstica.

Mas em relação a termos de troca, nós estamos no melhor momento histórico, pelo aumento dos preços dos produtos exportados pelo Brasil. Temos um cenário contraditório: o câmbio valorizado e em dezembro um superávit de US$ 4 bilhões.

O que se deve fazer ou não se deve fazer para lidar com uma situação tão mais complexa do que no passado? Márcio Garcia não acredita muito em medidas que barrem um tipo de capital. Acha que é muito difícil separar os dólares na entrada, porque eles se fundem e os bancos são especialistas em contornar as barreiras desse tipo. Loyola lembra que a acumulação de reservas, que é uma das ferramentas usadas pelo governo, tem custo alto. Quanto? — Fazendo aqui uma conta de padaria: como temos quase US$ 300 bilhões de reservas, ou R$ 500 bilhões, levando-se em conta que o diferencial de juros é em torno de 10%, o custo de emitir dívida em real e comprar dólares é de R$ 50 bilhões ao ano. Na verdade, é menos porque uma parte desse enxugamento da liquidez da compra de dólares é feito através do recolhimento compulsório, que tem custo menor.

Pastore acha que todas essas medidas são legítimas, inclusive a acumulação de reservas porque certamente o câmbio estaria muito mais valorizado se o Brasil não tivesse acumulado US$ 46 bilhões no ano passado, US$ 150 bilhões em três anos.

Enfim, todas as medidas têm custo, todas as medidas juntas não garantem o fim da valorização, alguns setores empresariais estão ganhando muito apesar do dólar fraco. O que fica claro é que é preciso ter uma estratégia de longo prazo para enfrentar a nova realidade.

O que Pastore lembra é que a Alemanha se preparou para viver com câmbio valorizado e reduziu todos os outros custos de produção. O remédio de reduzir os gastos para abrir espaço para queda de juros aparece também na maioria das receitas sobre como enfrentar o problema.

Ontem, o jornal “Financial Times” simulou na coluna Lex uma carta de Ben Bernanke respondendo às críticas de Mantega. O texto lembra ao ministro brasileiro que há três anos, quando a economia americana entrou em crise, o capital fugiu do Brasil, o dólar subiu e a economia brasileira parou. O câmbio, como qualquer moeda, tem dois lados.

Sonhar, mas pôr as barbas de molho:: Carlos Lessa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ano Novo, novo presidente, novo Congresso e é uma contramão afetiva violenta fazer prognósticos sobre a conjuntura econômica mundial, bem como explicitar dúvidas essenciais em relação à provável política econômica brasileira.

Quero sonhar com a potencialidade da civilização brasileira, que tem como ponto de partida um povão admirável, sem arrogância, aberto a novidades e extremamente criativo e cordial.

Creio que a mão de Deus nos deu a Amazônia verde, cujo potencial desconhecemos, mas que nos permite sonhar com importantes descobertas. A verdade é que a mão de Deus também nos deu o pré-sal (uma suspeita antiga da geologia brasileira) e uma capacidade tecnológica nacional que dominou a técnica de prospecção em águas profundas e abaixo de uma capa de muitos quilômetros de sal. As perfurações já feitas dobraram as reservas de petróleo brasileiro. É plausível encontrar muito mais petróleo pois a formação geológica submarina se estende do Espírito Santo até Santa Catarina (inclusive). Grosseiramente, é um retângulo com 800 quilômetros de extensão, 200 quilômetros de largura, afastado da costa brasileira. Não sei em que estágio se encontra, mas posso afirmar estar em curso um ambicioso projeto tecnológico para superar as plataformas de operação e instalar um sistema robotizado e interligado, que racionalizará e reduzirá custos de extração.

Há quem diga que o pré-sal, tranquilamente, ampliará as reservas brasileiras entre 40 a 70 bilhões de barris de óleo de ótima qualidade. Alguém mais exagerado fala de 100 bilhões ou mais, o que converteria o Brasil em terceira maior reserva petrolífera do mundo.

Esta é uma situação potencialmente admirável, pois será possível multiplicar a energia à disposição dos brasileiros; hoje, o brasileiro utiliza por ano menos que o cidadão do mundo. Como temos uma enorme potencialidade hidrelétrica, devemos afastar o cálice de termeletricidade movida a derivados de petróleo. Aliás, existem três perigos em uma grande riqueza energética:

a) Adição em consumo de petróleo (vício americano). No Brasil, temos adição a diesel pela utilização excessiva do transporte rodoviário. Em 2010, a produção de veículos a motor cresceu 11% e a circulação urbana e metropolitana caminha para o colapso. Não tenho dúvida de que haverá tendência a subsidiar o comprador de veículo, já altamente endividado, principalmente se for política ampliar a produção automobilística;

b) Valorização da moeda nacional (o real), tornando vantajosa toda e qualquer importação. Os europeus denominaram essa "doença" de holandesa, pois aquele país transferiu suas unidades industriais para o exterior e desmantelou sua produção agropecuária. Quando acabou seu gás do Mar do Norte, viveu uma crise devastadora.

c) O país, objeto de desejo pelas potências, está no quintal da maior de todas, bebedora frenética de petróleo. Dadas as tendências mundiais de evolução do consumo de petróleo e tamanho das reservas, já está sinalizada uma era de produção de baixo consumo de carbono. Novas tecnologias energéticas estão em pesquisa, entretanto vivemos a sociedade do desperdício, onde há uma pedagogia diuturna para criar um consumidor compulsivo da nova coisa, da nova cor, do novo formato etc. Alguém já disse que o shopping é uma escola de consumidores irracionais, lugar sem paisagem, sem orientação espaço-temporal, luz controlada e, em alguns, como nos cassinos - reforço de oxigênio.

A vitória da vida curta é a bijuteria acabando com a joia, a caneta, o relógio, o isqueiro descartáveis. É meritório todo esforço de reciclagem, porém sem a adoção de uma tecnologia que aumente a vida útil do objeto e de uma psicologia social que elimine o prazer de estraçalhar embalagens, não há petróleo para segurar esse mundo.

Nada é mais importante para qualquer potência do que garantir suprimento de petróleo. O Brasil tem que botar suas barbas de molho. É um erro estratégico o país se converter em exportador de óleo cru; é escancarar as portas para as potências. Nossa entidade estratégica é a Petrobras. Há uma intensa relação afetiva entre o brasileiro e a sua empresa, porém a Petrobras é vulnerável. Acidentes em campos de petróleo submarino são terríveis, haja vista o que está ocorrendo no Atlântico Norte; o pré-sal é lindeiro das duas maiores concentrações demográficas do Brasil. A Petrobras não noticia suas medidas de precaução; creio que a Aepet e o Sindipetro deveriam ser os fiscais dessas medidas e toda constatação de falha deveria ter prioridade nacional.

Detesto visões conspiratórias, mas acidentes casuais podem ser simulados e realizados com o propósito de desmoralizar a política de petróleo do Brasil. Imaginem o horror de Copacabana ou Guarujá recebendo em suas praias cutículas de petróleo e cadáveres de peixes e aves marinhas; imaginem uma chaminé alimentada pelo incêndio de óleo do pré-sal. A pesquisa brasileira de mísseis ficou prejudicada com o morticínio da pequena equipe de especialistas em Alcântara. Foi um acidente?

A melhor solução é intensificar o patrulhamento militar da área. A Marinha tem que dispor de todos os meios; as rotas que tangenciam o pré-sal tem que ser patrulhadas com radares de altíssima precisão, embarcações rápidas com capacidade de defesa, helicópteros navais. As dotações militares tem que ser multiplicadas e espero que já estejam concluídos os estudos e projetos necessários para essa multiplicação.

Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES e escreve toda 2ª quarta-feira do mês.

Um "novo consenso" na economia?:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mudou o Natal ou mudamos nós? O leitor, que é perspicaz, terá notado que com frequência cada vez maior o(s) governo(s) do Partido dos Trabalhadores vêm adotando medidas de intervenção no mercado financeiro e de câmbio que, não faz três anos, causavam alergias, irritações e faniquitos abertos na praça do mercado.

Agora, ainda é comum ver o pessoal da finança fazer muxoxos, dar risinhos de desprezo ou lançar um ar de preocupação superior mas contida diante de iniciativas federais relativas ao câmbio, por exemplo. Mas quase ninguém fala de fim de mundo ou de "deterioração terminal" da política econômica.

Em menos de 15 dias de governo, os economistas de Dilma Rousseff baixaram uma limitação aos negócios de bancos no mercado futuro de câmbio e se autorizaram a intervir nesse mesmo mercado via Fundo Soberano, as "reservas nacionais" inventadas pelo Ministério da Fazenda. Tais novidades vão estar em vigor ou ter influência prática mesmo só lá por abril, se é que vão alterar o caminho do câmbio.

De qualquer modo, o leite, por assim dizer, já está derramado.

Antigamente, o caldo logo começaria a entornar, na reação do mercado ou na reação política da finança. Qual a diferença?

Primeiro, muita gente está ganhando muito dinheiro. Logo, alterações no mercado de câmbio, que de resto e imediatamente afetam pouca gente, não comovem oposições.

Segundo, até em bancos há gente graúda preocupada com a trajetória do real, sua "excessiva" valorização. Tais executivos obviamente não chegam a aplaudir as medidas do governo; outros não sabem muito bem o que pode ser feito para mexer no câmbio além de um ajuste fiscal. Mas o pessoal da direção de alguns bancos não despreza as preocupações dos economistas de Lula, apesar do que dizem os economistas desses mesmos bancos.

Terceiro, o mundo inteiro está "mexendo no câmbio". Até o exemplar Chile, primeiro aluno da classe da escolinha liberal, tem se ocupado do assunto. Mas a preocupação com o valor e a flutuação lunática das moedas é agora quase universal. Na Ásia, "intervenção cambial", "administrativa" ou de qualquer espécie já era carne de vaca -ou, melhor dizendo, carne de porco.

Ao mesmo tempo, o pessoal da Fazenda não se cansa de alardear que adotará medidas mais "ortodoxas", como conter os gastos do governo federal, que se tornaram meio desordenados de 2008 para cá. Com isso, na verdade, pretende apenas evitar uma alta de juros maior.

Não há ou ainda nem se vislumbra um projeto fiscal de médio prazo, bem pensado, com objetivos de limitação permanente de gastos correntes, com um plano para o INSS, um projeto de redução da dívida e, no fim do caminho, um plano de redução ou racionalização de impostos.

Curioso agora será, pois, checar se esse novo à vontade com medidas mais heterodoxas (com intervenções no mercado) vai se estender a ainda outras áreas da política econômica. É o que tem acontecido, de modo meio acidental, desde 2008, quando a crise exigiu medidas excepcionais e, ainda, desmoralizou parte da pregação dos ditos "ortodoxos" -ou, melhor dizendo, a ideologia mercadista que passava por economia estabelecida.

Vai haver um "novo consenso" de política econômica? Mais importante, vai funcionar?

Muito além do Orçamento:: Rolf Kuntz

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se é despesa criada por emenda, quase certamente não presta. Pode haver algum exagero nessa afirmação, mas o risco de erro será pequeno se o governo podar todo gasto originário de emenda à proposta de lei orçamentária. A verba para o Ministério do Esporte, por exemplo, passou de R$ 1,29 bilhão para R$ 2,46 bilhões, na tramitação do projeto, com variação de 90,7%. O dinheiro previsto para o Ministério do Turismo foi multiplicado por quatro, de R$ 862,92 milhões para R$ 3,65 bilhões. Parte desse aumento, cerca de meio bilhão, foi tirada de programas de saneamento, urbanização de favelas, segurança do espaço, escolas e combate ao trabalho infantil, segundo levantamento da organização Contas Abertas. Se aqueles programas forem recompostos, ainda sobrará muita despesa para ser eliminada. Muito dinheiro foi remanejado no Congresso e mais uma vez houve a farra das verbas para "entidades sem fins lucrativos".

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o tamanho do corte será estudado nas próximas semanas. A lei do Orçamento nem foi sancionada e, por enquanto, os ministérios poderão gastar uma pequena parcela de suas verbas. A limitação é exigida por lei, mas o bloqueio é mais severo que o habitual: o teto foi fixado em 1/18 e não em 1/12.

Se o governo estiver disposto a cuidar do assunto seriamente, deverá enfrentar dois problemas: ajustar o orçamento à meta fiscal estabelecida para o ano e, além disso, iniciar a mudança do padrão da despesa. A presidente Dilma Rousseff mencionou mais de uma vez a intenção de cuidar da qualidade do gasto. É tarefa para todo o mandato.

As emendas apresentadas tradicionalmente pelos congressistas são um bom e fácil exemplo de como se desperdiça dinheiro federal. O desperdício pode ocorrer mesmo quando a verba é destinada a uma obra útil, mas de caráter tipicamente municipal ou estadual. Durante oito anos, o governo petista proclamou a reabilitação do planejamento, mas nunca foi além do discurso. Muito desperdício continuou, tanto no custeio pouco produtivo quanto no investimento mal concebido e mal administrado.

No setor público, o esforço de fiscalização tem dependido quase exclusivamente da Controladoria-Geral e do Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU tem ido além da verificação contábil e discutido a qualidade do trabalho gerencial. Fora do governo, só uma entidade, a organização Contas Abertas, acompanha de forma competente e sistemática as finanças federais.

Mas a prometida melhora do gasto exigirá uma severa revisão de cada programa. Desperdício e ineficiência vão muito além das emendas, como já mostrou o TCU ao criticar, por exemplo, os projetos do PAC.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acaba de dar uma boa contribuição ao debate - melhor, provavelmente, do que pretendia. A entidade propôs ao governo o corte de R$ 40 bilhões dos gastos orçados para 2011, mas defendeu a preservação de vários programas e projetos. À lista, no entanto, vale também um exame crítico.

Alguém sabe, por exemplo, como tem funcionado o programa de "subvenção à remuneração de pesquisadores empregados em atividades de inovação tecnológica em empresas"? Produziu algum resultado? É mesmo justificável? Quais as diferenças entre os programas de "subvenção econômica a projetos de desenvolvimento tecnológico", de "apoio ao desenvolvimento da tecnologia industrial básica para a inovação e a competitividade", de "fomento a projetos de capacitação tecnológica e de inovação das empresas" e de "fomento a projetos de fortalecimento da capacidade científica e tecnológica"?

Esses e outros itens da política tecnológica, com verbas previstas de R$ 1,1 bilhão, constam da relação de prioridades da CNI. A lista completa inclui investimentos em transporte, energia, habitação, saneamento e modernização industrial e comercial.

Um ajuste fiscal de efeito duradouro envolverá um esforço de vários anos. Dependerá de uma revisão ampla de programas, de formas de trabalho e de critérios. O atual governo suportará os efeitos de erros cometidos nos últimos oito anos, como o excesso de contratações, o enrijecimento das contas públicas, a relação promíscua entre o Tesouro e os bancos estatais e o apoio arbitrário a certos grupos econômicos. Terá de enfrentar pesados compromissos assumidos de forma talvez precipitada, como a realização da Copa do Mundo em 2014. Tudo isso limitará sua liberdade, mas poderá ser, ao mesmo tempo, um estímulo a mais para uma gestão mais calculada, menos paternalista e menos voluntarista.

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Quem são os “Amigos do Povo” dos Cariocas?:: Vagner Gomes de Souza*

Há um clima de euforia no Município do Rio de Janeiro como parte integrante do processo político de expansão do capitalismo sob a condução do Governo Federal. A aliança entre as forças locais do PMDB e o núcleo do governismo expresso no PT somados aos partidos do chamado “Bloquinho” (PSB/PCdoB/PDT/PRB) reforça uma falsa ilusão de que tudo estaria muito bem na prática das políticas públicas.

A campanha eleitoral no Estado do Rio de Janeiro foi nacionalizada. Portanto, os resultados adversos acompanharam a redução do espaço político da Oposição no quadro nacional. Os partidos oposicionistas pró-Serra (PSDB/DEM/PPS) reduziram suas bancadas para Deputado Federal e não conseguimos reforçar a campanha eleitoral majoritária, pois a aliança PMDB e PT e outros partidos à direita e à esquerda compuseram uma ampla aliança que dificultou nossa intervenção política.

O município do Rio de Janeiro foi o “microcosmo” desse quadro nacional/estadual. As eleições ao Senado nacionalizadas isolaram nossa alternativa política em torno da candidatura de Marcelo Cerqueira e acompanhamos a quarta colocação da candidatura do DEM. Não conseguimos levar as eleições estaduais para o Segundo Turno uma vez que, diferentemente de 2008, os partidos do chamado “bloquinho” (PDT/PRB/PCdoB) e o PT não lançaram candidaturas próprias.

Além disso, a expectativas da burguesia com a realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 fortalecem a tendência ao continuísmo desse processo de modernização conservadora que testemunhamos na política fluminense. Uma ampla aliança que promove políticas sociais com o uso, em alguns momentos de parte do programa da “centro-esquerda”, mas sem produzir uma administração municipal de reformismo democrático pois há os “velhos compromissos” com grupos políticos do clientelismo que “feudalizaram” a política municipal.

No município do Rio de Janeiro vivemos os desvios do “lulismo” sob a condução de um PMDB semelhante aos tempos do “Amaralismo” emedebista no interior em tempos de ditadura militar. Devemos registrar que a Esquerda carioca sempre soube conviver com os setores políticos da sociedade com práticas políticas do “bairrismo” e do “clientelismo” em tempos que a conjuntura nacional justificava essa postura (luta por uma ampla frente contra a repressão militar). Não fomos sectários com o diálogo com os chaguistas nos marcos de uma política nacional. Hoje, até provem em contrário, o PMDB fluminense/carioca faz parte da “base governista” federal.

Vitória política do Governo não significa em imediata aprovação da política da continuidade.

Não foram eles que ganharam, mas nós que não soubemos expor uma política de Oposição com condições de vencer. “Não basta haver crise política. Devemos saber apresentar alternativas para ganhar confiança na sociedade que saberemos superá-las”. Faltou isso na política nacional e muito ainda na política estadual. Devemos deixar claro essa lição política na política municipal.

O novo Governo Federal deverá se libertar do “fantasma do passado” do lulismo ou perecerá em diversas contradições até as eleições municipais de 2012. Nossa política de oposição deve acompanhar e organizar a sociedade para essas possibilidades, pois a Política, com P maiúsculo, volta a ocupar a cena após 16 anos de economicismo do equilíbrio monetário. O Rio de Janeiro, particularmente a Capital, vai acompanhar esse processo de reintegração da política o que impõe uma clareza das forças políticas da “centro-esquerda” em não conviver com as forças políticas que fazem parte da “base governista”.

Devemos reaparecer ao eleitorado fluminense como alternativa viável de “centro-esquerda” ocupando o espaço eleitoral deixado pelo PT e pelos partidos do “Bloquinho”. As correntes de “Centro-esquerda” no Rio de Janeiro sempre tiveram uma base eleitoral de 20-25% da sociedade.

Vivemos um vazio de formulação de política para esse segmento social que em seguidas eleições se manifesta com a concentração de seus votos numa figura política do campo “ético” sem ampliar sua organicidade. Nesse sentido, fazer política no Município do Rio de Janeiro deve levar em consideração a esse influente segmento social à esquerda do “adesismo político” empreendido pelo PT e “Bloquinho”.

Assim, a “centro-esquerda” carioca presente em setores do PSDB e do PDT, no PV e no PPS poderá se firmar com a formulação de política que lutem pela radicalização democrática das políticas sociais do Município.

[*] Suplente do Conselho de Ética do Diretório Municipal PPS-RJ. Militante sindical na Rede Pública de Ensino do Rio de Janeiro.

Centrais pressionam por R$ 580

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Diante da indecisão governista, sindicatos se unem e pedem reajuste R$ 40 acima do previsto no Orçamento para o salário mínimo

Ivan Iunes
De olho na fissura aberta no governo federal pelo reajuste do salário mínimo, as centrais sindicais decidiram encorpar a pressão contra o aumento sugerido pelo Palácio do Planalto. Representantes de seis entidades assinaram ontem um manifesto pedindo que o novo valor seja fixado em R$ 580. Eles ainda solicitaram uma reunião com a presidente, Dilma Rousseff. Para tentar esvaziar o movimento, o Palácio do Planalto trabalha para pacificar o PMDB — que engrossava o coro por um salário superior aos R$ 540 sugeridos pela equipe econômica. Em outra frente, corre para desautorizar a fala do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, para quem a decisão sobre o valor deveria ser do Congresso Nacional.

As centrais sindicais CUT, Força Sindical, CTB, CGTB, NCST e UGT pretendem pressionar o governo federal com manifestações na Avenida Paulista, a principal de São Paulo, e em outras capitais.

Além do salário mínimo

R$ 40 superior ao proposto pela equipe econômica, as entidades ampliaram consideravelmente o valor da pedida. As entidades pretendem aprovar o aumento do benefício dos aposentados que ganham acima do mínimo com o repasse de 80% do índice do reajuste a ser concedido para o salário-base da economia. Além disso, também está na pauta de reivindicações a correção da tabela do Imposto de Renda que cubra os 6,47% da inflação registrada em 2010.

No manifesto assinado ontem, as centrais pedem que os compromissos eleitorais sejam cumpridos. “A mobilização unitária das centrais ajudará a abrir as negociações com o governo, a fim de assegurarmos que os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral sejam plenamente materializados e o país reafirme a sua opção desenvolvimentista, com justiça social e distribuição de renda”, diz a nota. O coro feito pelos sindicalistas ganhou mais peso com a postura de setores do governo. Na própria Esplanada, ainda não há sinal de consenso para o reajuste do salário mínimo. Diferentes ministros defendem pelo menos três cifras distintas: R$ 540, R$ 550 e R$ 560.

Unidade

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a garantir na semana passada que qualquer valor superior ao apresentado pela equipe econômica seria vetado.

Acabou confrontado por Lupi, que atribuiu a decisão final sobre o debate ao Congresso. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), tentou conter o princípio de rebelião na base governista, garantindo aprovar o valor final definido pelo Planalto. “Trabalharemos para aprovar a proposta enviada ao Congresso pelo Palácio do Planalto. Nenhum ministro pode querer se sobrepor ao fato de o governo constituir uma unidade”, avisou Vaccarezza.

Dentro do próprio governo e na base aliada, no entanto, já existe pressão para que o valor fique em R$ 550, cifra que pacificaria o PMDB, PDT e não soaria como derrota às centrais sindicais.

Evitaria ainda uma medida impopular do Palácio do Planalto no primeiro ano de governo — que seria vetar um aumento excessivo concedido pelos congressistas. A medida provisória que estabeleceu o novo valor do mínimo só deve ser votada em plenário a partir de março, quando começa a trancar a pauta na Câmara e no Senado.

Muitos valores, pouco consenso

R$ 540

A medida provisória enviada originalmente pelo governo contém o valor, que está abaixo da própria inflação do ano passado.

R$ 543

Corrigido pelo índice de inflação de 2010, que foi 0,5% acima da previsão do Planejamento, o valor do mínimo deveria sofrer o reajuste de pelo menos R$ 3. O governo admite que é a cifra mínima a ser aprovada.

R$ 550

Diante da forte pressão da base aliada, principalmente PMDB e PDT, e com a eleição para a Presidência da Câmara no horizonte, condutores da economia e políticos ligados ao Planalto estudam elevar o valor para o novo patamar.

R$ 560

A cifra tem sido defendida pelo PMDB, que busca com a pressão aumentar o cacife na distribuição de cargos da Esplanada. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, também já defendeu publicamente o valor.

R$ 580

O valor reivindicado pelas centrais sindicais ignora acordo fechado com o próprio governo, de que o aumento seria balizado pela inflação mais o crescimento da economia no ano anterior — em 2009 ela encolheu. Para defender o valor, os sindicalistas alegam que o governo poderia utilizar o índice de avanço do PIB registrado em 2010, que foi de 7%.

Dilma autoriza PMDB a negociar cargos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Leonencio Nossa, Denise Madueño e João Domingos

Um dia depois de ignorar a pressão do PMDB e se recusar a ceder uma cadeira ao partido no seu núcleo político além da já ocupada pelo vice-presidente Michel Temer, a presidente Dilma Rousseff decidiu fazer um agrado aos peemedebistas, iniciando um processo de paz com o parceiro.

Por intermédio do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, Dilma autorizou o PMDB a negociar diretamente com os petistas os cargos que desejam manter nos ministérios tocados pelo PT e que eles consideram ser vitais para a máquina partidária. É o caso, por exemplo, da presidência da Funasa, que tem orçamento de R$ 5 bilhões. O PMDB luta para impedir a demissão de Faustino Lins, indicado pelo líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Em compensação, o PMDB comprometeu-se com Palocci a apoiar a candidatura de Marco Maia (PT-RS) à presidência da Câmara, além de não formalizar um bloco parlamentar com o PP, PR, PTB e PSC, que teria 202 deputados e condições de dominar os principais cargos na Casa.

Logo pela manhã, Palocci convocou para uma conversa o vice Michel Temer e o líder Henrique Eduardo Alves. Falou-lhes que ao governo não interessava a briga entre o PT e o PMDB por cargos de segundo escalão, que o desgaste político é certo e que todos sairiam perdendo. Os peemedebistas queixaram-se do avanço do PT sobre os cargos do PMDB. Palocci respondeu que eles estavam autorizados a negociar diretamente com os ministros a manutenção dos cargos dos afilhados.

À tarde, Temer foi à casa de Marco Maia anunciar o apoio do PMDB à candidatura dele à presidência da Câmara. PT e PMDB têm um acordo de rodízio no comando da Câmara. Em 2013, caberá ao partido de Temer eleger o novo presidente. O candidato é Henrique Alves.

Pente-fino. Na reunião de ontem, peemedebistas e petistas fizeram uma checagem de nome por nome da bancada peemedebista para identificar possíveis dissidentes na eleição para a Câmara no dia 1.º de fevereiro. Também montaram uma agenda de reuniões de Maia com deputados nos Estados.

As primeiras serão no Paraná e em Santa Catarina, Estados governados por partidos de oposição, PSDB e DEM, na próxima quinta-feira.

Na segunda-feira, também a pedido de Palocci, Temer havia conversado com o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele e Henrique Alves vinham verbalizando o descontentamento do PMDB. Cunha chegou a anunciar que apresentaria uma emenda à medida provisória do salário mínimo para aumentá-lo de R$ 540 para R$ 560.

Na tarde de ontem, Henrique Alves procurou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para falar da importância da Funasa para o PMDB. Os dois haviam trocado xingamentos pelo telefone por causa dessa questão. Padilha comprometeu-se a segurar a nomeação do novo presidente da Funasa e a manter as negociações.

PMDB e PT acertam como dividir os cargos

DEU EM O GLOBO

Dilma pede fim da briga pública entre os dois partidos, mas disputa por postos continua, agora com "regras"

Gerson Camarotti e Isabel Braga

BRASÍLIA. Depois de uma semana de intenso tiroteio entre integrantes do PT e do PMDB, ontem foi fechado um acordo no Palácio do Planalto para esvaziar a crise entre os dois partidos. Numa reunião no gabinete do vice-presidente Michel Temer, os ministros Antonio Palocci (Casa Civil) e Luiz Sérgio (Relações Institucionais) e o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), acertaram regras e procedimentos para o preenchimento dos cargos de segundo escalão: as mudanças deverão ser negociadas entre os dois partidos.

Isso significa, na prática, que substituição de postos estratégicos ocupados pelo PMDB terá que ser compensada por outro cargo equivalente em outro ministério o estatal. A regra valeria para cargos do PT. O acordo surgiu após presidente Dilma Rousseff determinar que a crise entre os partidos fosse estancada.

Como parte do acordo, o líder do PMDB encontrou-se com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para tentar um acordo sobre o comando da Funasa. Padilha havia anunciado que mudaria o controle e chegou a ter um bate-boca com Henrique.

- Fui convidado para um encontro com o ministro Padilha. É importante reestabelecer essa relação. Até porque antes desse episódio (da Funasa), ele sempre foi nosso parceiro. Agora, não vou ficar calado em relação ao espaço do PMDB. Sempre vou reivindicar - disse Henrique.

Após a reunião no Planalto e antes do encontro de Henrique com Padilha, outro esforço para consolidar a parceria entre PT e PMDB: um almoço no qual foi reafirmado o acordo para a reeleição do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). De novo, com a presença de Temer. Segundo o futuro líder do PT, Paulo Teixeira (SP), o clima é de paz:

- Hoje foi selada a paz para a eleição de Marco Maia. O tema do almoço foi o engajamento total do PMDB na campanha.

- Há um acordo e vamos cumprir. É natural (que haja insatisfações e problemas na ocupação dos cargos), mas nada que seja irreversível - afirmou Henrique.

- Fazemos parte do mesmo governo. Temos que nos acertar, para a família não ficar em crise - completou o deputado Odair Cunha (PT-MG).

Segundo relatos, na reunião que ocorreu de manhã no Planalto, o ministro Palocci afirmou que o "PMDB não é apenas aliado, mas o próprio governo". E que, dentro dessa lógica, não seria mais possível "deixar as coisas se perderem no meio do caminho" sem uma solução. Por isso, ficou acertado que todos os impasses nas negociações para o segundo escalão seriam levados ao Planalto.

PTB cobra negociação de cargos para segundo escalão

Mas, ontem, o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), cobrou uma reunião com os ministros Antonio Palocci e Luiz Sérgio para negociar os cargos de segundo escalão.

- Esperamos ser convidados para participar do segundo escalão. Não podíamos cobrar ministérios porque oficialmente o partido apoiou Serra. Mas no Congresso, o PTB sempre contribuiu com o governo Lula.

Mais tarde, por meio de nota, o líder do PTB ameaçou os petistas, afirmando que se não forem respeitados os espaços que a legenda ocupa hoje na Mesa da Câmara (a 4ª Secretaria e a presidência da Comissão do Trabalho), o partido lançará Silvio Costa (PTB-PE) como candidato à presidência da Casa.

- Natural que numa base ampla tenhamos dificuldades. Mas não há guerra, nem crise. Há apenas um ruído, um calor - minimiza o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Regra para os cargos


Dilma determina silêncio

DEU EM O GLOBO

Decisão foi tomada após Lupi discordar de Mantega

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A decisão do governo de reajustar o salário mínimo para R$540 - sem repassar integralmente aos trabalhadores as perdas da inflação de 2010 medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) - tem causado um desencontro entre ministros. Enquanto Guido Mantega (Fazenda) afirma que qualquer valor acima do fixado em medida provisória será vetado, Carlos Lupi (Trabalho), Garibaldi Alves (Previdência) e seus partidos, PDT e PMDB, defendem um valor maior. A presidente Dilma Rousseff não gostou das divergências públicas e mandou ontem que seus ministros evitem dar opinião sobre o assunto.

Até a declaração de Mantega, dada semana passada, de que um valor superior a R$540 seria vetado, desagradou à presidente. Mantega foi longe demais ao ameaçar o Congresso com o veto, segundo a avaliação do Planalto. Apesar do discurso duro de Mantega, nos bastidores, os técnicos da área econômica admitem que o valor terá que ser corrigido. O INPC de 2011, utilizado para aumentar o mínimo de R$510 para R$540, foi de 5,88%. No entanto, o índice fechou o ano acima desse patamar: 6,47%. Por esse critério, o salário teria que ficar em R$543.

Quatro dias depois da MP do mínimo, o governo concedeu o INPC cheio, de 6,47%, para o reajuste dos aposentados que ganham acima do piso previdenciário. Para muitos, esse "descuido" na virada de governo foi um erro político que está custando caro.

- O Mantega está fazendo seu papel de jogar duro. Mas não tem o que discutir. O governo vai ter que corrigir mais - disse um técnico, lembrando que, para facilitar saques em caixas bancários e agradar as centrais sindicais, o valor poderá ser maior: - Se vai dar um pouco mais ao trabalhador, pode chegar a R$550.

Como O GLOBO mostrou semana passada, o governo adotava o teto de R$550 já em setembro, quando começaram as negociações sobre o Orçamento da União para 2011. A ideia política era chegar a esse valor na votação do Orçamento, mas a proposta foi vetada pela equipe da presidente Dilma com o discurso se que era preciso mostrar rigor fiscal.

O técnico do governo lembrou ontem que, embora as centrais não concordem, voltou a ser considerada a hipótese de negociar uma antecipação para este ano dos ganhos do salário mínimo em 2012. Além de incluir o INPC, a fórmula de cálculo do reajuste do mínimo considera o crescimento econômico de dois anos anteriores. O PIB de 2009, que seria aplicado agora, foi negativo. Mas em 2012 será aplicado o PIB de 2010, que deve fechar em quase 8%.

Há ainda um outro problema: os R$540 já começaram a valer e como fazer com pagamentos retroativos se o valor mudar?

Ontem, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, já rejeitou os R$550, brincando:
- Não aceitamos R$550, isso não dá nem para beber uma cachaça.

Tradicional defensor dos aposentados, o senador petista Paulo Paim (PT-RS) engrossou o coro:

- Vamos ter de garantir algo maior do que os R$540. Como R$580 é impossível, temos que ver se há um meio termo, quem sabe R$560.

As seis principais centrais sindicais do país vão pedir uma audiência à presidente Dilma esta semana para negociar as três reivindicações que consideram fundamentais para os trabalhadores. Os sindicalistas querem negociar pessoalmente com a presidente, conforme decisão conjunta das entidades tomada ontem, o novo valor do mínimo, a correção da tabela do Imposto de Renda e o reajuste dos aposentados.

A mobilização de CUT, Força Sindical, UGT, Nova Central, CTB e CGTB inclui uma manifestação na próxima terça-feira em São Paulo, na Avenida Paulista, e em várias capitais do país. Os trabalhadores não abrem mão do salário mínimo de R$580 e um reajuste de 80% do valor da remuneração conquistada para os aposentados que ganham acima do mínimo. Eles querem ainda a correção da tabela do Imposto de Renda que cubra os 6,47% da inflação oficial de 2010.

Parlamento italiano congela acordo com Brasil

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Após extradição de Battisti ser negada, deputados atrasam projeto de US$ 3 bilhões com Marinha; cotado para o STF, Adams apoia decisão de Lula

Andrei Netto

A conferência de líderes partidários da Câmara de Deputados da Itália adiou a votação do acordo militar já assinado com o Brasil para o reaparelhamento da Marinha. A decisão foi tomada a partir da proposta de Fiamma Nirenstein, deputada do partido Povo da Liberdade (PDL), da base de sustentação de Silvio Berlusconi, e é encarada como um ato de retaliação à decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti.

A deliberação ocorreu ontem, em Roma, e já era esperada por analistas políticos e pela imprensa italiana. O aval da Câmara dos Deputados é o último passo para a ratificação do acordo bilateral entre Brasil e Itália, que prevê o desenvolvimento, a construção e a venda de navios e fragatas à Marinha brasileira. O valor do acordo é estimado em US$ 3 bilhões. O projeto já foi assinado pelos ministros da Defesa da Itália, Ignazio La Russa, e do Brasil, Nelson Jobim, e já foi homologado pelo Senado italiano.

Chamado de "pausa para reflexão" por Fiamma Nirenstein, o "congelamento" implica o retorno do texto às comissões setoriais da câmara para nova análise. A decisão é válida por tempo indeterminado. Mas, segundo o ministro adjunto de Relações Exteriores da Itália, o Tratado Itália-Brasil não será abandonado. "O acordo não foi cancelado, mas adiado e nós esperamos do Brasil sinais positivos que essa decisão possa encorajar."

No meio político italiano, a não extradição de Battisti continua repercutindo. No dia 18, a Câmara vai apreciar uma moção de protesto contra a decisão do governo brasileiro sobre o caso. Na segunda-feira, o chanceler italiano, Franco Frattini, voltou a pedir à União Europeia que reaja à decisão do ex-presidente brasileiro. Na semana passada, a Comissão Europeia afirmou que não interviria no tema porque questões de extradição não são de sua jurisprudência.

Soberania. Cotado para a vaga de Eros Grau no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, afirmou ontem que a decisão de negar a extradição do ex-ativista italiano e mantê-lo no País como imigrante foi um ato soberano do governo brasileiro, tomado com base na lei e no tratado entre os dois países. Ele acredita que o STF manterá a decisão de Lula.

"A decisão está tomada e cabe ao STF dar sequência", afirmou Adams, após audiência com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Parte da agenda foi dedicada aos desdobramentos do caso e às reações do governo italiano, que ameaça recorrer à Corte Internacional de Haia.

Os dois ministros não acreditam que as boas relações entre Itália e Brasil sejam afetadas. O governo, segundo Adams, está convicto de que o STF manterá a decisão anunciada por Lula em 31 de dezembro. "O governo espera com tranquilidade, mas eu não tenho dúvida de que a decisão presidencial será mantida (pelo STF) e ele (Battisti) será solto imediatamente", previu o advogado-geral da União.

Colaborou Vannildo Mendes

Battisti enganou todos, afirma acusador

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pietro Mutti diz que ex-terrorista foi o mais esperto e será o único a gozar a vida sem pagar por seus pecados

Fundador do PAC diz que Battisti sempre foi mais um "pequeno delinquente" do que um militante político


Giacomo Amadori - revista "Panorama"

Se o caso Cesare Battisti tornou-se uma confusão internacional a culpa também cabe a Pietro Mutti, que 30 anos atrás chefiou o grupo que libertou o ex-terrorista do presídio de Frosinone.

Com Battisti fugiu também um jovem membro da Camorra: "Não nos surpreendemos: Cesare era e continuou sendo mais um pequeno delinquente do que um extremista político", afirma Mutti.

Mutti vive em Milão, cidade em que nasceu. Nos anos 70, como terrorista, praticou 45 roubos, matou um homem, depois passou a colaborar com a Justiça e cumpriu oito anos de prisão. Ex-operário da Alfa Romeo, em 1977 fundou o PAC, ao qual Battisti aderiu: "Mas ele se juntou a nós mais para escapar de seus problemas com a lei do que por ideal político".

Panorama - O que acha da decisão do ex-presidente Lula de não extraditar Battisti?

Pietro Mutti - Acho que Battisti tem sido o mais inteligente de todos. Ele não era um personagem do nível do Renato Curcio, nem do Valerio Morucci, que se dissociou do terrorismo para sair "limpo" e hoje é bem-sucedido. Mas Cesare, ao contrário, conseguiu fugir. Enganou todos e agora provavelmente vai curtir sua vida sem nunca ter pago por seus pecados.

O sr. é testemunha do assassinato do agente penitenciário Antonio Santoro por Battisti?

Sim, eu o vi, com meus olhos, matar naquela manhã em Udine. Battisti e Enrica Migliorati estavam abraçados como dois namorados na frente da casa de Santoro. Quando ele saiu, Battisti disparou por trás dele [três tiros]. Eu e outro amigo, Cláudio Lavazza, vimos tudo do carro onde os esperávamos. Não me lembro se virei minha cabeça ou se eu observei a cena pelo espelho retrovisor do nosso Simca 1300. Mas vi que foi ele que disparou.

O sr. tem certeza do que diz?

Não tenho nenhuma dúvida. Foi ele quem disparou.

O sr. diz que Battisti também matou Andrea Campagna.

Confirmo essas palavras. Ele mesmo me contou sobre a sua participação.

Battisti foi preso por causa de suas declarações. Mas, no Brasil, ele diz que o sr. mente.

Apesar de ele não ter sido condenado apenas por minhas afirmações, de qualquer forma foi acusado e julgado por magistrados que não creio terem se enganado devido a meu depoimento. Em todo caso, gostaria de ouvir com meus ouvidos Battisti me chamar de mentiroso.

Battisti chamou o sr. de "um carrasco, cujo falso testemunho custou-me uma sentença de prisão perpétua".

Sobre mim disseram coisas piores. Mas quando contei aos juízes a história do PAC, acusei a mim mesmo por atividades para as quais não havia evidência contra mim. Apenas disse a verdade, sem culpar inocentes.

Se o sr. encontrasse Battisti, o que perguntaria para ele?

Acho que fingiria que não o conheço. Não tenho mais nada a dizer a ele. Fechei as contas com o meu passado.

O que sente em relação a ele?

Amar, eu nunca o amei. Tínhamos temperamentos muito diferentes. Mas jamais o odiei. Hoje simplesmente eu não me importo com ele.

O que pensa ao vê-lo sorrindo no meio da polícia brasileira?

Vejo o Battisti de 30 anos atrás. Sempre foi um cara inteligente, arrogante. Quando vejo aquele sorriso, acho que foi o mais esperto de todos.

Mas foi também o mais cruel?

Éramos mais ou menos todos iguais. Pessoas determinadas. Digamos que ele não era santo, mas em matéria de crueldade não posso dar notas. Eu também atirei.

O sr. nunca sentiu remorso?

E como! Eu matei um policial por acidente. Por muitos anos acordava à noite pensando sobre ele e sua família. Também o pensamento dos companheiros que eu tinha "traído" com meu arrependimento abalou-me por longo tempo. Às vezes estes dois pesadelos se cruzavam. Mas hoje eu venci essa angústia.

E Battisti? O sr. acha que às vezes ele é assombrado pelos fantasmas do passado?

Se o conheço bem, não. Ele sempre correu atrás de seus interesses. Antes, depois e agora. Não o culpo. Ele deliberou se salvar e conseguiu.

"Panorama" é uma revista semanal de informação italiana. Pietro Mutti concedeu a entrevista em 3 de janeiro, em Milão.

Zimbo Trio, Danilo Brito - Lamento, Pixinguinha

O sertanejo falando:: João Cabral de Melo Neto

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glacê
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.