domingo, 25 de junho de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Grande política – pequena política)

“Grande política (alta política) — pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. Portanto, é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política (Giolitti, baixando o nível das lutas internas, fazia grande política; mas seus súcubos, objeto de grande política, faziam pequena política). Ao contrário, é coisa de diletantes pôr as questões de modo tal que cada elemento de pequena política deva necessariamente tornar-se questão de grande política, de reorganização radical do Estado. Os mesmos termos se apresentam na política internacional: 1) a grande política nas questões relacionadas com a estatura relativa de cada Estado nos confrontos recíprocos; 2) a pequena política nas questões diplomáticas que surgem no interior de um equilíbrio já constituído e que não tentam superar aquele equilíbrio para criar novas relações.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.3. p.21. Civilização Brasileira, 2007.

Almir Pazzianotto* - Sindicatos e partidos políticos

Correio Braziliense

Em História dos partidos políticos, Vamireh Chacon registra a ausência de partidos políticos na Terceira República, inaugurada com o golpe de 10/11/1937, encerrada em 29/10/1945, com a deposição de Getúlio Vargas. Dois golpes de Estado, sem mortes e sem sangue, demarcam um dos períodos mais agitados da história. Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930, após ser chefe do governo provisório (1930-1934) e eleito indiretamente pela Assembleia Constituinte de 1934, derruba o próprio governo, edita a Carta de 1937, assume o poder com a prerrogativa de legislar mediante decreto-lei, quatro deles presentes no arcabouço jurídico nacional.

Refiro-me ao Código Penal, de 1940; ao Código de Processo Penal, de 1941; à Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942 e à Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. É impossível afirmar qual o mais importante. Por seu lado, não há como deixar de reconhecer que, entre todos, a CLT foi a que maior repercussão alcançou pelos resultados produzidos na esfera social.

Merval Pereira - Busca de espaço

O Globo

O ex-presidente Bolsonaro, às vésperas de ser tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se denomina “líder da centro-direita”, tentando, na base da retórica, ampliar seu raio de ação que, na verdade, limita-se à “extrema-direita”. Os votos da centro-direita foram para ele em 2018, assim como iam para o PSDB anteriormente, sem que ele nada tivesse de semelhante com os candidatos tucanos que disputaram a presidência contra o PT. Simplesmente eram a opção do momento para tentar derrotar o petismo, deu certo com Bolsonaro, com Collor em 1989, quase deu certo com Aécio Neves contra Dilma.

Nas eleições de Fernando Henrique, a polarização entre PT e PSDB deu-se mais pelo Plano Real do que por questões ideológicas. Mas o eleitorado sempre foi o mesmo, conservador e de centro-direita. A centro-esquerda dividiu-se entre Lula e Fernando Henrique nas eleições seguintes, e em 2022 uniu-se em torno do PT para derrotar Bolsonaro. Muitos da centro-direita foram para esse lado, desmentindo o protagonismo que Bolsonaro pretende ter nessa faixa do eleitorado.

Eliane Cantanhêde - Rei morto, rei posto

O Estado de S. Paulo

Defesa tratou Bolsonaro só como menino mimado e birrento, mas ele é indefensável

Se a semana passada foi muito intensa em Brasília, a previsão é de calmaria nesta, com a rebelião na Rússia ocupando as manchetes, deputados e senadores nordestinos priorizando as festas juninas e nove ministros de Lula, uns tantos do Supremo, parlamentares e governadores num evento de Gilmar Mendes em Portugal. Mas... continuam o julgamento de Jair Bolsonaro no TSE, os bastidores da reforma ministerial e a guerra dos juros.

Com Arthur Lira fora, a Câmara congela, e a guerra dos juros é retórica. Logo, vamos a Bolsonaro: o primeiro dia do julgamento, 21/6, foi de todos contra um. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, o relator Benedito Gonçalves, o procurador eleitoral Paulo Gonet e, claro, o advogado do PDT (autor da ação), Walber Agra, com posições claras contra Bolsonaro. Do outro lado, o advogado dele, Tarcísio Vieira de Carvalho, confirmou o que já se sabia: seu cliente é indefensável.

Bernardo Mello Franco ´Dez mil dias no Supremo

O Globo

O Supremo Tribunal Federal reservou a sessão de 3 de agosto para dar posse a Cristiano Zanin. Pelas regras atuais, o novo ministro poderá exercer o cargo por mais de 27 anos. Ficará 9.966 dias na Corte — tempo o bastante para acompanhar sete mandatos presidenciais.

A indicação era tida como certa desde a vitória de Lula. O presidente chegou a dizer, num debate, que seria um retrocesso nomear um amigo ou companheiro para o Supremo. A frase não o impediu de recompensar o advogado que o ajudou a sair da cadeia.

Cabia ao Senado examinar se a escolha, além de contradizer o discurso de campanha, violou o princípio da impessoalidade. Mas a Casa preferiu receber o futuro ministro com os elogios e rapapés de praxe.

Luiz Carlos Azedo - Lula reposiciona política externa no eixo Ocidental

Correio Braziliense

O encontro de Lula com Macron coincidiu com a eclosão da crise militar russa, que influenciou o seu posicionamento na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à França, na qual se reaproximou do presidente francês, Emmanuel Macron, seu principal aliado na União Europeia, mudou o eixo da política externa, restabelecendo a centralidade do tema da sustentabilidade e da cooperação econômica, em vez de perseguir obsessivamente a condição de negociador da paz na Ucrânia. De certa forma, a reação negativa dos Estados Unidos e demais países europeus à aproximação excessiva com a Rússia e, agora, a crise militar enfrentada pelo presidente Putin, em decorrência da rebelião do Grupo Wagner, o exército mercenário que o líder russo financiou na Ucrânia, provocaram esse reposicionamento.

Bruno Boghossian - Direita, direita, negócios à parte

Folha de S. Paulo

Ninguém imagina que o centrão conservador vestirá camisa vermelha se receber o Ministério da Saúde

Políticos que faziam negócios com Jair Bolsonaro andam dizendo que o problema de Lula com o Congresso passa pela ideologia dos deputados e senadores. Pouco depois de entrar em conflito com o governo, Arthur Lira (PP) sentenciou que o Planalto precisa aprender a "conviver com quem pensa diferente".

Semanas mais tarde, dois presidentes de partidos seguiram a mesma linha. Marcos Pereira (Republicanos) afirmou que Lula tem que se acostumar com o fato de que "o Congresso é de centro-direita", e Ciro Nogueira (PP) declarou que a maioria dos parlamentares "não tem identificação nenhuma com o governo".

Celso Rocha de Barros - Detox do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Qualidade da direita pós-bolsonarista será proporcional à duração das sentenças às quais Jair e seus cúmplices diretos sejam condenados

Jair Bolsonaro deve ser declarado inelegível por ter reunido embaixadores do mundo todo e deixado claro que tentaria um golpe se perdesse a eleição presidencial de 2022.

Acho triste que Jair seja condenado pela única promessa que cumpriu, mas a vida é dura.

Com Bolsonaro fora de cena, surge a questão de quem o substituirá no comando da direita brasileira.

O ideal, é claro, seria vê-la de novo sob controle de seus membros moderados. Torço muito para que isso aconteça, mesmo já sabendo que mesmo os direitistas moderados também serão meus adversários. Afinal, se tudo der certo, disputaremos desarmados.

Muniz Sodré* - Odores nada republicanos

Folha de S. Paulo

Ativo na imprensa, Sérgio Porto investia contra o que chamava de Festival de Besteiras que Assola o País

Meio século atrás, Stanislaw Ponte Preta, heterônimo humorístico do escritor e jornalista Sérgio Porto, cunhou o neologismo "depufede", inicialmente em referência a um deputado federal que, para combater o comunismo no país, queria proibir a vodca. Nada muito estranho: era época da "Redentora", outra malícia sua para a ditadura militar. Muito ativo na imprensa carioca, ele investia contra o que chamava de "Febeapá", Festival de Besteiras que Assola o País.

A atualidade de Lalau, nome carinhoso do cronista, põe-se todo instante à prova na vida pública atual, onde a besteira, elevada ao zênite, corrói a civilidade institucional num verdadeiro culto à estupidez. Embora antenados a um determinado momento, seus ditos afiados guardam algo de intemporal, como as tiradas de Mark Twain. "Leitor, vamos supor que você fosse um idiota. E vamos supor que você fosse membro do Congresso. Mas estou me repetindo", boutade de Twain. "Depufede", agulhada de Stanislaw.

Elio Gaspari - Miep, a secretária que virou asteroide

O Globo

Disney produziu a série 'A small light', da secretária do comerciante judeu Otto Frank

A Disney produziu a série “A small light” (“Uma pequena luz”). É a história de Miep Gies, a secretária do comerciante judeu Otto Frank. Durante dois anos ela garantiu a sobrevivência da família de Frank, escondida no sótão do escritório, em Amsterdam. Em agosto de 1944, quando um policial austríaco (como ela) os descobriu, Miep conseguiu guardar o diário de Anne, a filha adolescente de Otto. A garota morreu em março de 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen, mas seu diário tornou-se uma referência para a história da perseguição aos judeus.

Miep levou uma vida discreta e morreu em 2010, aos 101 anos. Desde 2009, um asteroide que circula entre Marte e Júpiter leva o seu nome.

Miep foi um exemplo da banalidade do bem. Já o policial que prendeu os Frank foi protegido pela banalidade do mal e nunca foi responsabilizado pelo seu ato. Ele se chamava Karl Silberbauer. Tinha 22 anos e pertencia à tropa da SS. Depois da guerra foi incorporado à polícia da Alemanha.

Foi o jogo jogado. Afinal, Kurt Waldheim, um oficial do Exército alemão metido com atrocidades cometidas na Iugoslávia, acabou na Secretaria-Geral das Nações Unidas e elegeu-se presidente da Áustria em 1971. Wernher von Braun, que fabricava bombas para os alemães com mão de obra de um campo de concentração, foi um dos cérebros que levaram o primeiro homem à Lua.

Dorrit Harazim - As fronteiras que o Brasil precisa conquistar para formar uma sociedade

O Globo

Animalização e desumanização da pele negra — disso o país entende. Aqui o espetáculo é diário, mal chama a atenção

Mais uma semana de emoções compartilhadas. Desta vez, beirando as fronteiras da razão e da inovação. Mundo afora, quem desconhecia a diferença entre submarino e submersível, explosão e implosão, turismo extremo e risco calculado aprendeu o essencial com o sumiço da cápsula Titan nas profundezas do Atlântico. Nada a acrescentar aqui. Imaginar a agonia dos cinco tripulantes encapsulados até a morte é o bastante.

Foi na busca de obras de referência on-line sobre turismo extremo que acabei pousando, sem querer, em tema completamente alheio a arrojos marítimos. Coisas da internet — você nunca sabe onde vai parar. Valeu a pena — a Exposição Mundial sediada pela Bélgica quase 130 anos atrás tem mais a ver com o Brasil de hoje do que a malfadada expedição da empresa OceanGate. (Exceção feita à agência do ex-ministro bolsonarista de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, atual senador pelo PL, que anunciava pacotes aos destroços do Titanic até ocorrer a tragédia desta semana.)

Míriam Leitão - Crise dos juros é de difícil solução

O Globo

Banco Central considera que o antibiótico não debelou a infecção. Mas os números dizem o contrário

Há um potencial explosivo na tensão entre o governo e o Banco Central. Se diante da rigidez do BC, o presidente Lula propuser o fim da autonomia será um desastre para o próprio governo, porque haverá uma deterioração rápida das expectativas e uma piora na economia. O Senado que se colocava como um biombo para conter qualquer retrocesso nessa área, não tem mais tanta certeza. O ministro Fernando Haddad, que sempre evitou críticas à política monetária, teve que sair dessa posição, até porque o BC está errando mesmo.

Mas afinal o que quer o Banco Central? Ele tem o diagnóstico de que o antibiótico ainda não debelou a infecção. Baseado em quê não se sabe, porque os números não socorrem o Banco Central. Houve uma deflação de vários preços, tanto que o índice que mede a variação dos preços por atacado e de matérias-primas (IGP-M) mostra a maior queda da história, -6,72%. Há também uma desinflação em curso em outros bens e serviços. Que há menos risco no cenário brasileiro pode se ver, por exemplo, no CDS (Credit Default Swap). Estava em 265 pontos em 20 de março, caiu para 184 no dia anterior à reunião do Copom e na sexta estava em 177. Isso quer dizer que o seguro para empréstimo ao Brasil caiu mais de 80 pontos em três meses, ou seja, a percepção de risco melhorou.

Vinicius Torres Freire - A aberração dos juros no Brasil

Folha de S. Paulo

No início da década passada, taxas de crédito bancárias já foram maiores do que agora

É fácil entender a fúria quase geral contra a altura horrível das taxas de juros, agora associadas diretamente à política do Banco Central. No entanto, as taxas de linhas importantes de crédito bancário já estiveram em nível mais alto do que no arrocho de agora. É impossível medir o nível de fúria em relação a juros de outros anos. O que pode ter mudado?

A parte da renda mensal dedicada ao pagamento de empréstimos está no nível mais alto desde que o Banco Central publica esse indicador, março de 2005. Útil quanto possível, esse número tem suas insuficiências. É um agregado ou média: grosso modo, quanto dos rendimentos das famílias do país inteiro é dedicado a pagamentos de juros e principal de empréstimos, por mês. É fácil supor que deve haver gente com menos dívida e mais renda e vice-versa.

Além do mais, houve baixa grande das taxas de juros durante o colapso da Covid, tendência que vinha dos anos pós-Grande Recessão, de PIBinho e de inflação cadente. Por comparação a esse vale, a alta recente causa mais revolta; houve de resto uma onda de endividamento.

Rolf Kuntz - A estagnação veio antes dos juros

O Estado de S. Paulo

A economia brasileira se arrastou e a indústria regrediu com juros altos e baixos nos últimos dez anos

Roma é um excelente lugar para reclamar dos juros e acusar o presidente do Banco Central (BC) de jogar contra a economia brasileira. Paris, etapa seguinte da mesma viagem, também serviria, mas o assunto estava quentíssimo na quinta-feira. A dolorosa taxa de 13,75%, uma das mais altas do mundo, havia sido mantida no dia anterior pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Com mais uma visita à Europa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou sete idas ao exterior em menos de seis meses de mandato. Pouco se dedicou às prosaicas tarefas da administração, mas o ministro da Fazenda vem batendo o ponto regularmente e as projeções têm melhorado. Em um mês o crescimento econômico estimado para este ano passou de 1,20% para 2,14%, segundo a pesquisa Focus, conduzida semanalmente no mercado financeiro. Mas continuaram deprimidos e deprimentes os números calculados para os anos seguintes: 1,20% para 2024, 1,80% para 2025 e 1,90% para 2026. Todo o cenário é medíocre. Culpa do BC com sua política de juros altos? O presidente Lula, alguns economistas e muitos empresários insistem nessa explicação, tão simples e cômoda quanto enganosa.

Cristovam Buarque* - Taxas malditas

Blog do Noblat / Metrópoles

Analfabetismo, desnutrição, concentração de renda, juros

O Brasil tem muitas taxas malditas – de analfabetismo, desnutrição, concentração de renda, juros….- mas preferimos indicar culpados, em vez de buscar as causas. Mantivemos uma maldita taxa de 100% de habitantes pretos escravos, até que uma lei abolisse este sistema, sem enfrentar as causas da escravidão. Até hoje, a maldita taxa de analfabetismo entre adultos condena milhares de brasileiros a trabalho em condições análogas à escravidão. A redução das malditas taxas de juros deve enfrentar a maldita baixa taxa na oferta de poupança e a elevada maldita taxa de demanda por crédito.

O Banco Central pode decretar a taxa de juros básica que lhe aprouver, mas as consequências virão depois, tanto quanto as consequências da doença de um paciente com médico negacionista. Enganar não cura, o negacionismo não ensina. O engano negacionista assassinou milhares de pessoas por covid, a determinação voluntariosa da taxa juros pode levar o Brasil à recessão, se for alta, ou à convulsão de inflação alta, se for baixa.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desafio do novo PAC é evitar os erros do antigo

O Globo

Acreditar no Estado ‘indutor’ do desenvolvimento ou que há dinheiro para tudo é o caminho do fracasso

O governo prevê lançar no início de julho um novo PAC, sigla para Programa de Aceleração do Crescimento, que traz péssimas memórias aos brasileiros. Lançado em 2007, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PAC original foi um fracasso. Não deu início à expansão rápida e sustentada da economia, com melhorias significativas na infraestrutura. Foi marcado por projetos mal concebidos, obras inacabadas, corrupção e desperdício do dinheiro público, tudo reunido numa sigla que tinha muito de marketing e pouco de sensatez econômica.

De novo no Planalto, o PT volta à carga. Os detalhes do novo programa ainda não foram divulgados, mas o mínimo a esperar é que não repita os erros do passado. As carências da infraestrutura brasileira estão todas mapeadas. Estradas esburacadas, portos ineficientes, malha ferroviária exígua, carências no saneamento básico e deficiências na mobilidade urbana. Para reverter a situação, o país teria de elevar os investimentos nos próximos anos para mais que o dobro do 1,71% do PIB registrado no triênio entre 2019 e 2022.

Poesia | Fernando Pessoa - Poema em Linha Reta

 

Música | Alceu Valença - Tropicana