segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Opinião do dia - Luiz Sérgio Henriques*

“É possível que a esperança possa renascer antes e mais vigorosamente no nosso país. A adesão consciente ao método da democracia política por parte das forças fundamentais, inclusive e especialmente de esquerda, é o caminho real para reduzir o tamanho e a expressão da direita radical. Não deveria ser difícil a compreensão deste imperativo, assim como a percepção de que, num extremo e no outro, o sono da razão produz monstros, sempre.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. – “Modesta proposta para lidar com a direita radical”, O Estado de S. Paulo, 27.8.23.

Marcus André Melo* - Parlamentarismo sem primeiro-ministro?

Folha de S. Paulo

Se alguém é humilhado quando o legislativo não cumpre seu papel é o eleitor (a)

A afirmação do ministro Haddad de que a Câmara está com "um poder muito grande" e "não pode usar este poder para humilhar o Senado e o Executivo" é no mínimo esdrúxula. Sua conclusão, no entanto, de que "a gente saiu do presidencialismo de coalizão e hoje vive uma coisa estranhíssima, que é um parlamentarismo sem primeiro-ministro; não tem primeiro-ministro, ninguém vai cair, quem vai pagar o pato político é o Executivo", merece ser discutida.

Se alguém é humilhado quando o Legislativo não cumpre seu papel é o eleitor (a). A separação de Poderes no presidencialismo assenta-se na ideia de contraposição de interesses opostos que cria incentivos para o controle recíproco. A fórmula madisoniana é "ambição deve ser contraposta à ambição". A maioria da Câmara é distinta —mas igualmente legítima— da eleição majoritária do Executivo, e contrapõe-se ao Executivo. Madison justifica: porque os homens não são anjos. Mas disso os brasileiros não precisam ser lembrados.

Bruno Carazza* - Se for preso, Bolsonaro viverá o efeito-fênix?

Valor Econômico

À medida em que evidências se acumulam, futuro do bolsonarismo entra em discussão

Para muitos, é apenas questão de tempo. À medida em que as investigações avançam, parece inevitável que Jair Bolsonaro seja condenado e preso. E os efeitos desse eventual desfecho judicial sobre o futuro do bolsonarismo agitam o mundo político.

São muitas as frentes que podem levar o ex-presidente para trás das grades. À parte todas as evidências que vêm sendo coletadas pela Polícia Federal, depois de quatro anos de agressões sistemáticas e principalmente após o 8 de janeiro, Bolsonaro não conta com a simpatia da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A questão que se coloca é qual será o futuro do bolsonarismo após a prisão de seu principal líder. Muito embora as decisões judiciais, no caso de julgamentos sobre processos criminais e de corrupção, não devam ser embasadas por um juízo das suas consequências políticas ou sociais, a condenação de um líder popular, que recebeu 58,2 milhões de votos nas últimas eleições, gera toda a sorte de especulações.

Alex Ribeiro - Não houve interferência política no Copom

Valor Econômico

Bastidores das últimas reuniões mostram que já havia uma corrente moderada majoritária que se movia para um corte de 0,5 ponto na Selic

O mercado financeiro recebeu mal o último corte de juro feito pelo Banco Central porque sentiu o cheiro de interferência política. Mas os bastidores da decisão que foram revelados nos últimos dias mostram que não houve nada disso.

As desconfianças surgiram devido ao placar extremamente dividido da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto. Quatro membros votaram por um corte mais moderado dos juros, de 0,25 ponto percentual, e cinco, pela baixa de 0,5 ponto. O voto que fez a diferença para levar a taxa Selic para os atuais 13,25% ao ano foi do presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Uma interpretação comum é que os diretores recém-indicados pelo presidente Lula, Gabriel Galípolo (política monetária) e Ailton De Aquino (fiscalização), mudaram a correlação de forças. Agora, segundo esse raciocínio, o comitê terá uma orientação pró-baixa de juro, deixando a inflação à própria sorte.

Carlos Primo Braga* - O mercado de trabalho e a Esfinge

Valor Econômico

Se robôs e IA forem utilizados mais para substituir o fator trabalho, e menos para complementar a capacidade de trabalhadores em executar funções, os efeitos líquidos no emprego podem ser negativos

A Esfinge da mitologia grega era um ser fantástico que perambulava pelos arredores de Tebas, propondo enigmas a quem encontrava e os devorando caso não conseguissem desvendá-los. Suas aventuras terminaram quando encontrou Édipo e perguntou: “O que tem quatro pernas, duas pernas e três pernas, e é mais fraco quando tem mais pernas?”. Édipo solucionou a charada (uma metáfora para um ser humano ao longo da vida) e a Esfinge se atirou em um precipício.

Governos ao redor do mundo enfrentam enigmas com relação à regulamentação e a operação do mercado de trabalho. O impacto de tecnologias digitais e de novos modelos de negócio gera questões sobre a regulamentação das relações trabalhistas. E o envelhecimento da população em muitos países gera ansiedades sobre a estabilidade fiscal em longo prazo e o impacto social dessas mudanças demográficas.

Ana Cristina Rosa - Os 60 anos de um sonho

Folha de S. Paulo

Até quando vamos nos conformar em seguir apenas sonhando?

Hoje, 28 de agosto, está fazendo 60 anos de uma das maiores manifestações antirracistas que se tem notícia na história da humanidade. Era uma quarta-feira quando cerca de 250 mil pessoas "marcharam" sobre Whashington.

No entorno do famoso espelho d’água no National Mall bradaram por direitos civis e equidade racial para os negros, e ouviram o reverendo Martin Luther King discursar sobre o sonho de que seus filhos um dia vivessem numa nação que não julgasse as pessoas pela cor da pele. Um sonho que ainda está longe de se tornar realidade...

Ruy Castro - Dias de barbárie e ódio

Folha de S. Paulo

Nenhuma semana é particularmente violenta no Brasil. Em todas elas há manchetes aterrorizadoras

O assassinato da líder quilombola Mãe Bernadete Pacífico, na Bahia, no dia 17 último, chocou não só pela motivação —execução óbvia, ordenada provavelmente pelos madeireiros ilegais que ela denunciava—, mas pela violência. O que leva dois homens portando armas calibre 9 mm, de uso restrito das forças de segurança, a disparar 12 tiros contra uma senhora de 72 anos enquanto ela via TV com os netos em sua casa? Ódio e barbárie. Este é o Brasil.

Escrevi aqui outro dia (13/7) sobre o fato de que, por qualquer motivo, brasileiros trocam garrafadas, jogam seus carros ou sacam facas, pistolas e barras de ferro uns contra os outros. E transcrevi manchetes que recolhi por aqueles dias em jornais e sites. Não foram dias particularmente violentos. Veja, por exemplo, manchetes da última semana.

Felipe Moura Brasil - A maresia lulista

O Estado de S. Paulo

Lula só pensa em reescrever a história

“Imagina se o Lula tem fidelidade a um cardápio de bandeiras! É um sujeito que quer o poder.”

Foi o que comentei em podcast em 23 de agosto, usando o exemplo do atual presidente para ilustrar minha tese de que populistas brasileiros não ligam para causas de interesse da militância, como drogas, armas e aborto.

Dois dias depois, a esquerda notou que Lula só pensou na blindagem dele ao indicar seu advogado Cristiano Zanin para o STF, já que Zanin votou contra a descriminalização da maconha. Parte da imprensa ainda apelou à narrativa risível de que Lula é “conservador nos costumes”. Mas ele não está nem aí.

Lula só pensa em reescrever a história. Tanto que mentiu, em Angola, sobre sua “pobreza”, suas contas e a decisão do TRF-1 no caso de Dilma Rousseff.

Denis Lerrer Rosenfield* - Antiocidentalismo

O Estado de S. Paulo

O mundo está se tornando menos multipolar, com uma nova fronteira se desenhando entre ocidentais e antiocidentais

Em 2013, simbolicamente acompanhado pelo patriarca Kirill, da Igreja Ortodoxa Russa, até hoje um dos seus mais firmes apoiadores, Vladimir Putin não mediu palavras ao apresentar sua própria concepção nacionalista – diríamos imperial – ao dizer que a nação russa se estenderia para além de suas fronteiras políticas, abarcando russófonos por onde estivessem. Algo, aliás, não muito diferente do que Hitler fez ao justificar sua invasão dos Sudetos, destruindo a Checoslováquia. Significativamente, proferiu sua palestra em Kiev, que viria a ser a expressão de seu projeto anexionista. Anos depois, essa cidade seria objeto de bombardeios impiedosos e de uma tentativa de ocupação, onde o sangue desses eslavos seria derramado em nome de uma Grande Nação Russa que estaria, assim, plenamente justificada em sua crueldade. Ninguém seria depois poupado, seja em assassinatos, estupros, sequestro de crianças, destruição de hospitais e orfanatos.

Fernando Gabeira - Coração de Faustão e razão na política

O Globo

A oportunidade que traz o envolvimento de celebridades ao tema doação de órgãos poderia ser um impulso

No mesmo dia em que se anunciou que Faustão precisava de um coração, recebi um livro que dedica um capítulo ao tema doação de órgãos. O livro é “Nudge: como tomar melhores decisões”, de Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein. É a reedição revista pelos autores de um clássico em tomada de decisões, que eles chamam também de arquitetura da escolha.

A fascinante pergunta é esta: como salvar mais vidas? Sabemos que há um déficit de doadores e, em quase todos os países, uma grande fila de espera.

O tema apareceu nas eleições argentinas na boca do candidato Javier Milei, que propõe a solução pelo mercado. Essa solução é rejeitada mundo afora. Apenas um país, segundo o livro, adota o comércio legal de órgãos: o Irã.

Miguel de Almeida - À sombra dos fuzis

O Globo

Lula ouviu de Gustavo Petro, da Colômbia, veemente reprovação

Em sua campanha para ganhar o Nobel da Paz, Lula da Silva confronta-se com a dialética. A cada encontro internacional, se vê pintado no papel de um personagem com ideias ultrapassadas, qual um verbete ou uma flâmula. Acostumado no Brasil a rapapés, beija-mão e afagos de certa intelectualidade, em seus périplos pelo mundo e encontros com outros presidentes mostra que vai bem longe o lustro de quando foi chamado de “o cara” por Barack Obama.

Muitos de seus conceitos de desenvolvimento — talvez com exceção da candente defesa do churrasco para todos! — enfrentam oposição entre seus pares de esquerda. É assim a vida. Tudo a temer. Leonel Brizola viveu o suficiente para ver a História deixá-lo no passado. Seu cunhado Jango Goulart — agora personagem de Paulo Valente na bela novela de espionagem “A morte do embaixador russo” — experimentou semelhante dissabor.

Ricardo Henriques* - Diversidade enriquece a ciência

O Globo

A diversificação das perspectivas culturais, étnicas, de gênero e socioeconômicas possui alta potência de enriquecer a análise de problemas complexos e promover mais inovação

Ninguém discorda que a produção de pesquisa acadêmica de ponta é essencial para o desenvolvimento científico, tecnológico e biossocioeconômico. Mas, no Brasil, os desafios, que já eram significativos, foram agravados pela pandemia.

Recente relatório divulgado pela Agência Bori e pela editora Elsevier mostrou que, pela primeira vez desde 1996, houve queda em 2022 no número de artigos científicos publicados. Foi a maior redução entre 51 nações analisadas, ao lado da Ucrânia, que enfrenta uma guerra.

Além da quantidade, há também a qualidade. Para isso não existe indicador perfeito, mas uma métrica comumente utilizada para avaliar seu impacto é o número de citações em outras publicações. Em 2015, ano em que nossa produção científica representava cerca de 3% do total mundial, o Brasil respondeu por 1,7% das citações, sinal de que há espaço para ampliar nosso impacto.

Cacá Diegues - A razão da Inteligência Artificial

O Globo

Sinto que a nova tecnologia serve muito mais à aproximação do cérebro às máquinas, em vez de considerá-la uma vitória das máquinas sobre o cérebro

A onda levantada hoje contra a inteligência artificial (IA), por físicos, matemáticos e mais gente da mídia, não me parece justa. O grande Noam Chomsky, por exemplo, chega a dizer que a IA representa uma ameaça direta ao pensamento, à linguagem e ao próprio humanismo. Logo ele, que nos tem ajudado tanto a compreender melhor nosso tempo, graças à linguagem e à melhor compreensão do que os poderosos desejam de nós.

Não acho nada disso. Confesso que não domino o sistema, mas dá para entender do que se trata, como pensar e se comportar diante da novidade.

Como toda tecnologia, a IA tem uma abertura para o Mal, como tiveram centenas de outras invenções do homem para fazer de sua vida uma coisa mais leve e presumível. Mas só. É bobagem pensar que uma invenção humana exista só para destruir a Humanidade. De minha parte, sinto que a IA serve muito mais à aproximação do cérebro às máquinas, em vez de considerá-la uma vitória das máquinas sobre o cérebro.

Christian Lynch* - José Murilo de Carvalho mostra como país falhou nos valores cívicos

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

[RESUMO] José Murilo de Carvalho deixou obra incontornável sobre a construção do Império brasileiro e a formação da sociedade no começo da República, destacando como o país falhou, nesses momentos históricos cruciais, em criar uma cultura cívica que superasse o elitismo, o patrimonialismo e o militarismo. Morto aos 83, o historiador deixa às novas gerações a tarefa de enfim aprofundar a cidadania no Brasil.

José Murilo de Carvalho foi um dos mais influentes acadêmicos de sua geração. No campo da ciência política, atuou nos programas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). No da história, foi pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e do programa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tendo se doutorado na Universidade Stanford (EUA), foi professor visitante em um sem número de outras, como Oxford (Reino Unido) e Princeton (também nos EUA). Recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Coimbra. A consagração definitiva chegaria com sua eleição para as mais antigas e prestigiosas instituições culturais do país: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia Brasileira de Letras (ABL).

Para quem o conhecia, chamava a atenção o contraste entre a monumentalidade de sua obra e a sua personalidade, referida por Ruy Castro como tímida e modesta. Eu acrescentaria esquiva, especialmente em ambiente mundano. Essa discrição indicava, claro, sua origem de mineiro do interior, de que se orgulhava, mas havia mais que o estereótipo regional.

Nascido em 1939, José Murilo estudou em colégio de padres e militou na Ação Popular, grupo cristão de esquerda, ajudando na organização de sindicatos rurais. Para além da "mineirice", havia também certo espírito de missionário franciscano, que como cientista social cedo elegeu o Brasil como a comunidade ou "República" a cujo serviço se devotaria.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

É um erro prorrogar incentivos federais a montadoras do Nordeste

O Globo

Emenda à reforma tributária tenta manter benefício para agradar empresas com fábricas na Bahia

Quando parecia haver consenso contra a guerra fiscal travada pelos estados na disputa por investimentos de indústrias, surge a ameaça de uma emenda do governo à reforma tributária que estende incentivos até 2032. O objetivo é beneficiar montadoras instaladas no Nordeste: a Jeep, da holding Stellantis, e a fabricante chinesa de carros elétricos BYD, que acaba de chegar à Bahia.

A ideia pôs em alerta o consórcio dos governos de Sudeste e Sul. O governador de Minas, Romeu Zema, vislumbra o risco de a prorrogação da isenção de tributos federais — PIS-Cofins e IPI — induzir a Stellantis a dar prioridade a investimentos na montadora Jeep que tem em Pernambuco, em detrimento da fábrica da Fiat em Betim, também controlada pela holding.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Dos três mal-amados

 

Música | Chico Buarque - As Vitrines