A seguir, o sociólogo Luiz Werneck Vianna, o pesquisador Roberto Andrés e o cientista social Rudá Ricci comentam os desdobramentos da crise política
Enquanto estivermos nessa coisa pendular Bolsonaro versus Lula, não avançaremos bem. Não se trata de repor o passado. Trata-se de cavar o caminho do futuro - Luiz Werneck Vianna.
As denúncias do servidor público Luis Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, ao Ministério Público Federal, de ter sofrido "pressão" para assinar o contrato da compra da vacina indiana Covaxin, e as farpas trocadas entre seu irmão, o deputado federal Luis Claudio Miranda (DEM-DF), e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), tensionam ainda mais a crise política e reacendem a discussão sobre a possibilidade de impeachment do presidente Bolsonaro, caso as irregularidades nos contratos da compra da Covaxin sejam comprovadas.
Na avaliação do sociólogo Luiz Werneck Vianna, os acontecimentos recentes deixaram o governo “mais débil”. Entretanto, afirma, “não estou vendo risco imediato de impeachment”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, ele diz que o governo ainda tem chances de vencer as eleições presidenciais de 2022, mas não conseguirá se reproduzir além disso. O mais urgente no momento, pontua, é a construção de uma “frente amplíssima”, capaz de “organizar, reaglutinar e apaixonar a população em torno de uma ação comum”. As ruas são uma via, sugere: “A última manifestação teve um caráter amplo, não foi partidária, mostra por onde se pode ir e por onde se deve avançar”.
Roberto Andrés ressalta que "para o governo cair há grandes rochedos a serem transpostos. O maior deles é o grande apoio parlamentar que o governo conquistou na Câmara, através da farta distribuição de orçamento (e de orçamento secreto, o Bolsolão) para deputados da velha direita fisiológica, o grupo chamado de Centrão". Em entrevista concedida por e-mail, ele observa que a "retomada econômica pode beneficiar Bolsonaro", que "mesmo no pior momento da pandemia, não perdeu seus 25% de apoio (o que é bastante, indicando um piso alto)". Apesar de as manifestações do dia 19 de junho terem sido maiores e mais diversas do que a realizada no mês passado, Andrés destaca que "ainda não é ‘todo mundo contra Bolsonaro’", mas "manter-se nas ruas e na ofensiva contra o governo, ainda que não for para derrubá-lo, pode ser fundamental para buscar evitar que a parte volátil do eleitorado – o terço intermediário – passe a apoiar Bolsonaro em um contexto de melhora econômica após o fim da pandemia".
Rudá Ricci, em entrevista concedida por mensagens de texto via WhatsApp, reconhece o peso das movimentações da semana, mas ainda acha cedo para embarcar nessa ideia de ‘queda da República’ bolsonarista. “Porque as principais forças oposicionistas não desejam passar o bastão para Mourão. Se o vice-presidente assume, retira parte do potencial da candidatura de Lula”, justifica. Para ele, “vivemos uma espécie de movimento circular: as mobilizações de rua exigem o “Fora Bolsonaro”, o campo lulista procura se apresentar como portador da procuração das ruas, empresários procuram viabilizar a terceira via e Arthur Lira mata no peito e procura retirar mais vantagens do governo federal, chantageando com a possível abertura da apreciação do pedido de impeachment”. E por isso sugere que, depois das mobilizações das ruas, chega a hora da negociação. “A partir de agora, as lideranças dessas mobilizações precisam vir a campo para negociar a mudança do país. Sem isso, podemos retornar à situação de 2013 em que tantos saíram às ruas e nada foi negociado”, pontua.
Para o jornalista Moisés Mendes, “Bolsonaro derreteu”. “O Centrão saltará fora quando se sentir em prejuízo por apoiar um governo perto do fim, e os militares são imprevisíveis e inconfiáveis. Os empresários e o que se chama genericamente de mercado, mesmo silenciosos, dão sinais de que já saltaram fora”, observa, em entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos, ontem à noite, ainda quando acompanhava a sessão da CPI no Senado. Além disso, observa que “Bolsonaro não tem apoio explícito do poder econômico, é inimigo da grande imprensa, perdeu boa parte do que seria sua base social de raiz (especialmente os ricos e ressentidos de classe média e boa parte dos evangélicos) e aparece muito mal nas pesquisas”.
Além disso, Moisés ressalta que as manifestações de rua parecem estar ganhando peso. “É possível derrubar um governo fazendo um ato por mês? Claro que não. O Brasil tenta retomar as manifestações de rua como país retardatário”, sopesa. “O dado relevante é que as duas manifestações de maio e junho tiveram ampla participação dos jovens. Mas o que explica a apatia nas universidades? As novas manifestações marcadas para 24 de julho podem dizer se avançaremos em quantidade e vitalidade ou se continuaremos no mesmo patamar”, acrescenta.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio.
Roberto Andrés é
professor na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG e doutorando em História das Cidades na Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP.
Rudá Ricci é
graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
- PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas -
Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição.
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, escreve para os jornais Extra Classe, DCM e Brasil 247. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Porto Alegre: Editora Diadorim, 2016). Foi colunista e editor especial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.