Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Propensão ao justiçamento incivilizado ganha um aliado perigoso e indevido nos políticos que pregam o armamento e a transformação do brasileiro num povo de pistoleiros
O Brasil ainda é um dos países que mais lincham no mundo. Entre tentativas e linchamentos consumados, cerca de uma ocorrência por dia. Não incluo no cálculo os casos indevidamente definidos como de "linchamento moral", os de agressão moral ou de difamação. Os verdadeiros linchamentos são aqueles em que a multidão quer sangue.
Com os assassinatos correntes, os do crime organizado, os casos de violência policial e as diferentes formas de agressão disseminadas na população, o país está vivendo uma verdadeira guerra civil, o que de certo modo equivale à situação de países dominados por conflitos internos intensos. Os de governos frágeis e sem rumo, incapazes de assegurar a paz e a unidade com pluralidade, com base nos princípios e valores da civilização. Dentro do Brasil verde e amarelo, há um Brasil, que, embora sendo o mesmo, é outro, aquele no qual não nos reconhecemos.
Os linchamentos de agora têm uma diferença em relação aos 2 mil casos que estudei em meu livro "Linchamentos - A Justiça Popular no Brasil". A maioria das ocorrências se concentrava nas regiões metropolitanas de São Paulo, de Salvador e do Rio de Janeiro, nessa ordem, com uma proporção menor de casos em outras regiões. Com a expansão das cidades, os linchamentos estão se deslocando para o Nordeste e, ainda mais, para o Norte.
A pesquisa cobre um período de meio século. Indica características do comportamento coletivo, em face de determinados crimes, que são essenciais para compreender as peculiaridades sociais dessa modalidade de violência. Nesse período, ao menos 1 milhão de brasileiros participou de linchamentos e tentativas.