sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A esquerda italiana e o reformismo no século XX

Giuseppe Vacca
Tradução: Luiz Sérgio Henriques
Fonte: Gramsci e o Brasil

Na segunda metade dos anos 1990, uma singular sincronia eleitoral fez com que, em treze dos quinzes países da União Européia, partidos socialistas ou coalizões de centro-esquerda se encontrassem pela primeira vez no governo ao mesmo tempo. O acontecimento era de alcance extraordinário: nos anos oitenta, em todos os países europeus o reformismo socialista havia registrado uma crise de consenso e, em 1989, fora desafiado pela orgia em torno da “morte do comunismo”, de que a opinião pública mundial parecia ter se convencido. Para compreender como teve origem tal acontecimento, pode ser útil fazer uma comparação entre o “velho” reformismo, que travou suas batalhas no horizonte da política nacional, e o “novo” reformismo, que enfrenta os desafios da supranacionalidade. A comparação terá uma inflexão particular, uma vez que o foco do discurso recai sobre a Itália, que, como se sabe, não conheceu e ainda não conhece a existência de um partido reformista de nível europeu.

1. A crise dos anos trinta e as primeiras experiências de governos reformistas

Os sujeitos políticos se definem através dos desafios a que tentam responder com base nos valores, nas visões e nos interesses que os caracterizam. Em outras palavras, definem-se reciprocamente com base nos diferentes modos pelos quais se referem aos processos históricos gerais. Portanto, devemos estabelecer preliminarmente qual é o termo de comparação do reformismo e o gênero próximo a que se refere. O tema não é banal, antes de mais nada porque nos anos mais recentes o termo “reformismo” sofreu uma dilatação semântica despropositada, de modo que, especialmente na linguagem jornalística, ele é empregado para indicar qualquer tipo de governo — de esquerda, de centro ou de direita — que implemente reformas. No entanto, em sentido próprio a “questão do reformismo” diz respeito à história do socialismo. Mas, para focalizar o problema, esta delimitação do campo não basta. Ainda se deve ajustar contas com a idéia muito difundida de que os movimentos políticos distinguem-se com base na sua identidade, definida de uma vez por todas; de tal sorte, é opinião corrente que o socialismo encarne a idéia de igualdade, de conteúdos variáveis, mas sempre igual a si mesma como valor. Na “eterna” contraposição entre direita e esquerda, ela identificaria a esquerda e, portanto, o reformismo, que é uma parte essencial desta esquerda [1]. Na realidade, as coisas não são assim: direita e esquerda redefinem-se reciprocamente no tempo e no espaço com base na mudança de critérios de realinhamento das forças sociais e políticas determinados pelas vicissitudes nacionais e mundiais. Mas, mesmo depois desta especificação, o conceito ainda não está inteiramente esclarecido. Com efeito, na Itália ainda prevalece a idéia de que reformismo seja sinônimo de “gradualismo”: os reformistas representariam aquela parte da esquerda que aceita subordinar seus fins aos ritmos e compatibilidades do “jogo democrático”: seu oposto seriam os “revolucionários”, que, ao contrário, não aceitariam tais condições [2]. Esta definição é patentemente anacrônica: está presa ao grande debate do final do século XIX, no qual o socialismo europeu se dividiu entre “reformistas” e “revolucionários” com base em dois modos diferentes de conceber o fim último (a “superação do capitalismo”) [3]. Como se sabe, a divisão se tornou dilaceradora com o nascimento do movimento comunista e o abandono do “fim último” por parte dos reformistas. Mas, de um ponto de vista histórico, já no curso dos anos vinte o movimento comunista pôs de lado a perspectiva da “revolução mundial”, e não se pode negar que desde então, na Europa, também tenha sido “gradualista”. A divisão, pois, ficou limitada aos meios.
Apesar disso, permaneceu uma contraposição radical, uma vez que passava pelo reconhecimento ou pelo desconhecimento da democracia como regra absoluta do jogo. Sua aceitação por parte da socialdemocracia não era só uma “escolha de valor”, mas também decorria de uma visão da “estabilização capitalista”: ela a percebia não só como a hipótese mais provável (depois da catástrofe da guerra), mas também a mais desejável, e a punha como base de uma “estratégia de compromisso”, destinada a favorecer a estabilidade, em troca da democracia e do Welfare [4]. Ao contrário, para o movimento comunista, a estabilização capitalista não interrompia a “crise geral do capitalismo” e tornava inteiramente transitórias (além de circunscritas aos países capitalistas mais desenvolvidos) as “situações democráticas” [5]. De todo modo, desde os anos trinta do século XX, a distinção entre “reformistas” e “revolucionários” torna-se anacrônica. Por outro lado, a disputa sobre o “fim último” baseava-se num equívoco. A idéia da “superação do capitalismo” nascia da contraposição entre capitalismo e socialismo, que é histórica e conceitualmente infundada. Capitalismo e socialismo referem-se a dois planos diversos da realidade e não são comparáveis: o capitalismo é um modo de produção, o socialismo é um critério de regulação do desenvolvimento econômico, que, portanto, não se contrapõe ao primeiro, mas propõe-se orientá-lo. Para superar este falso dilema, foi necessário elaborar o conceito de regulação, e, naturalmente, não estamos falando de elaboração puramente intelectual, mas de experiência histórica concreta. Aproximamo-nos, assim, do ato de nascimento do reformismo: a crise dos anos trinta e a invenção de um “modo de regulação” do desenvolvimento alternativo ao do velho liberalismo, que entra em colapso [6].

Portanto, o termo de comparação do reformismo foi e ainda é o maximalismo. O reformismo é programa e ação de governo; o maximalismo, diferentemente daquilo que geralmente se considera, não é tanto radicalismo social ou antagonismo “de classe” (até Turati era “classista”), quanto, sobretudo, indiferença em relação à responsabilidade de governo. Mas, para um partido, desenvolver capacidade de governo não é só questão de vontade. Seu ponto de amadurecimento é o alcance da capacidade de interpretar o interesse nacional, que, por natureza, está em disputa. De reformismo socialista só podemos falar, de modo circunstanciado, a partir de quando, elaborando programas representativos do “interesse nacional”, alguns partidos socialistas chegaram ao governo nos seus países. Isto aconteceu pela primeira vez na Grã-Bretanha, na Suécia e na Bélgica, entre o fim dos anos vinte e o início dos anos trinta, numa passagem crucial da história do século XX. Diante dos efeitos explosivos da crise de 1929-1932, foram aqueles partidos operários que elaboraram soluções mais válidas do que as propostas pelos partidos liberais ou conservadores para os problemas do próprio país e conquistaram seu governo. Na verdade, não foi a primeira experiência de governo em termos absolutos: tinha havido a República de Weimar; mas os socialistas que governaram a Alemanha nos anos vinte fracassaram precisamente na capacidade de enfrentar a Grande Depressão, abrindo assim caminho para a vitória de Hitler [7]. Ao contrário, nos três casos que lembrei, os socialistas venceram o desafio porque ocorreu uma mudança fundamental da sua cultura política: uma mudança de paradigma, que constitui o verdadeiro ato de nascimento do reformismo.

O salto de qualidade consistia no fato de que aqueles partidos mostravam-se capazes de agir pela primeira vez não só em nome da classe, mas também em nome da nação. Foram assim lançadas as bases do reformismo nacional. Em outras palavras, de uma cultura de governo dos socialistas que, ao evoluir ainda mais, seria capaz de promover, depois da Segunda Guerra Mundial, um consenso reformista majoritário num número crescente de países europeus [8].
Entre os elementos que deram origem a esta evolução, deve-se salientar, antes de mais nada, a nova capacidade de análise do capitalismo, emancipada da visão catastrófica das suas crises. Nos anos trinta, as três socialdemocracias que recordei mostram consciência de que as crises são o processo natural do desenvolvimento capitalista e, portanto, trata-se de aprender a governá-las. No caso específico, elas interpretaram a Grande Depressão como uma crise de subconsumo e elaboraram respostas eficazes que a cultura liberal então refutava: políticas de sustentação da demanda efetiva, desenvolvimento da economia mista, compromisso entre as organizações sindicais dos trabalhadores e das empresas, reconhecendo a legitimidade do comando capitalista na fábrica mas contratando suas modalidades, acordo sobre a relação entre salários e produtividade, forte impulso às políticas sociais. São os elementos básicos daquilo que muitos anos depois se chamaria de “compromisso keynesiano” [9] ou “regulação fordista” [10].


2. As frentes populares. Os Cadernos do cárcere

A importância histórica daquelas experiências também residia na demonstração de que, diante da dissolução da civilização liberal [11], a alternativa entre bolchevismo e fascismo não era inexorável. Depois da vitória de Hitler na Alemanha, este parecia ser o destino da Europa. No entanto, aquelas experiências começaram a alimentar o antifascismo com propostas positivas e concretas. Este foi o quadro em que, também no movimento comunista, abriu-se um espaço para a conciliação entre classe e nação. Para tanto, foi decisiva a experiência da Frente Popular na França, nascida da colaboração entre comunistas e socialistas [12]. Na Itália, deve-se recordar o pacto de unidade e ação de 1934, que também nascia da revisão de análises e programas que animaram a investigação socialista depois da derrota de 1919-1922 [13], bem como da elaboração do PCI sobre o fascismo [14]. Ainda que de modo limitado à necessidade de combater o fascismo, também os comunistas resolviam o problema da participação em governos de coalizão para enfrentar os perigos da guerra, defender a democracia e renovar seus conteúdos através da realização de reformas econômicas e sociais. A “virada” foi aprovada no VII Congresso da Internacional, que retificou a equação entre socialdemocracia e fascismo. Restava o limite insuperável da subordinação dos partidos comunistas à política da URSS, de modo que o que deveria ter sido uma virada estratégica foi só uma virada tática, logo sepultada pelo desencadeamento do Grande Terror e pelo pacto Molotov–Ribbentrop [15]. Mas era de grande importância o fato de que, através da elaboração de um programa concreto de luta contra o fascismo, também os comunistas enfrentassem o nó das relações entre classe e nação, e isso contribuiria de modo significativo para valorizar seu papel na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial.

Na Itália, o problema de conciliar classe e nação fora formulado por Antonio Gramsci desde 1924. A solução do problema, pois, inscrevia-se numa perspectiva revolucionária e não na reformista. Mas deve-se chamar a atenção para a revisão dos fundamentos teóricos do bolchevismo que Gramsci elaborou nos Cadernos do cárcere [16]. Partindo da análise da crise de 1929, ele chegava a uma verdadeira teoria geral das crises, que continha também a explicação das origens da Grande Guerra. A partir das últimas décadas do século XIX, com a formação de uma “economia mundial”, crises e guerras tinham origem no contraste cada vez mais gritante entre o “cosmopolitismo” da economia e o “nacionalismo” da política. O primeiro não podia difundir seus influxos benéficos porque se via obstaculizado pela existência de uma ordem internacional baseada nos Estados-nação, que, com suas prerrogativas (o princípio de soberania, a decisão exclusiva sobre a guerra e a paz), monopolizavam a política. Mas o princípio de soberania fora definitivamente abalado pelos eventos da Primeira Guerra Mundial, que deflagrou uma crise irreversível do Estado-nação. A virada isolacionista da política soviética (a opção de “construir o socialismo num só país”) pôs fora de jogo o movimento comunista, uma vez que ele identificava o socialismo com o destino da URSS. Mas nos Estados Unidos se estava desenvolvendo um novo tipo de industrialismo, destinado a expandir-se em nível mundial e a mudar os espaços da política. Neste processo Gramsci entrevia a possibilidade de encaminhar a solução daquela antinomia, orientando nacionalmente a aliança entre operários e camponeses para um “novo cosmopolitismo”, voltado para a “reconstrução da economia segundo um plano mundial”. Etapa intermediária da nova ordem mundial, a criação de “agrupamentos” econômicos supranacionais.

Gramsci escrevia num cárcere fascista, mas não há quem não veja como sua elaboração atinja em cheio os fundamentos do bolchevismo: a teoria da “crise geral do capitalismo”, a consideração do imperialismo como “fase suprema do capitalismo” e, portanto, a idéia da inevitabilidade da guerra. Depois da queda do fascismo, sua investigação influenciaria de modo determinante a política do PCI, inspirada na perspectiva do antifascismo.

3. A guerra antifascista e a redefinição do reformismo

As primeiras três décadas do segundo pós-guerra registraram a ascensão do “reformismo nacional” e, na Itália, único país da Europa Ocidental, o crescimento constante do peso eleitoral e do papel do PCI. Para analisar esta “anomalia”, é necessário que nos detenhamos brevemente nas características da Segunda Guerra Mundial a partir de 1941, isto é, a partir de quando, com a intervenção dos Estados Unidos e o surgimento da Grande Aliança, ela se tornou a guerra antifascista. Devemos, pois, considerar as mudanças por ela produzidas.

Deve-se chamar a atenção para o universalismo rooseveltiano e a visão que a elite do New Deal tinha da nova ordem internacional a ser construída depois da derrota do nazismo. Ela propugnava uma reorganização do mercado mundial que também incluísse a URSS, um ordenamento das relações internacionais baseado na cooperação entre as potências antifascistas, uma abordagem multilateral dos problemas internacionais, a criação de espaços econômicos supranacionais abertos, a construção de novos organismos internacionais para o governo da economia, o nascimento das Nações Unidas como embrião de um governo mundial [17]. Não foi possível realizar este projeto não só por causa da morte de Roosevelt e da mudança do bloco de poder que o sucede à frente dos Estados Unidos [18], mas também, e talvez sobretudo, por causa da indisponibilidade da URSS a aceitar este desafio. Na elite staliniana, dominava a percepção da insegurança da URSS, e isso fazia com que buscasse novas garantias territoriais [19]. Era a projeção da “política de segurança” que Stalin havia começado na segunda metade dos anos trinta [20] e que, logo depois do parêntese da “guerra patriótica”, induziu-o a restaurar o “Estado de segurança total” [21]. Aquela visão leva a impor aos países da Europa Central e do Leste, libertados pelas forças soviéticas, um regime de ocupação permanente voltado para estender as fronteiras da URSS até as fronteiras desses países e a neles instaurar o sistema político e econômico da própria URSS. Era a criação de uma esfera de influência totalitária baseada em critérios militares e na divisão da Europa, com o erguimento do que Churchill batizou como “cortina de ferro” [22].

Portanto, caminhavam pari passu a ruptura da aliança antifascista e o nascimento da guerra fria. Mas as mudanças originadas da Segunda Guerra Mundial tiveram igualmente uma relevância epocal. Para ficar nas que se referem ao nosso tema, recordo a criação, por parte dos Estados Unidos, de um espaço econômico supranacional que se estendia a todo o Ocidente, o lançamento de “políticas de produtividade” voltadas para estabilizá-lo, favorecendo a reconstrução da Europa Ocidental [23], a divisão do mundo em dois campos contrapostos dominados pelas duas maiores potências, o início da integração européia [24]. Nascia assim uma nova “estrutura do mundo”, na qual interdependência econômica e interdependência política caminhavam paralelamente. Criava-se um sistema de relações internacionais [25], no qual o Estado-nação não era mais o único protagonista. As duas maiores potências alcançaram rapidamente uma capacidade de destruição recíproca que limitava sua própria soberania, uma vez que a decisão da guerra não era mais prerrogativa unilateral de uma ou de outra. Em medida bem maior, este elemento constitutivo da soberania do Estado moderno desaparecia em todos os demais países [26]. No plano econômico, em todo o Ocidente se instaurava uma ordem dúplice, que, para retomar a feliz metáfora de Robert Gilpin, baseava-se num “compromisso entre Smith e Keynes”, isto é, na predominância da regulação de mercado na economia internacional e da regulação política na economia nacional [27]. Isso favorecia o que Alan Milward chama de “renascimento do Estado-nação na Europa” [28], uma vez que os mercados nacionais eram os centros propulsores da difusão internacional do novo industrialismo e da “economia dos consumos”, que constituíam a base da hegemonia americana mas também do desenvolvimento dos países aliados, e a regulação política do mercado interno era a alavanca do “desenvolvimento nacional” [29]. Sua promoção, somada à construção do Welfare State, tornou-se o principal objetivo das esquerdas em todas as democracias ocidentais. Esta combinação virtuosa de fatores políticos nacionais e internacionais iria durar até a crise dos anos setenta [30].

Mas, voltando à Segunda Guerra Mundial e à Itália, a Grande Aliança antifascista permitiu ao Partido Comunista assumir um papel eminente na Resistência e na guerra de Libertação, e tornar-se o principal partido do movimento operário italiano [31]. Tomava forma assim um reformismo nacional comunista, que, caso único na Europa, demonstrou uma capacidade de resistência e de evolução destinada a incidir profundamente na vida política e civil do país até os anos setenta [32]. Baseava-se, precisamente, na conciliação entre classe e nação, a partir da missão que coube à classe operária na Resistência e na guerra de Libertação; graças a ela, o PCI conseguiu ter um papel relevante na fundação da República, na elaboração do pacto constitucional e na construção do sistema político, e, do ponto de vista programático, desempenhou um papel comparável àquele que, nos outros países europeus, tiveram as grandes socialdemocracias [33]. Pode-se dizer que, caso talvez único entre os partidos comunistas europeus, o PCI jamais se afastou do antifascismo como fundamento de uma política nacional reformista. A Constituição republicana tornou-se seu “programa fundamental”. No entanto, tratava-se de um tipo de reformismo nacional incompleto, que, sob a roupagem de um partido comunista, não podia ser levado a cabo.

O “partido novo” de Togliatti era concebido como “partido de governo da classe operária”, e seu programa, resumido na fórmula da “democracia progressiva” (se levarmos em conta as particularidades de um país derrotado, que havia vivido a experiência do fascismo e, com o colapso deste último, também o colapso do Estado; e, além disso, havia experimentado uma guerra civil sangrenta, a divisão entre a República Social e o Reino do Sul, o risco de ruptura da unidade nacional), não estava em nível inferior ao dos programas de reconstrução sustentados pelos partidos socialistas nos outros países da Europa Ocidental [34]. Mas, terminada a Grande Aliança, o pertencimento ao movimento comunista internacional e a fidelidade à URSS privavam o PCI da legitimação para governar. Esta não lhe era vedada pela força, mas pela falta de consenso, uma vez que, enquanto a Democracia Cristã dispunha de um nexo internacional virtuoso no qual inserir o desenvolvimento do país, a “dupla lealdade” do PCI não lhe permitia fazer o mesmo [35]. No mundo do pós-guerra, a política nacional era o resultado de determinadas “combinações” de forças nacionais e de condicionamentos internacionais. Na esfera ocidental, em que a Itália estava solidamente inserida, não estava dada ao PCI a possibilidade de elaborar uma própria “combinação” daqueles fatores que o pusesse em condições de desafiar a DC (e seu sistema de alianças) quanto ao governo do país. Em outros termos, no nexo entre política interna e política internacional, o PCI estava bloqueado por uma contradição insanável, derivada da sua lealdade a uma coalizão internacional contraposta àquela em que estava inserida a Itália, que impedia o desdobramento do núcleo reformista do seu projeto. Isto também bloqueou a evolução da sua cultura política, privando-o de recursos fundamentais na gestão do “compromisso keynesiano” — sobretudo na concepção das “relações industriais” — e atribuindo-lhe um papel inferior ao que, em outros países europeus, tinham as socialdemocracias. Finalmente, a emergência da guerra fria cristalizou as divisões existentes no reformismo italiano, uma parte do qual — os dossettianos, os republicanos e Saragat — se colocava no governo, enquanto a outra — socialistas e comunistas — estava na oposição, reduzindo-lhe drasticamente o papel e a eficácia. No sistema da guerra fria, identificavam-se a “democracia bloqueada” e a impossibilidade de unir num só partido de governo as correntes do reformismo italiano: e isso, na Itália do segundo pós-guerra, iria marcar toda a experiência do “reformismo nacional” [36].

4. O fim do sistema de Bretton Woods e o “conflito econômico mundial”. Surgimento do europeísmo socialista

Os arranjos internacionais originados da Segunda Guerra Mundial entraram em crise no final dos anos sessenta. Para ter um quadro exaustivo dos fatores de mudança e dos processos que tiveram início nos anos setenta, também deveríamos considerar a evolução das relações Norte-Sul. Mas, para os fins do nosso argumento, podemos deixá-las de lado, mesmo porque estavam condicionadas pelas relações Leste-Oeste e pelas dinâmicas da guerra fria. Vamos considerar, pois, em primeiro lugar, a crise do sistema de Bretton Woods. No final dos anos sessenta, a economia americana não era mais capaz de desempenhar um papel hegemônico na economia ocidental. A convertibilidade do dólar e o regime de câmbio fixo tinham garantido a reconstrução européia e a ascensão de duas outras potências econômicas capazes de cooperar, mas também de competir com a economia americana: o Japão e a República Federal da Alemanha. Os Estados Unidos, que no final da guerra representavam 53% da riqueza mundial, por volta de 1970 representavam cerca de um terço desta riqueza. Não podiam mais arcar com o peso das despesas militares decorrentes do papel de “gendarme” internacional do Ocidente e perdiam competitividade também por causa do peso social alcançado pelas classes trabalhadoras. Este aspecto dizia respeito, em modos diferentes, a todas as democracias industriais, que haviam atingido a maturidade do “ciclo fordista” [37]. Os Estados Unidos decidiram pôr fim à convertibilidade do dólar (1971) e ao regime de câmbio fixo (1973), destruindo o sistema de Bretton Woods. O significado desta decisão resume-se ao objetivo de tirar das mãos dos governos o controle dos fluxos financeiros internacionais e entregá-lo a mãos privadas. Assim, da velha ordem econômica internacional passava-se a um regime que só na aparência era de “desordem”: na realidade, ocorria a passagem de um sistema hegemônico, vantajoso também para os aliados dos Estados Unidos, para um conflito econômico mundial regulado pela lei do mais forte [38]. Entre os motivos daquela escolha, deve-se recordar a vontade de valer-se da senhoriagem do dólar para financiar o desenvolvimento da “economia da informação”, apoiando-se no complexo militar-industrial com o objetivo de reconquistar a competitividade perdida em benefício da economia alemã e da japonesa [39]. Objetivo não secundário era o de favorecer, também em nível nacional, o predomínio da regulação de mercado para facilitar a difusão da “economia da informação” [40]. Em síntese, soava a hora final do “compromisso entre Smith e Keynes” e iniciava-se um novo ciclo de globalização assimétrica da economia mundial, entregue à regulação de mercado. Por outra parte, nos anos setenta também entra em crise o bipolarismo, e se a URSS, pensando aproveitar a derrota americana no Vietnã, tentou relançar o próprio papel internacional com uma agressiva política expansionista no Terceiro Mundo, os EUA responderam com o lançamento de uma “nova guerra fria”, voltada para excluir a União Soviética da terceira revolução industrial [41]. A passagem de um bipolarismo baseado na estabilidade das esferas de influência, bem como no domínio de cada superpotência no interior destas esferas, para um bipolarismo antagonista provocou o colapso da URSS, uma vez que ao seu poderio militar não correspondia um igual poderio industrial e tecnológico, que lhe permitisse resistir ao desafio americano.

Mas, voltando aos anos setenta, o fim de Bretton Woods, o início de um “conflito econômico mundial”, o lançamento de uma “nova guerra fria” mudaram radicalmente a natureza do vínculo externo. Antes de mais nada, desaparecia a autonomia relativa das economias nacionais; em segundo lugar, a estas economias se apresentavam problemas agudos de reconversão industrial e de especialização competitiva; em terceiro lugar, a passagem do industrialismo mecânico ao neo-industrialismo informático mudava rapidamente a composição demográfica dos países mais desenvolvidos. Estas mudanças faziam desaparecer as vantagens da regulação política das economias nacionais e reduziam sensivelmente os recursos financeiros necessários para sustentar as redes de proteção social construídas nas décadas precedentes (a “crise fiscal do Estado”) [42]; além disso, diferenciavam cada vez mais as demandas de Welfare e enfraqueciam o parceiro sindical do “compromisso neocorporativo”. Era o início do fim da identificação entre movimento operário e socialismo, e fechava-se o ciclo do “reformismo nacional”. Como recordamos no início, nos anos oitenta se registrou uma crise generalizada do “consenso reformista”.

Mas a Europa Ocidental não sofreu passivamente as conseqüências do unilateralismo econômico americano. Fracassada, por causa da oposição dos Estados Unidos, a primeira tentativa de criar uma moeda única, os governos europeus aceleraram o processo de integração, criando (1979) o Sistema Monetário Europeu (SME) [43]. Por seu turno, os dirigentes mais lúcidos do socialismo europeu (Brandt, Palme, Kreisky) haviam empreendido uma busca destinada a renovar profundamente a cultura política dos respectivos partidos [44]. Protagonistas da construção européia no pós-guerra foram a cultura política católica e a liberal. Os partidos operários, tanto as socialdemocracias quanto os partidos comunistas, restaram por muito tempo vinculados ao nacionalismo econômico. Isto se explica com o fato de que a regulação política do mercado nacional e o “compromisso neocorporativo” eram seus principais recursos políticos. Ao contrário, não é justificável sua dificuldade para compreender o valor progressista do regionalismo econômico e da integração supranacional. Quanto aos comunistas, em particular, deve-se salientar a incapacidade de compreender que a integração européia não era apenas um pilar da guerra fria, mas também um processo que, iniciado neste contexto, tendia a superar a lógica bipolar e a criar um ator político que poderia contribuir para sua superação. Mas já nos anos sessenta os principais partidos operários da Europa Ocidental começaram uma revisão das suas posições em relação ao Mercado Comum Europeu [45]. Nos anos oitenta, a busca de novas respostas à crise do consenso reformista levou ao surgimento de um europeísmo socialista [46]. Entre os partidos comunistas, o mais avançado era o PCI, que, no que se refere a estes temas, seguiu uma parábola análoga à das socialdemocracias, apesar dos limites derivados do caráter contraditório das suas ligações internacionais. E eles foram muito rapidamente evidenciados pelo rápido esgotamento do período do “eurocomunismo” [47].

No curso dos anos oitenta, a resposta européia ao desafio americano aprofundou-se e, com o Ato Único (1986), começou a tomar forma o projeto de uma União política. O tema se tornaria plenamente atual depois de 1989, quando, com o fim da guerra fria, a incorporação da Alemanha Oriental pela Ocidental e o colapso da URSS, surgiram novos problemas acerca da “globalização de mercado” da economia mundial e se apresentou concretamente o problema de unificar o velho continente.

5. Fim da guerra fria e “globalização assimétrica”. O ciclo político dos anos noventa

Voltamos assim ao ponto de partida das nossas reflexões: o ciclo político dos anos noventa, que, depois da vitória de Clinton nas eleições presidenciais de 1992, registrou a vitória das esquerdas não só na maioria dos países europeus, mas também em países importantes da América Latina. Gostaria de tentar dar uma interpretação deste ciclo que, na Europa, teve como protagonista um novo reformismo.

À explosão da globalização dos mercados e ao fim da URSS a Europa Ocidental reagiu com o Tratado de Maastricht (1991) e a decisão de “ampliar” a União aos países da Europa Central e Oriental (e, numa perspectiva a mais longo prazo, também aos Bálcãs, à Turquia e a outros países mediterrâneos). Teve início assim a construção da União política européia e se lançaram as primeiras bases da unificação do velho continente. O objetivo prioritário era criar, com o surgimento de uma moeda única, o espaço econômico indispensável para enfrentar os desafios da “competição global”. Mas a meta da União política é muito mais ambiciosa: com efeito, visa a transformar a Europa num novo ator político global. Nos países europeus, a globalização dos mercados e o processo de Maastricht mudaram o nexo internacional das políticas nacionais e deram origem a novos critérios de agrupamento de forças. O problema que se apresenta às elites nacionais é fazer frente aos novos condicionamentos da economia e da política mundial. A alternativa de fundo refere-se aos modos pelos quais cada país pode participar do processo de integração supranacional e, portanto, à repartição dos custos e dos benefícios entre os diferentes grupos sociais. A visão do interesse nacional torna-se parte integrante da percepção do interesse comum europeu. E tanto um quanto outro são determinados em modos diversos segundo as diferenças de interesses, de culturas e de valores que atravessam a sociedade.

Para tornar mais acessível a argumentação, limitar-me-ei à Itália. O primeiro problema que, no início dos anos noventa, se apresentou era honrar ou não os compromissos assumidos com a assinatura do Tratado de Maastricht [48]. Para isto acontecer, a Itália devia mudar o rumo. Nos quinze anos anteriores, ela fora governada com critérios divergentes daqueles seguidos nas outras grandes democracias européias. Dívida pública, déficit orçamentário, altas taxas de juros, diferencial de inflação, política de gastos, protecionismo econômico, modelo televisivo, atraso dos sistemas de rede e “democracia bloqueada” impediam nosso país de desempenhar o papel que dele se esperava. Logo em seguida à assinatura do Tratado de Maastricht, começaram pressões significativas das instituições européias para que a Itália mudasse as orientações de governo. Além disso, na década anterior, tais orientações produziram uma crescente discrepância entre Norte e Sul do país até o ponto de solapar sua unidade [49].

Em 1992, quem quer que vencesse as eleições se veria diante da necessidade de dar início à convergência com os parâmetros de Maastricht e de propor aos cidadãos “grandes sacrifícios” para sanear a economia. O saneamento podia ser buscado mediante escolhas unilaterais, impostas pelo núcleo exportador dos grupos econômicos muito mais amplos que haviam sustentado a coalizão pentapartidária [*], ou então mediante a promoção de políticas de concertação que redistribuíssem seus custos de modo equânime. Nem as forças de governo nem as de oposição percebiam a questão em jogo. Mas a velha aliança de governo chegara ao fim da linha, uma vez que as forças que a sustentaram estavam divididas pelos novos desafios da integração européia. Depois das eleições, o crescimento da Liga Norte, a explosão de Tangentopoli e as vicissitudes dos movimentos referendários propiciaram um rápido processo de deslegitimação da classe política de governo. Ao mesmo tempo, a Itália foi alcançada por uma crise da moeda que impôs uma pesada desvalorização da lira e o abandono do SME. Enquanto o sistema de partidos se desfazia, formava-se uma nova coalizão de forças e de interesses decididos a guiar o país até a “Europa de Maastricht”. Fato de absoluta relevância, tanto com o governo Amato (1992), quanto com o governo Ciampi (1993), aquelas forças buscaram um entendimento com o movimento sindical e com a oposição de esquerda, pondo fim a uma orientação histórica das classes dirigentes italianas, que jamais haviam reconhecido à esquerda a legitimação para governar. Formava-se, pois, uma coalizão europeísta, que pretendia incluir a esquerda no governo do país. Mas ela não era majoritária e se via combatida por um amplo alinhamento anti-Maastricht, cujo denominador comum era o nacionalismo econômico e cujas orientações ideais também se alimentavam de uma difusa aversão aos valores da modernidade. Por causa dos erros da esquerda, entre 1993 e 1994, estas forças coagularam-se rapidamente e, favorecidas pelos humores “antipolíticos” propagados pelos grupos do establishment que manipularam a “revolução” das Mãos Limpas, recolheram-se em torno de Silvio Berlusconi, sob a bandeira do novo partido por ele fundado no início de 1994. Assim, enquanto a esquerda buscava confusamente uma nova identidade, nascia uma nova direita, populista, plebiscitária, xenófoba e antieuropéia. Ela era heterogênea em termos de interesses e programas; mas, fato único na Europa, revelou uma capacidade extraordinária de agregar um amplo consenso majoritário e venceu as eleições de 1994 [50].

6. Interesse nacional e interesse comum europeu

Com esta realidade teve de haver-se o PDS [Partido Democrático de Esquerda], nascido em 1991 a partir da dissolução do PCI. Em 1992-1993, ele representava quase tudo o que restava da esquerda reformista e foi obrigado, antes de mais nada, a ajustar contas consigo mesmo, uma vez que as bases programáticas sobre as quais surgira eram exíguas e a cultura política da qual se nutria era subalterna e ambígua. Não dispunha de uma análise apropriada das mudanças dos últimos vinte anos e estava permeado de humores maximalistas. Ambos os elementos tornavam-no antes o continuador do PCI dos anos oitenta do que uma força do novo reformismo europeu. Todavia, com a “virada” da Bolognina fora dado o passo decisivo: a parte mais consistente do PCI saíra do estado de menoridade a que a ligação com a URSS o havia condenado e, com a entrada na Internacional Socialista, dispunha pela primeira vez de conexões internacionais mais úteis [**]. Além disso, a dissolução do PCI liberalizara o mercado político, e o PDS estava desafiado a completar sua evolução reformista para poder aspirar ao governo. Com a mudança do seu líder, em 1994, produziu-se uma significativa mudança de estratégia.

A primeira inovação foi introduzida no plano da análise. Tratava-se, antes de tudo, de compreender as razões da derrota. Estas foram sintetizadas na incapacidade de propor um novo “pacto social” que substituísse a velha “aliança dos produtores”, na qual se baseara o consenso da esquerda nos anos do ciclo fordista e da construção do Welfare. Apontou-se como conteúdo deste pacto uma articulação entre as reformas do sistema econômico e a reforma do Estado social, tendo em vista a modernização do país e sua reinserção entre os protagonistas da integração européia. Isto significava dar uma perspectiva política à coalizão de forças europeístas que, a partir de 1992, havia dirigido o país abalado pela crise do velho modelo de desenvolvimento e pelo colapso do sistema de partidos, bem como precisar as alianças que permitissem ao PDS assumir um papel de governo. Aos conteúdos econômico-sociais do “novo pacto” correspondia uma aliança da esquerda reformista com o centro católico-democrático. Por outra parte, um capítulo fundamental da europeização do país era constituído pela reforma do sistema político e pela realização de uma democracia da alternância. Diante de uma direita que assumia as características sumariamente descritas, deviam se unir as forças cujas raízes residiam nas culturas políticas que marcaram a história da República. Em terceiro lugar, o panorama das forças políticas que emergiam delineava o cenário de um bipolarismo de coalizões, e o centro-esquerda, em particular, não podia ser concebido como uma aliança eleitoral entre partidos, mas devia assumir os traços de uma coalizão não passageira, protagonista do desafio em torno do governo. Lançavam-se, assim, as premissas de um “novo reformismo”, uma vez que o modo pelo qual se interpretava o interesse nacional estava estreitamente ligado à perspectiva de um papel destacado da Itália na definição do interesse comum europeu. Por motivos históricos que remontam a todas as vicissitudes do século XX, na última década o intérprete deste reformismo não foi um novo partido, mas uma coalizão não ainda bem definida: a Oliveira. Investigar suas origens, seguir seu percurso e tentar perscrutar seu futuro é o tema que pusemos no centro das páginas que se seguem.

Giuseppe Vacca é presidente da Fundação Intituto Gramsci, em Roma. Este texto é o prólogo do livro Il riformismo italiano — dalla fine della guerra fredda alle sfide future (2006). Foi também publicado em La Insignia.


Notas
[1] N. Bobbio. Destra e sinistra. Roma: Donzelli, 1994.

[2] P. Nenni. Intervista sul socialismo italiano. Roma-Bari: Laterza, 1977.

[3] D. Sassoon. Cent’anni di socialismo. Roma: Riuniti, 1997.

[4] C.S. Maier. Alla ricerca della stabilità. Bolonha: Il Mulino, 2003.

[5] P. Togliatti. Sul fascismo. Introdução de G. Vacca. Roma-Bari: Laterza, 2004.

[6] R. Boyer – J. Mistral. “Le temp present: la crise”. Annales, 1983.

[7] G.E. Rusconi. La crisi di Weimar. Turim: Einaudi, 1977.

[8] M. Telò. La socialdemocrazia europea negli anni Trenta. Milão: Franco Angeli, 1985; Leonardo Paggi (Org.). Americanismo e riformismo. La socialdemocrazia nell’economia mondiale aperta. Turim: Einaudi, 1989.

[9] W. Korpi. Il compromesso svedese. Bari: De Donato, 1982.

[10] R. Boyer – J. Mistral. Accumulazione, inflazione, crisi. Bolonha: Il Mulino, 1985.

[11] K. Polanyi. La grande trasformazione. Turim: Einaudi, 1974.

[12] G. Caredda. Il Fronte Popolare in Francia 1934-1938. Turim: Einaudi, 1977; I. Ramone. La socialdemocrazia europea fra le due guerre. Dall’organizzazione della pace alla resistenza al fascismo (1923-1936). Roma: Carocci, 1999.

[13] S. Merli. Fronte antifascista e politica di classe. Socialisti e comunisti in Italia 1923-1939. Roma-Bari: Laterza, 1975.

[14] G. Vacca. “La lezione del fascismo”. Introdução a P. Togliatti. Sul fascismo, cit.

[15] F. De Felice. Fascismo, Democrazia, Fronte Popolare. Bari: De Donato, 1973; S. Pons. Stalin e la guerra inevitabile 1936-1941. Turim: Einaudi, 1995.

[16] G. Vacca. Gramsci e Togliatti. Roma: Riuniti, 1991; Id. Appuntamenti con Gramsci. Roma: Carocci, 1999.

[17] M. Vaudagna (Org.). Il New Deal. Bolonha: Il Mulino, 1981.

[18] J.L. Harper. L’America e la ricostruzione dell’Italia 1945-1948. Bolonha: Il Mulino, 1987.

[19] V. Mastny. Il dittatore insicuro. Milão: Corbaccio, 1998.

[20] S. Pons. Stalin e la guerra inevitabile 1936-1941, cit.

[21] Id. L’impossibile egemonia. L’Urss, il Pci e le origini della guerra fredda (1943-1948). Roma: Carocci, 1999; E. Zubkova. Quando c’era Stalin. Bolonha: Il Mulino, 2003.

[22] F. Gori e S. Pons (Orgs.). The Soviet Union and Europe in the Cold War 1943-1953. Londres: Mc Millan, 1996.

[23] C.S. Maier. Alla ricerca della stabilità, cit.

[24] B. Olivi. L’Europa difficile. Bolonha: Il Mulino, 1993.

[25] M. Telò. L’Europa potenza civile. Roma-Bari: Laterza, 2004.

[26] G. Vacca. Pensare il mondo nuovo. Milão: San Paolo, 1994.

[27] R. Gilpin. Politica ed economia delle relazioni internazionali. Bolonha: Il Mulino, 1990.

[28] A. Milward. The European Rescue of the Nation-State. Londres: Rowtledge, 1993.

[29] H. Van Der Wee. L’economia mondiale tra crisi e benessere (1945-1980). Milão: Hoepli, 1989.

[30] L. Paggi – M. D’Angelillo. I comunisti italiani e il riformismo. Un confronto con le socialdemocrazie europee. Turim: Einaudi, 1986.

[31] P. Spriano. Storia del Pci. Turim: Einaudi, 1975, v. 5; G. Vacca. Gramsci e Togliatti, cit.; R. Gualtieri. Togliatti e la politica estera italiana. Dalla Resistenza al Trattato di pace 1943-1947. Roma: Riuniti, 1995; S. Pons. L’impossibile egemonia, cit.

[32] A. Ventrone. La cittadinanza repubblicana. Forma-partito e identità nazionale alle origini della democrazia italiana (1943-1948). Bolonha: Il Mulino, 1996; G. Gozzini – R. Martinelli. Storia del Pci. Dall’attentato a Togliatti all’VIII Congresso. Turim: Einaudi, 1998; S. Gundle. I comunisti italiani tra Hollywood e Mosca. La sfida della cultura di massa (1943-1991). Firenze: Giunti, 1995; G. Vacca. Vent’anni dopo. La sinistra fra mutamenti e revisioni. Turim: Einaudi, 1993.

[33] R. Gualtieri (Org.). Il Pci nell’Italia repubblicana. Roma: Carocci, 2001.

[34] G. Vacca. Gramsci e Togliatti, cit.

[35] F. De Felice. “Doppia lealtà e doppio Stato”. Studi storici, 1989, n. 3; agora em Id. La questione della nazione repubblicana. Roma-Bari: Laterza, 1999; S. Pons. L’impossibile egemonia, cit.

[36] G. Vacca. Gramsci e Togliatti, cit.; F. Barca (Org.). Storia del capitalismo italiano dal dopoguerra a oggi. Roma: Donzelli, 1997; Y. Voulgaris. L’Italia del centro-sinistra. 1960-1968. Roma: Carocci, 1998; G. Vacca. Riformismo vecchio e nuovo. Turim: Einaudi, 2001.

[37] M. Aglietta. Régulation et crises du capitalisme. L’expérience des État-Unis. Paris: Calman-Lévy, 1976.

[38] R. Parboni. Il conflitto economico mondiale. Milão: Etas Libri, 1985; L. Thurow. Testa a testa. Usa Europa Giappone. La battaglia per la supremazia economica nel mondo. Milão: Mondadori, 1992; P.L. Ciocca. L’economia mondiale nel Novecento. Bolonha: Il Mulino, 1998.

[39] M. Pianta. Stati Uniti: il declino di un impero tecnologico. Roma: Lavoro, 1988.

[40] G. Vacca. L’informazione negli anni Ottanta. Roma: Riuniti, 1983.

[41] R. Parboni. “Il dollaro e l’economia mondiale”. In: A. Graziani (Org.). Il dollaro e l’economia italiana. Bolonha: Il Mulino, 1987; M. De Cecco. “I possibili volti del nuovo ordine economico internazionale”. In: S. Romano (Org.). L’impero riluttante. Gli Stati Uniti nella società internazionale dopo il 1989. Bolonha: Il Mulino, 1992.

[42] J. O’Connor. La crisi fiscale dello Stato. Turim: Einaudi, 1977.

[43] B. Olivi. L’Europa difficile, cit.

[44] M. Telò. Tradizione socialista e progetto europeo. Roma: Riuniti, 1988.

[45] M. Maggiorani. L’Europa degli altri. Roma: Carocci, 1998.

[46] G. Vacca. Vent’anni dopo. La sinistra fra mutamenti e revisioni, cit.

[47] P. Borioni (Org.). Revisionismo socialista e rinnovamento liberale. Il riformismo nell’Europa degli anni Ottanta. Roma: Carocci, 2001; R. Gualtieri (Org.). Il Pci nell’Italia repubblicana, cit.; S. Pons. “Berlinguer e la riforma del comunismo”. Italianieuropei, 2004, n. 3.

[48] G. Carli. Cinquant’anni di vita italiana. Roma-Bari: Laterza, 1996.

[49] G. Bodo – G. Viesti. La grande svolta. Il Mezzogiorno nell’Italia degli anni Novanta. Roma: Donzelli, 1997.

[*] No período final da “Primeira República”, entre 1980 e 1992, os governos italianos compunham-se de uma coalizão de cinco partidos: a DC, o PSI e três agremiações menores, que reuniam socialdemocratas, republicanos e liberais (PSDI, PRI e PLI). O “pentapartido” conclui-se com o conjunto de investigações e procedimentos judiciais conhecido como Operação Mãos Limpas, que desvenda a Tangentopoli, gigantesco sistema de corrupção incrustado no sistema de poder democrata-cristão e socialista. [N. do T.]

[50] G. Vacca. Per una nuova Costituente. Milão: Bompiani, 1996.

[**] Em 12 de novembro de 1989, três dias após a queda do Muro de Berlim, Achille Occhetto, então secretário-geral do PCI, reúne-se com alguns velhos combatentes da Resistência na seção da Bolognina, um bairro popular de Bolonha, e anuncia a intenção de dar início ao debate que levaria à dissolução do PCI e à fundação do PDS dois anos mais tarde. No contexto desta transformação, uma corrente minoritária daria origem à Refundação Comunista. Em 1994, Occhetto seria substituído por Massimo D’Alema à frente do PDS. [N. do T.]

Tropa sem cabeça


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O sinal mais evidente de que o anúncio de uma candidatura do PMDB à presidência do Senado caiu no Congresso como um blefe, foi a decisão do PT de não retaliar, honrando o acordo de apoiar o pemedebista Michel Temer para a presidência da Câmara.

Se era briga o que os senadores queriam, por ora brigarão sozinhos. Se desejam algo mais, precisarão esclarecer o quanto antes qual a natureza da demanda (s) ou, então, ir em frente e pagar para ver.

O problema é este: pagar com qual cacife se o PMDB não tem candidato muito menos consenso na bancada de que esse é realmente o melhor caminho?

Por enquanto, o partido só tem tamanho. A maior bancada, de 20 senadores, revoltada com a hipótese de entregar ao PT - o quarto em número de senadores, atrás do DEM e do PSDB - o poder de fazer chover, brilhar o sol e, sobretudo, assumir os espaços mais relevantes em termos de influência dentro da estrutura do Senado.

Mais que isso: entregar o posto ocupado pelo partido desde que o mundo é mundo em matéria de governo Luiz Inácio da Silva.

Consta que o senador José Sarney aceitaria a missão, desde que pelo método da aclamação. Geral, não apenas na bancada do PMDB. Se essa é a condição, Sarney apresentou para ficar de fora sem se obrigar a dizer sim nem não, mas deixando no ar preservada a imagem de unanimidade inconteste.

Senão, vejamos a situação retratada na reunião de quarta-feira à tarde, que decidiu pela “candidatura própria” - uma expressão que no PMDB pode ter vários significados, nunca o explícito, conforme nos conta a história recente das candidaturas próprias à Presidência da República.

Dos 20 senadores reunidos, seis foram declarados fora do páreo. Quatro de maneira voluntária, Geraldo Mesquita, Valdir Raupp, Roseana Sarney e Romero Jucá, este muito mais interessado em cumprir o acordo com a Câmara para suceder a Michel Temer na presidência do PMDB.

Dois de forma compulsória: Renan Calheiros, por causa da renúncia em troca da absolvição das acusações por quebra de decoro parlamentar, e Garibaldi Alves, cuja possibilidade de reeleição encontra obstáculos jurídicos e políticos. Em vias de reexame, é bom que se diga.

Sobram 14. Metade deles são suplentes, o que significa que não tiveram um voto sequer e, portanto, até pelos padrões vigentes seria um acinte levar qualquer um deles à presidência da Casa.

Entre os restantes há os insignificantes e os contestados por problemas de diversas naturezas, incluindo os engates judiciais. Sobra Sarney e sua atitude de esfinge.

Para que fosse aclamado seria indispensável a unidade da bancada que não é a aparente. Os partidários do cumprimento do acordo com o PT ficaram calados na reunião.

Pois se Sarney não tem os votos garantidos entre os correligionários, muito menos os terá dos outros partidos, cada qual cuidando de seu interesse sob o assédio constante, cotidiano e vigilante do candidato petista, Tião Viana.

Macio, aborda os colegas examinando as chances de amolecer seus “duros corações”. Com essa conversa, já conquistou o PSB e o PDT, fora, claro, o PT, parte do PSDB, mais um naco silencioso do PMDB.

Há chance de José Sarney ser ungido à presidência? Há. Mas para isso ele precisaria abrir a guarda, dizer que é candidato. Por enquanto, só insinua e o tempo passa.

Outros compromissos vão se firmando nos bastidores. No momento ainda permanece de pé a idéia de que o presidente Lula possa resolver o problema, apaziguar o PT e dizer ao senador “toma que o filho é teu”.

Nesse caso, seria o patrono da candidatura, empurrando a oposição para longe dela, inviabilizando o plano da aclamação.

As coisas, como se vê, são um tanto mais complicadas quando um partido abre mão de ser o condutor para se acomodar como passageiro no projeto de poder da escolha do alheio.

Nelson Rodrigues

No caso específico do deputado Paulo Pereira, a absolvição no Conselho de Ética deveu-se ao poder do cargo acumulado de presidente da Força Sindical, com 1.350 sindicatos filiados e 6,5 milhões de trabalhadores representados.

O Legislativo atua de costas para a sociedade, mas não quer confusão com massa manobrada.

Agora, de modo geral, as absolvições em massa revelam o medo do juiz de hoje ser o condenado de amanhã. Uma ação preventiva que acabam entregando suas excelências: se temem muito é porque devem muito também.

O Congresso reclama que é criticado demais, mas convenhamos: a opinião pública às vezes nem sabe porque bate, mas os parlamentares sempre sabem direitinho porque apanham.

Sine die

Acordo entre governo e oposição marcou para março de 2009 a votação da proposta de reforma tributária na Câmara, data que desde logo fica instituída como o Dia Nacional das Calendas Gregas.

Lula testa Dilma no dique de contenção


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Com gritos de guerra "Dilma, Dilma, Dilma", 57 movimentos sociais reunidos em cerimônia no Palácio do Planalto na semana passada, manifestaram, pela primeira vez, apoio público à candidatura de uma sorridente ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Além de representação do DEM contra a ministra impetrada junto à Procuradoria Geral da República, a manifestação gerou sinalizações de como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende contabilizar os prejuízos da crise a seu favor.

A ausência do presidente, que de última hora, resolveu embarcar num helicóptero para sobrevoar a enchente no Vale do Itajaí, foi providencial. O prestígio angariado junto a esses movimentos, a quase totalidade dos quais, conveniados com programas sociais do governo, é parte do capital político exibido pelo presidente da República. Ninguém como ele consegue contê-los, acredita boa parte da elite empresarial que o apoiou em duas eleições presidenciais seguidas. Nem mesmo a ministra escolhida.

Dilma Rousseff, que já contava com a simpatia de largas fatias de setores do empresariado, ampliou esse prestígio com o comando do agora incerto Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas para esse público de movimentos sociais, a ministra, sempre afeita a temas de infra-estrutura no governo, ainda é um personagem distante.

O evento da semana passada, que conseguiu produzir, em tempo recorde, um texto único de sugestões para o enfrentamento da crise reunindo entidades tão díspares quanto o MST e a Federação Única dos Petroleiros, é uma demonstração de que o presidente aposta na transferência da agenda tensão-social-sob-controle para sua escolhida. Ontem, Dilma voltou à cena no encontro com as centrais sindicais. Não conseguiu lhes adiantar uma única medida que o governo possa tomar para minorar o desemprego, mas já está afinou o discurso de palanque: "O governo não quer comprometer o que conquistou".

Não bastassem os números que se avolumam sobre demissões em massa no Brasil, a crescente preocupação mundial com esta agenda ficou patente, no fim de semana, durante a reunião do Partido Comunista Chinês (PCC).

Nesta reunião, segundo a versão eletrônica do "China Daily", jornal do PCC, o presidente Hu Jintao alertou seu partido de que a China "está sob crescente tensão decorrente de sua grande população, recursos limitados e problemas ambientais".

Citando nominalmente o presidente, que também é secretário-geral do partido, o jornal diz que "esforços devem ser feitos para resolver os problemas que dizem respeito aos interesses do povo, com o objetivo de alcançar um crescimento econômico e social rápido e saudável e melhorar as condições de vida do povo".

Em artigo no último número da "New Left Review", O professor do departamento de Sociologia da Universidade John Hopkins, Joel Andreas, monta o pano de fundo das preocupações do governo chinês.

Em 1978, quando Deng Xiaoping deu início à abertura econômica, o coeficiente de Gini (parâmetro internacional de medição de desigualdade, tanto maior quanto mais próximo de 1 e tanto menor quando se aproxima de 0), era de 0,22. Pontuava como uma das menores taxas do mundo. Em 2006, a taxa chegaria a 0,49, superando os Estados Unidos e aproximando-se perigosamente do sempre finalista deste campeonato, o Brasil, com 0,50.

A preocupação demonstrada no pronunciamento de Hu Jintao foi de que essa desigualdade crescente, devido à dificuldade de tirar da pobreza a ainda majoritária população rural chinesa, pudesse vir a crescer não apenas pelas demissões de dezenas de milhões de operários, mas também pelas medidas liberalizantes de uso da terra anunciadas em outubro em nome da segurança alimentar.

A China vai torrar US$ 600 bilhões para evitar que o crescimento econômico, que foi de 12% no ano passado, e deve fechar 2008 em 9%, caia aquém dos 7% em 2009 e detone o barril de pólvora da multidão de desempregados urbanos que se mesclam aos empobrecidos migrantes rurais.

Secretário de Relações Internacionais do PT e um dos mentores do intercâmbio entre seu partido e o PCC, Valter Pomar diz que é clara a preocupação do partido chinês com o crescimento das insatisfações sociais, mas descarta as chances de ocorrer um novo 1989, que culminou com o massacre da Paz Celestial. "Foi uma mistura de processos, como os primeiros efeitos das reformas de 1978, o saudosismo da Revolução Cultural e os impactos da crise do socialismo, que não se repetirão mais", diz.

Em seu artigo, Joel Andreas conclui que a crise financeira, apesar de contribuir para diminuir a desigualdade entre nações, certamente exacerbará as desigualdades internas dos países, em particular na China.

No Brasil, se o governo brasileiro for capaz de atravessar a turbulência sem mexer na imensa rede de proteção social ancorada no bolsa-família, na Previdência e na valorização do salário mínimo, a crise, aguda na classe média dos centros urbanos do centro-sul, poderá ser mais contida no resto do país.

A dúvida é se a equação será factível com a ampliação do consenso, ao qual já aderiu o presidente, de que é hora de sacrificar o custeio para manter os investimentos. Por custeio, leiam-se excessos de generosidade como a MP dos servidores, que encastelará ainda mais a elite do funcionalismo público em meio a um setor privado em crise, mas também todo o financiamento dos programas sociais do governo.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Prévia não substitui liderança


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não sei que tipo de praga costuma atacar os presidentes, governadores, prefeitos ou líderes quando terminam o mandato e se recolhem às delícias da rotina doméstica. Dura pouco mais que uma rosa a curtição da preguiça. O poder é como qualquer vício, difícil de ser eliminado sem tratamento médico e até internamento.

Os ex que viajam com recursos próprios ou convidados para palestras e cursos conseguem prolongar a falsa sensação de alívio. Logo o banzo verga o espinhaço da soberba e açula a vaidade para a volta ao palco.

Toda esta lengalenga vem a propósito da equivocada proposta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – que exerceu dois mandatos, inaugurando a perniciosa reeleição e, nos seis anos dos dois mandatos do presidente Lula, viajou pelos quatro cantos do mundo, sempre paparicado como sociólogo de reputação internacional – da realização de prévias para a escolha do candidato do PSDB à Presidência em 2010.

No caso, o embaraço dos tucanos não é por carência de candidato, como ocorre com o PT do presidente Lula, mas pelo virtual empate entre os dois aspirantes com títulos e votos equivalentes.

Ora, como não seria levada a sério uma escolha com os dois candidatos decidindo a vaga no jogo de palitos ou no cara e coroa, a mais credenciada figura do partido apelou para as prévias.

E não deixou por menos: depois do encontro com o governador de Minas e candidato Aécio Neves, foi lançada aos quatro ventos a fórmula democrática para decidir a dúvida que maltrata a alma tucana: atribuiu-se à Comissão Executiva do partido a sugestão do modelito, com todos os filiados com direito a voto. Mas, para não ficar na vulgaridade da contagem de votos decidindo o resultado, o sofisticado voto seria ponderado, considerando o número das regiões do eleitor e a votação do partido em 2008.

No final da maratona e de serenada a rebelião interna com os protestos dos derrotados e as suspeitas de trampas, as urnas indicariam 80% dos delegados e os demais 20% seriam dos tucanos condecorados com mandatos parlamentares.

É improvável que o bom senso não vete a balbúrdia que o estapafúrdio modelo importado ameaça o PSDB.

Ora, a memória nem sempre atrapalha. Às vezes ajuda a recolher o cascalho de lições do passado. No Brasil, prévia sempre foi sinônimo de crise: na escolha de Orestes Quércia, em 1994; de Garotinho, em 2006 para ficar nos exemplos mais recentes.

E para mal dos pecadores, deixa no partido de crista baixa, a sensação depressiva da legenda sem liderança, com comando frouxo e acovardado, com medo de assumir o risco de decidir. E racha o partido. O derrotado jamais se confirma com a sua liquidação no jogo de cartas marcadas de uma eleição interna.

Os tucanos estão empanturrados com a fartura de candidatos. O oposto do governo, que só tem uma candidata, a ministra Dilma Rousseff, escolha pessoal de presidente Lula, com a autoridade de sua liderança que não se omitiu e enfrentou o risco de eleger a sua chefe da Casa Civil, que nunca viu a cor do voto nem apareceu ainda nas pesquisas.

Entre os muitos defeitos atribuídos ao falecido ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, reincidente candidato à Presidência com os fiéis 2 milhões que tanto intrigavam ao ex-governador Otávio Mangabeira, não se poderia incluir o de fugir dos desafios do exercício da liderança.

Numa entrevista a poucos repórteres, na porta do Hotel Copacabana Palace em que se hospedava, sem paletó, com a camisa de mangas curtas, Ademar estendeu o braço cabeludo na direção do infinito e mostrou como indicava o rumo e liderava o PSP:

– É por aqui, macacada...

Direitos humanos


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A mudança de postura da política de segurança nacional do governo Barack Obama está recebendo tanta atenção quanto as medidas econômicas que deverão ser anunciadas logo nos primeiros dias de governo, a partir de 20 de janeiro. O futuro ministro da Justiça, Eric Holder, tem pela frente uma das missões mais espinhosas, a de conciliar uma política de segurança interna que não favoreça novos ataques terroristas com a adoção de medidas que garantam a premissa da lei e a garantia dos direitos humanos. Holder tem uma longa folha de serviços prestados na área da Justiça, e era uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, depois de ter tido palavras de apoio logo em seguida aos ataques de 11 de setembro de 2001.

No impacto dos atentados, Holder admitiu que os Estados Unidos estavam em meio a uma guerra e que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.

Sua posição evoluiu para uma crítica contundente, chamando a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.

Ontem, Eric Holder, que será o primeiro afro-descendente a assumir o Ministério da Justiça, reuniu-se com 12 generais e almirantes reformados, membros de uma ONG chamada Direitos Humanos em Primeiro Lugar, para discutir as técnicas de interrogatório utilizadas pelo governo americano e a política de detenção.

Eles defenderam que técnicas como o afogamento, que não foram consideradas tortura por interpretações jurídicas distorcidas pelo atual Ministério da Justiça, sejam banidas das prisões americanas, e que todas as agências de informação utilizem o mesmo critério de respeito dos direitos humanos no combate ao terrorismo.

Essa mesma preocupação domina toda a nova postura da diplomacia americana, inclusive nos países em que os Estados Unidos estão envolvidos em guerras.

Uma das principais preocupações será fortalecer as instituições democráticas nos países aliados para propiciar o surgimento de um ambiente favorável em que prevaleça a "letra da lei" e a igualdade de direitos.

A orientação da futura administração é que não é possível defender a democracia pela imposição da força, nem sem dar o exemplo moral, que tem que começar pela maneira como as autoridades americanas enfrentam o terrorismo sem adotar ilegalidades a pretexto de defender a democracia.

O repórter Bob Woodward, do "Washington Post", que, junto com o colega Carl Bernstein, tornou-se famoso ao denunciar o caso Watergate - que derrubou o então presidente Nixon -, conta uma história a respeito do general reformado Jim Jones, que será o conselheiro militar da Casa Branca. O episódio mostra bem sua maneira de agir, que se encaixa perfeitamente na postura requerida pelo presidente eleito Barack Obama.

Conta Woodward que, quando era comandante das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o general visitou um país que queria entrar para a organização e, para impressionar o general, montou uma exibição das qualidades bélicas de seu exército.

Entre as muitas manobras exibicionistas, havia uma em que um soldado atirava entre as pernas de outro para atingir um alvo colocado atrás.

Encerrada a exibição, o general Jones disse ao comandante do exército local que aqueles malabarismos não faziam nenhum sentido "por que não se atira entre as pernas de ninguém quando se está em uma guerra".

Propôs então ao comandante que seu exército fosse treinado por militares da Otan, para que depois pudesse ser aceito na organização, o que realmente aconteceu.

Um dos pontos mais importantes do futuro plano do governo Obama é exatamente o treinamento em diversos níveis dos países aliados que necessitem reforçar suas instituições democráticas.

Seria uma maneira de espalhar a democracia pelo mundo, como alegava ser seu propósito o presidente George Bush, sem no entanto impô-la pela força, mas pelo exemplo e pelo estímulo.

O governo Obama deve retomar uma política de direitos humanos que teve muita força durante o governo democrata de Jimmy Carter, um exemplo que Obama considera importante ser seguido, muito embora Carter seja tido como melhor ex-presidente do que foi como presidente.

Também a escolha de Susan Rice como embaixadora dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU), num nível de ministério, dá a medida da importância que a futura administração dará ao papel da ONU e à atuação do país como indutor de atitudes mais ativas do organismo em casos de genocídios.

Ela, que era sua principal assessora internacional durante a campanha, é defensora de "ações dramáticas" contra genocídios como os ocorridos em Darfour ou Ruanda, inclusive ações militares para impedir os assassinatos em massa.

A rainha e eu


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Recebi uma surpreendente chuva de e-mails a propósito da coluna de ontem, em que defendi regras básicas e mais rígidas para que a Folha aceite palpites de economistas. Surpreendente primeiro pela quantidade. Temas econômicos mobilizam menos o leitor.

Surpreendente também por ter sido a primeira vez na vida em que todos os bilhetes eram favoráveis -até de uma economista (Maria do Rosário Peixoto, do Rio de Janeiro).

Mas o que me leva a voltar ao assunto é a incrível coincidência de o jornal espanhol "El País" ter dedicado ao tema, no mesmo dia em que saiu a coluna, duas páginas inteirinhas. Conta inclusive que a rainha da Inglaterra fez uma visita solene à mitológica London School of Economics.

Depois do protocolo de praxe, sacou da algibeira a seguinte pergunta: "Por que ninguém foi capaz de antecipar o que desabou sobre nós?".

Pois é, rainha, fico feliz de ter sua nobre companhia. "El País" foi bem além do que meu modesto espaço me permitia, para contar coisas do arco da velha. Como: 1 - Há um ano, pediu a 15 corretoras da Bolsa um palpite sobre o nível em que estaria a Bolsa madrilenha em dezembro.

Na média dos palpites, deu 17,3 mil pontos. Na vida real, está em 9.000 pontos.

2 - Crédit Suisse, UBS, Citigroup, JPMorgan, Deutsche Bank, Goldman Sachs, BNP Paribas são mega-instituições que, em conjunto, analisam ações de 10 mil companhias.

Em junho (detalhe: um ano depois de eclodida a crise das subprimes), só 13% de seus conselhos eram para vender ações (a propósito, você reviu os conselhos do economista-chefe de seu banco?).

3 - Saindo do setor privado, o FMI dizia, em janeiro de 2007, que os Estados Unidos cresceriam 3% em 2008. Agora, a nova previsão é de magro 1,4%, a metade, portanto.

Repito: jogadores de búzios fariam melhor. E mais barato.

O espírito animal do capitalismo


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Não há como escapar de uma queda do PIB no 4º trimestre deste ano e, provavelmente, no 1º de 2009

KEYNES É muito mal compreendido. Duas de suas fascinantes contribuições não têm o destaque necessário entre os economistas. A primeira é a visão de que o investimento (e não o consumo) é o condicionante principal da demanda, estando especialmente sujeito a mudanças bruscas no "espírito animal" dos agentes. A segunda é a descrição dos mecanismos usados por empresas e investidores, no período de bonança, para multiplicar o crédito no sistema. É um processo que permeia o tecido econômico de variadas formas, mas que fragiliza progressivamente a economia conforme o período de expansão matura.

A interação entre o espírito animal do empresário (e do consumidor) e a capacidade da economia de multiplicar o crédito é o mecanismo a partir do qual se gera a semente da crise. Quando o otimismo domina, o espírito empreendedor leva as pessoas a correrem riscos, com aumento do endividamento, em razão da perspectiva de geração de lucros maiores e do aumento dos salários.

A valorização das ações também atua para aumentar o potencial de endividamento do sistema. Em algum momento, por qualquer razão, muda-se a percepção sobre a capacidade desses fluxos em sustentar o edifício de dívida e ocorre o desmonte. Faço essas observações para contextualizar a mudança de dinâmica ocorrida no Brasil na passagem de setembro para outubro. Essa data coincide com o agravamento da crise financeira nos EUA, após a quebra do banco Lehman Brothers.

Gosto muito da imagem que associa a crise de hoje, e sua propagação, a um processo de metástase no corpo humano. A quebra do Lehman representou o momento em que a interrupção do crédito se espalhou e tomou conta de segmentos da economia que ainda estavam preservados. E o Brasil fazia parte desse grupo.

Isso porque o elemento crucial para o funcionamento da moderna economia capitalista -a confiança- deixou de existir.

Durante os últimos dois anos, vivemos um período de grande confiança, com o consumo crescendo muito acima da capacidade de produção das empresas brasileiras. Não por outra razão as importações cresceram de forma vigorosa, ocupando um espaço nunca visto em nossos mercados. O espírito animal dos empresários brasileiros os levou a aumentar a capacidade de produção de suas empresas e o investimento privado cresceu a taxas quase inacreditáveis para o padrão dos últimos 20 anos. A aceleração de nosso crescimento nos últimos trimestres foi motivada claramente por esse movimento.

Mas, com a metástase da crise do "subprime", o quadro mudou. Se a produção industrial em outubro surpreendeu mesmo o analista mais pessimista, a de novembro deve provocar um ruído ainda maior. Basta olhar para os números já divulgados pela Anfavea em relação à produção de veículos. Não há como escapar de uma queda do PIB no quarto trimestre deste ano e, provavelmente, no primeiro de 2009. As previsões já estão sendo revistas para baixo, deixando a estimativa do governo de um crescimento de 4% no campo da chacota.

Nestes momentos de insegurança em relação ao futuro, o governo deve liderar, com autoridade e responsabilidade, a sociedade. Tentar enfrentar tempos mais bicudos escondendo da opinião pública a realidade dos fatos sempre acaba muito mal. O presidente Lula e seus ministros estão fazendo uma aposta de alto risco ao vender uma economia que não existe mais.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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