sábado, 25 de setembro de 2021

Ascânio Seleme - Casa dos horrores

O Globo

No Brasil, Prevent Senior parece apenas mais um caso dos muitos que já foram banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei

Coma exceção do Afeganistão e talvez da Síria, que têm problemas mais urgentes e tenebrosos, todos os países do mundo tratariam como escândalo espantoso um episódio como o da Prevent Senior. Não apenas porque a prestadora de serviços de saúde ministrou remédios sem eficácia a seus pacientes, mas porque usou parte da sua clientela, velha e indefesa, para fazer testes e experiências que resultaram na morte de pessoas. No Brasil, parece apenas mais um caso dos muitos que já foram banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei.

Os dados até aqui revelados pelos repórteres Ana Clara Costa e Guilherme Balza não deixam margem para dúvida, a Prevent Senior agiu deliberadamente de maneira criminosa e odienta. Desrespeitou o direito dos pacientes e seus familiares, não cumpriu com o seu dever profissional, moral e ético, omitiu ou fraudou informações e mentiu. O pacote de absurdos praticados por orientação expressa dos dirigentes da empresa, que alguns médicos se recusaram a obedecer, precisa ser ainda esmiuçado e em seguida seus responsáveis punidos com toda a extensão e com o absoluto rigor da lei.

Além de matar pacientes, as orientações dadas aos funcionários da Prevent Senior serviriam também para esculachar os doentes com experimentos sem qualquer apoio científico e sem autorização formal de pacientes, famílias ou entidades que regulam o setor, como a Anvisa. A empresa diz que a orientação era dos médicos, não do seu corpo administrativo. Mentira. As reportagens mostram o contrário. Há casos, já fartamente documentados, de clientes da Prevent Senior que ligavam para a empresa para relatar casos de Covid e recebiam em casa horas depois, sem pedir, kits de cloroquina, ivermectina e outras drogas comprovadamente ineficientes no combate à doença.

Pablo Ortellado - O bolsonarismo interpreta 2013

O Globo

Estreou em São Paulo o filme “Nem tudo se desfaz”, de Josias Teófilo. É uma leitura equivocada, porém muito interessante e reveladora, da história brasileira recente, ligando os protestos de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a crise do governo Temer e a eleição de Jair Bolsonaro.

Em 1985, Luc Ferry e Alain Renaut publicaram “O pensamento 1968”, que apresentava os protestos de maio de 1968 na França como um avanço do individualismo e as obras de Foucault, Derrida, Bourdieu e Lacan como expressão desse movimento. O filósofo Cornelius Castoriadis, que participou dos protestos, se indignou com a “ligação falaciosa” entre as manifestações e as obras de autores que “lhes eram completamente estrangeiras” e se surpreendeu como, passados poucos anos, com os protagonistas ainda vivos, um evento político de grande magnitude podia ser apresentado como seu oposto.

Algo assim aconteceu também com junho de 2013. Não deveria haver controvérsia sobre o que pediam os protestos. Diferentes pesquisas de opinião investigaram os manifestantes e encontraram sempre dois conjuntos de reivindicações simultâneas: de um lado, reivindicações sociais — transporte, educação e saúde; de outro, o combate à corrupção.

Carlos Alberto Sardenberg - Ignorância atrevida

O Globo     

Além de se manifestar contra a vacinação em geral, o presidente afirmou três vezes, somente nesta semana, que a CoronaVac não tem eficácia científica comprovada. Por outro lado, o Ministério da Saúde informou que já distribuiu mais de 101 milhões de doses da CoronaVac.

Vai daí que: ou o presidente mente descaradamente ao declarar ineficaz uma vacina aprovada e distribuída por órgãos técnicos de seu governo; ou o Ministério da Saúde engana descaradamente a população brasileira ao oferecer um medicamento imprestável.

Em qualquer caso, temos aí um crime grave, sempre de responsabilidade direta do presidente Bolsonaro. Ele costuma colocar a culpa nos outros, mas não tem como dizer que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é o único responsável pela aplicação da vacina do Instituto Butantan.

Como a eficácia da CoronaVac tem farta comprovação científica, no Brasil e em outros países, como Chile, para não citar a China, produtora original da vacina, a conclusão é inevitável: Bolsonaro mente.

Fernando Schüler* - A democracia aprendiz

Revista Veja

A cada novo embate, no plano das instituições, nos tornamos mais fortes

Desde o início do atual governo, e mesmo antes, escutamos que nossa democracia está por um fio, que estamos muito perto do abismo, que andamos, a cada duas ou três semanas, na iminência de um “golpe”. Nos últimos tempos tivemos o golpe do general Braga Netto, que teria ameaçado o presidente do Congresso (ambos negaram); o golpe do desfile de tanques, em Brasília, que terminou no impagável fumacê. E, claro, o do 7 de Setembro, com direito a toneladas de anúncios de invasão do Congresso ou de um novo 1964. No dia seguinte, a sensacional explicação: “o golpe fracassou”.

Bom humor à parte, a democracia supõe um estado permanente de atenção. Isso vale especialmente para Bolsonaro, que nunca escondeu seu gosto pelo regime autoritário e sua quase veneração por tipos como o coronel Brilhante Ustra. É razoável supor que se ele pudesse entrar em um túnel do tempo e se transformar no presidente Médici, nos anos 70, ele o faria com gosto.

A questão é que ele não pode. Daí seu repertório de bravatas e ameaças vazias. Não acatar determinações do Supremo, não aceitar eleições sem o voto impresso, e por aí vai. E a mais curiosa, que alguém sugeriu lembrar o velho Getúlio: “Daqui só saio morto”. Na sequência da fanfarronice, os sucessivos recuos. Sendo o último o mais espetacular. A “carta à nação”, explicando seus arroubos como “calor do momento”, dois dias depois daquela fala desastrosa na Avenida Paulista.

Murillo de Aragão - Ninguém manda no Brasil

Revista Veja

Somos uma sociedade plural onde atuam diversos polos de poder

As turbulências institucionais recentes provocaram temores no país quanto a potenciais rupturas e episódios de violência. No desenrolar dos acontecimentos, o presidente do STF, Luiz Fux, apresentou um cartão amarelo com tons de laranja que precipitou uma série de embaixadas entre atores políticos relevantes. O dito ficou pelo não entendido ou pelo mal-entendido.

Uma reflexão acerca dos episódios de 7 de setembro nos leva a uma questão essencial para entender o Brasil: quem, de fato, manda no país? A resposta não é fácil nem pacífica. Isso porque aqui há setores que mandam, mas não parecem mandar; e outros que pensam mandar, mas não mandam. Além do mais, o próprio conceito de “mando” é frágil.

Começando de trás para a frente e respondendo à indagação, digo que ninguém manda no Brasil. O país, como um organismo vivo, reage e atua com base em dezenas de inputs que levam a decisões que, por sua vez, são influenciadas pelos eventos. Sendo organismo vivo, temos inúmeros atores no jogo político.

Oscar Vilhena Vieira* - Legalizando a devastação ambiental

Folha de S. Paulo

Presidente e seus auxiliares não poupam esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental

Como era esperado, o pronunciamento de Jair Bolsonaro na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira (21), foi constrangedor. Maquiou dados sobre desmatamento e queimadas, mentiu sobre a corrupção, gabou-se de um inexistente sucesso econômico, além de se auto incriminar pelo apoio ao “tratamento precoce”.

Causaram surpresa, entretanto, os elogios à legislação ambiental brasileira, que “deveria servir de exemplo para outros países”, posto que o presidente e seus auxiliares não têm poupado esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental. Com a chegada de Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados, o presidente finalmente parece ter encontrado um braço forte disposto a legalizar o que a “exemplar” legislação brasileira hoje considera ilegal.

Alvaro Costa e Silva - Desinfeta e isola

Folha de S. Paulo

Único remédio eficaz é o afastamento definitivo

Bolsonaro e seus fâmulos armaram em Nova York um picadeiro de fazer inveja a P. T. Barnum (1810-1891), a quem é atribuída uma frase que sintetiza o mundo dos espetáculos: "Nasce um otário por minuto". Em seus circos, o empresário explorava anões, mulheres barbadas, irmãos siameses e o famoso elefante Jumbo. O presidente levou em sua comitiva ministros que deixam a cueca à mostra, dão o dedo do meio e fazem arminha e um filho que, entrevistado na TV, chamou o prefeito da maior cidade americana de "marxista".

Barnum se autointitulava King of Humbug —algo como Rei da Cascata ou da Trapaça. Bolsonaro quer roubar-lhe a coroa. Nas preliminares do discurso na ONU, encenou o conto do homem simplório. Comeu pizza no meio da rua e pediu picanha bem passada (burp!) na churrascaria, reprisando a farsa doméstica de se lambuzar com leite condensado no café da manhã. O prato custa US$ 50, por cabeça, mais que o auxílio emergencial.

Cristina Serra - Sobre médicos e monstros

Folha de S. Paulo

É preciso fortalecer o SUS e aumentar os investimentos no sistema

São estarrecedoras, mas não exatamente surpreendentes, as denúncias envolvendo a operadora de planos de saúde Prevent Senior. A suspeita de que há algo de podre na rede de hospitais da empresa abriu nova e necessária frente de investigação na CPI da Covid.

Entre as irregularidades, estariam a prescrição abusiva de medicamentos e tratamentos ineficazes, sem que os pacientes e seus parentes tivessem sido consultados. As ilicitudes apontadas incluem ainda ameaçar os médicos de demissão para que receitassem esses remédios e também fraude de suposta pesquisa científica, prontuários e atestados de óbito, o que resultaria em subnotificação de casos de Covid.

Hélio Schwartsman - A Darwin o que é de Darwin

Folha de S. Paulo

Recusa obstinada deve ser vista como autossacrifício pela melhoria da espécie

O Brasil está atrasado, mas vários países de renda alta e média já vão batendo no teto da vacinação contra a Covid, isto é, aquele ponto em que a cobertura deixa de avançar, embora haja doses disponíveis para quem deseje tomá-las. Características culturais fazem toda diferença. Israel, que saiu na frente na imunização, estacionou na casa dos 60% da população totalmente imunizada. A cobertura é alta para os idosos, mas entre os jovens a hesitação vacinal é grande.

Algo parecido vale para os EUA, que também largaram bem, mas pararam nos 55%. O que chama a atenção ali é a diferença de cobertura entre estados, que parece obedecer a padrões geográficos e políticos. A Europa ocidental, que, como o Brasil, começou mal, agora se encontra numa situação bem mais confortável. O destaque positivo é Portugal, que já vacinou mais de 80%. Mesmo a França, onde se temia forte resistência à vacinação, já ultrapassou os 60%.

Adriana Fernandes - A guerra das projeções do PIB

O Estado de S. Paulo

As manchetes do Estadão e dos principais jornais do País do último dia 15, estampando uma queda abrupta das previsões de crescimento para um patamar abaixo de 1% em 2022, promoveram tamanha inquietação entres os governistas que logo depois começou a tomar forma o acordão para a aprovação dos projetos mais imediatos para destravar o Orçamento.

Àquela altura, o presidente Jair Bolsonaro já tinha divulgado a “Carta à Nação”, escrita pelo ex-presidente Michel Temer após as manifestações do feriado de 7 de Setembro, e o comando do Congresso – Arthur Lira e Rodrigo Pacheco – insistia na tecla de que era preciso se voltar para o “Brasil real”.

O derretimento das previsões puxado pelo banco Itaú, que cortou a sua previsão de 1,5% para 0,5%, foi um banho de água fria na aposta do governo e de aliados na melhora do mercado. Ficou tudo fora de controle.

João Gabriel de Lima - O réveillon da discórdia

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro fica na retranca, cultivando e eletrizando sua base de eleitores fiéis

Era uma vez uma turma de jovens liberais que admiravam Ronald Reagan e Margaret Thatcher. No limiar do século 21, passaram um réveillon juntos. Foram dormir acreditando no “fim da História” – um mundo cada vez mais capitalista, democrático e globalizado. A ressaca veio 20 anos depois. Metade dos convivas não fala com a outra metade. Abriu-se entre eles um fosso com nome e sobrenome: Donald Trump.

A história é contada por Anne Applebaum,

pena mais inquieta da direita liberal americana, em O Crepúsculo da Democracia. O livro é um dos melhores lançamentos do ano da editora Record – que, sob a batuta de Rodrigo Lacerda, ex-colunista do Estadão, vem se concentrando em autores relevantes, como Applebaum, e descartando os irrelevantes, como Olavo de Carvalho. “Muitos de meus amigos chegam a trocar de calçada quando me veem”, disse-me Applebaum quando do lançamento do livro. Ela permaneceu do lado liberal – portanto, radicalmente anti-trump.

Marco Aurélio Nogueira* - Transformações e pesadelos

O Estado de S. Paulo

Democratas têm de saber usar a inteligência política para desenhar um caminho unitário

Há muito mais coisas no ar além dos tiranos de plantão. Eles perturbam porque são um subproduto delas. Sobrevivem porque manipulam os medos.

A nossa é uma época de transformações rápidas e profundas, que tumultuam o modo como vivemos. As mudanças fazem com que tudo pareça solto no ar, como se faltasse um centro de gravidade. As crises se sucedem, varrendo o que está instituído. É outro capitalismo, outro modo de trabalhar, outros padrões de família, outra escola, e assim por diante.

Os cidadãos, compreensivelmente, ficam atônitos. Carecem de referências e portos seguros onde ancorar. Frustrados por não conseguirem conquistar o que lhes é prometido, afastam-se de governos, partidos e políticos, responsabilizando-os pelo que não recebem, seja como direitos, seja como bens e serviços.

O estado de espírito coletivo passa a desconfiar da democracia, muitas vezes atacando-a como desnecessária ou prejudicial. O povo fica contra a democracia, escreveu Yascha Mounk. As pessoas têm raiva e pressa, o sistema democrático é lento e não inclui as grandes massas. As redes sociais canalizam essa miríade de vozes ressentidas. A democracia representativa entra em estado de sofrimento.

Bolívar Lamounier* - O poder da decadência

O Estado de S. Paulo

Poder político brasileiro é pateticamente débil, e nada autoriza a crer que logo seremos um colosso

Centenas de pessoas não perdem uma chance de cobrar “realismo” dos jornalistas e analistas políticos, como se a realidade política fosse uma coisa unidimensional, percebida sempre da mesma forma por toda a sociedade, hoje, amanhã e sempre.

Poucos se dão conta de que a “realidade” de hoje pode não ser a de amanhã, que por sua vez poderá diferir bastante da que teremos na próxima década. Esta observação seria inútil, se tivéssemos como superar as crises e acertar os rumos do País sem um grau razoável de convergência em nossas percepções. Sem esquecer que nossas preferências também divergem: alguns querem a democracia, outros anseiam por alguma forma de ditadura. Isso posto, peço licença para hoje escrever sobre uma realidade um tanto indefinida, que combina elementos de hoje com alguns de nosso passado histórico e outros situados no futuro, sendo que, sobre estes, é pouco o que nos é dado conhecer.

Dora Kramer - Delírio tropical

Revista Veja

Bolsonaro tem vocação autoritária, sonha com golpes, é refém de uma expressiva confusão mental, mas não tem estratégia oculta nem é um esperto por natureza

A cada episódio do espetáculo de desmoralização da Presidência da República estrelado por Jair Bolsonaro há dois anos e oito meses, as pessoas se perguntam qual é a razão de o presidente insistir na marcha da própria insensatez.

Buscam-se variadas motivações: na vocação ao autoritarismo, numa presumida esperteza bem planejada, em algum déficit no recôndito do cérebro presidencial ou mesmo na sinalização para um golpe de Estado.

Isoladamente, nenhuma delas satisfaz por ausência de razoabilidade fática na execução dos propósitos quaisquer que sejam eles. O conjunto dessas características sem dúvida presentes nos atos e palavras do presidente, e que por isso justificam as suspeitas, dá notícia de uma personalidade dada a delírios.

O maior dos produtos da confusão mental de Bolsonaro é a ideia de que nessa toada chegará à reeleição. O que mais se ouve por aí no rol de tentativas de explicar a série de tiros no pé é que ele fala “para sua bolha”. Assim a maior parte das análises sobre o espantoso discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU qualificou a passagem do presidente por Nova York.

Marcus Pestana* - Nem golpe, nem impeachment

Desde que me entendo por gente, assisti a inúmeros debates e palestras. Sempre me incomodou a figura retórica de certos oradores que começavam com a frase: “O Brasil vive a pior crise da sua história”. Era claramente um artifício para valorizar a fala. O Brasil viveu diversas crises graves. O suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio Quadros, o golpe de 64, as moratórias externas, a hiperinflação, recessões profundas, dois impeachments, entre outras. Fato é, que estamos mergulhados numa crise complexa e multifacetada.

Governar não é fácil. É fazer escolhas. Na democracia, muitas vezes a política resvala na demagogia. Mas, ou se enfrenta os problemas ou a demagogia vai cobrar um alto preço em algum momento futuro. Como disse Montesquieu: “O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso”. A legitimação do poder só é duradoura se os resultados aparecem e a realidade avança. A democracia gera o famoso sistema de freios e contrapesos como antídoto aos abusos de poder. Como afirmou o líder conservador irlandês, Edmond Burke: “Quanto maior é o poder, tanto mais perigoso é o abuso”.

Muita discussão houve sobre a máxima de Bismarck: “A política é a arte do possível”. Será? Ou será a arte de fazer possível o necessário? Ou até mesmo um dos lemas do maio de 68 na França: “Sejamos realistas, peçamos o impossível”? Independente disso, a política é o único instrumento capaz de mudar o mundo e a vida. Para avançar é preciso construir apoios majoritários. Assistimos, no Brasil, a dificuldade imensa de aprovação de reformas tributária e administrativa que mereçam o nome. Também, com 24 partidos representados no Congresso e uma dispersão disfuncional, onde o maior partido tem apenas pouco mais de 50 deputados. Hoje não há maioria e minoria organizadas no Congresso e a política, que avança na relação dialética entre cooperação e conflito, se caracteriza pela predominância quase absoluta do conflito, ditado pelo estilo de governar de Bolsonaro.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O desafio da verdade no debate público

O Estado de S. Paulo

Inerente a todo regime democrático, é fascinante a empreitada de propor ao eleitor racionalidade, responsabilidade e uma fundada esperança

As recentes pesquisas de opinião são, em boa medida, um forte alento. A maioria da população brasileira tem sido capaz de enxergar com realismo o que é o governo Bolsonaro. Segundo a última pesquisa Ipec, 68% dos brasileiros desaprovam a maneira como Jair Bolsonaro governa o País. Entre os brasileiros em idade de votar, 42% consideram o governo péssimo e 11%, ruim.

Perante a total disfuncionalidade do governo Bolsonaro, talvez esses números pareçam tímidos. Não se pode esquecer que 22% dos brasileiros continuam avaliando a administração federal como boa ou ótima. De toda forma – e tendo em conta o poder de sedução do populismo –, é especialmente alvissareiro constatar que a maioria da população não está mais refém da manipulação e da desinformação bolsonaristas.

Em sua maioria, a população entendeu quem é Jair Bolsonaro. O que o presidente da República diz continua causando vergonha e prejuízo ao País, mas já não recebe o mesmo crédito. Dois anos e meio de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto reduziram a força do bolsonarismo – e isso é uma excelente notícia para o País.

Poesia | Manuel Bandeira - Cartas de meu avô

A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.

Música | Geraldinho Lins - Hino da Ceroula / Voltei Recife