sexta-feira, 17 de maio de 2019

Opinião do dia: *José Murilo de Carvalho

• A nova equipe no Planalto revela falta de projeto nacional e uma escassa familiaridade com os processos do poder. Acredita que a força da ideologia – alardeada pela direita agora no poder – basta para garantir sua solidez no governo? Ou ele se desgasta aí pela frente?

Desgasta-se e se enfraquece. É um capitão cercado de generais (ainda bem) e por uma prole turbulenta, com visão estreita do mundo, sem plano geral de governo, com algumas propostas que podem ser desastrosas para o País, como as que se referem à política externa, à educação, ao meio ambiente, aos direitos humanos. Ele parece esquecer-se de que boa parte dos votos que o elegeram não foi a seu favor, mas contra o partido de seu adversário. Com pouco tempo na Presidência, já viu o apoio a seu governo cair a níveis mais baixos que os de seus antecessores. Seus dois ministros mais respeitados, o da Fazenda e o da Justiça, veem-se com frequência desautorizados e podem desembarcar do governo

*José Murilo de Carvalho, cientista político da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Letras, com mais de 20 livros publicados. Entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, 13/5/2019

*José de Souza Martins: Pesadelo kafkiano

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Como em "A Metamorfose", de Kafka, amanhecemos como o estranho ser que não somos

A cultura de uma escolaridade simples foi o espetáculo, nas últimas semanas, nas falas de membros do governo, que a expressaram em manifestações sobre diferentes temas da educação e da ciência. O ministro da Educação considerou-se vítima de um processo como o de kafta (churrasquinho árabe).

Provavelmente, quis dizer "O Processo", livro de Franz Kafka, escritor tcheco, autor de obras emblemáticas da literatura do absurdo. Como em "A Metamorfose", desse autor, amanhecemos, no dia 1º de janeiro, como o estranho ser que não somos. Esse é nosso pesadelo kafkiano.

O mesmo governo que sataniza a universidade pública tem um ministro da Economia, que foi bolsista do CNPq, cuja ascensão ao poder coincidiu com extemporâneas chamadas de reportagem de TV sobre a Universidade de Chicago. Onde ele fez cursos de pós-graduação depois de uma graduação na UFMG, universidade pública e gratuita. Os Prêmios Nobel de Chicago foram ressaltados. Nas boas universidades, porém, é a nota do próprio aluno, e não a nota dos outros, que diz qual é sua competência.

Faz lembrar Thorstein Veblen, em seu "A Teoria da Classe Ociosa", e sua tese sobre prestígio vicário que decorre da dependência em relação a quem tem prestígio próprio. Aqui, competência não é vicária: ou se tem ou não se tem. O país está à espera da comprovação de que a economia do ministro resolverá nossas questões sociais para criar mercado e resolver nossas questões econômicas.

*Fernando Abrucio: Bolsonaro é refém da lógica da guerra

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Numa sociedade democrática, governar é o inverso da lógica da guerra. O bom líder procura reduzir o alcance dos conflitos que são inerentes às democracias, por meio da negociação e da busca de consensos. Quando não for possível vencer, sua liderança crescerá se for capaz de aprender com as derrotas.

Mas muitos governantes seguem outra estratégia, como até agora tem sido o caso do presidente Jair Bolsonaro. Sua opção pelo guerrear constante tem deixado os atores políticos e sociais atônitos. A pergunta que fica é qual será o destino dessa estratégia para o presidente e para o país.

O estilo de governo de Bolsonaro alimenta-se da polarização e do ataque a inimigos padrão. Estes podem ser os petistas, os artistas, a universidade, a mídia e tudo aquilo que representa duas coisas: primeiro, algo diferente e/ou independente do pensamento bolsonarista, e, segundo, grupos, pessoas e ideias que significaram, de algum modo ao longo da história, um obstáculo à trajetória política do capitão-deputado e dos seus seguidores.

A lógica da guerra presente no bolsonarismo-raiz tem como consequência a construção de uma definição muito restrita de aliados e inimigos, que não capta grande parte da sociedade. E foi um enorme e majoritário contingente de atores políticos e sociais que, ao fim e ao cabo, elegeu Bolsonaro.

Bastaria optar por alianças estratégicas e táticas com o mundo para além da dicotomia e assim se produziria um governo com um grau suficiente de coerência e estabilidade para se governar o Brasil.

Só que não tem sido esse o caminho adotado pelo presidente Bolsonaro. O modelo mental que guia o bolsonarismo segue a máxima de que as ações necessárias para a montagem da governabilidade podem atrapalhar o principal objetivo, que é a demarcação rígida do terreno frente ao antagônico, o qual, se necessário, deve ser extirpado do jogo político.

Daí que a guerra contra o inimigo ocupa o principal lugar na estratégia política do presidente e de seus seguidores mais fiéis. Isso reduz a importância da conversa com o Congresso, particularmente com os partidos mais ao centro, pois isso pode tirar a pureza do "movimento renovador da política". Mais do que isso: os bolsonaristas não confiam nos políticos e na política como um exercício de convivência e barganha entre grupos com posições diferentes ou antagônicas.

Humberto Saccomandi: Eleições ameaçam enfraquecer a UE

- Valor Econômico

Avanço extremista vai dividir ainda mais o Parlamento Europeu

A premiê alemã, Angela Merkel, disse nesta semana que a Europa tem de se reposicionar para enfrentar os desafios colocados pelos três grandes rivais globais: Rússia, China e... os EUA. A declaração escancara o grau de degradação das relações entre europeus e americanos. Mas manter a Europa unida está ficando cada vez mais difícil. O Parlamento Europeu deverá sair mais fragmentado do que nunca das próximas eleições. Isso deve dificultar o processo decisório e enfraquecer a União Europeia.

Na semana que vem os cidadãos dos 28 países da UE vão eleger os 751 deputados do Parlamento Europeu. Pesquisas indicam que haverá um importante avanço de partidos extremistas e/ou populistas.

Alguns desses partidos têm o apoio, pelo menos político, de grupos ultraconservadores americanos próximos ao presidente Donald Trump, capitaneados por Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca. Essa direita trumpiana vê a UE como o epicentro do que chama de ideologia globalista, o seu maior inimigo e principal alvo.

Por ser uma entidade multilateral, na qual os países cedem soberania em troca de um projeto comum, a UE é atacada por essa direita unilateralista americana. Trump já disse que a UE é inimiga dos EUA. Ele apoiou fortemente o Brexit, a saída do Reino Unido do bloco europeu.

O Parlamento foi por décadas uma espécie de primo pobre das instituições europeias. Ele foi criado em 1958 como um órgão consultivo. A partir de 1979, seus membros passaram a ser eleitos diretamente. Aos poucos, e sob pressão por democratização da UE, o Parlamento foi ganhando poderes, até que, com o Tratado de Lisboa, de 2009, recebeu as suas atribuições atuais.

Ainda que não funcione do mesmo modo que um Legislativo nacional, o Parlamento Europeu tem hoje poderes importantes, como aprovar (mas não propor) as leis que regulam a UE, aprovar a indicação do presidente da Comissão Europeia (o Executivo da UE) e os acordos comerciais.

O Parlamento Europeu também foi por muito tempo uma espécie de segunda divisão da política nacional dos países da UE. Políticos sem cargo ou quase aposentados ganhavam uma sinecura no órgão. Os eleitores em geral pouco se interessavam.

Mas, com os novos poderes do Parlamento, isso está mudando. O atual presidente, Antonio Tajani, é frequentemente citado como possível candidato a premiê da Itália, uma posição que normalmente caberia a um político do Parlamento nacional. O presidente anterior, Martin Schulz, renunciou para se tornar líder do SPD, o Partido Social Democrata da Alemanha, outro cargo que costumava ir para um político de âmbito nacional.

*Fernando Gabeira: Os dilemas de Moro

- O Estado de S.Paulo

Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional

Não posso dizer que o ministro Sergio Moro me surpreenda, porque não o conheço bem. Nem posso avaliar o êxito de sua escolha, pois o governo apenas começa, apesar de tantos episódios cheios de som e fúria, significando nada.

Nos últimos meses, o Brasil vem reduzindo o número de assassinatos. A queda foi de 12,5% em 2018. Leio que em fevereiro a queda dos assassinatos no Ceará foi de 58%. Já analisei a situação do Ceará em artigos anteriores. Parte da derrocada do crime se deve à suicida ofensiva militar das facções. Derrotadas, tiveram de unir objetivos e parou a matança mútua.

Mas houve trabalho também por trás dessa redução. Do governo petista e de Moro. Um dos fatores foi a apreensão rápida dos carros roubados, graças às câmeras que identificam as placas e acionam o alarme. Carros roubados são fundamentais em ações criminosas.

Era o momento de dizer: o índice de assassinatos está caindo, é possível reduzi-los, vamos discutir o que aconteceu e traçar os rumos do próximo avanço.

Moro parece-me indiferente a esses dados. É provável que, no caso do Ceará, exista um pequeno incômodo: o sucesso parcial se deve a um trabalho conjunto com o governo petista. Reconhecer as vantagens de uma ação republicana não repercute bem nas hostes radicais governistas. Mas, no meu entender, existe outro fator que condena o pequeno sucesso ao anonimato. Ele se deve também à tecnologia. Assim como em Guararema (SP), são as câmeras que fazem o trabalho – um trabalho decisivo.

Num governo preocupado com espingardas e trabucos, a grande expectativa é a posse de armas para todos. O sucesso não interessa porque ele é resultado do avanço tecnológico, não comprova a ideologia oficial que vê nas armas a única salvação.

Moro assistiu meio constrangido à assinatura de um decreto claramente ilegal para a liberação das armas. É uma espécie de estatuto próprio de Bolsonaro, atropelando o Congresso e a lei.

Dora Kramer: Queima de ativos

- Revista Veja

O presidente dilapida o próprio capital ao depreciar suas escolhas

Traço marcante da personalidade de Jair Bolsonaro é querer fazer as coisas do jeito dele. O problema é que do seu jeito atabalhoado, simplista, primitivo e muitas vezes rude não tem dado certo. Isso não é dito por nós, integrantes da imprensa que na visão do presidente o persegue com as piores das intenções.

O mau resultado está demonstrado nas pesquisas e na opinião de boa parte de seus eleitores que se expressam na internet em oposição a várias de suas ações e/ou declarações.

Os primeiros acordes da sinfonia do mandato presidencial sinalizavam acertos. Independência para Paulo Guedes, carta branca para Sergio Moro, aposta na eficiência de quadros oriundos das Forças Armadas nomeados para postos-chave em seu entorno para tocar o dia a dia do Palácio do Planalto.

Por ignorância, ingenuidade, voluntarismo ou tudo isso junto, Bolsonaro tem promovido uma inusitada e perigosa queima de seus mais eficazes ativos. O presidente dilapida o próprio capital político, administrativo e institucional quando trata de maneira desprezível suas melhores escolhas de equipe enquanto celebra o convívio com as mais tóxicas companhias.

O exemplo já batido são os três filhos para os quais não há, na atuação do presidente, nenhum filtro ou medida. Caso básico, e clássico, de pai culpado. Em princípio, os motivos não nos interessam, à família pertencem. Por isso mesmo não é justo que Bolsonaro compartilhe com a nação suas questões particulares sendo complacente com a prole em questões de Estado.

Merval Pereira: Em busca do centro

- O Globo

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro, se voltou contra ele quarta-feira de forma expressiva

Duas declarações fundamentais para a política brasileira vieram ontem dos Estados Unidos. Ao afirmar, do Texas, que manterá a nova postura no relacionamento com os demais poderes da República, por exigência da maioria da população, o presidente Bolsonaro escalou mais um degrau no seu embate com o Congresso. O que ele está querendo explicitar é que o Congresso só age na base do toma lá dá cá.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se contrapondo em declaração em Nova York, durante reunião com investidores, garantiu que o Congresso fará a reforma da Previdência “com ou sem governo”, abrindo caminho para uma ação parlamentar autônoma, descolada do Palácio do Planalto.

Maia se mostra disposto a assumir um papel crucial neste momento, o de um líder de centro liberal fiador dos compromissos de reformas, que passariam a questões de Estado.

Ele sabe que se o Congresso não aprovar uma reforma que permita o início de uma retomada econômica, vai ser acusado por Bolsonaro de agir na base do fisiologismo, de não aprovarem a reforma por não ter dado os cargos que pediram. Sairá dessa crise como uma vítima da velha política.

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro, na quarta-feira se voltou contra ele de maneira expressiva. O enfrentamento rasteiro escolhido pelo governo para responder às pessoas que, aos milhares, protestaram em todas as capitais e em mais de cem cidades pelo país, demonstra uma avaliação equivocada do que está acontecendo.

Bolsonaro quer fazer crer que apenas os “idiotas inúteis” esquerdistas estavam nas ruas. É mais provável, porém, que estivessem nelas boa parte dos eleitores que o escolheram para se livrar do PT. Se os petistas e apoiadores da esquerda tivessem essa capacidade de mobilização, teriam saído às ruas para defender o “Lula livre”, ou a candidatura de Haddad.

Míriam Leitão: Blindar a reforma da disputa eleitoral

- O Globo

Relator da reforma da Previdência diz que tem fortes divergências com o bolsonarismo, mas que o projeto é do país e precisa ser aprovado

O relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), acha que a reforma da Previdência pode ser aprovada, apesar dos erros do governo Bolsonaro. Ele defende a tese de que agora a reforma pertence aos deputados, e não mais ao executivo, que “tem dado caneladas” que atrapalham as negociações. Moreira diz que ele e o seu partido têm fortes divergências com o bolsonarismo, “que estimula um retrocesso do nosso estágio civilizatório”, mas lembra que o PSDB apoiou todas as tentativas de reforma, do governo Fernando Henrique ao governo Temer.

Moreira aceitou a relatoria de um projeto impopular, mas diz que não teme os efeitos colaterais que isso possa ter nas próximas eleições. Temo diagnóstico de que a crise fiscal és e vera, com seis anos seguidos de déficit primário, e que sema contenção do rombo da Previdência — maior do que o orçamento do estado de São Paulo, diz — não será possível recolocar as contas públicas em ordem.

—Estamos procurando blindara reforma, nos despir das questões eleitorais. É uma Casa política? É a realidade. Mas é uma agenda nacional, absolutamente prioritária. O país está quebrado, vocês estão acompanhando o esforço do governo para poder aprovar um crédito suplementar. Eu confio demais nos deputados, Rodrigo Maia está comprometido coma proposta, acho que o Congresso tem que entregar essa reforma à sociedade — afirmou.

Bernardo Mello Franco: Um presente de grego para Macri

- O Globo

Em dois dias, Bolsonaro opinou três vezes sobre a eleição argentina. Seu apoio pode atrapalhar o presidente Macri, avalia o professor Matias Spektor

Na noite em que Jair Bolsonaro comemorou sua vitória, uma repórter do “Clarín” questionou Paulo Guedes sobre a relação do presidente eleito com a Casa Rosada. A resposta veio em tom ríspido: “A Argentina não é uma prioridade. O Mercosul também não é prioridade. Era isso que a senhora queria ouvir?”.

Meses depois, o governo parece mais interessado no vizinho do sul. É o que sugerem as falas constantes de Jair Bolsonaro sobre a eleição argentina. Nos últimos dois dias, ele tratou três vezes do tema. Elogiou o presidente Mauricio Macri, que tentará a reeleição, e atacou sua antecessora Cristina Kirchner, que deseja voltar ao poder.

“Mais importante que fazer um gol, é evitar outro. E esse gol contra viria da Argentina voltando para as mãos da Kirchner”, disse, na terça-feira. Ontem ele chamou Macri de “meu amigo” e insistiu que a vitória de Cristina criaria uma “nova Venezuela no Cone Sul”.

O professor Matias Spektor, da Escola de Relações Internacionais da FGV, diz que as declarações de Bolsonaro são “surpreendentes”. “Não é comum um presidente dar pitacos sobre eleições de outros países”, afirma. Ele não vê bases concretas para a comparação com a Venezuela. “O que ocorreu em Caracas foi a quebra da ordem constitucional. Não há sinais de que a Argentina também esteja na rota de uma ditadura”, avalia.

Luiz Carlos Azedo: O delírio atômico

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O Brasil sonhou com a bomba atômica durante o regime militar. As consequências foram mais negativas. A ambição era adquirir o ciclo nuclear por meio de cooperação internacional”

O ex-deputado federal Benito Gama é uma raposa política baiana daquelas que já viram de tudo no Congresso, desde quando presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o ex-presidente Collor de Mello e resultou na sua renúncia à Presidência da República para evitar o próprio impeachment. Governista, defende o presidente Jair Bolsonaro com bom humor e fina ironia. Um de seus argumentos favoritos, quando alguém cita declarações polêmicas do presidente e seus ministros, é comparar o começo do atual governo com o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Foi muito pior, a confusão era tanta que tinha até ministro defendendo a fabricação de uma bomba atômica!”

É uma alusão ao então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, que defendeu a retomada do projeto nuclear com objetivos militares, que teve péssima repercussão internacional. Esse argumento já não pode ser utilizado por Benito, porque o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e filho do presidente da República, defendeu que o Brasil tenha armas nucleares, para ser levado “mais a sério”. Eminência parda da política externa brasileira, Eduardo Bolsonaro acompanhou o pai no encontro com o presidente norte-americano, Donald Trump, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington.

Eduardo soltou o disparate durante palestra para alunos do curso superior de defesa da Escola Superior de Guerra, em reunião da comissão que preside na Câmara. Ele defendeu o rompimento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado pelo Brasil em 1998: “A gente sabe que se o Brasil quiser atropelar essa convenção, tem uma série de sanções. É um tema muito complicado, mas eu acredito que um dia possa voltar ao debate aqui”. A Constituição brasileira, no seu artigo 21, determina que toda atividade nuclear em território brasileiro seja realizada apenas para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional.

Eleito por São Paulo com 1,8 milhão de votos, Eduardo Bolsonaro é o parlamentar com mais influência na política externa brasileira, foi um dos padrinhos na nomeação do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A visão do filho não é desconectada das ideias do presidente Bolsonaro, que se declara um “armamentista”. A expressão não se refere apenas à liberação da posse de armas, expressa uma concepção de projeção de poder, que ainda pode dar muitas dores de cabeça para o Brasil na sua política externa.

Na visão de Eduardo, bombas nucleares garantem a paz, como se não fosse possível, no caso brasileiro, defendê-la como se fez até agora, desmilitarizando o Atlântico Sul e evitando a nuclearização da América Latina. É simples e direto o seu raciocínio: “Tem um colega do Paquistão aqui, não tem? Como é que é a relação do Paquistão com a Índia se só um dos lados tivesse uma bomba nuclear? Será que seria da mesma maneira que é hoje? Óbvio que não. Quando um desenvolveu a bomba nuclear, o outro desenvolveu no dia seguinte. E ali está selada ao menos minimamente uma espécie de paz. Eu sou entusiasta dessa visão”, explicou aos alunos da ESG.

Pedro Doria: A nova oposição digital

- O Globo

A internet é um camaleão. De sites e blogs, o ativismo foi para o Facebook. Agora está no Twitter e no WhatsApp

Fábio Malini, um dos coordenadores do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, captou um fenômeno interessante no Twitter. Foi por esses últimos dias. Aquilo que secundaristas publicam nessa rede social segue determinadas características. Ficam numa bolha à parte. Os seus são textos curtos, as reações emocionais seguem argumentos até simplórios. Em geral, seu tema predominante é entretenimento. Mas entre 9 e o 15 de maio das manifestações, os pesquisadores do Labic notaram uma mudança. Por um lado, num mesmo grupo de 170 mil perfis investigados, o conjunto de apoiadores do governo, responsáveis por 8% das postagens, se retraiu para ocupar 7% do espaço. E o grupo de adolescentes, que vivia lá em sua própria bolha, mudou. Os tuítes ficaram mais longos, começaram a retuitar gente de fora de seus círculos. Em cinco dias se tornaram atores políticos — um grupo maior do que o dos governistas ativos.

A internet é um camaleão. Quando no governo Lula, o PT acreditava com razão ter o domínio do digital por financiar uma extensa rede de sites e blogs que lhe produziam noticiário favorável, deixando sua militância sempre muito ligada. Atiçada. O partido não percebeu, já no governo Dilma, que a comunidade online trocara os sites da web pelo convívio nas mídias sociais. Para acompanhar os protestos pelo impeachment, o caminho já era o Facebook e suas páginas de eventos. Por conta de mudanças de algoritmo, a maior rede social do mundo deixou de ser um ambiente propício à agitação política. Esta migrou para WhatsApp e Twitter. É um espaço que a direita militante dominou e no qual a esquerda se perdeu.

Bruno Boghossian: O tamanho do esculacho

- Folha de S. Paulo

Presidente ataca investigação que poderá sangrar o Planalto por um bom tempo

A quebra do sigilo bancário de Flávio Bolsonaro e de outras 85 pessoasperturbou o Palácio do Planalto. “Nossa Senhora, hein? É uma Lava Jato aí”, rebateu o presidente nesta quinta-feira (16), em Dallas. “Vai fundo, tá ok? O objetivo é querer me atingir”, provocou.

A reação do governo ao avanço das investigações sobre o gabinete do filho mais velho do clã Bolsonaro revela a dimensão dos danos que o inquérito pode provocar. O presidente, que buscava se descolar do caso, assumiu uma defesa pública de Flávio, enfrentou o Ministério Público e acusou promotores de ilegalidades.

Jair quer resguardar o filho no momento em que os investigadores apontam de maneira cada vez mais incisiva para um esquema de desvio de salários. O inquérito sugere que o ex-assessor Fabrício Queiroz comandava o recolhimento do dinheiro, mas os promotores dizem que ele não era o chefe daquele arranjo.

Ao tentar proteger o filho, o presidente acaba trazendo a investigaçãopara seu colo. “Querem me atingir, venham para cima de mim. Querem quebrar o meu sigilo? Eu abro o meu sigilo, não vão me pegar”, desafiou.

Reinaldo Azevedo: Impeachment de Bolsonaro entra no radar

- Folha de S. Paulo

Assistimos a um filme previsível, com roteiro desconjuntado e bufões da pior espécie

Se o presidente Jair Bolsonaro continuar a ouvir apenas a horda de malucos que o cerca, não conclui o seu mandato. Já cometeu, e deixei isto claro há algum tempo nesta coluna, uma penca de crimes de responsabilidade. Aliás, ele falou nesta quinta (16) a palavra "impeachment" pela primeira vez.

Falta que o ambiente político degenere o suficiente para que perca o apoio de ao menos um terço da Câmara. Os dois terços do Senado viriam por gravidade. Observem que falo em conclusão do "mandato", não do "governo". Este ainda não começou. Nem vai.

Aquele que ocupa a cadeira de presidente da República nunca soube por que queria o mandato. Ou por outra: não tinha uma prefiguração afirmativa de razões para comandar o país. O cargo lhe serve apenas para se vingar de seus inimigos ideológicos ou do fiscal do Ibama que um dia o multou.

É raso e mesquinho, no sentido original dessa palavra. A mistura de ignorância com poder é sempre perigosa porque torna as pessoas arrogantes e destrutivas. Uma imagem: o sujeito chega diante de um quadro de Picasso e diz: "Isso eu também faço".

Ricardo Noblat: Bolsonaro foi ao Texas falar mal do Brasil

- Blog do Noblat / Veja

Outro vexame internacional
O ex-capitão Jair Bolsonaro transgrediu uma lei universal respeitada por todos os chefes de Estado desde tempos imemoriais: o representante de uma Nação jamais fala mal dela e do seu povo. Internamente não fala porque, uma vez eleito, é obrigado a governar para todos. Muitos menos fala no exterior para não a desmerecer, nem ao povo que o elegeu.

Em Dallas, no Texas, onde foi receber um prêmio que se recusou a ir buscar em Nova Iorque com medo de ser hostilizado, Bolsonaro criticou seus antecessores, a esquerda, a imprensa e ironizou as manifestações de rua contra o corte de dinheiro para a Educação. Despediu-se com um novo slogan: “Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos”.

Sobre a imprensa, disse: “Até hoje sofremos com a mídia brasileira. Até venho sempre dizendo à mídia brasileira: ‘Se vocês fossem isentos, já seria um grande sinalizador de que o Brasil poderia, sim, romper obstáculos e ocupar um lugar destaque no mundo’”. Depois insultou uma repórter que lhe perguntou sobre o que ele não queria responder. Lamentou que o jornal a tivesse contratado.

Sobre as manifestações, afirmou: “Ontem, vimos algumas capitais de estado com marchas pela educação, como se ela até o final do ano passado fosse uma maravilha. Temos um potencial humano fantástico, mas a esquerda entrou, infiltrou e tomou não só a imprensa brasileira, mas também grande parte das universidades e das escolas do ensino médio e fundamental “.

Sobre seus antecessores, declarou: “No Brasil, a política até há pouco era de antagonismo a países como Estados Unidos. Os senhores eram tratados como se fossem inimigos nossos. Agora, quem até há pouco ocupava o governo, teve [no passado] suas mãos manchadas de sangue na luta armada”. Referia-se à ex-presidente Dilma Rousseff.

Dilma fez parte de uma organização de esquerda que pegou em armas para derrubar a ditadura militar de 64 que Bolsonaro tanto defende, mas ela não participou de ações armadas, nem manchou suas mãos com sangue. A contrário do que ele disse, o Brasil sempre foi aliado dos Estados Unidos. Nenhum presidente o tratou como se fosse inimigo.

Quanto às manifestações contra o corte de verba para a Educação: elas não ocorreram como ele observou “em algumas capitais”, mas em todas as capitais. E em cidades de médio e pequeno porte no total de pouco mais de 220. Bolsonaro ainda comparou o Brasil a Israel, em desfavor do Brasil naturalmente. E, diante da bandeira americana, como é costume seu, perfilou-se e bateu continência.

Entre as tantas viagens que ele já fez desde que assumiu a presidência da República em janeiro último, esta foi de longe a mais desastrosa, inócua e desnecessária. Puro desperdício de dinheiro. Foi ele que escolheu Dallas como ambiente seguro para receber o prêmio de personalidade do ano conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, uma entidade privada e de pouca relevância.

O prêmio seria dividido com o Secretário de Estado americano Mike Pompeo, que não compareceu à homenagem. Mandou um assessor representá-lo. O prefeito de Dallas arranjou uma desculpa para não pôr os pés no local da cerimônia, uma sala acanhada de um centro comercial da cidade. Para completar, o ex-presidente George Bush Jr. foi constrangido a receber Bolsonaro e a posar para fotos com ele.

*Monica De Bolle: “Mas os piratas existem!”

- Revista Época

Lembram-se de 2010? Há quase dez anos a economia brasileira crescia 7,6%, embalada pelo excepcional quadro global e pelas políticas de expansão do governo, sobretudo do crédito dos bancos públicos. Esse artigo não é sobre nada disso.

Em 2010, meu filho, que acaba de completar 15 anos, idade dos alunos avaliados pelo Pisa, exame que mede a qualidade da educação em mais de 70 países elaborado pela OCDE, estudava em uma escola particular no Rio de Janeiro. Era a hora da história, aquele momento em que as crianças sentam-se ao redor da professora para ouvi-la contar sobre aventuras e fantasias. Ela havia escolhido uma história sobre piratas, aqueles de perna de pau, olho de vidro, cara de mau. Corte dessa cena.

Tomada seguinte: em 2010, os piratas da costa da Somália corriam os mares a pleno vapor, capturando mercadorias e embarcações. Vocês devem se lembrar do filme que contou parte dessa história bem real — Capitão Phillips, lançado em 2013, protagonizado por Tom Hanks. Pois em 2010, os piratas da Somália estavam por toda parte. Nas manchetes dos jornais, na televisão, nas conversas entre familiares e amigos. O adolescente de agora que então tinha 5 aninhos sempre foi garoto atento. Os piratas bem reais da Somália atiçaram sua imaginação de menino.

Vinicius Torres Freire: Teto de gasto racha, governo se perde

- Folha de S. Paulo

Pibinho, gente na rua e inépcia do governo mudam até ventos do debate econômico

Alguma coisa acontece no coração quando a gente chega à encruzilhada que dá numa recessão. Mais ainda quando se notam as notícias de maio:

1) o teto de gastos do governo começa a trincar. Admite-se aqui e ali a ideia de rever o congelamento da despesa federal antes da data prevista, 2026;

2) a rachadura é um efeito do desespero que bate na praça, dada a frustração até das expectativas reduzidas de crescimento da economia;

3) o governo não tem controle algum do que se passa no Congresso e não parece capaz ou preocupado de formar coalizão majoritária;

4) medidas do presidente são barradas por inépcia intelectual, jurídica e política;

5) o presidente está mais perturbado do que de costume por causa da investigação das contas de seu clã e, em especial, de seu filho Flavio.

Economistas-padrão, ditos "ortodoxos", passam por um processo que em inglês tem o nome sugestivo de "soul searching", o que se traduz de modo mais chocho por "exame de consciência" ou "análise introspectiva". A retomada do crescimento deu chabu além da conta razoável dos erros de estimativa, mesmo considerados choques recentes. O pessoal está, pois, em terapia.

A conversa sobre taxas de juros altas demais entrou no debate corriqueiro de economistas reputados. Um ou outro admite até que se reveja a proibição de aumentar a despesa do governo federal além do nível registrado em 2017. A mesma conversa rola pelo Congresso desde o início do mês, muito mais animadamente por lá, é claro.

*Rogério L. Furquim Werneck: A caixa de areia

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Bolsonaro não conseguiu externar sobre a reforma um décimo da convicção e do entusiasmo que exalava ao anunciar a assinatura do seu impensado decreto de flexibilização de posse e porte de armas

Entre a eleição e a posse de Jair Bolsonaro, os mais propensos ao autoengano tentaram se convencer de que, ao contrário do que se temia, o novo presidente saberia dar a devida prioridade ao que de fato importa. E relegaria a segundo plano a maior parte das propostas extremadas que brandira na campanha eleitoral.

Enquanto os “adultos” cuidariam das reformas, da retomada do crescimento e da redução do desemprego, os “bolsonaristas de raiz” ficariam restritos a uma pequena caixa de areia, entretidos com as possibilidades da agenda de costumes, da flexibilização do porte de armas e de outras diabruras mais, sob o olhar atento e instigante de tio Olavo.

Não é preciso muita argúcia para já se dar conta de quão fantasiosos mostraram ser tais devaneios. A caixa de areia está longe de ter sido relegada a segundo plano. Vem assumindo proporções cada vez maiores. E absorvendo grande parte das atenções do presidente. Vem operando como potente gerador de cizânia no núcleo do governo. E tumultuando o ambiente político, num momento em que o Planalto deveria estar focado no delicado esforço de tramitação da reforma da Previdência.

Em nenhuma manifestação sobre a reforma, feita até agora, Bolsonaro conseguiu externar um décimo da convicção e do entusiasmo que exalava, na semana passada, ao anunciar a assinatura do seu impensado decreto de flexibilização de posse e porte de armas no País.

Sobram razões para lamentar o despropósito desse decreto. Basta, aqui, ter em conta um aspecto que tem recebido menos atenção do que merece: os alarmantes desdobramentos da concessão indiscriminada de porte de armas a caminhoneiros.

Erros do governo na educação ressuscitam protestos de rua: Editorial /Valor Econômico

Enquanto o primeiro ministro da Educação de Jair Bolsonaro, o breve Ricardo Vélez Rodríguez, provocou apenas estupefação pelo despreparo e sua preocupação com irrelevâncias, seu substituto, Abraham Weintraub, foi mais longe - provocou as primeiras manifestações nacionais de protesto contra o governo, que reuniu dezenas de milhares de pessoas em todas as capitais do país. A inabilidade e prepotência de Weintraub contribuiu também para arregimentar uma plateia significativa aos partidos de oposição, que há bom tempo perderam a capacidade de mobilização de massas. O presidente da República colaborou como pode para engrossar os protestos, ao chamar os manifestantes de "idiotas úteis".

Em um ambiente já carregado por crises e conflitos criados pelo próprio governo, a maneira enviesada pela qual o ministro da Educação explicou o contingenciamento de verbas na sua pasta foi a faísca que detonou o descontentamento. Weintraub disse que estava cortando verbas de três universidades federais por "balbúrdia" e "reuniões ridículas". Com isso, transformou um ato corriqueiro, repetido por todos os governos em início de mandato, de reservar um montante de recursos que não poderá ser utilizado até que se tenha garantia de que a meta fiscal será atingida, em instrumento punitivo guiado por preferências pessoais. Não se trata ainda de corte de verbas. Todos os ministérios, com exceção da Saúde, "perderam" recursos - R$ 29,79 bilhões.

Não se governa por meio de confrontos: Editorial / O Globo

Agressões de Bolsonaro e do ministro da Educação ao meio universitário são um equívoco

Eleito, Jair Bolsonaro demonstrou dificuldade em descer do palanque. Não foi o primeiro presidente a viver a experiência. Mas, daqueles que não conseguiram desencarnar logo do papel de candidato, Bolsonaro tem sido singular.

Fala sobre temas sensíveis sem conhecê-los, não mede palavras e, já com cinco meses de mandato, faz questão de atropelar a chamada liturgia do cargo — um comportamento autodestrutivo muito eficaz para criar mais problemas ao seu governo do que a própria oposição.

Nos últimos dias, com a ajuda do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, o presidente se excedeu. Weintraub começou em grande estilo uma escalada de ataques de fundo ideológico à Universidade, ao anunciar um “corte de 30%” nas verbas das federais Fluminense (UFF), da Bahia (UFBA) e de Brasília (UnB), sob a justificativa de que elas permitiam “balbúrdia”e “bagunça” nos campi.

Uma provocação infantil. A trapalhada foi ainda maior, porque se tratava de um contingenciamento, fase anterior ao corte, que seria inviável, porque a maior parte das despesas das universidades, algo como 80%, é protegida por lei (aposentadorias, pensões e salários). O índice de bloqueio de verbas incide sobre os gastos chamados de discricionários, aqueles que o administrador público pode gerenciar. É a menor parcela das despesas.

Hostilidade como método: Editorial / O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República. Invocando sempre a necessidade de satisfazer seus eleitores, malgrado o fato de que foi eleito para governar para todos, Bolsonaro tem contribuído para transformar debates importantes em briga de rua. É a reedição do ominoso “nós” contra “eles” que tanto mal fez ao País durante os desastrosos anos do lulopetismo.

Nesse ambiente crispado, temas cruciais para o futuro, como a reforma da Previdência, ou mesmo questões mais imediatas, como a necessidade de contingenciamento orçamentário, são desvirtuados pelo alarido dos radicais, o que nada tem a ver com um saudável debate democrático. E o presidente, que deveria, pelo cargo que ocupa, ser o condutor político desse debate, parece mais empenhado em hostilizar todos os que não lhe prestam obsequiosa vassalagem – e isso inclui não apenas seus adversários naturais, mas também, por absurdo, aqueles que desejam colaborar com o governo.

Com isso, Bolsonaro isola-se, num momento em que o País precisa de liderança e inteligência política para construir as soluções para a gravíssima crise ora em curso. São cada vez mais preocupantes os sinais de que o presidente não tem os votos necessários para aprovar no Congresso nem mesmo projetos de lei banais. As derrotas na Câmara se sucedem em quantidade inusitada para um presidente que teve 57,8 milhões de votos, elegeu-se como a grande estrela de uma formidável onda de renovação da política e deveria estar gozando a tradicional lua de mel com o Congresso e com os eleitores, reservada a todo governante em início de mandato.

Idiotia inútil: Editorial / Folha de S. Paulo

Manifestantes têm motivos para temer o impacto de Bolsonaro sobre a educação

O obscurantismo agressivo do governo Jair Bolsonaro (PSL) converteu o crucial debate sobre o financiamento do ensino superior público, já tardio no país, em um confronto de bandeiras ideológicas.

Apenas no quinto mês de seu mandato, o presidente viu ruas das capitais e de grandes cidades se encherem na quarta-feira (15) de manifestantes em defesa da educação e contra o corte de recursos das universidades promovidos por sua administração —cujo desgaste precoce ficou ainda mais evidente.

Protestos populares se tornaram comuns na paisagem brasileira a partir das jornadas de 2013, e seu impacto avassalador sobre a política não se limita à contribuição decisiva para o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Agora alvo dos atos, Bolsonaro optou, a seu estilo, por acirrar os ânimos.

Milhares que foram às ruas seriam, em suas palavras, “idiotas úteis”que estariam sendo “usados como massa de manobra”, além de incapazes de efetuar uma simples conta de multiplicação.

Ferreira Gullar: No mundo há muitas armadilhas

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha
Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada
ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)
No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca
E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?
Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida
e busca o sol, a bola, fascinado vê
o avião e indaga e indaga
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.
E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e agüentarás até o fim.
O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje
A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los
Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.

Velha Guarda da Portela, Monarco & Vanessa da Mata: Onde a dor não tem razão