sexta-feira, 12 de junho de 2020

Fernando Gabeira* - O capitão combate a verdade

- O Estado de S.Paulo

Ao lado do armamento da população, esse é um passo decisivo rumo a um governo autoritário

“E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” Bolsonaro venceu as eleições citando com frequência esse versículo de João. No entanto, não se conhece na História moderna do Brasil um governo que tenha combatido a verdade em todos os níveis.

Os números do desemprego, compilados pelo IBGE de acordo com métodos internacionalmente reconhecidos, foram negados por Bolsonaro. O indice de desmatamento na Amazônia obtido com ajuda de satélites foi contestado por Bolsonaro e o cientista Ricardo Galvão, demitido. Pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz sobre consumo de drogas no Brasil foram engavetadas porque não atendiam às expectativas do governo.

A briga contra os dados não se limitou ao choque contra o trabalho científico. Ele se estendeu de forma perigosa contra a própria possibilidade de acesso às informações oficiais.

Com a anuência de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão tentou fazer passar uma diretiva que permitia a funcionários de segundo escalão determinar o que era ou não passível de ser classifico como material secreto. A diretiva de Mourão caiu no Congresso.

Mal começou a pandemia, Bolsonaro, usando-a como pretexto, queria suspender parcialmente a Lei de Acesso à Informação. De novo foi derrotado, dessa vez no Supremo Tribunal Federal

A apoteose dessa medida obscurantista foi na semana que passou, com a decisão de censurar as informações sobre a pandemia de covid-19.

Inicialmente, um homem chamado Carlos Wizard, um bilionário que supõe entender de tudo, disse, em nome do governo, que os números de mortos estavam sendo inflacionados nos Estados e municípios porque os gestores queriam mais dinheiro.

Wizard foi para o espaço no momento em que se articulava na rede um boicote a suas atividades empresariais, incluídas ss de greenwashing, aquelas em que você ganha dinheiro fingindo que protege o meio ambiente. Mas foi Bolsonaro que, radicalizando sua política de negação da pandemia, ordenou que as notícias diárias sobre mortes e contaminações não poderiam ser divulgadas antes dos jornais noturnos de TV. E, mais ainda, ordenou que o número de mortos não poderia ultrapassar mil, sem explicar como combinaria com o vírus. Felizmente, as emissoras se deram conta e passaram a divulgar as notícias em plantões especiais, com audiência até maior que no início da noite.

Eliane Cantanhêde - Atraindo raios e trovoadas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro emenda crises: recuou na Saúde e já partiu para cima das universidades

Saúde e Educação são áreas sensíveis e estratégicas, com corporações mobilizadas e grande capacidade de fazer barulho. Pois a Saúde foi obrigada a recuar e parar de esconder os números da pandemia e, já no dia seguinte, a Educação entrou na roda com uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro que quebra a autonomia universitária e dá poderes a Abraham Weintraub – inimigo número um das universidades – para nomear reitores a bel prazer durante a pandemia.

É assim que o Brasil vai vivendo aos trancos e barrancos. Bolsonaro manda maquiar o número de mortes. Epidemiologistas, sanitaristas, infectologistas, cientistas e associações médicas gritam. O Congresso, a mídia e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta providenciam estatísticas independentes. E o Supremo determina a volta da metodologia internacionalmente aceita. Aí o governo recua.

Sem se dar tempo para respirar, Bolsonaro já providencia automaticamente a nova crise. Se aquela era na Saúde, que sofre um desmanche à luz do dia, esta é na Educação, onde o ministro Abraham Weintraub nunca explicou a que veio, brinca no twitter de “Cantando na chuva” (com guarda-chuva e tudo), provoca os chineses com um vídeo trocando os “R” pelos “L” e ataca professores, alunos e universidades, enquanto massacra a língua pátria.

Simon Schwartzman* - A Revolta da Vacina

- O Estado de S.Paulo

Hoje podemos ver que todos perderam. Paralelos com a crise do coronavírus...

Sempre se compara a tragédia do coronavírus com a da gripe espanhola, de 1918, mas a comparação mais significativa é com a Revolta da Vacina, de 1904. Foi um ano em que a ciência foi para a berlinda, os políticos brigaram por ela e o povo saiu de seu desespero para as ruas.

Tal como hoje, o Rio de Janeiro era dividido entre um pequeno oásis onde viviam as elites políticas e econômicas e o povão – uma multidão de pessoas aglomeradas nos morros e cortiços, ex-escravos, mestiços e imigrantes, a maioria sem emprego regular, vivendo em péssimas condições, vitimadas pelas epidemias recorrentes de peste bubônica, febre amarela, tuberculose e varíola e vivendo em constante revolta e conflitos com a polícia. Na política, vivia-se o confronto entre, de um lado, os florianistas e jacobinos – militares e civis, sobretudo do Rio de Janeiro, que haviam inscrito o lema dos positivistas, “ordem e progresso”, na Bandeira Nacional – e, de outro, as oligarquias dos republicanos paulistas e mineiros que haviam enriquecido com o café e também se haviam mobilizado para derrubar o Império, 15 anos antes.

Olhando para trás, vem a tentação de classificar um ou outro lado como de esquerda ou de direita, mas, então como hoje, não é nada fácil. Os jacobinos tinham um discurso radical contra as antigas oligarquias e defendiam um Estado moderno, eficiente e autoritário, com um discurso a favor da educação popular e da ciência, tal como havia defendido seu guru Augusto Comte, mas eram contra a pesquisa científica e as universidades. Depois de alguns anos comandando a República, tiveram de dar lugar aos republicanos paulistas e seus presidentes – Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves –, que tinham sua própria versão de como o País deveria modernizar-se e se desenvolver. Para estes, era preciso livrar os portos das doenças contagiosas que afastavam os navios de outros países, desenvolver o transporte ferroviário para escoar as safras e modernizar as cidades, tirando os pobres e miseráveis da vista e abrindo espaço para centros e bairros elegantes, onde o governo e os endinheirados pudessem construir seus prédios e mansões.

Celso Ming - Medo da segunda onda da pandemia

- O Estado de S.Paulo

Aumentaram as evidências de um rebote global do novo coronavírus, justamente quando a atividade econômica começava a ser retomada

Os mercados globais desabaram nesta quinta-feira (veja o gráfico) porque aumentaram as evidências de que uma segunda onda do coronavírus já está atuando globalmente, justamente quando a atividade econômica começava a ser retomada – e não só nos países avançados, mas também no País.

Pelo feriado de Corpus Christi, no Brasil, o impacto sobre os mercados internos só ficará claro nesta sexta-feira. O número de mortos por aqui já ultrapassa os 40 mil e o de infectados, mais de 790 mil.

As grandes aglomerações que aconteceram na Europa e nos Estados Unidos, nos protestos contra a escalada no racismo, realizadas sem a observância mínima de cuidados, são a hipótese com maior probabilidade de se confirmar como o fator disparador mais importante desse novo agravamento. Mas não é a única. A abertura gradual e possivelmente prematura do comércio, das atividades escolares e da convivência social em alguns países também levanta suspeição.

Antes das manifestações, os epidemiologistas dos Estados Unidos e da Europa temiam possível segunda onda apenas lá por setembro ou outubro. Mas à medida que os protestos tomaram corpo, eles passaram a disparar novos sinais amarelos. Nesta quinta-feira, novas projeções da Universidade de Washington apontam o novo pico de uma nova onda na segunda semana de setembro e um total de 170 mil mortes nos Estados Unidos até 1.º de outubro.

Hora de prorrogar a ajuda – Editorial | O Estado de S. Paulo

As medidas oficiais foram insuficientes para impedir falências e demissões, mas, sem aqueles programas, a devastação gerada pela crise teria sido certamente muito maior

Milhões de famílias serão beneficiadas e a economia ganhará algum alento, numa das piores crises da história republicana, se o governo prorrogar medidas emergenciais implantadas em abril. Preservar o poder de consumo dos mais vulneráveis servirá a dois propósitos muito importantes – garantir um mínimo de bem estar a um enorme número de pessoas e injetar algum combustível nos negócios. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já indicou a disposição de manter as ações de apoio por algum tempo e congressistas dão suporte à ideia.

No Brasil, os primeiros casos de covid-19 foram confirmados em fevereiro e a gravidade da crise sanitária foi plenamente reconhecida em março. Em abril o Executivo anunciou as primeiras medidas econômicas para enfrentar a epidemia e seus efeitos econômicos. O Executivo apresentou um programa de apoio imediato a empresas pequenas e médias e de preservação de empregos. Foram definidas ações para facilitar a redução de jornadas e salários ou de suspensão temporária de contratos. Ao mesmo tempo, o Banco Central (BC) cuidou de expandir a liquidez e de criar condições para aumento crédito. A estratégia de suporte financeiro acabou envolvendo a participação do Tesouro e de bancos estatais.

Houve dificuldades para engatar a política de crédito, por causa dos critérios dos bancos e também pelas condições burocráticas impostas pelo Executivo. Também houve problemas no pagamento de auxílio emergencial de R$ 600 reais por mês a trabalhadores informais e a desempregados. Recursos foram entregues de forma indevida a milhares de pessoas, enquanto milhares de outras, embora qualificadas, tiveram dificuldade de acesso ao dinheiro. De modo geral, no entanto, as ações produziram efeitos sociais e econômicos positivos.

Dora Kramer - Midas do avesso

- Revista Veja

Bolsonaro coleciona fracassos como um rei com toque de ouro ao contrário

Nada que o presidente da República faz dá certo. A última de Jair Bolsonaro, ou penúltima, considerada a velocidade da produção, foi a tentativa de “acabar com matéria do Jornal Nacional” maquiando estatísticas sobre a incidência da Covid-19 no país. Os dados ganharam destaque na aflitiva trilha sonora das notícias extraordinárias e continuaram sendo divulgados graças a um consórcio de imprensa.

Ao governo restou enfiar mais uma viola no saco das ofensivas frustradas. Tal recipiente vem sendo abastecido por Bolsonaro desde os primórdios do mandato, quando não conseguiu despertar interesse da sociedade nem apoio do Parlamento para sua antiquada pauta de costumes.

Do início da pandemia para cá, os insucessos têm se avolumado. Nesse aspecto traz à lembrança o mitológico rei dono do toque de ouro, mas no sentido inverso. Jair Bolsonaro não acerta uma, notabilizando-se por obter resultados contrários às suas pretensões.

A mais recente pesquisa do Datafolha, que registrou queda acentuada na popularidade dele, apoio massivo ao isolamento social e repúdio majoritário à ideia de armar a população, aponta também a melhora da imagem do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, com os quais Bolsonaro se relaciona de maneira conflituosa. Pois bem, a pesquisa de 30 de maio mostra uma queda de 14 pontos na avaliação negativa do Legislativo e de 13 pontos em relação ao STF. Isso de dezembro para cá.

Ricardo Noblat - O que é bom para os Estados Unidos pode ser bom para o Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Lição para os generais

O Chefe do Estado Maior do Exército americano, general Mark Milley, vestiu a farda, pôs no peito as condecorações a que teve direito e pediu desculpas públicas por ter acompanhado há 11 dias o presidente Donald Trump na curta caminhada até a igreja de Saint John, a uma quadra da Casa Branca. Ali, Trump limitou-se a posar para fotos com uma bíblia na mão.

Quando o ministro da Defesa do Brasil (ou será ministro da Defesa do governo?), general Fernando Azevedo e Silva, pedirá desculpas públicas por ter sobrevoado de helicóptero ao lado do presidente Jair Bolsonaro a manifestação antidemocrática que ocorreu em Brasília há 12 dias? Lá embaixo, devotos de Bolsonaro portavam faixas pedindo uma nova intervenção militar.

O que é bom para os Estados Unidos nem sempre é para o Brasil, mas nesse caso seria. “Errei e aprendi com o meu erro”, disse Milley. “Eu não deveria estar lá. Minha presença criou a impressão de que os militares estão envolvidos em política doméstica”. E completou: “Precisamos honrar um princípio essencial da República: o de que as Forças Armadas não são políticas”.

A amigos, Milley explicou que acreditava que estava acompanhando Trump e sua comitiva para passar em revista as tropas da Guarda Nacional na Praça Lafayette, local onde houve protestos pela morte do segurança George Floyd. À imprensa, Azevedo e Silva afirmou que pegara carona com Bolsonaro para ir para casa, uma vez que mora perto do local da manifestação.

Duas semanas antes de exibir-se na companhia do ministro da Defesa, Bolsonaro comparecera a outro ato antidemocrático que teve lugar ao pé da rampa do Palácio do Planalto. A seu convite, estavam lá 9 ministros – entre eles, o general da ativa Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Do alto da rampa, Bolsonaro levantou o braço do general apresentando-o ao público.

Ramos foi alvo de críticas de seus colegas militares em grupos de WhatsApp. Cotado para substituir o general Edson Leal Pujol no comando do Exército, ele anda falando que se sente desconfortável por ter feito o que fez. Que já conversou com Bolsonaro sobre ir para a reserva, mas que por ora hesita. Gostaria de continuar como ministro para ajudar o país. Ora, tenha dó!

Bruno Boghossian – Viagem ao centrão da Terra

- Folha de S. Paulo

Acordo para defender presidente do impeachment dependerá da popularidade do governo

Antes de ganhar um ministério, o PSD ajudou Jair Bolsonaro a aprovar a reforma da Previdência. A pauta era considerada amarga, e a proposta foi desidratada pelos parlamentares, mas a sigla colaborou com o governo: deu 34 votos a favor da medida e apenas 2 contrários.

Nas últimas semanas, líderes partidários brincavam que, ao distribuir cargos para o centrão, o presidente pagaria por um apoio que já recebe. Era um exagero. Apesar do avanço da pauta econômica, Bolsonaro nunca teve vida fácil na Câmara e no Senado. O gracejo, porém, mostra que a relação entre o Planalto e sua nova base aliada deve continuar instável.

Nas conversas em que ofereceu espaço aos partidos, o presidente não pediu apoio a uma agenda de governo. Segundo dirigentes, Bolsonaro só cobrou a aprovação do projeto que prorroga a validade das carteiras de motorista. Não citou nenhuma ideia para a economia ou para a saúde na esteira da pandemia.

Hélio Schwartsman - Racismo, passado e futuro

- Folha de S. Paulo

Não dá para interpretar o passado com os olhos de hoje.

O racismo é moralmente condenável porque atribui a um indivíduo particular características tidas como representativas da categoria a que ele pertence. O racista tira conclusões sobre pessoas sem conhecê-las, o que é profundamente injusto e frequentemente fatal, como se constata nas abordagens policiais de negros nos EUA ou no Brasil.

Nesse contexto, vejo com simpatia os protestos mundiais deflagrados pelo assassinato de George Floyd. Não sou tão panglossiano a ponto de acreditar que acabarão com o racismo, mas dão visibilidade ao problema e, numa nota mais prática, já estão provocando mudanças nos protocolos policiais que poderão reduzir a violência das forças de segurança.

Meu apoio a esses movimentos, porém, é crítico. Não creio que faça muito sentido se revoltar contra personagens históricos como Cristóvão Colombo e Winston Churchill e quebrar-lhes estátuas. Não dá para interpretar o passado com os olhos de hoje.

Ruy Castro* Para militares que gostam de ler

- Folha de S. Paulo

Algumas frases de Napoleão para reflexão dos generais que apoiam Bolsonaro

Ouço dizer que os militares brasileiros gostam de ler. Ótimo. O problema é que só devem ler autores militares. Bem, o mundo já conheceu grandes escritores que foram também importantes como militares —Júlio César, Maquiavel, Euclides da Cunha, T. E. Lawrence (o da Arábia), Saint-Éxupéry, George Orwell. E houve um que pode não ter sido o maior escritor, mas certamente foi o maior militar: Napoleão.

Caiu-me às mãos outro dia um livro, "Napoleão - Máximas e Pensamentos", selecionados em 1838 por, ora vejam, Honoré de Balzac. É uma edição da Vecchi, de 1946. Contém 525 frases de Napoleão, tiradas de seus discursos e reflexões, entre uma e outra das monumentais batalhas em que jogava com a vida e com a morte de centenas de milhares. Nossos generais, embora só comandem escrivaninhas e manobrem carimbos, devem admirá-lo. Pois aqui vão algumas frases de Napoleão --para as considerações dos que, ignorando o legado de Osório, Barroso, Tamandaré, Caxias e Rondon, apoiam, por ação ou omissão, o governo de Jair Bolsonaro.

Reinaldo Azevedo – Nós, os corrupto-dependentes!

- Folha de S. Paulo

Os métodos mais uma vez não permitem distinguir o certo do errado, o culpado do inocente

É fácil levar a imprensa —no seu conjunto e sem exceções— a servir de instrumento da fascistização bolsonarista: ofereça a ela alguns acusados de corrupção! Como, com efeito, a política brasileira não é um convento (ou é, mas daqueles do Eça de Queiroz pré-conversão), basta que a Polícia Federal —a pedido do Ministério Público e com a autorização de um juiz— realize algumas operações espetaculosas e pronto! A coisa está feita.

Na coluna passada, escrevi neste espaço: “Eis a PGR a servir de pátio de manobra da sanha de Bolsonaro contra os governadores. A Lava Jato destruidora de instituições —que morreu como projeto de poder de Sergio Moro e dos ‘white blocs’ do MPF— renasce em espírito com Augusto Aras, agora sob os auspícios do bolsonarismo”.

As operações de caça a governadores em razão de irregularidades reais ou supostas envolvendo a compra de respiradores estavam escritas nas estrelas e também nos tuítes, entrevistas e telefonemas ameaçadores da deputada Carla Zambelli (PSL-SP).

À míngua – Editorial | Folha de S. Paulo

Economia brasileira dá sinais de que pode sofrer mais que as de outros países

Se os impactos econômicos e sociais da pandemia são graves em todo o mundo, no Brasil as consequências podem se revelar mais devastadoras. Com progressos insuficientes no combate ao vírus, a retomada ameaça ser ainda mais lenta do que em outros países.

As projeções mais recentes apontam para uma retração do Produto Interno Bruto de pelo menos 6,5% neste ano. Se confirmada tal hipótese, a deterioração da renda será equivalente à do período 2015-16, mas de forma mais súbita e com o país em situação mais frágil.

A taxa de desemprego, que já estava perto dos 12%, saltará mais alguns pontos. O desalento que atingia 25 milhões de pessoas tende a se tornar endêmico, com impactos sociais negativos e perdas para a produtividade da economia.

Outra limitação grave está nas contas públicas, que serão danificadas seriamente com os necessários programas emergenciais de suporte à renda e ao emprego. A dívida pública deve saltar do equivalente a 75% para 95% do PIB ou mais, um fator limitante para que o Estado possa fazer investimentos em montantes significativos.

César Felício* - O centrão italiano

- Valor Econômico

Operação política de Bolsonaro agora lembra a de Mussolini

O soberbo livro “M- O filho do século”, uma biografia romanceada de Benito Mussolini que levou Antonio Scurati a ganhar, no ano passado, o Prêmio Strega, o principal da literatura italiana, tem sido muito usado para traçar analogias entre a ascensão do fascismo na Itália e o que pode estar acontecendo no próprio país de origem do livro, em outras nações e no Brasil, sem que estejamos percebendo claramente. A carapuça serve a várias cabeças.

A leitura impressiona quando se pensa no Brasil, sem que seja preciso forçar a barra em considerar o bolsonarismo como a versão cabocla e contemporânea do fascismo. Banalizar o que foi Mussolini é uma afronta às vítimas do horror da ditadura que arrasou a Itália entre 1922 e 1943.

Por mais que seja inegável o caráter populista e autoritário do bolsonarismo, ainda há um oceano a separá-lo de Mussolini em termos de brutalidade política. Aqui não se sodomiza deputados esquerdistas com cassetete e nem se executa sindicalistas a pauladas no meio da rua, em expedições punitivas pela madrugada. Detalhe: essas duas barbaridades, relatadas no livro, aconteceram antes da ascensão de Mussolini ao poder, em tempos em que o fascismo apenas ganhava forças.

Ressaltar as diferenças não significa outorgar ao bolsonarismo um ISO 9000 de aceitação da democracia. A extrema-direita não é uma força comprometida com a democracia nem no Brasil, nem em nenhum lugar do mundo, frise-se. Como a extrema-esquerda também não é. A ação de um bolsonarista ao retirar as cruzes que simbolizam as mortes por covid em um protesto nas areias de Copacabana são sugestivas neste sentido.

Claudia Safatle - Dúvidas sobre a eficácia do Pronampe

- Valor Econômico

Micro e pequenas empresas estão à espera de oxigênio

O pacote de crédito instituído pelo governo, com a regulamentação dos fundos garantidores de Operações (FGO) e de Investimento (FGI), está concluído. As últimas medidas foram para “desenrolar” e “desentupir” os canais do crédito para que os recursos cheguem ao tomador final.

“Foi um passo audacioso”, comentou o assessor Especial do Ministério da Economia Guilherme Afif, que foi um dos responsáveis pela estruturação das operações.

Afif se refere sobretudo ao fato de o Tesouro Nacional bancar praticamente 100% das garantias necessárias para que o sistema bancário se habilite à participar das operações para as micro, pequenas e médias empresas.

“Fizemos tudo para que o crédito chegue na ponta final. Se não chegar, vai morrer muita gente”, comentou Afif. Ele sabe bem a situação de tremendas dificuldades que essas empresas estão passando diante dos efeitos da pandemia da covid-19, que derrubou a economia para uma violenta recessão.

Com as medidas provisórias e os regulamentos já divulgados em mãos, fontes do mercado avaliam que os empréstimos para as empresas de pequeno e médio porte, com garantia do FGI, têm boas condições de dar certo. Faltam ainda algumas definições do BNDES, que opera o FGI. Por exemplo, ainda está em análise a taxa de juros que o programa vai cobrar.

José de Souza Martins* - O poder invisível

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O povo brasileiro votou para ter um governante e elegeu um usurpador que governa em nome do que acha, e não do prescrito

Faz tempo que um poder invisível tem aqui se ocultado nos bastidores do poder formal e aparente. Esse fantasma sobrevive e manda em todos nós. Está de volta. A cara do poderoso é apenas a máscara do invisível.

Temos um governante que faz e diz, diariamente, coisas fora do marco do que possa ser reconhecido e interpretado como próprio da democracia, da representação política e do decoro da governança, que foi o motivo da eleição de 2018. O povo votou para ter um governante e elegeu um usurpador. Governa em nome do que acha, e não do prescrito.

Não há, pois, como não suspeitar de que o país está sob o jugo de um governo invisível. Porque, com a mentalidade diariamente divergente do governante em relação ao constitucionalmente previsto e ao politicamente esperado, o país está sendo governado por alguém que não é o eleito, nem sabemos quem é.

Já aconteceu antes: o presidente Garrastazu Médici (1905-1985), por suas insuficiências, foi escolhido para não governar. Governava o chamado “sistema”, o governo invisível da linha-dura do regime militar. Gente que queria mandar, mas não tinha coragem de assumir os malfeitos do regime. Até porque era mando para executar o inconfessável da repressão, da tortura e dos desaparecimentos políticos.

Gente que sabia ou, ao menos, intuía que lá adiante, quando o país retornasse à normalidade democrática, teria que enfrentar a acusação de suas vítimas e da própria sociedade restituída ao seu legítimo direito de governar-se às claras.

Maria Cristina Fernandes – Democracia remota blinda Congresso

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Sob deliberação remota há quatro meses, parlamentares terceirizaram ao STF o enfrentamento com o Executivo e agora se preparam para enfrentar pressão redobrada pelo impeachment

A aprovação do projeto que transfere terras da União para os Estados de Roraima e Amapá, antigos territórios federais, arrancou vivas tanto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), integrante da turma que morde o bolsonarismo, quanto do seu principal artífice, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), capitão da banda que assopra.

O dueto de antagonistas conterrâneos foi interrompido pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN). Votara a favor da iniciativa, mas denunciava a manobra que havia levado todos a retirar projetos prioritários de pauta em função do acordo para apenas colocar em votação remota o que estivesse relacionado à doença: “Ou a gente muda a regra ou cumpre a regra. Isso não tem absolutamente nada a ver com a covid”.

Não era a única queixa do senador. Prates reclamou ainda que os colegas que pediam para falar “pela ordem” deviam ser colocados para o fim da fila de quem se inscreveu para falar os três minutos regulamentados pela norma da votação remota.

O procedimento, comum nos apartes parlamentares, virou uma guerra no plenário virtual. O presidente do Senado, cuja contemporização com o bolsonarismo rendeu, além da transferência de terras, benesses como um hospital de campanha federal no Amapá, prometeu resolver o rolo dos apartes, mas não disse palavra sobre os jabutis da pauta.

Quatro meses depois, os procedimentos adotados pelas mesas da Câmara e do Senado para manter os trabalhos em funcionamento durante a pandemia se transformaram num poço de controvérsias. Se todos concordam que as sessões remotas foram a saída possível para manter as deliberações do Congresso, sobram divergências em relação ao poder redobrado dos presidentes, do colégio de líderes e até dos burocratas das mesas diretoras.

Os presidentes das Casas e os colégios de líderes definem a pauta, abrem a sessão e depois de manifestações parlamentares de três minutos, os projetos são votados. Se houver acordo com os líderes, o projeto entra em regime de urgência, o que não permite qualquer obstrução. Nos chats, foi aos funcionários que os parlamentares passaram a dirigir pedidos desesperados de que querem se fazer ouvir.

Fed sinaliza afrouxamento monetário e juro zero até 2022 – Editorial | Valor Econômico

As ações do Fed e a desvalorização do dólar deixam o BC brasileiro mais confortável para seguir reduzindo os juros

A catástrofe econômica provocada pelo coronavírus obrigará os EUA a manter as taxas básicas de juros encostadas no zero pelo menos até 2022, apontou ontem, por unanimidade de seus membros, o Federal Reserve. A economia está afundando no segundo trimestre, embora haja sinais de que deixou o fundo do poço, e o banco central manterá a alta dose de estímulos dados, e se precisar, acrescentará outros para que o país consiga fazer uma travessia que Jerome Powell, presidente do banco, acredita que será “longa”, marcada por “um grau extraordinário de incertezas”. Powell não fez qualquer menção, sequer hipotética, sobre quando começaria a retirar o apoio monetário em curso, que poderia motivar perigosa reversão de expectativas nos mercados de ações.

Pela primeira vez desde a pandemia o Fed apresentou projeções sobre o desempenho econômico e o retrato é tão pessimista quanto ou até mais do que as dos investidores. Para o Fed, os EUA vão se retrair 6,5% na média, mas pode ser um pouco pior - as previsões variaram entre -5,5% e -7,5%. Em 2021, a expectativa é de avanço de 5%. Uma pesquisa com 42 enquetes, feita pelo Fed da Filadélfia, indica que os analistas estão um pouco mais otimistas que o banco central no curto prazo - recuo de 5,5% - e menos no médio prazo, com o crescimento projetado de 2,2% a 4,1% nos próximos três anos.

Merval Pereira - A caminho da reserva

- O Globo

Saúde passou a ser exemplar da ‘militarização’ do governo, tendo sido nomeados no último mês 30 assessores militares

A autocrítica do General Mark Milley, chefe do Estado Maior Conjunto, principal autoridade militar dos Estado Unidos, por ter participado de uma caminhada com o presidente Donald Trump de cunho político, vem a calhar diante da incorporação de militares, da ativa e da reserva, no governo do presidente Bolsonaro.

“Minha presença naquele momento, e naquele ambiente, criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna”, disse o general Milley. O mesmo desconforto sentiu o General de Exército da ativa Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, ao participar de uma manifestação política em frente ao Palácio do Planalto no domingo dia 17.

Convocado pelo presidente Bolsonaro, assim como outros ministros, o General Ramos compareceu “disfarçado”, com um boné da Harley Davidson e óculos escuros, e ficou no alto da rampa, sem participar da manifestação. Mas naquele dia o presidente resolveu chamar todos os ministros para próximo dele, e apresentou um a um à multidão, levantando seus braços.

Sua presença na rampa do Planalto tinha um inescapável sentido político e foi muito criticada pelo fato de ser um General da ativa. Foi a última vez em que Ramos participou de uma manifestação, e começou a pensar em ir para a reserva.

Rogério Furquim Werneck* - Limites do senso de missão

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Militares vêm sendo arrastados para constrangedor comprometimento com os descaminhos do governo

Engolfada pelo turbilhão da pandemia, da recessão e da crise política, a nação assiste, estarrecida, à escalada de desatinos que continua a marcar a forma com que o governo vem lidando com o devastador alastramento da Covid-19.

Basta acompanhar o que vem ocorrendo em outros países, inclusive vizinhos, para perceber quão desastrosos foram os equívocos por aqui cometidos nessa frente de batalha. E é preciso ter em conta que, ao amplificar as proporções da pandemia e alongar sua fase mais crítica, o governo vem condenando o país a enfrentar uma recessão cada vez mais profunda e um quadro fiscal que se torna a cada dia mais alarmante.

Tendo apostado no discurso irresponsável de desdém pela pandemia e na fantasia de poder empurrar o ônus político da recessão para governadores e prefeitos, o presidente parece ter-se dado conta, afinal, de quão impensada se revelou sua aposta. E já não esconde sua crescente apreensão com o desgaste político que o avanço da pandemia vem impondo ao governo.

Aflito com a torrente de más notícias, não ocorreu ao Planalto melhor ideia do que passar a maquiar os dados de disseminação da Covid-19, acompanhados a cada dia, com crescente interesse, pela opinião pública. E é espantoso que tenha encontrado no Ministério da Saúde quem se prestasse a levar tal desatino adiante.

Míriam Leitão - Biruta da bolsa e o vento da economia

- O Globo

Queda das bolsas americanas ontem mostra que os mercados devem viver momentos de volatilidade, apesar das últimas semanas de recuperação

Os mercados ontem derreteram. As bolsas americanas tiveram a maior queda diária em três meses, e os papéis das maiores empresas brasileiras fecharam em queda de 8,7% por lá. Durante semanas, o movimento foi o oposto, de forte recuperação. Na quarta-feira, as bolsas nos EUA haviam zerado as perdas com a crise. No Brasil, o Ibovespa subiu 48% desde o pior momento, mas ainda está 26% abaixo do pico registrado em janeiro. Hoje, o índice deve abrir em queda, após o feriado, para refletir o movimento no mundo do mercado.

Mesmo com a queda de ontem, o fato é que os mercados parecem meio descolados da realidade. Houve momentos nos últimos dias em que a bolsa subia no Brasil, o dólar caía, enquanto o país vivia a escalada das mortes e o aprofundamento da crise política. No mundo inteiro as projeções são de forte recessão em 2020. Então por que houve essa recuperação das bolsas? Os investidores explicam que muita coisa mudou desde o início da pandemia, atenuando os temores iniciais.

— De uma forma geral, a recessão está menos intensa do que se imaginava. Houve suporte grande dos governos e um aumento de liquidez nunca visto pelos bancos centrais. Além disso, hoje se tem mais informações sobre o vírus. Então, em uma ponta, houve diminuição do risco, e em outra, o “seguro pelo sinistro” ficou maior, pela atuação dos BCs — resume o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara.

Bernardo Mello Franco - Namoro na TV

- O Globo

Bolsonaro recriou o Ministério da Comunicações para abrigar o genro de Silvio Santos. Além de alegrar o homem do baú, a nomeação de Fábio Faria agrada Kassab e ao centrão

Jair Bolsonaro prometeu enxugar a máquina e governar com apenas 15 ministros. Inflou a conta para 22 e agora nomeou o 23º. O presidente acaba de recriar a pasta das Comunicações. Entregou seu comando a Fábio Faria, deputado do centrão.

O novo ministro é especialista em TV. Não exatamente pelo aspecto profissional. Com pinta de galã, ele colecionou namoros com celebridades. A lista inclui a modelo Sabrina Sato, a atriz Priscila Fantin e a apresentadora Adriane Galisteu.

O romance com a ex de Ayrton Senna deslizou das revistas de fofoca para o noticiário político. Em 2009, Galisteu estrelou o escândalo da farra das passagens. O deputado usou a cota parlamentar para levar a namorada e a mãe dela para Miami. Depois do flagra, teve que devolver o dinheiro aos cofres da Câmara.

Nelson Motta - Mentiras, bravatas e ameaças

- O Globo

Bolsonaro foi tratado como um moleque e não reagiu como homem

O problema é saber se é uma mentira, uma bravata ou uma ameaça. Bolsonaro disse e repetiu que “fazer uma ditadura aqui é muito fácil”. Como? Baixando a borduna, e o Exército botando os tanques e tropas na rua? O Exército já sabe disso? Como reagiriam a Marinha e a Força Aérea? Quem tem só 33% de aprovação não pode nem sonhar com um golpe. E pior, para manter um paranoico irresponsável no poder e seus filhos fora da cadeia?

Agora disse que vai nomear o ex-major da PM Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, para o STF. Suas credenciais: é filho de um grande amigo e assessor de Bolsonaro por 20 anos. Foi assessor parlamentar de Jair e Eduardo Bolsonaro por 15 anos. Fez curso de especialização na Abin. Bolsonaro o chama de Jorginho. É tudo. Talvez seja pouco para um cargo que exige “notório saber jurídico”.

Mas Bolsonaro já disse que ser uma pessoa de sua absoluta confiança é o seu principal critério para o STF, como se fosse um puxadinho onde ele bota quem quiser, para atuar a seu serviço. E de seus filhos.

Flávia Oliveira - Faltava falar das flores

- O Globo

Toda noite, madrugada adentro, me abrigo no quilombo Teresa Cristina

Eu sou conversadeira, sempre fui. Minha mãe, Dona Anna, adorava dizer que, desde menina, eu falava mais que a “preta do leite”. Desconheço a origem da expressão, mas com base no meu comportamento, deduzo que significa muito, demasiado, excessivamente. Pois tudo que já fui capaz de vocalizar em meio século de vida não chega perto do tanto que tenho dito em três meses da pandemia da Covid-19. Nunca antes. São lives e mais lives. E debates e telejornais e programas de rádio e gravação de podcasts e aulas e horas de áudio com familiares, amigos, recém-conhecidos.

Na maior parte das vezes, as conversas tratam de condições de saúde, dos efeitos das crises sanitária, econômica, social e política na vida brasileira, das mulheres, dos negros, dos jovens. Tenho especulado um monte sobre a retomada da economia, vergonhosamente precipitada em território nacional como não fora em outras paragens; que tamanho terá a recessão; quão nociva pode ser a deflação em tempos de atividade debilitada; qual mercado de trabalho emergirá da temporada de distanciamento social; como ficarão comércio, serviços, turismo, complexo arte-cultura-entretenimento. Para sempre teletrabalho?

Aqui abro um parêntesis, velho hábito da oralidade, para anotar que normas de vigilância sanitária e operações de fiscalização habituais na economia formal não darão conta da proteção contra o coronavírus. Num país em que quatro de cada dez ocupados estão na informalidade, saúde e segurança do trabalho pós-pandemia dependerão também do sistema público de assistência social, aniquilado em anos passados e ainda não reconstituído. Lutemos por ele, tanto quando pelo Sistema Único de Saúde. Política social tampouco é juntar num balaio um conjunto de programas de transferência de renda com propósitos diferentes e lacrá-lo com o rótulo Renda Brasil. Fecho parêntesis.

Entrevista | Alessandro Vieira: ‘Máquinas de mentira não podem ter mais uma eleição’

- Amanda Almeida | O Globo

Autor do projeto que trata do combate às fake news e da regulação das empresas de redes sociais, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defende que o texto precisa ser votado com urgência, apesar das divergências sobre o tema. Ele argumenta com o calendário, lembrando que o processo eleitoral se aproxima e que o país não pode voltar às urnas sem um controle mais rígido da internet. As críticas mais comuns têm sido de que a falta de um critério claro para definir fake news pode limitar a liberdade de expressão das pessoas, e que a obrigação de cessão de dados às empresas donas das redes pode expor os usuários. Sem consenso, a votação da proposta esta semana foi adiada. O senador quer vê-la na pauta do plenário da próxima semana.

• Seu projeto conseguiu unir petistas e bolsonaristas. Ambos os lados dizem, por exemplo, que o texto fere a liberdade de expressão. O senhor aceitou parte das críticas?

A gente continua achando as críticas desarrazoadas. Não há no texto qualquer risco à liberdade de expressão. Mas a gente tomou uma providência. A gente retirou dele as referências em relação à situação de (o que é) desinformação, checagem de fatos, enfim, aquela questão toda. No projeto, a gente tentava regulamentar isso, o que já é feito pelas empresas, pela plataforma. E a gente deixou esse tema para um debate posterior. Não há risco à liberdade de expressão, privacidade ou confidencialidade.

• Críticos apontam que, ao tentar reforçar o controle das redes, o projeto acaba por fornecer em demasia dados dos usuários às plataformas. Dizem que vamos virar uma sociedade patrulhada e que esses dados podem ser usados equivocadamente.

Não vejo nenhum sentido. As empresas de tecnologia já têm um volume imenso de dados sobre cada cidadão. O que a gente está focado em garantir não é mais dado para empresa, mas o direito a uma eventual vítima de identificar o autor daquela ofensa, daquele crime. Para que isso aconteça, você precisa ter o suficiente para a identificação do usuário. Não vejo esse risco. Esse dado só seria acessível via ordem judicial. Não tem de colocar “Amanda” e seu CPF em seu perfil. Apenas ter o dado disponível para se a Justiça necessitar.

• Outra crítica é de atropelo no debate, já que o projeto corre em meio à pandemia, sem passar pelas comissões.

Durante uma pandemia, a mentira e a desinformação matam. Isso é um ponto muito claro. E, segundo, a gente está se aproximando de um novo momento eleitoral. E a gente não pode chegar a mais uma eleição com máquinas de mentiras, de desinformação, de ataques, disponíveis nas redes sociais. A gente sabe o impacto que isso tem. É plenamente justificada a necessidade de votação imediata. E já passou de uma centena de reuniões com todas as plataformas, com entidades de direitos nas redes, com especialistas. Todo mundo foi ouvido, alguns mais de uma vez, tiveram oportunidade de deixar sua sugestão, várias incorporadas. Então, não vejo falta de debate.

A miséria da política fluminense – Editorial | O Globo

A longa degradação da vida pública no estado e na cidade já se reflete no nível de desenvolvimento

Em trajetória política meteórica, Wilson Witzel, em menos de dois anos, deixou o anonimato da magistratura, surpreendeu ao se eleger governador do Rio de Janeiro em uma campanha que o encheu de confiança para profetizar que seria presidente da República em 2022, até que, na quarta-feira, por 69 votos a zero, a desacreditada Assembleia Legislativa (Alerj), em consulta informal feita pelo presidente da Casa, André Ceciliano (PT), concordou com que seja aberto o processo de impeachment do governador. A unanimidade absoluta só não foi atingida devido à ausência na votação virtual de um deputado do MDB, Rosenverg Reis.

O motivo formal da aceitação do pedido de impedimento são denúncias de fraudes na compra de respiradores para o atendimento de pacientes da Covid-19 e a construção de hospitais de campanha, que justificaram um inédito cumprimento de mandado de busca e apreensão no histórico Palácio das Laranjeiras, residência do governador. Sequer os três deputados do PSC, partido de Witzel, quebraram a unanimidade na consulta de Ceciliano, com a sibilina justificativa de que decidiram dar ao correligionário uma oportunidade para se defender.

O processo de impeachment mantém viva a miséria da política fluminense, com Witzel entrando em uma sucessão de degradações de que constam ex-governadores presos — Anthony e Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Moreira Franco —, parlamentares também trancafiados, entre eles a cúpula da última legislatura — o presidente da Alerj Jorge Picciani, o ex-Paulo Melo e o líder do governo, Edson Albertassi —, além de conselheiros do Tribunal de Contas estadual. Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, também foi presa por participar das corrupções do marido, e a atual primeira-dama do estado, Helena Witzel, está sendo investigada. É um longo encadeamento de escândalos que ocupa boa parte destes 31 anos desde que o país voltou a ter eleições diretas.

Raul Jungmann* - Agonia e morte do Sistema Nacional de Segurança Pública

- CapitalPolítico (11.06.2020)

Em algum arquivo do Palácio da Justiça em Brasília jazem o Sistema Nacional e a Política Nacional de Segurança Pública/Susp, ambos tornados lei por decisão soberana do Congresso Nacional, e que esta semana completariam dois anos de vida.

Aprovado em junho de 2018, o Susp tem uma longa história que se inicia, como proposta, no primeiro governo Lula, e torna-se lei no governo Temer.

Saudado como um histórico avanço no combate à violência e à insegurança, o Susp veio corrigir uma falha que nos acompanhava desde nossa independência enquanto nação. Afinal, da primeira das nossas sete constituições – de 1824, até a última, de 1988 -, jamais o poder central, no Império ou na República, teve atribuições constitucionais na área da segurança pública.

O que significa dizer que jamais tivemos um sistema ou uma política nacional de segurança pública. Em contrapartida, o crime organizado de há muito se nacionalizou e transnacionalizou, enquanto a segurança pública permaneceu uma atribuição dos estados, segundo a Carta de 1988, artigo 144.

Promulgada a Lei do Susp em outubro de 2018, reunimos, em sessão inaugural, o Conselho Nacional de Segurança Pública que discutiu e formalizou a primeira Política Nacional de Segurança Pública (PNSP) – ambos, Conselho e Política, exigências da lei que criou o Sistema Único.

Iniciado o atual governo, em janeiro do corrente ano e extinto o Ministério da Segurança, refundido ao Ministério da Justiça, este então envia, cinco meses após, em maio de 2019, a PNSP para análise da Controladoria Geral da União (CGU). Esta sentencia, em agosto, que em linhas gerais, a PNSP padeceria das mesmas fragilidades dos planos anteriores: genérico; em desalinho com os objetivos da Política; com uma carteira numerosa de projetos (não necessariamente articulados entre si), com ações pontuais e fragmentadas; planos de difícil replicação pelos entes federados; sem elementos gerenciais mínimos (estratégias, responsáveis, prazos, indicadores e metas); e governança de complexa coordenação.

Música | Chico César - Da taça / Onde estará o meu amor / Diana

Poesia | Ascenso Ferreira - Catimbo

Mestre Carlos, rei dos mestres,
aprendeu sem se ensinar...
— Ele reina no fogo!
— Ele reina na água!
— Ele reina no ar!
Por isto, em minha amada acendera a paixão que consome!
Umedecera sempre, em sua lembrança, o meu nome!
Levar-lhe-á os perfumes do incenso que lhe vivo a queimar.

E ela ha de me amar...
Há de me amar...
Há de me amar...
— Como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar!

À luz do setestrelo nos havemos de casar!
E há de ser bem perto.
Ha de ser tão certo
como que este mundo tem de se acabar...
Foi a jurema de sua beleza que embriagou os meus sentidos!
E eu vivo tão triste como os ventos perdidos
que passam gritando na noite enorme...

Porque quero gozar o viço que no seu lábio estua!
Quero sentir sua carícia branda como um raio da lua!
Quero acordar a volúpia que no seu seio dorme...

E hei de tê-la,
hei de vencê-la contra seu querer...

— Porque de Mestre Carlos é grande o poder!
Pelas três marias... Pelos três reis magos... Pelo setestrelo

Eu firmo esta intenção,
bem no fundo do coração,
e o signo de Salomão
ponho como selo...
E ela há de me amar...
Há de me amar...
Há de me amar...

— Como a coruja ama a treva e o bacurau ama o luar!
Porque Mestre Carlos, rei dos mestres,
reina no fogo... Reina na água... Reina no ar...

— Ele aprendeu sem se ensinar...