segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Opinião do dia – Hannah Arendt* (liberdade e pobreza)

“O enorme impacto dos conceitos e formulações de Marx sobre o curso da revolução é inegável, e embora seja tentador, em vista do absurdo escolasticismo do marxismo do século XX, atribuir essa influência aos elementos ideológicos na obra deste pensador, talvez seja mais exato inverter o argumento e atribuir a perniciosa influência do marxismo as várias descobertas autenticas e originais feitas por Marx. Seja como for, não resta dúvida de que o jovem Marx se convenceu de que a Revolução Francesa havia falhado em instaurar a liberdade porque havia falhado em resolver a questão social. Disso ele concluiu que liberdade e pobreza eram incompatíveis. Sua contribuição mais explosiva e, de fato mais original a causa da revolução foi interpretar as necessidades imperiosas da pobreza das massas em termos políticos, como uma revolta não por pão ou por bens, mas também pela liberdade.”

*Hannah Arendt (1906-1975),“Sobre a Revolução” (1963), p. 95. – Companhia de Letras, São Paulo, 2006.

Fernando Gabeira - Eleições, roteiro de um não candidato

O Globo

Tomamos um banho de atraso, preconceito e truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima

Com as convenções partidárias, começou, oficialmente, o processo eleitoral. Dizem que teremos eleições históricas. De certa maneira, todas as eleições são históricas, se considerarmos que muitas resultam em programas transformadores, outras resultam em impeachment. Nunca passam em branco.

Na verdade, é necessário admitir que as eleições têm inúmeros traços singulares e pedem também uma certa preparação do eleitor para os meses de campanha.

O primeiro ponto a destacar é a violência. Já houve um assassinato em Foz do Iguaçu, as redes estão inundadas por insultos e, em Minas, um homem foi preso por ameaçar pendurar os ministros do Supremo de cabeça para baixo.

Não sei se a melhor tática é prender quem faz ameaças. Em alguns países, as pessoas passam a ser apenas monitoradas. O que não deixa de ser uma escolha arriscada; se cometem um crime, a responsabilidade acaba se transferindo para quem hesitou em prendê-las.

Miguel de Almeida - 11 de agosto terá gosto de 7 de setembro

O Globo

Ter de ler texto de 636 palavras azedou Bolsonaro

O que azedou Bolsonaro não foi o teor da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”. Fosse um tuíte, tudo bem. Mas ele se viu forçado a ler um texto de 636 palavras, com ponto, vírgula e parágrafos. Além de referências conceituais, históricas e sociológicas. Foi como atravessar “Guerra e paz”, de Tolstói.

Com base em sua performance pública de usuário de teleprompter, é possível dizer que a leitura dos 15 parágrafos tenha lhe consumido o tempo equivalente a três motociatas sem capacete. Para esnobar, chamou o documento de “cartinha”. Longe de ser juízo de valor, o diminutivo denota o incômodo com a quantidade de sinapses de que se viu forçado a lançar mão num cérebro moldado a frases diretas, jamais subjuntivas e nunca conjuntivas.

Marcus André Melo* - Invasão do Capitólio?

Folha de S. Paulo

Nosso sistema eleitoral não é descentralizado, hiperpolitizado, nem visto como vulnerável pela opinião pública

O debate sobre as eleições presidenciais tem girado em torno da tentativa de um "golpe" (com hora marcada!) e a referência ubíqua é a invasão do Capitólio americano. O paralelo tem alguma plausibilidade; são dois líderes populistas que compartilham similaridades. Mas há pelo menos três importantes diferenças institucionais que explicam por que a dinâmica de um eventual tumulto seria radicalmente distinta.

A primeira é que inexiste uma autoridade federal de facto encarregada de eleições nos EUA. A ratificação dos resultados eleitorais é descentralizada a nível estadual e mesmo local; o que é consistente com a existência de diferentes regras eleitorais nos estados (o que não é excepcionalidade americana, é assim também na Argentina, Alemanha etc.). No Brasil, o sistema é centralizado no TSE.

Celso Rocha de Barros - Que chance tem Bolsonaro?

Folha de S. Paulo

Presidente depende de efeitos eleitorais da PEC 'Medo do Lula' e de golpismo passar despercebido

Nenhuma virada em eleições presidenciais brasileiras começou de agosto em diante. A pesquisa Datafolha da semana passada veio igual à do mês anterior. Isso quer dizer que Bolsonaro tem que cobrir a mesma distância que já o separava de Lula em um período 30% menor.

Por mais que os bolsonaristas mintam sobre o Datafolha, a pesquisa do instituto era a melhor esperança de uma boa notícia para o Planalto no fim de julho. O Datafolha faz pesquisas presenciais, que são melhores para medir os votos dos pobres.

Pesquisas presenciais têm sido piores para Bolsonaro —os pobres votam em Lula— mas é justamente para o voto dos pobres que Bolsonaro está olhando com mais atenção: se a PEC "Medo do Lula" produzir efeitos eleitorais significativos, será entre os pobres.

Mathias Alencastro* - Recados contra o golpe

Folha de S. Paulo

Compromisso de Washington com democracia brasileira é real, mas condicionado pela política doméstica

Quinze dias depois da escandalosa apresentação de Jair Bolsonaro (PL) a embaixadores, os Estados Unidos enviaram um triplo recado militar, jurídico e econômico.

Em visita ao Brasil, o secretário de Defesa Lloyd Austin falou em "devoção à democracia", deixando implícito que a cooperação militar seria interrompida se as Forças Armadas brasileiras aderissem ao golpismo. Por sua vez, a comissão de inquérito do Congresso americano sinalizou a possibilidade de incluir o bolsonarismo nas investigações contra Donald Trump.

Enfim, nesse período também ficou claro que a Faria Lima teria de escolher entre o Posto Ipiranga e o sistema Swift, pois a ruptura institucional seria sinônimo de alienação do sistema financeiro. Isso explica a quantidade de empresários recém-convertidos que correram para assinar a carta pró-democracia.

Denis Lerrer Rosenfield* - Democracia

O Estado de S. Paulo

Para se materializar, um golpe precisaria do apoio da sociedade, do suporte internacional e da participação dos militares. Sem isso, só se tem uma ópera-bufa.

A política bolsonarista tem como característica principal estar baseada na distinção entre amigos e inimigos, os primeiros sempre sendo variáveis ao sabor das circunstâncias, enquanto os segundos têm demonstrado invariância, centrando-se nas urnas eletrônicas, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os amigos mostram a volatilidade de suas alianças, sem nenhum princípio fundado em ideias ou valores morais, onde se encontra ausente qualquer noção de lealdade. Veja-se o que fez com aliados civis de primeira hora, depois abandonados, e com generais importantes que foram simplesmente descartados, segundo o seu arbítrio.

Os inimigos foram se afunilando, chegando à campanha eleitoral em posição de destaque as instituições democráticas. Seu discurso e suas ações decorrentes, em coerência, diga-se de passagem, concentraram-se nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral, sem deixar, porém, de atacar o Supremo. Se conseguiu cooptar – melhor dito comprar – o Legislativo, sobretudo a Câmara dos Deputados via orçamento secreto e outros tipos de emenda, num sequestro flagrante dos recursos públicos e das funções legislativas, o mesmo não aconteceu com o Judiciário. Ministros não se curvaram e souberam fazer frente aos seus arroubos.

Felipe Moura Brasil - Muitos pró-‘democracia’, poucos antissistema

O Estado de S. Paulo

A corrupção não consta na carta pela democracia, porque no Brasil ela é democrática

Defino “sistema” como o conjunto de lideranças apodrecidas das instituições e das elites econômicas que fazem escambos entre si para manter ou aumentar seus poderes, privilégios e blindagens, em detrimento da moralidade e do interesse públicos.

A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito!, divulgada em 26 de julho de 2022, busca proteger o regime em que “temos os Poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal” de 1988, onde estão previstas “eleições livres e periódicas”, “cabendo a decisão final à soberania popular”.

Assim entendida, a “democracia” é perfeitamente compatível com o sistema, uma vez que o respeito e o zelo pelas regras constitucionais são matérias de interpretação da cúpula circunstancial dos Poderes, que não deveria, mas pode, conforme a conveniência, afetar retoricamente o referido compromisso sem cumpri-lo na prática.

Bruno Carazza* - Receita nº 5 para ser eleito: ser famoso

Valor Econômico

Pastores, celebridades e militares têm acesso facilitado ao poder

O sistema eleitoral brasileiro impõe imensas barreiras à entrada na política. Candidatos a deputado estadual e federal têm que brigar pelos votos de todos os eleitores de seus Estados e fazem isso diante de milhares de adversários provenientes de dezenas de partidos.

Diferenciar-se em meio a tantas opções e levar suas propostas a milhões de eleitores, às vezes em territórios longínquos, custa caro. Nas últimas quatro semanas demonstrei como concorrentes com acesso aos bilhões do fundo eleitoral, a uma confortável fortuna familiar ou a doadores generosos levam grande vantagem.

Hoje termino a série analisando aqueles que conseguem se sagrar vencedores sem os trunfos que o dinheiro, público ou privado, oferece.

Lucinda Pinto - Ventos contrários à política monetária

Valor Econômico

Ação do BC perdeu um pouco de efetividade potencial

À espera por mais uma alta da taxa de juros na próxima quarta-feira - e como é típico nos momento em que os ciclos monetários se estendem -, surgem vozes questionando se o Banco Central não estaria indo longe demais no ciclo de aumento da Selic. A taxa já subiu 11,25 pontos percentuais ao longo de 16 meses. Deve ganhar mais 0,5 ponto na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima quarta-feira, com chances de ir além, o que reforça a expectativa em relação a qual será a mensagem do comitê a respeito dos próximos passos.

Ninguém imaginava que o BC iria tão longe. Quando o ciclo começou, em março de 2021, os mercados trabalhavam com a ideia de que seria apenas um processo de normalização do juro como resposta à a alta dos preços derivada da reabertura global da economia. Assim como no resto do mundo, todos achavam que tratava-se de uma inflação temporária, com grande chance de ser controlada, especialmente porque o BC brasileiro saíra à frente dos demais no combate a esse cenário de preços mais altos. Assim, a ideia de uma taxa de dois dígitos foi por muito tempo negada. Até que as projeções para a inflação foram sistematicamente frustradas, comprovando que o ineditismo do cenário havia abalado modelos e parâmetros adotados até então. A bússola estava quebrada e fazer previsões tornou-se quase impossível.

Irapuã Santana - Fracasso é um aprendizado

O Globo

Tenho uma chance de mostrar que todo dia é dia de tentar e de renovar as esperanças de quem pode ler este texto

Em 2016, o professor da Universidade Princeton Johannes Haushofer publicou em rede social um currículo em que relata apenas os fracassos de sua carreira.

Inspirado nessa iniciativa, gostaria de compartilhar algumas experiências que passei na caminhada até aqui. Assim tenho uma chance de mostrar que todo dia é dia de tentar e de renovar as esperanças de quem pode ler este texto.

O primeiro fracasso de que tenho lembrança foi com 13 anos, numa prova do Colégio Naval em que, de 20 questões de matemática, acertei apenas 5. Muito embora eu estudasse várias horas por dia, não tive preparo psicológico para aguentar a pressão por bons resultados e sofri um apagão. Nessa mesma época, deixei de fazer uma prova para a Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) por não ter atentado para a necessidade de ter uma carteira de identidade oficial e, dessa forma, perdi mais um ano inteiro de estudos. Mas não parei por aí. No ano seguinte, finalmente fui aprovado no concurso para a Epcar, mas descobri que era míope e acabei eliminado do processo seletivo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

A rejeição feminina a Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

É provável que ela seja fruto menos de suas ofensas e mais de seu desgoverno, que prejudicou a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação

Todas as pesquisas eleitorais apontam que o índice de rejeição a Jair Bolsonaro é expressivamente maior entre mulheres do que entre homens. À primeira vista, o dado pode suscitar uma conclusão óbvia e, por isso mesmo, incompleta. Seria uma resposta a um presidente que não perde a chance de proferir piadas machistas ou reproduzir discursos misóginos. Essa atitude de Bolsonaro, no entanto, precede a vitória que o presidente obteve no pleito de 2018 – e, se essa visão fosse majoritária, ele jamais teria se sagrado vencedor da disputa em um país em que as mulheres são maioria.

Poucos são os que exploram com profundidade as razões por trás dessa avaliação tão negativa. Um deles foi o cientista político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest. Em entrevista à jornalista Thaís Oyama, do UOL, ele sugeriu que a resposta pode estar no papel central que as mulheres têm no gerenciamento doméstico e na relevância que o eleitorado feminino dá a políticas públicas.

Pagar contas, fazer compras e administrar um lar não é uma atribuição exclusiva das mulheres, mas é inegável que a divisão de tarefas entre a maioria dos casais não é equilibrada, algo que transcende a questão da renda. Portanto, é sobre as mulheres, sobretudo as mães, que recai a responsabilidade de lidar com um orçamento doméstico apertado ante a alta dos preços, de administrar a escassez quando o desemprego afeta a família e de recorrer a serviços públicos de qualidade duvidosa para cuidar da saúde e da educação dos filhos.

Poesia | Manuel Bandeira - Belo Belo

 

Música | Martinho da Vila - Você passa, eu acho graça