• Dilma joga contra a lógica interna do partido que a elegeu
- Valor Econômico
O resultado das eleições na Grécia, um manifesto contra as medidas de austeridade adotadas em parte da Europa, encontraram alguma ressonância por aqui contra o ajuste das contas públicas em curso no governo. Em setores do PT, deve-se registrar, porque para a direção do partido não existe termo de comparação entre uma e outra situação.
Vistas de perto, as críticas ao ajuste fiscal parecem refletir mais a intenção de negociar compensações e atenuantes no governo e no Congresso, do que um eventual boicote do PT à política de austeridade do ministro Joaquim Levy (Fazenda). São outros os problemas imediatos com que a presidente Dilma Rousseff tem com que se preocupar no partido pelo qual venceu a eleição de 2014.
Um desses motivos é a decisão tomada por ela de alijar de seu governo a corrente majoritária do PT. Isso sim tem impacto dentro da sigla. Passado quase um mês após a posse, os dirigentes da ala majoritária petista parecem se convencer de que a presidente resolveu escolher seus principais parceiros dentro do PT fora da Construindo um Novo Brasil (CNB), tendência que até agora deu as cartas no partido e no governo federal.
É na CNB que estão alojados nomes como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro José Dirceu. O único representante da CNB que sobrou no Palácio do Planalto foi Aloizio Mercadante. Mas o ministro da Casa Civil, hoje muito próximo a Dilma, não chega a ter a identificação que outros nomes têm com a CNB, conglomerado do qual faz parte o que antes se chamava de Articulação ou simplesmente campo majoritário.
A opção da presidente pode ser um dificultador para seu governo. A regra no PT sempre foi o respeito à proporcionalidade, mesmo que não se goste deste ou daquele dirigente. Essa é a lógica de funcionamento interno do PT, e o que manteve o partido em paz até agora. Leva quem tem "mais garrafas" - ou seja, votos. O PT sempre foi rigoroso na partilha de poder na proporção das garrafas das correntes.
Os insatisfeitos com o desequilíbrio interno já falam também que a presidente está se distanciando do próprio PT. Prova disso seria a queda do poder de fogo do partido sobre as verbas do orçamento.
Reportagem do repórter Valmar Hupsel Filho, na edição de ontem do jornal "O Estado de S. Paulo", mostra que os ministros do PT vão controlar 21% das verbas discricionárias de suas pastas, metade do porcentual médio registrado no primeiro mandato de Dilma. Os partidos aliados, por seu turno, saltam para 64%, no mesmo período.
Em resumo, a reclamação do PT é a mesma do PMDB, ou seja, a presidente Dilma conseguiu deixar insatisfeitos os dois maiores partidos de sua aliança eleitoral, neste início de governo. O choro do PMDB é antigo e o partido aprendeu a conviver com a situação, mas o clima para o PT é novo e desconfortável. A sigla espera por compensações no segundo escalão, mas até agora ainda há muita gente por acomodar, como a ex-ministra Miriam Belchior, do Planejamento.
Na última semana, o prefeito de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Marinho, cujas ligações com Lula são conhecidas, atacou o ajuste fiscal em curso. Marinho pode estar ecoando essa insatisfação, mas é mais provável que esteja tentando abrir uma trilha de negociação para quando as medidas do ajuste forem votadas no Congresso. Ou as duas coisas.
"Na minha avaliação está incompleto esse processo", disse Marinho. "É preciso anunciar um conjunto de outras medidas que faça equilíbrio para garantir a gestão crescente de geração de emprego, de proteção ao emprego". Segundo o prefeito de São Bernardo, em 2003 Lula "também fez ajustes pesados, mas junto anunciou várias outras medidas que faziam equilíbrio com o ajuste na macroeconomia". O prefeito está enganado: o tranco de Lula em 2003 se deu sem atenuantes.
A derrocada dos partidos europeus que "embarcaram na receita da tríade", evidentemente, é acompanhada de perto pelo PT. Mas a direção do partido não vê - como se vê em alguns setores - paralelo entre o que o ajuste brasileiro pode provocar e o que ocorreu na Grécia.
Na Grécia, o desemprego chegou a 25%, sendo 50% entre os jovens; por aqui, segundo o discurso da cúpula petista, há queda no emprego, mas nem de longe a situação pode ser comparada com o que ocorre na Europa. A inflação no Brasil está alta, mas sob controle. E ao contrário da endividada Grécia, o país tem reservas.
"Quem quiser comparar o ajuste das contas públicas com a grande recessão da Grécia está comparando mal, por todas as razões", diz um dirigente. "O que está havendo aqui são correções no abono salarial, seguro desemprego e nas pensões, sem que esses direitos sejam cancelados". A preocupação maior na cúpula do PT seria com as consequências que a decisão grega pode vir a ter sobre a Europa.
A curto prazo, é de se presumir que a presidente Dilma deve encontrar mais problemas com o PT por ter marginalizado a ala majoritária e diminuído espaços do partido no governo do que pelo ajuste nas contas públicas, cujo conjunto ainda será examinado no Congresso. Convém esperar a reunião do Diretório Nacional marcada para o próximo dia 6 de fevereiro, com as presenças da presidente Dilma e do ex-presidente Lula da Silva.
Com o polegar permanentemente no pulso da Câmara dos Deputados, o PMDB considera que o maior risco à candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Casa é a terceira via, representada na disputa pelo deputado Júlio Delgado, do PSB. Ele teria muito mais capacidade de agregar, em eventual segundo turno, que o candidato do PT, Arlindo Chinaglia. Se Delgado ficar de fora do segundo turno, a oposição embarcar imediatamente na candidatura de Cunha. Dentro, o pessebista pode manter os votos da oposição e atrair todos os que se opõem à ideia de ter o deputado Eduardo Cunha como presidente. O difícil é Delgado passar para o segundo turno da eleição. O governo federal trabalha em silêncio, mas com empenho em favor de Arlindo Chinaglia.