quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Opinião do dia – Theodor W. Adorno*

“Talvez alguns entre os senhores me perguntarão ou me perguntariam o que penso sobre o futuro do radicalismo de direita. Penso que essa pergunta é falsa, pois ela é demasiado contemplativa. Nessa forma de pensar, que vê de antemão essas coisas como catástrofes naturais, sobre as quais se fazem previsões assim como sobre furacões ou sobre desastres meteorológicos, há já uma espécie de resignação na qual as pessoas desligam-se enquanto sujeitos políticos, há aí uma má relação de espectador com a realidade. Como essas coisas vão evoluir e a responsabilidade sobre como elas vão evoluir – isso depende, em última instancia, de nós. Agradeço pela atenção.”

*Theodor W. Adorno (1903-1969), foi um filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão. É um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt, juntamente com Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas, entre outros. “Aspectos do novo radicalismo de direita”, conferência, 6 de abril de 1967. p.76-7. Editora Unesp, 2020.

Vera Magalhães - Chance para blindar a democracia é agora

O Globo

Se Lula deixar tempo passar e enveredar por polêmica econômica, perderá oportunidade de fazer avançar o Pacote da Democracia

A janela de oportunidade para que haja uma convergência dos Três Poderes em torno de um pacto pela democracia está aberta desde 8 de janeiro, mas não permanecerá assim indefinidamente. Se o governo Lula deixar passar muito tempo depois da eleição das Mesas da Câmara e do Senado sem colocar as propostas para andar, as divergências políticas voltarão a emergir, pautadas também pela controversa agenda econômica do Executivo, e adeus oportunidade de proteger mais fortemente as instituições e o processo democrático.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) parecem ter entendido a urgência do momento histórico. Outros, inclusive o presidente, parecem perder tempo com pautas divisionistas, quando têm nessa questão da reação ao terrorismo golpista do bolsonarismo uma oportunidade clara de reconquistar uma fatia da sociedade.

Elio Gaspari - O sangue-frio de Dino e Costa

O Globo

Os dois ministros contiveram a crise do dia 8

O repórter Guilherme Amado revelou detalhes dos acontecimentos do 8 de janeiro que justificam, com sobra, a troca do comandante do Exército, general Júlio César de Arruda. Mais que isso, revelam que o sangue-frio dos ministros da Justiça, Flávio Dino, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, livrou o país de uma crise inédita, pela qualidade de suas atitudes.

Aos fatos, pela narrativa de Amado:

Na noite do dia 8, depois da invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, uma tropa da PM de Brasília dirigiu-se à área onde estavam acampadas pessoas que havia semanas pediam um golpe de Estado. Muitas delas haviam participado das invasões à tarde, e o objetivo era prendê-las, por ordem do ministro Alexandre de Moraes. O comandante militar do Planalto ordenou que os policiais fossem barrados, e a cena da barreira foi mostrada pelas televisões.

Pouco depois, o comandante do Exército reuniu-se com o interventor federal na segurança de Brasília, Ricardo Cappelli, e com o coronel comandante da PM. Conversa dura, e nela o general Arruda teria dito:

— O senhor sabe que a minha tropa é um pouco maior que a sua, né?

Fernando Exman - A quem interessa uma caserna agitada

Valor Econômico

Deve-se diferenciar erros individuais da atuação do Exército

A incerteza era tamanha no funesto dia 8 que um integrante da cúpula do Congresso foi assertivo ao ser alcançado, pelo telefone, por um interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Diga ao presidente que aceite tudo, menos uma GLO”, recomendou, com veemência, o parlamentar.

Àquela altura, um gabinete de crise improvisado a cerca de 800 quilômetros de Brasília já discutia como seria dado o contragolpe que retomaria o controle da sede dos três Poderes. Lula visitava Araraquara, município do interior de São Paulo atingido por fortes chuvas, quando a crise eclodiu: logo começou a ser torpedeado com sugestões de como deveria reagir e, entre essas propostas, estava exatamente a decretação de uma missão de garantia da lei e da ordem - ou, como se diz no jargão, uma GLO.

Bruno Boghossian - Muito além da omissão

Folha de S. Paulo

Sequência consistente de decisões e estímulo ao garimpo ampliaram risco histórico à saúde indígena

Um governante omisso pode alcançar a proeza de transformar um problema histórico numa crise grave, praticamente sem fazer esforço. Mas a negligência se torna quase uma virtude quando comparada a ações capazes de produzir uma tragédia.

A política do ex-presidente Jair Bolsonaro para os povos indígenas causaria inveja a países liderados por políticos puramente incompetentes. A situação dramática registrada na terra yanomami é o reflexo de uma sequência consistente de decisões tomadas para favorecer atividades ilegais e ampliar a vulnerabilidade dos povos que vivem na região.

Mariliz Pereira Jorge - Pode chamar de genocida?

Folha de S. Paulo

Promover criminalidade, negar proteção e acesso à água e comida não parecem crueldade?

Já pode chamar de genocida ou o que Jair Bolsonaro fez aos yanomamis não se encaixa nas definições da ONU, dos juristas e dos puristas da língua? As imagens da devastação daquele povo são chocantes demais para caber na descrição de crime de responsabilidade. Crime de responsabilidade é o governo pagar o lazer de Michelle Bolsonaro com os parças no resort, financiar motociata, conserto de jet ski. A omissão que levou ao abandono, à desnutrição e à morte revelados não cabe outro nome que não genocídio.

Hélio Schwartsman – Assombrações artificiais

Folha de S. Paulo

Previsões catastrofistas relativas às tecnologias jamais se materializaram

Com medo de que os avanços na inteligência artificial (IA) possam custar-lhe o emprego e outras coisas mais? Bem, você não é o primeiro. Nossos cérebros temem tudo aquilo que possa representar concorrência a nossas mentes. Foi assim com a primeira geração de computadores, que chamávamos de "cérebros eletrônicos", e com as máquinas de calcular, que nos transformariam em analfabetos numéricos.

Foi assim também com a escrita. Sim, leitor, a escrita, a mais importante de todas as invenções humanas, sem a qual nossas ciência, tecnologia e filosofia seriam só uma sombra do que são, foi recebida com desconfiança em alguns círculos.

Vera Rosa - Lula infla o PSB e amplia base com rivais

O Estado de S. Paulo.

Até senador flagrado com dinheiro na cueca é atraído pelo Planalto

A uma semana das eleições que vão escolher os presidentes da Câmara e do Senado, o Palácio do Planalto age para ampliar a base no Congresso, com promessas de cargos após o resultado das disputas, marcadas para 1.º de fevereiro. Embora a principal preocupação do governo esteja no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta se aproximar cada vez mais de Arthur Lira (PP), favorito para ocupar novo mandato à frente da Câmara.

Dois dias antes de embarcar para Buenos Aires, Lula jantou com Lira. O presidente quer evitar que a ofensiva do PT para ocupar espaços provoque mais um atrito com o deputado que controla o Centrão.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.* - Para onde vai a democracia brasileira?

O Estado de S. Paulo.

Toda hipertrofia de poder traduz anomalia institucional, alertando que algo não está bem na República. Sintomas ecoam aos ventos

Há um clima de intranquilidade e preocupação no País. Além de riscos geopolíticos extraordinários, é fato público e notório que a política institucionalizada não mais consegue bem responder aos anseios de uma cidadania frenética e impaciente aos velhos arranjos de ocasião. A desconexão de perspectivas salta aos olhos. De um lado, uma dinâmica realidade social em transformação, verticalmente impactada pelas lógicas da inovação e tecnologia, criando um ambiente cívico hiperconectado em fluxo informacional imediato. Do outro, cruzando o vale do abismo bizantino, resta uma classe política feudal, geneticamente atrasada, herdeira do colonialismo extrativista, do patrimonialismo estatal parasitário, do poder pelo poder, do desapego à lei e da imoralidade estonteante.

Bernardo Mello Franco – A vingança de Bolsonaro

O Globo

Na Câmara, ele não conseguiu acabar com a terra indígena; na Presidência, deixou seus habitantes morrerem de fome

Jair Bolsonaro vivia seu primeiro ano em Brasília quando o governo Fernando Collor demarcou a terra ianomâmi. Três dias depois, o jovem deputado subiu à tribuna para protestar. “Essa área é a mais rica do país. Por que instituir uma reserva indígena lá?”, reclamou.

Em tom conspiratório, ele sustentou que os ianomâmis seriam uma ameaça à segurança nacional. Da noite para o dia, poderiam iniciar um movimento separatista. “A curto prazo, essa área poderá tornar-se independente, e a perderemos definitivamente”, fantasiou. Começava ali, em novembro de 1991, sua cruzada contra a maior terra indígena da Amazônia.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Chove dinheiro vivo no plenário da Câmara

De repente choveu dinheiro vivo no plenário da Câmara. Eleito deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, o cacique xavante Mário Juruna, injuriado, subiu à tribuna abriu uma maleta preta cheia de dinheiro, e a despejou sobre os colegas parlamentares. Era propina que latifundiários rurais tentavam lhe passar, com o fim de quebrar a resistência contra o avanço das chamadas frentes pioneiras da agropecuária e da mineração que avançavam pelo Centro-Oeste, penetrando a Amazônia, e invadindo terras consideradas devolutas.

Era um exército de homens montados já em tratores, escavadeiras, equipamentos para serem usados naquelas atividades primárias, acobertados pelos próprios governos, a título de modernizar o sistema produtivo e explorar as riquezas naturais. Iam devastando territórios e populações nativas à sua frente, desqualificando práticas agrícolas de subsistência, culturas indígenas e introduzindo doenças desconhecidas. A gripe, doença de branco, sempre foi um desastre por ali.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Sem mártires

Folha de S. Paulo

Abuso de prisão preventiva não é o melhor caminho para punir os golpistas de 8/1

As distorções do sistema de Justiça brasileiro, que acabam por confundir os cidadãos acerca do papel das penas e de outros recursos da persecução penal, não poderiam deixar de aflorar no caso dos ataques às sedes dos Três Poderes.

As centenas de prisões em flagrante de investigados por tentar subverter a democracia e depredar patrimônio público foram importantes para estancar a baderna, desestimular a sua propagação e assegurar os primeiros passos de apurações e processos criminais.

A reação inicial enérgica embasou iniciativas como as da Advocacia-Geral da União, de requerer o bloqueio judicial do patrimônio de pessoas e empresas suspeitas de participarem da destruição. O objetivo, afinal, é que os culpados, ao fim do devido processo legal, cumpram suas sentenças e paguem do bolso pela agressão selvagem ao bem comum dos brasileiros.

Não se pode confundir, entretanto, esse nobre desiderato com a manutenção de quase um milhar de pessoas detidas —agora em regime preventivo, sem prazo para terminar. Esse tipo de prisão não tem a função de punir ninguém.

Trata-se de recurso extremo e excepcional, previsto no Código de Processo Penal para impedir que um indivíduo ainda não julgado cometa atos como atrapalhar investigações, fugir ou voltar a delinquir. A regra é responder em liberdade.

Poesia | O Tempo - Mário Quintana

 

Música | Mônica Salmaso - Construção (Chico Buarque)