sábado, 6 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Aécio Neves: desvio do fracasso

Venho falando isso desde o primeiro dia. O que eles querem é desviar a atenção do fracasso do governo, botando Lula na TV em campanha pela agenda do PT. Mais grave do que não reconhecer seus erros, é aproveitar a crise para tentar mudar as regras para perpetuar o PT no poder. Mas vão receber o troco logo, logo, quando o povo perceber esse golpe.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, in Oposição vê manobra para Lula voltar à TV, O Globo, 5/7/2013.

Manchetes de hoje nos jornais

O GLOBO
TCU usa verba da fiscalização para pagar auxílio a ministros
Inflação deve começar a cair em julho
Renan recua e vai devolver R$ 32 mil
Caso Varig-Transbrasil: STF nega recurso para fundo Aerus

FOLHA DE S. PAULO
Governo decide divulgardados de aviões da FAB
Venezuela e Nicarágua oferecem asilo a Snowden
Repressão no Egito aumenta e pelo menos 30 são mortos
Após atos, queda de tarifas beneficia 27,5% da população
Líderes do PT pedem a Dilma mudanças no ministério
Papa Francisco apresenta sua 1ª encíclica, escrita com Bento 16

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma busca apoio fora do Congresso para plebiscito
Alckmin diz que empresa ligada à Delta pode ser vetada
Governo exige bônus da Petrobrás e ação despenca
Inflação desacelera
Repasse para ônibus de SP superou inflação

ESTADO DE MINAS
O plebiscito que nós queremos
Renan recua e vai ressarcir cofres públicos
Ônibus fica R$ 0,15 mais barato em BH

O TEMPO (MG)
Passagem de ônibus pode cair mais R$ 0,10 em BH
Entidades entregam a Dilma carta com 10 reivindicações
Banco Central não consegue segurar dólar, e fecha em R$ 2,26
Dilma busca apoio fora do Congresso para plebiscito
Relação com a base desafinou

CORREIO BRAZILIENSE
Ideli Salvatti perde espaço

GAZETA DO POVO (PR)
Um em cada dez curitibanos ainda vive em áreas irregulares
Confrontos e mortes no Egito
Futebol e política em tempo de manifestações
Governo anuncia corte de R$ 15 bi e admite mais aperto
MP vai investigar voo do presidente da Câmara pela FAB

ZERO HORA (RS)
Uso de avião da FAB deve ter controle mais rígido
Pedro Simon anuncia sua aposentadoria

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Greve ainda longe do fim
Apoio para Dilma

O que pensa a mídia - editoriais dos jornais de hoje

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Dilma busca apoio fora do Congresso para plebiscito

A presidente Dilma Rousseff reuniu 22 deputados do PT no Planalto e pediu apoio para garantir a governabilidade. “Não pensem que estou acuada”, disse, em reunião com a coordenação da bancada do partido na Câmara. “Vou para cima e vou disputar o nosso legado.” Dilma, que insiste na realização de um plebiscito para a reforma política, decidiu buscar ajuda fora do Congresso. Ontem, integrantes do Movimento dos Sem Terra disseram a ela que vão levantar a bandeira do “Plebiscito Já” no Dia Nacional de Luta com Greves e Mobilizações. PT, CUT, Força Sindical e outras quatro entidades também prometem assumir a frente do movimento

Dilma diz ao PT não estar acuada e pede ajuda fora do Congresso para plebiscito

Vera Rosa, Tânia Montoro, Ricardo Della Colleta e Rafael Moraes Moura

A presidente Dilma Rousseff reuniu ontem 22 deputados do PT e pediu apoio para garantir a governabilidade. "Não pensem que eu estou acuada",disse em reunião de duas horas com a coordenação da bancada do PT na Câmara, realizada no Palácio do Planalto. "Vou para cima e vou disputar o nosso legado."

Dilma, que insiste na realização de um plebiscito para que a população possa opinar sobre a reforma política, decidiu buscar ajuda fora do Congresso. Na noite de ontem, por exemplo, integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) disseram a ela que vão levantar a bandeira do "plebiscito Já" para a reforma política no "Dia Nacional de Luta com Greves e Mobilizações", programado para a próxima quinta-feira, em todo o País.

O PT, a CUT, a Força Sindical e outras quatro entidades dos trabalhadores também pretendem ocupar as ruas das principais capitais pedindo o plebiscito. E no Planalto já se estuda a possibilidade de o governo apoiar atese de entidades como a OAB e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral de um projeto de lei de iniciativa popular para a reforma política.

Embora o governo esteja ciente dos obstáculos para fazer o plebiscito em tempo hábil e efetivar mudanças sugeridas já nas eleições de 2014, a ordem é ainda manter esse discurso.

A estratégia do Palácio do Planalto consiste em jogar ao Congresso a responsabilidade por qualquer fiasco no capítulo das mudanças do sistema político. Em duas reuniões ontem, a primeira com deputados do PT e a segunda com representantes de movimentos do campo, como o MST, Dilma adotou o discurso de que é importante o "plebiscito já" por não querer que a consulta coincida com as eleições de 2014.

Bola com o Congresso. "Eu estou fazendo a minha parte e agora a bola está com o Congresso", afirmou a presidente, de acordo com participantes das reuniões. Foi por esse motivo que Dilma ficou irritada com. o vice-presidente, Michel Temer, e também com líderes do PT e do PMDB que, na quinta-feira, disseram com todas as letras ser inviável aprovar mudanças no sistema político para 2014.

Depois da bronca de Dilma, Temer e dirigentes do PT recuaram no discurso, mas integrantes da própria base aliada consideram que se trata de "jogo de cena". Durante o dia de ontem, as idas e vindas continuaram.

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que o Planalto vai trabalhar "para ver se dá tempo" de realizar plebiscito cujas sugestões possam ter impacto na disputa de 2014. Para entrar em vigor em 2014, uma reforma política teria de ser votada até 5 outubro, um ano antes do pleito.

"Há quem analise que o fato de o Tribunal Superior Eleitoral ter definido o prazo de 70 dias para organizar o plebiscito praticamente tira as chances de as mudanças valerem para 2014. Mas, para o governo, "praticamente" não é "totalmente"7, afirmou Chinaglia. "Digo e repito: não dá tempo de fazer isso agora. Tenho a coragem de dizer a verdade", afirmou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Começa na Câmara. Diante dos problemas para a convocação do plebiscito, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), avisou a presidente Dilma de que o projeto sobre o assunto só tramitará naquela Casa se for aprovado primeiro pela Câmara. O debate a respeito da tramitação cresceu depois de resistências enfrentadas pelo governo para aprovar a proposta na Câmara, onde o PMDB rejeita a tese do plebiscito. "Tramitar primeiro no Senado seria inverter a lógica do processo legislativo", insistiu Renan.

Para o plebiscito virar realidade, preciso que 1/3 dos deputados (171) aprove decreto legislativo para a realização da consulta. Como a base do governo está totalmente fragmentada e sem coesão, a presidente não consegue apoio à ideia por ora.

No encontro com o PT, Dilma prometeu dar uma "chacoalhada" no governo, recompor o diálogo com a base, ouvir mais e enfrentar as pressões políticas tanto por parte da oposição quanto de aliados como PMDB, que têm feito ácidas críticas à sua gestão, "Vamos afinar a viola", resumiu o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE).

Dilma ouviu mais críticas sobre a articulação política do governo e concordou com as queixas dos parlamentares, feitas diante da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT). De acordo com petistas, ninguém teve coragem de fazer perguntas sobre eventual reforma ministerial.
Prognósticos

"O fato de o TSE ter definido 70 dias (para fazer o plebiscito) praticamente tira as chances (de mudanças para 2014). Praticamente não é totalmente. Vamos ver se dá tempo" - Arlindo Chinaglia, Líder do governo na Câmara (PT-SP)

"Tramita primeiro no Senado inverte a lógica do processo legislativo" - Renan Calheiros, Presidente do Senado (PMDB-AL)

"Não dá tempo de fazer. Tenho coragem de dizer" - Cândido Vaccarezza, Deputado Federal (PT-SP)

FHC diz que queria ter feito mais reformas

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou ontem se arrepender de não ter feito reformas que entrassem em vigor no médio prazo, entre elas, a reforma política. "Me arrependo hoje de não ter feito reformas para valerem em cinco anos, é mais fácil de aceitar. Não sei se essa pressa vai facilitar ou dificultar a reforma política. O fato de não dar tempo para 2014 (para vigorar nas próximas eleições) não deve ser impedimento de o Congresso discutir a sério", afirmou o tucano, que participou de reunião do Instituto Teotônio Vilela com a presença do senador Aécio Neves (MG), e de antigos colaboradores do governo tucano.

FHC alertou que um plebiscito não pode servir para manipular eleitores e que é preciso tempo para esclarecer o que será discutido.

(Luciana Nunes Leal)

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dilma: plebiscito agora depende do Congresso

Presidente diz a petistas que já fez a sua parte e pede ajuda do partido para recompor base aliada

Fernanda Krakovics, Catarina Alencastro

Apoio discreto. Dilma se reuniu com o PT e com movimentos do campo: o partido considerou plebiscito secundário

BRASÍLIA - Apesar de o tema ter sido secundário na reunião de ontem no Palácio do Planalto com integrantes da bancada petista na Câmara, a presidente Dilma Rousseff insistiu na realização do plebiscito sobre reforma política já para as eleições de 2014. Dilma afirmou que o governo fez a sua parte e que o assunto agora está com o Congresso. Em uma conversa franca com a presidente, os petistas queixaram-se, por mais de duas horas, da articulação política e da comunicação do governo. Enfrentando a maior crise desde que chegou ao Palácio do Planalto, com sua popularidade em queda e manifestações pelas ruas do país, Dilma teria reconhecido falhas em sua administração e prometido melhorar a relação com a base aliada, que está rebelada. Sobre o plebiscito, passou a decisão para o Parlamento.

- Mandei o que achava que precisava mandar, é a opinião política do governo. Agora, o Congresso decide. É importante fazer para 2014 - disse Dilma, de acordo com deputados presentes ouvidos pelo GLOBO.

Embora a bancada do partido na Câmara esteja dividida e não haja apoio suficiente no Congresso para a aprovação de um plebiscito neste ano com efeito para as eleições do ano que vem, o presidente do PT, Rui Falcão, que participou do encontro, fez nova defesa da proposta. Mas não era o assunto que mais interessava à bancada de deputados, que há meses reclama da falta de atenção da presidente.

- Esse assunto (plebiscito) foi secundário. Ela (Dilma) conhece a posição da bancada, que não dá para fazer (para 2014). O Rui fala que dá para agradar a ela - contou um deputado.

Na saída do Planalto, coube ao líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), fazer um relato da reunião. Disse que a relação do governo com sua base aliada, especialmente com o PMDB, "desafinou" e que a presidente pediu ajuda do PT para tentar "reafinar":

- A presidente pediu apoio do PT na recomposição da base, no diálogo com os partidos, especialmente com o PMDB. O PMDB integra a nossa aliança com os demais partidos e é fundamental a gente afinar a viola. Nós vamos trabalhar para rearticular a base, pacificar a base. A viola desafinou um pouco. E qualquer viola desafinada tem que ser afinada.
Entre os problemas de comunicação apontados pelos petistas está o debate sobre a volta da inflação, explorado pelo pré-candidato do PSDB à Presidência da República, senador Aécio Neves (MG), na televisão. Dilma teria reconhecido que precisa melhorar a comunicação do governo, dedicar-se mais à política e citou o esforço de recomposição da base, citando o PDT, o PTB e o PR, que foram reacomodados em ministérios e em cargos de segundo escalão.

Elogios a Temer

Quanto às turbulências com o PMDB, ressaltadas pelos deputados, Dilma fez uma ressalva em relação ao vice-presidente Michel Temer. Afirmou que Temer tem sido "muito solidário" e que joga junto com o governo. Os petistas pontuaram, no entanto, que ele teria perdido o controle do PMDB.

Diante da preocupação da bancada com os rumos do governo e com a ameaça ao projeto de reeleição, Dilma defendeu sua administração e afirmou que o governo não está em crise:

- Tenho convicção de que temos um patrimônio importante a apresentar ao país. Este não é um governo que está em crise, mas parcela da população que teve acesso à renda quer mais. É preciso melhorar a comunicação com essas pessoas e melhorar a execução dos programas - afirmou a presidente, segundo relatos.

Dentro da agenda de dialogar com todos os setores da sociedade, Dilma dedicou cerca de duas horas ontem aos movimentos do campo, quando ouviu declaração de apoio ao plebiscito da reforma política. Segundo Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as organizações do campo participarão das manifestações do próximo dia 11 de julho e defenderão a ideia.

- O recado das organizações do campo foi que nós vamos para as ruas dia 11, para poder fazer paralisação nacional, para rediscutir este país e, sobretudo, para defender o plebiscito. Já que o Congresso e a grande mídia não querem o plebiscito, o povo que foi para a rua está reivindicando mudanças, e a grande mudança passa por um plebiscito popular. Mas que as questões não sejam só de cunho eleitoral, sejam também sobre participação popular. Não nos sentimos mais representados por este Congresso financiado pelo grande capital - disse Conceição. ( Colaborou Luiza Damé)

Fonte: O Globo

Em reunião, PT pede a Dilma mudanças no núcleo do governo

Encontro com líderes petistas no Planalto é marcado por críticas à articulação política e à condução da economia

Ao ouvir queixas de aliados, presidente cobrou 'unidade e coesão' de sua base de apoio no Congresso

Catia Seabra, Breno Costa

BRASÍLIA - Líderes do PT na Câmara cobraram ontem, durante reunião no Palácio do Planalto com a presidente Dilma Rousseff, mudanças no governo.

Na audiência, que durou mais de duas horas, porta-vozes da bancada atacaram, diante das ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), a articulação, a comunicação e a política econômica.

Segundo participantes, dos três pontos, Dilma defendeu a política econômica, afirmando ser um erro tomar taxas do ano passado como indicativo de tendência de alta inflacionária e afirmando que os fundamentos da política econômica "serão preservados".

De acordo com os relatos, ela defendeu a realização do plebiscito para a reforma política e ressaltou a importância da consulta popular nesse contexto político. Disse que é um instrumento de democracia num momento em que o povo vai às ruas.

Dilma, afirmaram participantes, usou a primeira pessoa do plural ("nós") para reconhecer que todos os ministérios falharam na comunicação em relação às cobranças feitas nas manifestações.

O ministro Aloizio Mercadante (Educação) fez uma pequena intervenção. Ideli e Gleisi ouviram caladas a avaliação da articulação política. Entre os críticos estavam os deputados André Vargas (PR) e Ricardo Berzoini (SP).

Dilma falou por cerca de 30 minutos, dedicando boa parte a dissecar os protestos. Segundo participantes, admitiu que o governo não soube identificar os novos desejos do brasileiro e argumentou que, não fosse o governo petista, as reivindicações ainda seriam por emprego e salário.

"O povo quanto mais tem mais quer", justificou Dilma, segundo participantes.

Ainda segundo esses relatos, Dilma pediu que os petistas evitassem a aprovação de medidas que representem alta nos gastos e recomendou que não se precipitassem na crítica à política econômica. Apelou ainda por "unidade e coesão" na base governista.

O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), afirmou que a recomposição da base, especialmente com o PMDB, foi a pauta principal. "Vamos trabalhar para rearticular a base, pacificar a base", disse.

"A base não está quebrada. A viola desafinou um pouco. E qualquer viola desafinada tem que ser afinada. E o PT pode ajudar a afinar e já está afinando".

Guimarães saiu da reunião desenhando um céu de brigadeiro em relação ao humor e às expectativas da presidente. Segundo ele, a bancada levantou-se espontaneamente e aplaudiu a presidente de pé. "Ela está num astral ótimo."

Após a reunião, Guimarães, o presidente do PT, Rui Falcão, Mercadante e o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) foram convidados a almoçar com Dilma.

Fonte: Folha de S. Paulo

Ideli Salvatti perde espaço

No rastro da turbulência provocada pelos protestos, a chefe da Secretaria de Relações Institucionais foi parar na geladeira, o que realça a falta de articulação do governo

Falta de negociação deixa Ideli na berlinda

Ministra de Relações Institucionais tem sido preterida por colegas no momento em que Planalto tenta viabilizar a reforma política via plebiscito

Juliana Braga

A reação do governo à onda de protestos que tomou as ruas nas últimas semanas evidenciou os problemas de articulação com o Congresso Nacional que se arrastam desde o início da gestão da presidente Dilma Rousseff. Em reunião ontem com deputados petistas (leia mais na página 3), Dilma utilizou diversas vezes a palavra “chacoalhar” para ressaltar a necessidade de dar novo rumo ao governo, e ressaltou a importância de reavivar o diálogo com deputados e senadores. A crise coloca na berlinda a ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Ideli Salvatti. Recordista de tempo na função — na próxima semana, completa dois anos no cargo —, a situação de Ideli está cada vez mais insustentável no Planalto. Em diversas situações, ela tem sido substituída, de maneira explícita, por outros ministros da Esplanada.

Agora, que a permanência na SRI é questionada até por correligionários, Ideli não tem conseguido esconder o nervosismo. Pessoas próximas afirmam que, nos últimos dias, com frequência, a ministra embarga a voz quando fala sobre os problemas do governo e, principalmente, sobre a desunião dentro do PT. Relatam também que existe uma irritação com Aloizio Mercadante, ministro da Educação, não apenas pelo fato de ele estar exercendo a função que caberia a ela mas também pelo gênio do colega, descrito como “difícil”.

No Congresso, parlamentares reforçam a cada dia o descontentamento com a falta de articulação com o governo. Na tentativa de contornar as insatisfações, Dilma tem promovido reuniões com a base e também destacou ministros para estreitar as relações com o parlamento — função que deveria ser exercida por Ideli. Além de Mercadante, Fernando Pimentel (Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior) e José Eduardo Cardozo (Justiça) têm protagonizado as conversas com deputados e senadores.

O trio de ministros tenta tirar o atraso de dois anos e meio de falta de diálogo do Planalto para conduzir a saída da crise proposta pela presidente — a realização de um plebiscito para a reforma política. O cerne da questão é que Dilma nunca dependeu tanto do Congresso, pois só poderá dar prosseguimento à ideia de consulta popular caso o parlamento aprove a iniciativa. Cabe à tropa de choque ministerial se aproximar dos congressistas sem aumentar o desgaste de Dilma perante o Legislativo. Mercadante, porém, encontra ampla rejeição entre os parlamentares. “Ele até pode ter eficiência administrativa, mas tem uma arrogância desproporcional no tratamento com as pessoas”, reclama um cacique da base governista. “O que a Dilma precisa é de alguém ‘macio’”, complementa um dos ministros da Esplanada.

Quem também tem trabalhado na articulação é o vice-presidente da República, Michel Temer. Mas a atuação do peemedebista está desgastada, especialmente depois de ele ter causado constrangimentos ao Planalto na quinta-feira, quando anunciou que seria inviável realizar o plebiscito no prazo desejado por Dilma e, cinco horas depois, recuou.

Interesses

Muitos parlamentares ressaltam que não adianta trocar o interlocutor se não houver mudança na política de articulação imposta pela presidente. “O problema é de modelo. O critério de interlocução não passa por identidade, por projetos, e sim por interesses específicos”, afirma o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

O entendimento de integrantes do próprio governo é de que o estilo de administração de Dilma afasta os aliados dela. Ao longo dos últimos anos, a presidente acabou isolada, e agora não tem nomes para indicar ao posto de intermediador dos conflitos com o Congresso. O entendimento é o de que, depois da saída de Antonio Palocci da Casa Civil, a coordenação política do governo nunca mais foi benfeita, e os parlamentares se sentiram abandonados.

De acordo com um integrante do alto escalão da Esplanada, o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, poderia assumir a articulação, mas foi colocado em uma pasta técnica para ganhar visibilidade perante os eleitores, uma vez que ele é um dos petistas cotados para disputar o governo de São Paulo no ano que vem.

Colaborou Adriana Caitano

Fonte: Correio Braziliense

O plebiscito que nós queremos

Enquanto Brasília discute a viabilidade de consulta popular sobre reforma política, o EM vai às ruas e ouve cidadãos para saber que questões gostariam de ver respondidas

O plebiscito do povo

O EM comprovou nas ruas que a população quer mudar muito mais que o sistema político: a consulta teria temas tão diversos quanto imposto único, número de ministérios e drogas

Alice Maciel, Isabella Souto, Carolina Mansur e Tiago de Holanda

Em meio à discussão sobre o plebiscito para a reforma política, o Estado de Minas foi às ruas e verificou que os mineiros das mais diversas áreas querem muito mais do que mudar as regras partidárias e eleitorais. Eles querem opinar sobre a adoção de um imposto único, a redução do salário dos políticos e do número de ministério do governo federal – atualmente são 39 pastas –, o aumento das penas criminais para corruptos, redução da maioridade penal e até a legalização da maconha.

A gerente comercial Josiane Carneiro e a auxiliar administrativa Elaine Alves acreditam que os brasileiros deveriam decidir, por meio do plebiscito, o valor do salário dos políticos. "Eles que definem o nosso salário e o deles também. Quando eles querem aumentar o salário deles ,eles aumentam. Essa é minha indignação", observou Josiane Carneiro. Já o estudante Estevão Starling, de 24 anos, acha que deveria ser perguntado aos brasileiros se "o salário dos políticos deve acabar". Para ele, os representantes do Legislativo e Executivo não deveriam receber dinheiro algum ao assumir o poder.

O estudante de direito também defende o plebiscito pelo fim do voto secreto no Senado e na Câmara dos Deputados. Chegou a tramitar no Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna todas as votações abertas no Legislativo, mas foi engavetada na quinta-feira passada. O presidente do senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), justificou que a matéria não é consensual e que o texto só vai à votação em plenário quando estiver "pacificada".

Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Bruno Falci, a justificativa é aproveitar o momento em que está sendo dada a oportunidade para que a população seja ouvida. "Desejamos que essa consulta popular seja realizada o mais breve possível, para que as novas regras sejam aplicadas logo nas eleições de 2014", disse.

Ideia No Centro de BH, algumas pessoas abordadas na tarde de ontem pela reportagem do Estado de Minas não sabiam o que é plebiscito. Outras, ainda que soubessem, não tinham ideia do que ele deveria pergunta. "São tanto os problemas,que fica difícil pensar em uma pergunta. Mesmo assim, é importante que se faça essa consulta de vez em quando, pois permite que a população participe mais da construção do país", afirmou o estudante de administração Breno Fagundes, de 21 anos.

Transposição O plebiscito foi incluído na Constituição Federal em 1988, e é uma das formas de democracia participativa – além dele, há o referendo e os conselhos –, cuja filosofia está retratada em vários artigos da Constituição. Teoricamente, deve ser adotado para a discussão de temas de relevância nacional e para adequar as regras a novas culturas e valores da sociedade. Durante a discussão da Constituição na Assembleia Nacional Constituinte, chegou a ser cogitada a inclusão de um artigo prevendo a obrigatoriedade de plebiscito para questões envolvendo mais de três estados – como por exemplo a transposição do Rio São Francisco –, mas ficou de fora.

"Quando você elege um governante, o sistema é o da "confiança", em que ele tem liberdade grande de agir. 

Ao fazer um plebiscito, do ponto de vista do conceito, estou impondo que meus representantes façam o que eu falar", explica o cientista político Rudá Ricci. As perguntas de um plebiscito devem ser sempre claras, objetivas e simples, de forma a facilitar o entendimento do eleitor. E a resposta que sair das urnas, deve ser obrigatoriamente seguida pelo governante.

(Colaboraram: Carolina Braga, Eugênio Moreira, Ludymilla Sá, Marta Vieira, Paulo Galvão, Renan Damasceno, Roger Dias e Sérgio Rodrigo Reis)

Você é a favor da redução do número de deputados federais?
Luiza Dornelas, 25 anos, estudante

O modelo de democracia do país deve mudar?
Jefferson Assunção, 24 anos, cineasta

Você é a favor da melhor distribuição de recursos para os municípios brasileiros?
Bruno Falci, 57 anos, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH)

Você é a favor do imposto único?
Marcelo Oliveira, 58 anos, técnico do Cruzeiro

Você é a favor do passe livre para estudantes e desempregados, sem aumento da tarifa?"
Juliana Rocha, 23 anos, estudante de medicina veterinária

Você é a favor do financiamento privado das campanhas políticas?
Cida Falabella, 53 anos, diretora da Cia Zap 18

"Você é a favor de reduzir os salários dos políticos?"
Elaine Alves, 31 anos, auxiliar administrativa

O governo deve continuar?
Aggeu Marques, 49 anos, cantor

Você é a favor do fim do voto secreto?
Estevão Starling, 24 anos, estudante

"Os cargos políticos devem seguir o modelo de trabalho voluntário, sem remuneração?"
Acácio, 33 anos, jogador de vôlei do Cruzeiro

"Você é a favor da federalização do sistema público de educação?"
Ana Caroline de Oliveira, 18 anos, estudante

O governo pode usar verba pública para fazer propaganda de ações feitas durante o mandato?
Sérgio Cavalieri, 59 anos, presidente do Conselho de Administração da ALE e acionista do Grupo Asamar

Você é a favor da regulamentação dos meios de comunicação?
Gustavo Bones, 28 anos, ator do Grupo Espanca!

Você está satisfeito com os rumos que os políticos que você elegeu deram aos seus mandatos?
Olavo Machado Júnior, 64 anos, presidente do Sistema Fiemg

"É a favor da candidatura de políticos que respondem a qualquer tipo de processo?"
Nelinho, 62 anos, ex-jogador de Atlético, Cruzeiro e Seleção Brasileira

"Você é a favor da legalização da maconha?"
Thiago Guimarães, 27 anos, auxiliar de escritório

"O governo federal deveria elevar os salários dos professores e de servidores públicos?
Luan, 22 anos, atacante do Atlético

Você é a favor de uma reforma tributária que simplifique a forma de cobrança dos impostos?
Euler Nejm, 52 anos, presidente do grupo Super Nosso

Fonte: Estado de Minas

Apoio para Dilma - Entidades ligadas ao PT nas ruas em defesa do plebiscito

Movimentos ligados ao campo - MST entre eles - acertam com a presidente Dilma mobilizações no País no dia 11

RIO - Organizações sociais do campo, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), realizarão uma mobilização no dia 11 de julho e uma das reivindicações será a defesa de um plebiscito para reforma política. As entidades aproveitaram a reunião com a presidente Dilma Rousseff, ontem, para entregar uma carta com dez reivindicações ao governo. Entre os pontos estão a recuperação da soberania sobre terras brasileiras por meio da desapropriação de terras controladas por empresas estrangeiras, o assentamento imediato de famílias para a reforma agrária e o incentivo de crédito para a produção de alimentos baratos.

"Vamos à rua no dia 11 (de julho) para fazer uma paralisação nacional no País e pela defesa de um plebiscito", disse Alexandre Conceição, membro da direção do MST. Segundo ele, um dos temas da marcha será a reforma política. "Vamos fazer esse debate pelo plebiscito em que as questões não sejam apenas de cunho eleitoral, mas de participação política. Não nos sentimos mais representados pelo Congresso, hoje financiado pelo grande capital. Precisa ser um plebiscito amplo, para além da reforma eleitoral".

Indagado se o MST e demais organizações atuariam em defesa do governo, que encampa o plebiscito, Conceição negou. "A participação popular e a representatividade sempre foram bandeiras nossa, não é de governo. Vamos para a rua não para defender governo, mas o projeto político, que, para nós, é a reforma agrária e a produção de alimentos saudáveis", colocou.

Embora tenha considerado que o resultado da reunião foi positivo, Alexandre Conceição criticou o engessamento das políticas de reforma agrária no mandato de Dilma Rousseff. "Colocamos para ela que, na atual gestão, a reforma agrária está paralisada. São poucas as desapropriações de terra e os números são muito vergonhosos, mas nós esperamos que agora a gente possa avançar", assinalou Alexandre Conceição.

Reivindicações

Além das desapropriações de terras, o documento elaborado pelas organizações pede a demarcação imediata das terras indígenas e quilombolas e o banimento de agrotóxicos vetados em outros países. Também consta na carta uma cobrança por uma política mais efetiva de desmatamento e programas para a erradicação do analfabetismo.

Na carta, os movimentos sociais do campo pedem que o governo retire o regime de urgência do novo Código da Mineração, que tramita atualmente no Congresso. Eles defendem ainda a "suspensão de todos os leilões de privatização de áreas de perímetro irrigados no Nordeste" e o fim da lei Kandir, que "isenta de impostos as grandes empresas exportadoras de matérias primas agrícolas".

"A relação desafinou"

Presidente Dilma pediu a petistas para dialogar com aliados e reafinar discurso

BRASÍLIA - Líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), que a relação do governo com sua base, especialmente com o PMDB, "desafinou". Segundo ele, Dilma pediu ajuda ao PT para tentar "reafinar". Apesar dos problemas com aliados, as manifestações e a queda da popularidade, o líder disse que a presidente está segura e com o astral em alta.

"A presidente pediu apoio do PT na recomposição da base, no diálogo com os partidos, especialmente com o PMDB. O PMDB integra a nossa aliança e é fundamental a gente afinar a viola. Vamos trabalhar para rearticular e pacificar a base", disse Guimarães, após encontro com a presidente e bancada.

Segundo ele, Dilma disse que o PT e o governo precisam estar mais juntos e que o partido respondeu que está com ela "até debaixo d"água". Sobre o plebiscito, o líder pontuou que Dilma reiterou sua vontade de que ocorra de imediato. O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), informou que as assinaturas para o decreto legislativo que inaugura o processo de consulta começarão a ser recolhidas.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Inflação em alta mobiliza governo

Com IPCA acima do limite pela segunda vez no ano, Planalto prevê corte de despesas e no imposto de insumos importados

Ao voltar a romper o limite da meta oficial, desta vez com mais força, a inflação de 6,7% acumulada em 12 meses até junho levou o governo a indicar maior corte de despesas para ajudar a conter os preços. A alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) também cria mais expectativa para a reunião do Banco Central (BC), que na próxima semana deve elevar o juro básico.

Ontem, ainda antes da divulgação do IPCA, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou que o governo irá ampliar em até R$ 15 bilhões o corte nas despesas previstas no orçamento deste ano. Outro bloqueio de R$ 28 bilhões havia sido definido em maio. O anúncio deve ocorrer na próxima semana. Em entrevista ao programa Bom Dia Brasil, da TV Globo, disse que serão reduzidas principalmente despesas de custeio.

– Não haverá cortes em investimento nem nos serviços sociais do governo – afirmou.

Mantega indicou que os cortes serão em viagens e passagens, material permanente, serviço de terceiros e aluguéis. De acordo com o ministro, o governo acompanhará o impacto ao longo do ano. Se houver necessidade, novas medidas serão tomadas, mas sem aumento de impostos, prometeu.

A redução das despesas é necessária para cumprir a meta de 2,3% do superávit primário – a soma das receitas e despesas do governo, descontados os gastos com pagamento de juros.

O governo também está estudando a redução do imposto cobrado sobre a importação de alguns insumos básicos, como aço, produtos químicos e fertilizantes. Porém, segundo Mantega, a medida só deve ser adotada em setembro. O imposto mais baixo alivia o impacto da alta do dólar nos preços dos insumos importados.

BC pode elevar juro mais uma vez na próxima semana

Na terça e quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para decidir o juro, principal instrumento do governo para controlar os preços e cumprir a meta de inflação de 4,5% ao ano, com tolerância para variar entre 2,5% e 6,5%.

As apostas são de elevação de 0,50 a 0,75 ponto percentual. Caso o juro anual chegue a 8,5% – hoje está em 8% –, a poupança voltará à regra antiga, que dá remuneração maior.
Em março, o IPCA já havia ultrapassado o teto, mas voltou a ficar abaixo, embora perto, do limite nos dois meses seguintes. Nas últimas semanas, o presidente do BC, Alexandre Tombini, tem repetido que a inflação está reduzindo o ritmo de alta e deverá voltar a ficar abaixo de 6,5% neste semestre. Na semana passada, porém, o BC elevou sua expectativa do IPCA neste ano de 5,7% para 6%.

A projeção de menor ritmo de aumento dos preços nos próximos meses é compartilhada por especialistas. As principais motivações são a se- quência de alívio nos itens de alimentação, já observado em junho, e a deflação esperada com o cancelamento de reajuste das passagens dos ônibus.

Há, ainda, tendência de queda nos preços de etanol e gasolina e o cancelamento do reajuste dos pedágios em São Paulo, lembra Fábio Romão, economista da consultoria LCA, que estima IPCA de 6,34% acumulado em 12 meses, dentro da margem. O percentual se aproxima do cálculo do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal: 6,3%.

O câmbio, no entanto, é o principal efeito complicador nesse cenário. De acordo com Juan Jensen, sócio da Tendências Consultoria Integrada, se o dólar estabilizar em torno de R$ 2,25, ante os R$ 2 de alguns meses atrás, o impacto direto dos 12,5% de alta da moeda americana será de 0,63 ponto percentual no IPCA de 2013. Jensen disse que a variação cambial já traz efeitos nos preços do atacado, mas ainda não são sentidos no varejo.

Fonte: Zero Hora (RS)

Para Marina, Dilma não ouviu clamores

BRASÍLIA - Apontada como uma ameaça potencial à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva criticou a proposta de plebiscito para reforma política sugerida pela mandatária ao Congresso Nacional. Em entrevista à Agência Estado, a principal liderança da Rede Sustentabilidade - partido encabeçado pela ex-verde e ainda em fase de formalização junto à Justiça Eleitoral - disse que o governo não entendeu o "clamor das ruas" e cometeu o equívoco de pensar "que um plebiscito feito de afogadilho" pode ser a resposta que a sociedade espera.

Segundo Marina Silva, tanto o plebiscito quanto o referendo podem dar "no mesmo problema, que é tentar remendar um sistema falido com respostas imediatas e superficiais, mudando alguma coisa para continuar mantendo o controle e o monopólio da política pelos partidos".

Para a ex-ministra do governo Lula, o Brasil só caminhará quando o exercício da política for compartilhado por toda a sociedade.

"A reforma deve ser muito mais ampla", prega Marina Silva.

Bem posicionada na última pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha - a ex-ministra subiu de 16% para 23% em três semanas - , a terceira colocada na sucessão presidencial de 2010 associou a lembrança do eleitorado ao "desejo de mudança".

"Entre o discurso da tábula rasa e o da terra arrasada, há de se buscar uma alternativa", frisou Marina Silva.

Para tanto, a ex-ministra do Meio Ambiente citou que a inclusão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, na lista dos presidenciáveis é um claro sinal de que o brasileiro busca algo novo.

Marina Silva advertiu que o cenário econômico brasileiro vive um momento ruim, com a combinação de baixo crescimento, aliado com a alta da inflação.

"Talvez a queda de popularidade esteja preocupando mais a presidente e o PT do que deveria", alfinetou Marina Silva.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

A cidadania como bandeira - Promessa é dívida

Vinte e cinco anos depois de promulgada a “Constituição cidadã”, o brasileiro cobra na ruas o cumprimentos de garantias inscritas na Carta Magna

Por Bárbara Pombo e Viana de Oliveira

A Constituição em dois momentos: em 1988, aprovada, com Ulysses; em junho, com manifestante

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Enquanto eram só alguns milhares de jovens a protestar contra a tarifa do transporte, quase não se atentava para o papel democrático de manifestações em espaços públicos: parecia tratar-se de só mais um estorvo ao trânsito. De uma hora para outra, a cidadania tomou a frente como problema central de manifestações que se espalharam por centenas de cidades e levaram brasileiros às ruas. No meio de cartazes e faixas, as falhas da democracia brasileira se revelavam: o país se via às voltas com a constatação de que as demandas da maior parte da população não são atendidas, com a incapacidade do poder público em responder a reivindicações e com a violência policial arbitrária. Tudo isso, quando o texto fundamental da ordem política e social do país, sua "Constituição Cidadã", estava às portas de completar 25 anos em vigor.

"Numa passeata, achei interessante como vários cartazes faziam referência a trechos da Constituição", afirma o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, as manifestações estão embebidas na própria lógica da Carta Magna, que recebeu seu apelido de "Constituição Cidadã" do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, quando foi promulgada, em 5 de outubro de 1988.

Por um lado, os manifestantes exigem a aplicação plena dos amplos direitos sociais previstos na Carta. Afinal, diz Moisés, os direitos sociais à saúde e educação, presenças constantes nas faixas, são garantidos constitucionalmente no Brasil e de responsabilidade conjunta da União, Estados e municípios. Ou seja, 25 anos depois de promulgada a Constituição, foi em busca dessas garantias que os brasileiros tomaram as ruas. Foram, em grande parte, jovens já criados sob a égide da Carta de 1988 que, ao monopolizar as cidades, o noticiário, as conversas cotidianas e as decisões dos governos nas últimas três semanas, reivindicaram a quitação da dívida constituída na Constituição. Por outro lado, os manifestantes exigem a transformação do sistema político, para acomodar o desejo de civilidade que o Brasil nunca exerceu plenamente.

"A cultura política brasileira está mudando, lentamente, desde a resistência democrática contra a ditadura, passando pelas greves do ABC, a campanha pelas Diretas Já e os cara-pintadas", diz Moisés. Para ele, as constituições do Brasil herdaram de tempos coloniais a ideia de que a sociedade civil não tomava iniciativa. "As pessoas não se organizavam. Ao verem que podem pressionar o Congresso e o governo quando se organizam, incluem um novo elemento cultural na política."

O texto constitucional aprovado em 1988 foi posto à prova. Os protestos, à parte as depredações e a intolerância a partidos, escancararam, para constitucionalistas, uma grande conquista da Carta: a estabilidade institucional. É a própria Constituição, como reação aos 21 anos de ditadura e marca do regime democrático mais longo da história do Brasil, que garante manifestações livres. "A Constituição foi o meio ambiente que viabilizou as manifestações", diz o professor de direito constitucional Oscar Vilhena, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). "Ao traçar uma agenda de demandas sociais e conceder direitos antes que sejam efetivados, cria-se um ambiente propício para a luta política."

Brasileiro inclui novo elemento cultural na política ao ver que, quando se organiza, pode pressionar governo e Congresso, diz cientista político

O momento de forte carga emocional do Brasil de meados da década de 1980 atravessa a Constituição do começo ao fim, naquilo que a torna uma carta cidadã: a garantia profunda e extensa dos direitos sociais. Moisés relembra que, no período, o chamado Centrão conseguiu se articular para bloquear transformações do sistema político que poderiam lhe conferir agilidade e maior poder de representação. Só para lembrar: Centrão é o apelido dado ao grupo denominado Centro Democrático, formado por parlamentares do PMDB, PFL, PDS e PTB, além de outros partidos menores, que formavam a base de apoio do governo Sarney. "Mas nos direitos sociais, exigência da sociedade civil, o Centrão não conseguiu tocar", diz Moisés.

A Constituição seria, por isso, o retrato de um país que se redemocratizava com sede de justiça social e desenvolvimento humano, ainda que esse caráter abrisse o caminho para críticas de que se trataria de um apanhado de direitos difíceis de aplicar e custosos demais. "Temos de olhar a Carta em dois níveis. No conceitual, prefiro, pessoalmente, uma Constituição mais enxuta, que deixasse de fora temas que poderiam estar na legislação ordinária", diz Moisés. "Na prática, a Constituição foi feita com os olhos na tradição brasileira de leis desligadas dos interesses da população e quiseram garantir esses temas desde o início. Pensando na história, temos uma Constituição que atacou os problemas reais do país."

As manifestações parecem refletir um abismo entre o dia a dia e as expectativas do brasileiro. "Antes de 1988, a reclamação era a falta de acesso aos serviços. Hoje, é sua qualidade. A pauta é legítima e não está distante do pacto constitucional", diz o cientista político Fernando Abrucio, da FGV. "Apesar do conjunto de expectativas juridicamente estabelecidas, a situação está aquém do prometido. Além disso, um discurso político intenso nos últimos anos dizia que a vida do brasileiro melhorou. Agora ele é cidadão de classe média com emprego de boa qualidade; o Brasil se tornou um dos grandes do mundo", observa Vilhena. "O discurso político ficou aquém das nossas capacidades."

Durante sabatina no Senado, Luís Roberto Barroso, recém-empossado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a Constituição "só não prometeu trazer a mulher amada". "O documento da liberdade, da dignidade e da justiça social", como definiu Ulysses, tem 250 artigos que tratam desde a organização do Estado, o direito dos índios e o dever da família até regras específicas de interesse de magistrados, policiais e cartórios.

Apesar desse excesso de detalhes, 142 dispositivos ainda não são aplicados plenamente, por falta de regulamentação. Dentre eles, a greve dos funcionários públicos. Apenas o capítulo das garantias fundamentais possui 78 incisos, que asseguram o direito à vida e a igualdade de todos perante a lei, mas também a obtenção gratuita de certidões em órgãos públicos para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal. "As sociedades que não têm consciência social forte precisam de freios e regras, porque é a maneira de fazer a sociedade andar", diz o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para alguns pesquisadores, embora tenha sido objeto de interesse de diferentes grupos que influenciaram na sua elaboração, desde lideranças sindicais a empresários, a Constituição tornou-se elemento-chave para tornar o país "ingovernável", por trazer mais direitos do que obrigações. Além disso, constituintes teriam pecado pelo excesso ao redigi-la: há uma descrição das principais políticas públicas a serem executadas pelo Estado, com suas diretrizes, mas também um detalhamento de como devem ser feitas, o que é entendido como uma forma de engessamento para colocá-las em prática.

A Constituição de 1988 é repleta de dispositivos simbólicos, fixados a partir da necessidade "inconsciente" e "sem intenção" dos constituintes de "vender" um país democrático e preocupado com valores após os 21 anos da ditadura, observa Marcelo Neves, professor de direito público da Universidade de Brasília (UnB). Talvez por isso, 76% dos 559 parlamentares constituintes classificassem sua orientação política como de centro ou centro-esquerda, segundo pesquisa do jornal "Folha de S. Paulo", de março de 1987. "A produção textual, as emendas, a Constituição cidadã são formas de apresentar um cenário de pessoas envolvidas com a transformação real do país. Socialmente, era uma exigência em relação aos políticos da época."

Do ponto de vista de ativistas e estudiosos que lidam com os direitos sociais e humanos, o resultado é uma tabela de princípios para o que a sociedade quer ser no longo prazo, na descrição da jurista Ester Rizzo, da organização não governamental Ação Educativa. Esse documento não chega a empalidecer diante da "enorme discrepância entre os direitos escritos e o dia a dia", no dizer do cientista político Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional. Ao contrário, é a discrepância que justifica a amplitude dos direitos presentes na Carta. "A tensão entre direito e realidade é constante. Existindo a lei, o desafio é fazê-la valer", diz Ester.

Em outras palavras, ao garantir mais cidadania do que o brasileiro jamais teve, a Constituição faz de si o campo de batalha para o avanço e o retrocesso dos direitos sociais e humanos no Brasil. Dois exemplos em que a Constituição ou uma de suas emendas alterou a maneira como a educação foi tratada são citados por Ester. Até 1988, a educação infantil era considerada direito não da criança, mas dos pais que trabalhavam, graças a esforços do movimento feminista na ditadura. Hoje, é direito tanto dos pais quanto da criança, cuja implantação efetiva não foi imediata. "Só em torno de 2004 a maioria das prefeituras transferiu a educação infantil das secretarias de Assistência Social para as de Educação. Foi preciso recurso à Justiça para isso." Hoje, mesmo filhos de pais desempregados têm garantido o direito a creches e pré-escolas.

O segundo exemplo é a obrigatoriedade do ensino, alterada em 2009 pela emenda constitucional 59. Passou-se da obrigatoriedade por etapa de estudos (o ensino fundamental) à obrigatoriedade por idade, dos 4 aos 17 anos. "Os movimentos pela educação viram que não bastava alterar a Lei de Diretrizes e Bases. Era preciso ir até a Constituição. Com essa luta, tornou-se consenso que a educação é um direito das crianças e as prefeituras do país se esforçam para expandir a pré-escola e o ensino médio. Se faltam vagas em escolas, hoje o Estado pode ser processado. Um prefeito pode ficar inelegível por não investir 25% do orçamento em educação. Os dispositivos existem e as ações acontecem", diz Ester.

Autor do livro "A Constitucionalização Simbólica", Neves afirma que a previsão constitucional dos direitos à saúde e à educação, do compromisso com a qualidade do ensino e com a erradicação da miséria e do analfabetismo tende a ser mais positiva. "A carga simbólica desses dispositivos é altíssima, mas são úteis para que governos sejam cobrados, para que sejam apontados como exigência constitucional e não valor de um grupo ideológico."

O caso da saúde é emblemático das tensões entre as intenções da Constituição e as circunstâncias do país. Apesar do espírito universalista na saúde pública, previsto nos artigos 196 a 200, o sistema de saúde é marcado pela fragmentação e por uma dualidade entre o setor público e o privado em que "o sucesso de um é o insucesso do outro", segundo o sociólogo Nilson do Rosário Costa, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Isso porque os planos de saúde avançam quanto mais o Sistema Único de Saúde (SUS) se mostra ineficiente para atender a demanda da sociedade. "Na saúde, embora haja um sistema público e universal [SUS], o gasto da sociedade se dá muito mais com um sistema privado. Ou seja, falta Estado no sistema de saúde geral. E o gasto que o Estado faz não fica apenas no serviço público. Vai também para o privado, porque ele compra serviços de hospitais privados, exames e remédios", afirma Geraldo Di Giovanni, professor do Instituto de Economia da Unicamp, referindo-se à dependência do SUS do uso também de rede privada para seu funcionamento.

Para Costa, as ruas explicitaram um desafio de conjuntura na saúde nacional. "As famílias mais pobres gastam uma proporção enorme de seu orçamento de saúde em medicamentos e isso é fruto das falhas no sistema." Sua estimativa é que seria necessário envolver a sociedade no debate sobre a saúde por meio de uma discussão da governança e dos papéis de cada ente público e do setor privado. "Fiquei decepcionado com as respostas da presidente Dilma sobre saúde. Ela falou em médicos estrangeiros, Unidades de Pronto Atendimento e Unidades Básicas de Saúde, mas deixou intacta a distorção que vem do texto constitucional."

Em comparação com as sete Cartas anteriores, é possível afirmar que a transposição do texto constitucional para a realidade avançou. Em estudo elaborado antes de sua indicação para o STF, o ministro Barroso afirma que a lógica dominante antes de 1988 era a "falta de seriedade em relação à lei fundamental, a indiferença com a distância entre o texto e a realidade". A Constituição de 1824, promulgada por d. Pedro I, previa que a lei seria igual para todos, mas, segundo Barroso, "conviveu, sem que se assinalassem perplexidade ou constrangimento, com os privilégios da nobreza, o voto censitário e o regime escravocrata". Com alguns avanços da Constituição, dizem especialistas, foi possível reduzir o que Ulysses apontou, no discurso da promulgação da Carta, como o maior obstáculo à cidadania - o elevado contingente de brasileiros que não sabiam ler e escrever.

De 1988 a 2011, a taxa de analfabetismo passou de 25% para 8,6%, segundo o IBGE. Mas ainda há 12,9 milhões de pessoas com mais de 15 anos que não sabem ler nem escrever. Há ainda 30,5 milhões de "analfabetos funcionais". Apesar de o acesso à escola estar quase universalizado dos 7 aos 14 anos, o IBGE vê falhas na qualidade do ensino. O dever do Estado com a universalização do ensino médio não foi plenamente efetivado. Segundo o IBGE, 1,72 milhão de jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola.

Em grande medida, os avanços nos indicadores sociais foram obtidos pela constitucionalização das políticas públicas. O reflexo foi a corrida da população ao Judiciário. No STF, as 26 mil ações ajuizadas até junho já superam o número de processos protocolados em 1989 - 14,7 mil. Criado pela Constituição, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebe sete vezes mais processos que em seu primeiro ano de vida. São constantes os pedidos de fornecimento gratuito de medicamentos que não pertencem à lista do SUS, e mesmo de remédios que, embora na lista, estão em falta. Em razão das ordens judiciais, o Ministério da Saúde gastou R$ 355 milhões em 2012. Cirurgias e exames também têm sido garantidos.

"Conseguimos que a União custeasse uma operação de ombro para um paciente de Santa Catarina. Pelo número de cirurgias feitas por ano e a posição dele na fila, a espera seria de 80 anos", diz Gabriel Oliveira, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais. Recentemente, o Rio Grande do Sul foi obrigado pela Justiça a construir uma escola em Bagé. "Já havia previsão orçamentária para a obra, mas as crianças ainda estudavam em um prédio emprestado com problemas estruturais", diz Patrícia Kettermann, presidente da Associação.

Criadas pela Constituição para garantir o cumprimento do direito de todos dirigirem"petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder", as defensorias públicas ainda engatinham em três Estados. Em Santa Catarina, o órgão só foi instituído após ordem do STF, no ano passado. Em Goiás, só há seis defensores para atender a população e no Paraná ainda não há profissionais trabalhando. A defensoria pública federal - responsável por ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Caixa Econômica e o SUS, por exemplo - está presente em apenas 28% das comarcas do país. São 480 profissionais para atender um público-alvo de 80 milhões de pessoas que recebem até dois salários mínimos. A Advocacia-Geral da União possui 9 mil advogados.

Aproximar a realidade do modelo constitucional, para muitos, não depende de novas leis. A Constituição já recebeu 73 emendas desde 1992. São 3,5 por ano. "Em vez de mudar na prática, muda-se a lei e acham que o mundo muda por isso. Quem muda o mundo são os homens. As leis só facilitam ou dificultam as mudanças", diz Bandeira de Mello. Concordância, porém, não há sobre o modelo político ideal para efetivar o ambicioso pacto da Carta de 1988. "Nosso sistema de representação [Parlamento, voto, partidos políticos] é do século XVIII. Nos municípios pequenos já é possível ter uma ciberdemocracia para a sociedade decidir sem intermediação de partidos", diz Vilhena. Para Abrucio, o ambiente de participação já é viável. "Os conselhos de usuários na área da saúde e educação já existem, as audiências públicas nas assembleias legislativas também. É preciso ocupar espaços."

Na esteira das manifestações pelo país, o texto constitucional, com seus mecanismos de participação direta, voltou ao debate pelas mãos da presidente Dilma Rousseff, ao propor o plebiscito para encaminhar a difícil reforma política. A participação popular direta, noção que sustenta a ideia do plebiscito, foi objeto de um livro que Moisés publicou menos de dois anos após a promulgação do texto constitucional: "Constituição: Cidadania e Participação". Ele ressalta que os mecanismos existentes foram usados com sucesso no Brasil: duas leis importantes - a da Ficha Limpa e a da Improbidade Administrativa - têm origem na iniciativa popular. "São casos em que, sob pressão do povo, o Congresso teve de adotar leis que não queria de jeito nenhum."

Mas o cientista político demonstra ceticismo com a proposta da presidente. "Na Suíça e na Califórnia, onde esses mecanismos existem desde o século XIX, a iniciativa popular pode até mesmo emendar a Constituição", afirma, mas adverte que o princípio de consulta plebiscitária é suscitar o debate na sociedade civil. Na Suíça, capital mundial dos referendos e plebiscitos, exige-se um período de ao menos 120 dias para campanha e discussões. "Caso contrário, um plebiscito pode ser usado como fraude, para fazer parecer que o povo apoia determinada ação do governo. Ou então, a administração pode usar a ferramenta para tentar recuperar legitimidade, como parece ser o caso agora."

Participante das manifestações em São Paulo pela redução da tarifa do transporte público, Hugo Albuquerque, de 25 anos, diz que os movimentos que paralisaram centenas de cidades e arregimentaram mais de 1 milhão de pessoas foram um grito contra o argumento usado por gestores públicos para não tornar efetivas conquistas da Constituição. "Há sempre o discurso da reserva do possível, quando a falta de recursos é apontada como razão para não fazer nada." Nascido em plena constituinte, o advogado, que inicia seu mestrado em direito constitucional na PUC-SP, é favorável ao financiamento público de campanha e à obrigatoriedade de prévias dentro dos partidos políticos, que, diz, precisam ser oxigenados. "Se a correnteza de vontade é represada, como tem sido há anos, o dique acaba se rompendo." (Colaborou Vanessa Jurgenfeld)

Fonte: Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

As ruas e a modernidade política - Alberto Aggio

Já se produziu uma quantidade razoável de interpretações sobre as mobilizações que no mês de junho despontaram por todo o país. Até mesmo o nosso aggiornamento publicístico ao mundo investiu numa novidade: foi lançado o primeiro instant-e.book do país, em atendimento àqueles que buscam, em relação a elas, uma análise supostamente mais exigente, feita no calor da hora . Dentre os analistas, já se sedimentou algum consenso: as manifestações têm caráter massivo, são nacionais, mas se mostram rigorosamente distintas quando comparadas às “Diretas Já” e ao Impeachment de Collor. De forma geral, elas devem ser compreendidas como expressões do contexto democrático brasileiro, mas, ao contrário das mencionadas, são difusas, plurais e apresentam demandas republicanas fragmentadas em defesa da ética na política e contra a corrupção. Há nelas também um sentimento e uma demanda pelo bem comum e pela melhoria de vida das pessoas. De maneira incisiva e contínua, as manifestações de junho colocaram em xeque a eficiência dos governos, em todos os níveis, especialmente o federal, por este ser o maior arrecadador de impostos e por ser dele que se esperam as respostas mais significativas em termos de financiamento das políticas públicas.

Não cabe dúvida que tais manifestações fazem parte da dimensão participativa da democracia representativa vigente no país. É impróprio o qualificativo de “democracia direta” e tampouco a identificação de qualquer tipo de revolução digna do nome. Embora o “vandalismo” tenha se feito presente, num fenômeno que começa a ser descrito como “passeata-arrastão”, a violência não parece ser o método principal das manifestações e a sua reprodução não parece ser também o seu objetivo. Mas o fato é que elas expressam a sensação de um “represamento” que agora força sua passagem e se impõe nas ruas. E isso ainda não é tudo. Há nas manifestações um rechaço e, no limite, uma ira e um ódio contidos em relação aos representantes políticos em geral e aos partidos políticos, em particular, embora não se tenha expressado o desejo de colocar abaixo a democracia fundada na Carta de 1988. Esta ainda mantém sua legitimidade intocada. A ameaça em relação a ela parece não vir das ruas!

O que se nota, portanto, é que as manifestações expressam uma crise especifica de legitimação da democracia que precisa ser compreendida e acompanhada em seus desdobramentos, daí emergindo o diagnóstico de que elas representam uma demanda por “democratização da democracia”. Entretanto, esta seria uma consigna geral frente à crise contemporânea da democracia e abre parcos caminhos ou mesmo indica poucas respostas à especificidade da crise que enfrentamos nos dias de junho. Em suma, o que se estabeleceu e o que se vai seguir – em razão de um acúmulo de práticas paralisantes ao avanço da democracia perpetradas por diversos governos, especialmente, o atual –, são dilemas próprios à assimilação e enriquecimento da cultura cívica entre nós e outros mais atinentes à engenharia das instituições e à renovação da relação povo-poder, que os atores políticos estarão obrigados a equacionar para evitar o aprofundamento da crise e conseguirem recompor a confiança do país em continuar vivenciando e ampliando a política da democracia.

Uma das virtudes dessas manifestações tem sido o fato de que elas foram capazes de produzir efetivamente um retrato da nossa sociedade e do estado em que vivemos. Outra vez, os registros são consensuais: as pessoas se expressam livremente, protestam a respeito de carências sociais, da ineficiência dos poderes públicos, da qualidade dos serviços essenciais, reivindicam seus direitos e necessidades, mas também revelam seus ardentes desejos igualitários em plena rua, à luz do dia. Revelam também uma nova maneira de se manifestar e de se agrupar, de dar sentido ao seu pertencimento, na qual a internet passou a ser o nexo agregador mais eficiente. Os móveis de arregimentação em cada passeata foram ao mesmo tempo iguais e diferentes em cada lugar do país. Mesmo assim, essa “falta de centro” não foi integral, elegendo-se algumas questões, como a tarifa do transporte público, a corrupção, a precariedade na saúde e a baixa qualidade na educação, como unificadoras.

Por tudo isso, as manifestações têm revelado um pouco (ou muito) do que somos enquanto sociedade. Têm sido um retrato que cala fundo, mas que é difícil distinguir, tanto pela falta de experiência histórica cumulativa quanto pelo rebatimento da crise mais geral de representação que atravessa o mundo e que gera a perda de referenciais anteriormente estabelecidos. Um dos aspectos mais notáveis e que chamam muita atenção é a marcante e difusa expressão individual de demandas: as manifestações não seguem uma liderança ou corrente política, um discurso único, uma mesma lógica, um mesmo sentido. Tudo que se expressa em cartazes artesanais carregados pelos manifestantes revela uma fragmentação que ultrapassa a narrativa da pós-modernidade. Estariam, por assim dizer, inscritas na hipermodernidade, de que nos fala Gilles Lipovetsky, na qual uma “cultura hiperindividualista”, desconfiada do político, faz dos direitos humanos o “fundamento último e universal da vida em sociedade”, reconhecendo o individuo como “um referencial absoluto, última bússola moral, jurídica e política de nossos contemporâneos desligados de todas as antigas formas de inclusão coletiva”.

Vale insistir nessa angulação. As passeatas exibem um conjunto de reivindicações individuais flagrantemente subjetivas, mas demandadas em termos coletivos, comunitários: demandas concretas traduzidas e expressas metafórica ou alegoricamente frente a governos e ao Estado, visando à melhora na vida de todos. Talvez seja pouco, mas é revelador e parece expressar um deslocamento no campo de crenças e de valores entre nós. Um deslocamento que não é inteiramente estranho à nossa formação cultural. Na história do nosso país, como é sabido, o “Estado é tudo, mas o indivíduo também é”. Creio que está ai um traço de identidade das manifestações de agora com as anteriormente mencionadas: elas se impõem como uma massa, sem facções, sem partidos, sem divisões, num movimento que estabelece o vínculo direto entre individuo e esfera pública, sem mediações. As manifestações de junho se apresentam assim, em estado bruto, mas evidenciam a potencialidade de que algumas de suas demandas sejam assumidas por movimentos sociais organizados, como já vem acontecendo com metalúrgicos, caminhoneiros, etc. Por outro lado, diferentemente das anteriores, hoje parece não haver um ator político que consiga se assenhorear da condução das manifestações e representar, ainda que momentaneamente, a encarnação da virtude republicana.

Chamar tudo isso de "ativismo autoral" não ajuda a compreender em profundidade o que ocorre, embora esboce parcialmente uma narrativa correta a respeito dessa nova forma de manifestação. Há certamente uma marca pré-politica nela e talvez uma visão reducionista da construção do “bem comum” como uma celebração coletiva que pede um Estado de todos e para todos, mais eficiente, que promova mais qualidade de vida, custando menos aos cidadãos - quase uma “utopia política” que não sabe dizer precisamente qual política deve ser adotada para colocar esse Estado em pé. Trata-se de um “melhorismo” inconteste e rarefeito que não precisou de nenhuma corrente político-partidária com o mesmo nome para poder vir à tona. Ele não é de esquerda nem de direita e menos ainda advém dos extremos desses polos. Por isso, essa animação não nasce nem deve ser enquadrada em nenhuma visão recortada por classes sociais opostas ou mesmo antagônicas. Ela nasce da abstração da Nação que demanda um Estado de Bem-Estar homólogo à catarse das ruas. Note-se que, em certo sentido, já vivenciamos uma experiência similar quando a emergência do “mundo dos interesses” se espraiou pelas camadas populares e impactou integralmente o corpo da sociedade política entre as décadas de 1980 e 1990 do século passado. O que veio depois daquela conjuntura, nós conhecemos. Hoje, o que virá é, até o momento, difícil de divisar.

Assim, o que as ruas exprimem não é um programa ideológico, mas a antecipação dos traços de uma imagem do que já somos e do que queremos ser. Não há uma palavra-de-ordem galvanizadora: o contexto não é jacobino nem bolchevista e tampouco fascista, dispensando, portanto, as condutas e a aura da cultura heroica. Mesmo assim, o cartaz, a voz, o grito, a cantoria, a festa, funcionam como animadores e expressam a expectativa de atendimento integral de cada uma das demandas. É nesse momento que o ruído que apenas ouvíamos do subterrâneo, das entranhas da sociedade em que vivemos, vem à tona nas manifestações. Trata-se de uma espécie de "protestantismo político" hipermoderno, que nasce dos desejos mais profundos de cada indivíduo, assume o vigor das revelações cujo ato de manifestar-se, em si mesmo, lhe basta para “lavar a alma”. Mas tudo é momentâneo, fugaz, e o que se segue é a espera da graça, como em outros tempos. Aqui, a política ainda é persona estranha e desconhecida.

Nesse contexto, o novo reencontra-se com o velho, numa circularidade que demonstra, entre outras coisas, o quanto a modernidade é frágil: o individuo se autonomiza e se potencializa em alta velocidade e em extensão nunca vista, as condições materiais e tecnológicas dão a todos a sensação de uma ruptura do tempo histórico – vive-se uma revolução sem os revolucionários de antão –, um turbilhão de possibilidades se abre em cada momento, e essas parecem estar ao alcance da mão. É por isso que aqui e agora já não estamos mais em 1968: esse não é um mundo próprio para sonhadores. Mas não é difícil reconhecer a necessidade de que a política democrática – essa invenção da moderna sociedade de massas, alicerçada na representação, nas liberdades, na soberania popular e, por fim, em identidades e subjetividades que impetuosamente se expandem – deva e mereça recobrar sentido para, com isso, buscar estabelecer as balizas para o equacionamento de interesses e demandas por meio de reformas pactuadas das instituições do Estado Democrático de Direito. Apesar de todas as dificuldades e dúvidas, resta a expectativa de que a alegria das ruas e o desprendimento dos atores da política democrática, dentro e fora das instituições do Estado, hão de inventar maneiras para promover, em novo patamar, o encontro do país com a modernidade política. A voz das ruas, bem traduzidas, podem enfim anunciar um novo momento da jovem democracia brasileira.

Alberto Aggio, graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (1982), mestre (1990) e doutor (1996) em História Social pela mesma faculdade. Realizou estudos de pós-doutoramento na área de História da América Contemporânea na Universidade de Valencia (Espanha), entre 1997 e 1998. Atualmente, é professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Franca.

O mal-estar contemporâneo - André Lara Resende

Na tentativa de interpretar o protesto das ruas nas grandes cidades brasileiras, há uma natural tentação de fazer um paralelo com os movimentos similares nos países avançados, sobretudo da Europa, mas também nos EUA - Occupy Wall Street - assim como com os da chamada Primavera Árabe. As condições objetivas são, contudo, muito distintas. A Primavera Árabe é um fenômeno de países totalitários, onde não há representação democrática. Não é o caso do Brasil. Na Europa, sobretudo nos países mediterrâneos periféricos mais atingidos pelos efeitos da crise financeira de 2008, houve uma drástica piora das condições de vida. O desemprego, especialmente entre os jovens, subiu para níveis dramáticos. Mais uma vez, não é o caso do Brasil.

Nem os críticos mais radicais ousariam argumentar que o Brasil de hoje não se enquadra nos moldes das democracias representativas do século XX. Podem-se culpar os desacertos da política econômica nos últimos seis anos. Embora devam ficar mais evidentes daqui para a frente, os efeitos negativos da incompetência da política econômica só muito recentemente se fizeram sentir. Fato é que, desde a estabilização do processo inflacionário crônico, houve grandes avanços nas condições econômicas de vida dos brasileiros. Nos últimos 20 anos, houve ganho substancial de renda entre os mais pobres. Ao contrário do que ocorreu em outras partes do mundo, até mesmo nos países avançados, a distribuição de renda melhorou. O desemprego está em seu mínimo histórico.

É verdade que a inflação, especialmente a de alimentos, que se faz sentir mais intensamente pelos assalariados, está em alta. Por mais consciente que se seja em relação aos riscos, políticos e econômicos, da inflação, é difícil atribuir à inflação o papel de catalisadora do movimento das ruas nas últimas semanas. Só agora a taxa de inflação superou o teto da banda - excessivamente generosa, é verdade - da meta do Banco Central.

Os dois elementos tradicionais da insatisfação popular - dificuldades econômicas e falta de representação democrática - definitivamente não estão presentes no Brasil de hoje. Inflação, desemprego, autoritarismo e falta de liberdade de expressão não podem ser invocados para explicar a explosão popular. O fenômeno é, portanto, novo. Procurar interpretá-lo de acordo com os cânones do passado parece-me o caminho certo para não o compreender.

O movimento de maio de 1968 na França tem sido lembrado diante das manifestações das últimas semanas. O paralelo se justifica, pois maio de 68 é o paradigma do movimento sem causas claras nem objetivos bem definidos, uma combustão espontânea surpreendente, que ocorre em condições políticas e econômicas relativamente favoráveis. Movimento que, uma vez detonado, canaliza um sentimento de frustração difusa - um "malaise"- com o estado das coisas, com tudo e todos, com a vida em geral.

A novidade mais evidente em relação a maio de 68 na França é a internet e as redes sociais. Embora não tivesse expressão clara na vida pública francesa, a insatisfação difusa poderia ter sido diagnosticada, ao menos entre os universitários parisienses. No Brasil de hoje, a irritação difusa podia ser claramente percebida na internet e nas redes sociais. O movimento pelo passe livre fez com que este mal-estar transbordasse do virtual para a realidade das ruas. Tanto os universitários franceses de 68, quanto os internautas do Brasil de hoje, não representam exatamente o que se poderia chamar de as massas ou o povão, mas funcionam igualmente como sensores e catalisadores de frustrações comuns.

Quais as causas do mal-estar difuso no Brasil de hoje, que transbordou da internet para a realidade e levou a população às ruas?

Parecem ter dois eixos principais. O primeiro, e mais evidente, é uma crise de representação. A sociedade não se reconhece nos poderes constituídos - Executivo, Legislativo e Judiciário - em todas suas esferas. O segundo é que o projeto do Estado brasileiro não corresponde mais aos anseios da população. O projeto do Estado, e não do governo, é importante que se note, pois a questão transcende governos e oposições. Este hiato entre o projeto do Estado e a sociedade explica em grande parte a crise de representação.

O Estado brasileiro mantém-se preso a um projeto cuja formulação é do início da segunda metade do século passado. Um projeto que combina uma rede de proteção social com a industrialização forçada. A rede de proteção social inspirou-se nas reformas das economias capitalistas da Europa, entre as duas Grandes Guerras, reforçadas após a crise dos anos 1930. Foi introduzida no Brasil por Getúlio Vargas, para a organização do mercado de trabalho, baseado no modelo da Itália de Mussolini. A industrialização forçada através da substituição de importações, introduzida por Juscelino Kubitschek nos anos 1950, e reforçada pelo regime militar nos anos 1970, tem raízes mais autóctones. Suas origens intelectuais são o desenvolvimentismo latino-americano dos anos 1950, que defendia a ação direta do Estado, como empresário e planejador, para acelerar a industrialização.

Não nos interessa aqui fazer a análise crítica do projeto desenvolvimentista que, com altos e baixos, aos trancos e barrancos, cumpriu seu papel e levou o país às portas da modernidade neste início de século. Basta ressaltar que o desenvolvimentismo, em seus dois pilares - a industrialização forçada e a rede de proteção social - dependem da capacidade do Estado de extrair recursos da sociedade. Recursos que devem ser utilizados para financiar o investimento público e os benefícios da proteção social.

Diante da baixa taxa de poupança do setor privado e da precariedade da estrutura tributária do Estado, a inflação transferiu os recursos da sociedade para o Estado, até que nos anos 1980 viesse a se tornar completamente disfuncional. Com a inflação estabilizada, a partir do início dos anos 1990, o Estado se reorganizou para arrecadar por via fiscal também os recursos que extraía através do imposto inflacionário. A carga fiscal passou de menos de 15% da renda nacional, no início dos anos 1950, para em torno de 25%, nas décadas de 1970 a 90, até saltar para os atuais 36%, depois da estabilização da inflação. O Brasil tem hoje uma carga tributária comparável, ou mesmo superior, à das economias mais avançadas.

Apesar de extrair da sociedade mais de um terço da renda nacional, o Estado perdeu a capacidade de realizar seu projeto. Não o consegue entregar porque, apesar de arrecadar 36% da renda nacional, investe menos de 7% do que arrecada, ou seja, menos de 3% da renda nacional. Para onde vão os outros 93% dos quase 40% da renda que extrai da sociedade? Parte, para a rede de proteção e assistência social, que se expandiu muito além do mercado de trabalho organizado, mas, sobretudo, para sua própria operação. O Estado brasileiro tornou-se um sorvedouro de recursos, cujo principal objetivo é financiar a si mesmo. Os sinais dessa situação estão tão evidentes, que não é preciso conhecer e analisar os números. O Executivo, com 39 ministérios ausentes e inoperantes; o Legislativo, do qual só se tem más notícias e frustrações; o Judiciário pomposo e exasperadoramente lento.

O Estado foi também incapaz de perceber que seu projeto não corresponde mais ao que deseja a sociedade. O modelo desenvolvimentista do século passado tinha dois pilares. Primeiro, a convicção de que a industrialização era o único caminho para escapar do subdesenvolvimento. Países de economia primário-exportadora nunca poderiam almejar alcançar o estágio de desenvolvimento das economias industrializadas. Segundo, a convicção de que o capitalismo moderno exige a intervenção do Estado em três dimensões: para estabilizar as crises cíclicas das economias de mercado; para prover uma rede de proteção social; e, no caso dos países subdesenvolvidos, para liderar o processo de industrialização acelerada. As duas primeiras dimensões da ação do Estado são parte do consenso formado depois da crise dos anos 1930. A terceira decorre do sucesso do planejamento central soviético em transformar uma economia agrária, semifeudal, numa potência industrial em poucas décadas. A proteção tarifária do mercado interno, com o objetivo de proteger a indústria nascente e promover a substituição de importações, completava o cardápio com um toque de nacionalismo.

O nacional- desenvolvimentismo, fermentado nos anos 1950, teve sua primeira formulação como plano de ação do governo na proposta de Roberto Simonsen. Embora sempre combatido pelos defensores mais radicais do liberalismo econômico, como Eugênio Gudin, autor de famosa polêmica com Roberto Simonsen, e posteriormente por Roberto Campos, foi adotado tanto pela esquerda, como pela direita. Seu período de maior sucesso foi justamente o do "milagre econômico" do regime militar.

Na década de 1980, a inflação se acelera e se torna definitivamente disfuncional. As sucessivas e fracassadas tentativas de estabilização passam a dominar o cenário econômico. Com a estabilização do real, a partir da segunda metade da década de 1990, ainda com algum constrangimento em reconhecer que o nacional-desenvolvimentismo já não fazia sentido num mundo integrado pela globalização, o país parecia estar em busca de novos rumos. A vitória do PT foi, sem dúvida, parte da expressão desse anseio de mudança.

Nos dois primeiros anos do governo Lula, a política econômica foi essencialmente pautada pela necessidade de acalmar os mercados financeiros, sempre conservadores, assustados com a perspectiva de uma virada radical à esquerda. A partir daí, o PT passou a pôr em prática o seu projeto. Um projeto muito diferente do que defendia enquanto oposição. O projeto do PT no governo, frustrando as expectativas dos que esperavam mudanças, muito mais do que o aparente continuísmo dos primeiros anos do governo Lula, revelou-se flagrantemente retrógrado. É essencialmente a volta do nacional-desenvolvimentismo, inspirado no período em este que foi mais bem-sucedido: durante regime militar. A crise internacional de 2008 serviu para que o governo abandonasse o temor de desagradar aos mercados financeiros e, sob pretexto de fazer política macroeconômica anticíclica, promovesse definitivamente a volta do nacional-desenvolvimentismo estatal.

O PT acrescentou dois elementos novos em relação ao projeto nacional-desenvolvimentista do regime militar: a ampliação da rede de proteção social, com o Bolsa Família, e o loteamento do Estado. A ampliação da rede de proteção social se justifica, tanto como uma inciativa capaz de romper o impasse da pobreza absoluta, em que, apesar dos avanços da economia, grande parte da população brasileira se via aprisionada, quanto como forma de manter um mínimo de coerência com seu discurso histórico. Já a lógica por trás do loteamento do Estado é puramente pragmática. Ao contrário do regime militar, que não precisava de alianças difusas, o PT utilizou o loteamento do Estado, em todas suas instâncias, como moeda de troca para compor uma ampla base de sustentação. Sem nenhum pudor ideológico, juntou o sindicalismo de suas raízes com o fisiologismo do que já foi chamado de Centrão, atualmente representado principalmente pelo PMDB, no qual se encontra toda sorte de homens públicos, que, independentemente de suas origens, perderam suas convicções ao longo da estrada e hoje são essencialmente cínicos.

Há ainda um terceiro elemento do projeto de poder do PT. Trata-se da eleição de uma parte do empresariado como aliada estratégica. Tais aliados têm acesso privilegiado ao crédito favorecido dos bancos públicos e, sobretudo, à boa vontade do governo, para crescerem, absorverem empresas em dificuldades, consolidarem suas posições oligopolísticas no mercado interno e se aventurarem internacionalmente como "campeões nacionais".

A combinação de um projeto anacrônico com o loteamento do Estado entre o sindicalismo e o fisiologismo político, ao contrário do pretendido, levou à sobrevalorização cambial e à desindustrialização. Só foi possível sustentar um crescimento econômico medíocre enquanto durou a alta dos preços dos produtos primários, puxados pela demanda da China. A ineficiência do Estado nas suas funções básicas - segurança, infraestrutura, saúde e educação - agravou-se significativamente. Ineficiência realçada pela redução da pobreza absoluta na população, que aumentou a demanda por serviços de qualidade.

Loteado e inadimplente em suas funções essenciais, enquanto absorvia parcela cada vez maior da renda nacional para sua própria operação, o Estado passou a ser visto como um ilegítimo expropriador de recursos. Não apenas incapaz de devolver à sociedade o mínimo que dele se espera, mas também um criador de dificuldades. A combinação de uma excessiva regulamentação de todas as esferas da vida, com a truculência e a arrogância de seus agentes, consolidou o estranhamento da sociedade. Em todas as suas esferas, o Estado deixou de ser percebido como um aliado, representativo e prestador de serviço. Passou a ser visto como um insaciável expropriador, cujo único objetivo é criar vantagens para os que dele fazem parte, enquanto impõe dificuldades e cria obrigações para o resto da população. O contraste da realidade com o ufanismo da propaganda oficial só agravou o estranhamento e consolidou o divórcio entre a população e os que deveriam ser seus representantes e servidores.

A insatisfação com a democracia representativa não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. As razões dessa insatisfação ainda não estão claras, mas é possível que o modelo de representação democrática, constituído há dois séculos para sociedades menores e mais homogêneas, tenha deixado de cumprir seu papel num mundo interligado de 7 bilhões de pessoas, e precise ser revisto. O debate público deslocou-se das esferas tradicionais da política para a internet e as redes sociais. Ameaçada pelo crescimento da internet e habituada ao seu papel de agente da política tradicional, a mídia não percebeu que o debate havia se deslocado.

No caso brasileiro, perplexa com sua aparente falta de repercussão e pressionada financeiramente pela competição da internet, uma parte da mídia desistiu do jornalismo de interesse público e passou a fazer um jornalismo de puro entretenimento. Mesmo os que resistiram, cederam, em maior ou menor escala, à lógica dos escândalos. Foram incapazes de compreender a razão da sua falta de repercussão, pois não se deram conta de que o público e o debate haviam se deslocado para a internet. Surpreendida pelo movimento de protestos, num primeiro momento, a mídia não foi capaz de avaliar a extensão da insatisfação. Transformou-se ela própria em alvo da irritação popular. Em seguida, aderiu sem convencer, sempre a reboque do debate e da mobilização através da internet. A favor da mídia, diga-se que ninguém foi capaz de captar a insatisfação latente antes da eclosão do movimento das ruas. As pesquisas apontavam, até muito recentemente, grande apoio à presidente da República, considerada praticamente imbatível, até mesmo por seus eventuais adversários nas próximas eleições. Nenhuma liderança soube captar e expressar o mal-estar contemporâneo. Este é provavelmente o seu elemento novo: a internet viabiliza a mobilização antes que surjam as lideranças. Tanto as possibilidades como os riscos são novos.

O projeto nacional-desenvolvimentista combina o consumismo das economias capitalistas avançadas com o produtivismo soviético. Ambos pressupõem que o crescimento material é o objetivo final da atividade humana. Aí está a essência de seu caráter anacrônico. Os avanços da informática permitiram a coleta de um volume extraordinário de evidências sobre a psicologia e os componentes do bem-estar. A relação entre renda e bem-estar só é claramente positiva até um nível relativamente baixo de renda, capaz de atender às necessidades básicas da vida. A partir daí, o aumento do bem-estar está associado ao que se pode chamar de qualidade de vida, cujos elementos fundamentais são o tempo com a família e os amigos, o sentido de comunidade e confiança nos concidadãos, a saúde e a ausência de estresse emocional.

Os estudos da moderna psicologia comprovam aquilo que de uma forma ou de outra, mais ou menos conscientemente, intuímos todos: nossa insaciabilidade de bens materiais advém do fato de que o bem-estar que nos trazem é efêmero. Para manter a sensação de bem-estar, precisamos de mais e novas aquisições. O consumismo material tem elementos parecidos com o do uso de substâncias entorpecentes que causam dependência física e psicológica.

No mundo todo, a população parece já ter intuído a exaustão do modelo consumista do século XX, mas ainda não encontrou nas esferas da política tradicional a capacidade de participar da formulação das alternativas. Apegada a fórmulas feitas, a política continua pautada pelos temas e objetivos de um mundo que não corresponde mais à realidade de hoje. As grandes propostas totalizantes já não fazem sentido. O nacionalismo, a obsessão com o crescimento material, a ênfase no consumo supérfluo, os grandes embates ideológicos, temas que dominaram a política nos últimos dois séculos, perderam importância. Hoje, o que importa são questões concretas, relativas ao cotidiano, questões de eficiência administrativa para garantir a qualidade de vida.

É significativo que os protestos no Brasil tenham começado com a reivindicação do passe livre nos transportes públicos urbanos. A questão da mobilidade nas grandes metrópoles é paradigmática da exaustão do modelo produtivista-consumista. A indústria automobilística foi o pilar da industrialização desenvolvimentista e o automóvel o símbolo supremo da aspiração consumista. O inferno do trânsito nas grandes cidades, que se agrava quanto mais bem-sucedido é o projeto desenvolvimentista, é a expressão máxima da completa inviabilidade de prosseguir sem uma revisão profunda de objetivos. Ao que parece, a sociedade intuiu a falência do projeto do século passado antes que o Estado e aqueles que deveriam representá-la - governo e oposição, Executivo, Legislativo e imprensa - tenham se dado conta de que hoje trabalham com objetivos anacrônicos.

A insatisfação difusa dos protestos pode vir a ser catalizadora de uma mudança profunda de rumo, que abra o caminho para um novo desenvolvimento, não mais baseado exclusivamente no crescimento do consumo material, mas na qualidade de vida. Para isso, é preciso que surjam lideranças capazes de exprimir, formular e executar o novo desenvolvimento.

André Lara Resende é economista. Este texto será apresentado na Festa Literária de Paraty (Flip), em debate com o filósofo Marcos Nobre, que ocorre neste sábado.

Fonte: Valor Econômico / Eu & Fim de Semana