sábado, 14 de outubro de 2023

Cristovam Buarque - Um imortal de cocar

Revista Veja

A eleição de Ailton Krenak para a ABL é um gesto histórico

A chegada de Ailton Krenak à Academia Brasileira de Letras (ABL) representa mais do que a aceitação de um indígena, é a abertura para uma visão diferente da que caracteriza a literatura ocidental, onde se situa a brasileira. Daí a grandeza do gesto histórico. As mulheres e negros até aqui na ABL fazem parte da mesma concepção da literatura escrita e com a lógica do pensamento ocidental. Krenak traz não apenas a presença indígena, nem apenas representa uma minoria, mas uma estética e uma filosofia que não estavam presentes em nossa Academia. Conforme a tradição de seu povo, sua obra é oral e o mundo que ele descreve tem características, propósitos e entendimento de uma cultura diferente da representada por todos os 330 imortais anteriores que estão ou passaram pela ABL.

Marcelo de Azevedo* - O lugar da democracia representativa

O Estado de S. Paulo

Os que realmente pretendem resolver as grandes questões do País têm de recuperar e exercer a capacidade para o debate e disposição ao consenso

O Supremo Tribunal Federal (STF) segue protagonista da cena política nacional. Exemplos recentes foram a prisão do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, a homologação da delação premiada do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Cid e a invalidação das provas obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht.

A crítica a esse protagonismo se intensificou nos últimos meses. Afirma-se, por exemplo, que, debelado o golpismo bolsonarista, o STF não deveria mais concentrar todos os processos sob sua jurisdição, nem se valer de ações heterodoxas no combate aos aparentes malfeitos do governo anterior. A crítica procede: sem retirar os méritos do tribunal na defesa da democracia, ela projeta o momento em que os amplos poderes autoatribuídos pelos ministros nos últimos tempos deixarão de existir. Como será o STF quando esse dia chegar? O que ou quem fará com que tais poderes deixem de existir? Se não deixarem de existir, eles serão exercidos por qual/quais ministro(s)?

Carlos Alberto Sardenberg - Libertar os reféns: sem isso, não tem conversa

O Globo

Demandas sobre Israel podem até ser justificadas, mas nenhum governo do país pode simplesmente se retirar a troco de nada

O presidente Lula e dirigentes do PT têm históricas relações com lideranças palestinas. Lula procura um lugar de destaque na diplomacia global. Logo, este é o momento para recorrer àqueles contatos. O governo brasileiro não reconhece o Hamas como organização terrorista. Assim, autoridades de Brasília podem, legalmente, conversar com dirigentes do Hamas. Só há um ponto para começar: o Hamas precisa liberar de maneira imediata todos os reféns que capturou durante os horrorosos ataques terroristas de 7 de outubro.

Há hoje clara pressão sobre Israel. As demandas são variadas: suspensão dos bombardeios; fornecer ou permitir o fornecimento de alimentos, remédios e combustível para a população de Gaza; não invadir; não forçar o êxodo de moradores. Podem até ser demandas justificadas, mas nenhum governo israelense pode simplesmente se retirar, a troco de nada, quando sua população ainda está chocada por ter sido vítima do maior atentado terrorista depois do 11 de setembro. E quando o Hamas ainda dispara foguetes sobre cidades israelenses.

Pablo Ortellado - Perdemos a decência?

O Globo

Em nome do anti-imperialismo, jogamos fora o respeito aos mais fundamentais princípios de humanidade

Logo após o ataque do Hamas a Israel, mensagens de apoio à causa palestina tomaram as mídias sociais. Primeiro, vieram as chocantes imagens de jovens massacrados num festival de música, famílias inteiras assassinadas em fazendas e kibutzim, sequestros de crianças e idosos. Minutos depois, chegaram mensagens entusiasmadas de apoio à causa palestina — vindas de ativistas, de lideranças políticas e de parlamentares de esquerda. Como chegamos ao ponto em que pessoas de bem celebram, como um ato justo de resistência, o terrorismo, o assassinato frio de civis?

Podemos supor que essas mensagens apoiaram apenas a “resistência palestina”. Mas o Hamas não são os palestinos. O Hamas nem representa os palestinos — nem sequer os da Faixa de Gaza. O Hamas é um agrupamento político teocrático, não democrático, que não reconhece o Estado de Israel e pratica o terrorismo como forma de luta. Governa de fato a Faixa de Gaza, mas não se pode dizer que é um governo legítimo. O Hamas chegou ao poder por meio da via eleitoral em 2006, expulsou seu concorrente secular (o Fatah) e governa o território desde então sem eleições periódicas.

Eduardo Affonso - O horror, o horror

O Globo

São monstros que relativizam crimes de guerra. Desalojaram do cérebro todo senso de humanidade, para acomodar uma ideologia

Cerca de 3 mil jovens se divertem num festival de música eletrônica. Em poucos minutos, ao menos 260 estarão mortos. Haverá estupros. Transeuntes serão baleados, aleatoriamente, nas estradas, nas ruas. Famílias, chacinadas dentro de casa. Pessoas torturadas serão exibidas como troféus. Pelo menos 150 civis — entre eles, idosos e crianças —, levados como reféns.

Talvez tenha havido um tempo em que a simples leitura desse parágrafo fosse suficiente para definir quem são os algozes, quem são as vítimas. Não mais. Um filósofo contemporâneo terá material de sobra — nos jornais, nas conversas, nas redes sociais — para desenvolver uma teoria sobre a relatividade do mal.

Hélio Schwartsman - Círculo mórbido

Folha de S. Paulo

Planos de saúde amargam crise que é agravada por boas intenções de reguladores

Durante a pandemia, os planos de saúde se deram bem. Os gastos que tiveram com a Covid foram amplamente compensados pela forte redução da demanda por outros serviços. Pacientes atrasaram cirurgias eletivas e deixaram de procurar o médico, o que levou a uma diminuição momentânea nos novos diagnósticos de cânceres e outras doenças de alto custo.

É claro que não duraria para sempre. E não durou. A pandemia passou, a demanda reprimida explodiu, e a situação dos planos hoje é de crise. A maioria deles amarga prejuízo operacional, e vários já atrasam pagamentos a prestadores e reembolsos a clientes. Planos obviamente não são santos. Há uma lista telefônica de táticas abusivas que eles usam sem pudor contra segurados. Mas há duas queixas dos administradores que procedem.

Alvaro Costa e Silva - Bagunçada, CPI do golpe acaba em X-tudo

Folha de S. Paulo

Aliados de Lula fizeram acordo para poupar as Forças Armadas

Cinco meses depois de ter sido instalada no Congresso para mexer em um arsenal com alto poder explosivo, a CPI do 8/1 vai terminar ao som de um estalinho de festa de São João. Bolsonaro —que no relatório da senadora Eliziane Gama deverá ser apontado como autor intelectual da tentativa de golpe contra Lula— nem sequer foi convocado para prestar esclarecimentos ou usar o direito de se defender.

O escanteio ao ex-presidente —já punido com a inelegibilidade— norteou a estratégia do governo de não dar palanque à tese bolsonarista de que a invasão das sedes dos Três Poderes foi uma arapuca petista. Num acordo entre o ministro da Defesa, José Múcio, e o atual comandante do Exército, Tomás Paiva, as Forças Armadas foram poupadas do confronto.

Dora Kramer - O terror não tem ideologia

Folha de S. Paulo

Embate ideológico perde de vista a urgência do combate ao terrorismo que ameaça o mundo

Conciliador por natureza, o Brasil vem se deixando contaminar pela prática da desavença radical e inconciliável. Ao ponto de brasileiros perderem de vista, agora no contra-ataque de Israel ao ataque do Hamas, o sentido de urgência do combate ao terror que ameaça o mundo.

Terrorismo não é de direita nem de esquerda. É selvageria em estado bruto de desumanidade. E como tal deve ser repudiado sem relativismos que busquem justificar os meios pelos quais os terroristas procuram alcançar os seus fins.

Pela evidência de que o fim, no caso, é a extinção do outro. Seja ele de que nacionalidade for. Espraiado para além de fronteiras nacionais, o que se tem é o genocídio mundial. No momento, o cerne está no Oriente Médio. Amanhã, não se sabe.

Demétrio Magnoli - Israel, 'o judeu das nações'

Folha de S. Paulo

Condenação de Netanyahu e defesa de palestinos não devem se confundir com negação dos direitos nacionais israelenses

"Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’." A passagem foi escrita por Celso Amorim, na apresentação de um livro sobre o Hamas de autoria de Daud Abdullah publicado no Brasil em março. A referência de Amorim à "solução por meios pacíficos" não passa de disfarce ou autoengano: Abdullah é, há mais de uma década, um notório propagandista do Hamas e da luta armada contra Israel.

No 7 de outubro, dia da infâmia, militantes do Hamas desfilaram uma refém israelense nua pelas ruas de Gaza, depois de exterminar a sangue-frio centenas de civis. No domingo, 8, em Nova York, 5 mil manifestantes de esquerda regozijaram-se com os bárbaros atentados. Amorim não estava –e não estaria– na Times Square. Contudo, como tantos, na sequência de uma ritual condenação da carnificina, apressou-se em mencionar a ocupação israelense, sugerindo uma motivação justa para a barbárie.

Marcus Pestana* - A IFI, as perspectivas e as ameaças

A Instituição Fiscal Independente foi criada através da Resolução No. 42/2016 do Senado Federal. Organismos internacionais, como a OCDE e o FMI, consideram a existência de uma IFI forte, elemento central na boa governança fiscal de um país. Não cabe à IFI emitir juízo de valor sobre as decisões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Cabe a ela assegurar o rigoroso acompanhamento da dinâmica econômica. O papel central da IFI é garantir que a legislação fiscal (Constituição, Lei de Responsabilidade Fiscal, Regra de Ouro, Arcabouço Fiscal, Lei de Diretrizes Orçamentária, Lei Orçamentária Anual etc.), aprovada pelas instituições democráticas, está sendo respeitada. A partir daí, emitir alertas sobre os riscos presentes.

Um levantamento do FMI aponta a existência de 51 IFIs no mundo. A primeira instituição com este perfil nasceu na Holanda em 1945. A IFI brasileira foi inspirada sobretudo na experiência do Reino Unido e, após seis anos de existência, conquistou respeito e credibilidade.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Repatriação de brasileiros tem sido exemplar

O Globo

Itamaraty e FAB são impecáveis ao retirar da zona de conflito cidadãos que desejam voltar ao Brasil

A marca da Operação Voltando em Paz, coordenada pelos ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, tem sido a agilidade. Até o fim da tarde de ontem, menos de uma semana depois do ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, quatro voos do governo brasileiro já haviam resgatado 701 brasileiros de Tel Aviv. O primeiro saiu na terça-feira e levou 211 passageiros a Brasília. O segundo, com 214, chegou ao Rio na madrugada de quinta. O terceiro, com 69, aterrissou no Recife ontem e seguiu para São Paulo. O quarto, com 207, decolou de Tel Aviv no final da tarde. Dois outros voos deverão partir de Israel até domingo.

Na Faixa de Gaza, 22 brasileiros, a maioria mulheres e crianças, também querem voltar ao Brasil. Um avião presidencial, com capacidade para 40 passageiros, decolou na quinta-feira com destino a Roma, onde espera o desenrolar da situação. O plano é que os brasileiros de Gaza cheguem ao Egito por terra. O governo já contratou transporte terrestre e aguardava ontem permissão de israelenses e egípcios para que a viagem ocorresse em segurança. Enquanto esperavam, parte estava reunida na Rosary Sisters School, escola católica local alvejada por Israel em 2021. Lá, tinham colchões e alimentos. Em meio aos ataques, o governo brasileiro solicitou formalmente ao israelense que não a bombardeasse. Outros 12 brasileiros que desejam voltar moram em Khan Younis, sul da Faixa de Gaza.

Poesia | Antonio Machado - "El crimen fue en Granada" a Federico García Lorca

 

Música -| Espumas ao Vento - Mariana Aydar & Brasil Jazz Sinfônica (Arranjo: Rafael Piccolotto de Lima)