quinta-feira, 31 de maio de 2018

E a conta chegou

Greve de caminhoneiros deixa rastro de prejuízos bilionários em todo o País

Com protestos no fim, crise de desabastecimento começa a ser revertida, mas efeitos na economia ainda vão perdurar por muito tempo; perdas com a greve superam R$ 75 bi

Cleide Silva | O Estado de S.Paulo

Apesar de alguns pontos de manifestação ainda espalhados pelo País, a paralisação dos caminhoneiros dá claros sinais de que chegou ao fim. Em todos os Estados, a vida começa a voltar ao ritmo normal. O quadro de desabastecimento inicia sua reversão: o combustível está chegando aos postos, os alimentos voltam aos supermercados. Os reflexos da crise provocada pelos protestos, porém, ainda devem perdurar por bastante tempo.

Nem todos os setores têm um levantamento das perdas. Quem já fez essas contas mostra que o prejuízo será contabilizado na casa dos bilhões. O número dos setores consultados pelo Estado já chega a pelo menos R$ 75 bilhões em perdas.

Mas o impacto na economia será bem maior. Economistas já levam em conta os efeitos da greve nas revisões, para baixo, que vêm fazendo para o desempenho do PIB. O número, que era próximo de 3% no início do ano, agora é de 2%. E há outros efeitos. O governo teme que a paralisação dos motoristas abra caminho para outras greves de forte impacto no País. Os petroleiros já seguiram esse caminho.

Perdas. As projeções preliminares de diversos segmentos da economia após dez dias de greve dos caminhoneiros apontam para perdas de mais de R$ 75 bilhões. Em alguns casos, os prejuízos ainda podem aumentar mesmo após o fim do movimento, pois, dependendo do tipo de atividade, a retomada poderá levar de uma semana a 20 dias.

Também há preocupação sobre como será a volta das atividades. “Não sabemos ainda, por exemplo, como será precificado o aumento do frete”, afirma José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). “Dá arrepios só de pensar.”

Peso da greve é maior para mais pobres

População de baixa renda sente mais o impacto das restrições na oferta de serviços públicos, como transporte, e desabastecimento de produtos

- O Estado de S. Paulo.

A diarista Conceição Maria Pereira da Silva, de 42 anos, teve uma semana tumultuada por conta da greve dos caminhoneiros, como a maioria dos brasileiros. De sua casa no Jardim Angela, zona sul da cidade, até a avenida Paulista, onde faz faxinas, normalmente gasta uma hora e meia. Tomando dois ônibus, levou duas horas nos últimos dias e chegou atrasada.

O filho de 4 anos não foi para creche porque a perua escolar não tinha combustível e o maior, de 15 anos, não teve aula porque a professora não foi. No supermercado, Conceição pagou mais caro por alguns produtos. Outros, ela deixou de comprar por causa do preço, como batata e repolho. “Eles seguraram os ônibus por falta de combustível e muita gente não conseguiu ir trabalhar. Eu consegui, Nazaré Barros de Souza mas cheguei atrasada”, diz.

A sua colega, Nazaré Barros de Souza, de 40 anos, casada, mãe de dois filhos adolescentes, faxineira e também moradora do Jardim Angela, na última semana andou meia hora a pé diariamente por falta de ônibus. Normalmente, ela pega três conduções para ir da sua casa até o bairro do Panambi, onde trabalha. Mas um dos ônibus deixou de circular.

No supermercado, Nazaré cortou a salada, por causa dos preços das hortaliças, e vai se virar com a carne que está no freezer. Por sorte, ela acabou de comprar o gás de cozinha. Pelo botijão, que está quase cheio, pagou R$ 65. “Essa greve foi ruim para todos, mas os menos favorecidos foram os que mais sofreram: não temos condições de comprar e guardar produtos.”

O que Conceição, que tem renda mensal de R$ 1.500, e Nazaré, que tira R$ 2.700 com faxinas, viveram na prática nos últimos dias é observado pelos economistas. O impacto da greve dos caminhoneiros que provocou desabastecimento de produtos in natura e restrições na oferta de serviços públicos, como transporte, e afetou os preços deve penalizar mais a população de baixa renda.

André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o reflexo da greve na inflação, que pegou num primeiro momento os produtos in natura, prejudica principalmente as camadas de menor renda. “Os mais pobres consomem mais alimentos in natura”, observa. Ele, que é responsável pela índice de inflação da FGV das famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos (R$ 2.385), o IPC- C1, constatou altas diárias expressivas na última semana na batata (150%), tomate (40%) e cebola (35%), por exemplo, em São Paulo.

Em apenas uma semana, o preço da cesta básica pesquisada pela Fundação Procon de São Paulo e pelo Dieese, que engloba cerca de 30 itens de primeira necessidade, subiu 4,61%. O valor médio da cesta, que no dia 23 de maio era R$ 652,18, passou para R$ 682,25 em 30 de maio. E os alimentos subiram mais do que o valor da cesta como um todo no período, 5,21%.

Braz ainda não concluiu a apuração do índice de inflação da baixa renda de maio, que será conhecido na semana que vem e certamente será influenciado pelo efeito da greve dos caminhoneiros. Em abril, o indicador tinha subido 0,31%.

Longo prazo. O economista do Ibre, pondera, no entanto, que o impacto da greve na inflação dos mais pobres, que ocorre hoje por causa dos produtos in natura, com peso maior no orçamento dessas famílias, deve ser contrabalançado a médio prazo. Ele explica que a redução nos preços do diesel, acordado entre governo e caminhoneiros, pode resultar em reajustes menores nas tarifas de ônibus nos próximos meses. Essa hipótese ganha força em anos eleitorais. E o transporte público tem grande participação no orçamento da baixa renda.

PIB fraco e greve abatem cálculos para a economia

No 1º trimestre, PIB teve alta de 0,4%; projeções para o ano caíram para 2%
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Vinicius Neder Daniela Amorim Renata Batista / O Estado de S. Paulo

RIO - O crescimento econômico de 0,4% no primeiro trimestre ante o quarto trimestre de 2017 confirmou a recuperação lenta da economia após a recessão de 2014 a 2016, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O órgão classificou a recuperação de “gradual”, mas tudo pode ir por terra no segundo trimestre, por causa da greve de caminhoneiros que parou as estradas Brasil afora desde a semana passada.

A frustração da possibilidade de um crescimento mais acelerado no primeiro trimestre já serviria de gatilho para uma série de revisões nas projeções para o crescimento econômico de 2018, o movimento dos caminhoneiros acelerou o processo. Diante desse novo cenário, economistas ouvidos ontem pelo Estadão/Broadcast esperam, na média, alta de 2,0% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. Na edição mais recente do Boletim Focus, as projeções de analistas apontavam para crescimento de 2,37%.

Há quem não descarte recuo no segundo trimestre e crescimento na faixa de 1,0% neste ano. Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, o crescimento deverá ficar ao redor de 1,5% em 2018. “É difícil imaginar que a economia vá a algum lugar nesses meses até as eleições”, afirmou a pesquisadora.

Crise de desabastecimento diminui, mas violência aumenta

Motorista de 70 anos morre ao ser atingido por pedrada em Rondônia

Em vários estados houve relatos de intimidação e agressões

Com a intervenção da Polícia Rodoviária Federal e do Exército para liberar caminhoneiros que quisessem seguir viagem, a greve perdeu força em seu décimo dia, e avançou o abastecimento das cidades. Mas a violência cresceu, insuflada por manifestantes que tentavam manter caminhões parados. O caminhoneiro José Batistela, de 70 anos, morreu após ser atingido por pedrada na cabeça, em Rondônia. Relatos de intimidação e agressões em vários estados levaram o governo a criar um serviço para denúncias, o SOS Caminhoneiro. No Rio, a polícia investiga a participação de milicianos na paralisação. Na quarta, a PRF prendeu dois homens perto da Reduc que ameaçavam caminhoneiros com uma arma.

Tragédia na greve

Escalada de violência leva à morte de caminhoneiro. Exército libera vias, e abastecimento melhora

Manoel Ventura, Karla Gamba, Carolina Brígido, Geralda Doca, Aline Ribeiro, Thiago Herdy e Gabriel Martins | O Globo

-BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- No décimo dia de paralisação dos caminhoneiros, a crise de desabastecimento no país arrefeceu, as principais rodovias foram liberadas, mas a violência aumentou. A ação de alguns manifestantes para impedir aqueles que tentam deixar os protestos ou furar pontos de bloqueio resultou ontem em uma tragédia: o caminhoneiro José Batistela, de 70 anos, morreu depois de ser atingido por uma pedra na cabeça. Ele passava por uma manifestação na BR-364, que estava liberada para o tráfego, em Vilhena (RO). De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), ele foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Houve relatos de agressões em vários estados.

À noite, o ministro da Segurança, Raul Jungmann, informou que o líder do protesto está detido e estaria sendo ouvido.

— Essa violência é um exemplo trágico do equívoco da violência política e da tentativa de se constranger, agredir e desnaturar um movimento que começou com reivindicações, muitas delas justas, e que foram em sua integralidade atendidas pelo governo — afirmou Jungmann.

De acordo com a PRF, há ainda no país 197 pontos de concentração de manifestantes. Devido aos casos de intimidação e violência, o Palácio do Planalto criou um canal via WhatsApp para receber denúncias. A ideia é que o SOS Caminhoneiro (061 99154-4645) receba vídeos e imagens que retratem abusos e permitam identificar os responsáveis.

— O que estamos assistindo é um espetáculo degradante de covardia daqueles que querem impedir os caminhoneiros de voltar às suas famílias. Vamos punir na forma da lei com rigor esses que estão cometendo essa violência — afirmou Jungmann.
Já o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, disse que os caminhoneiros estão sendo vítimas de aproveitadores:

— Temos uma carona, nesse movimento, de aproveitadores que estão ultrapassando todos os limites.

Jungmann disse que foram presos “infiltrados” que impediram a volta de caminhoneiros ao trabalho, mas não informou quantas prisões foram feitas. Ele informou ainda que a Polícia Federal abriu 54 inquéritos por conta da greve dos caminhoneiros. Estão sendo investigados suspeitas de locaute (greve das empresas) e sabotagem.

MPF investiga grevistas por tentativa de ‘mudar regime’

Crimes da Lei de Segurança Nacional têm punição de até 15 anos de prisão

Vinicius Sassine | O Globo

 -BRASÍLIA- O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimentos para investigar se empresários e outros agentes relacionados à greve dos caminhoneiros cometeram dois crimes previstos na Lei de Segurança Nacional: o de tentar mudar o regime político vigente e o Estado Democrático de Direito com emprego de violência e grave ameaça; e o de incitar a subversão da ordem política e a animosidade nas Forças Armadas. Esse tipo de crime pode ser punido com até 15 anos de prisão. Ao todo, o MPF investigará ao menos sete comportamentos distintos que podem configurar esse tipo de crime, envolvendo algumas das principais lideranças do movimento. A disposição de parte deles de estimular o pedido de intervenção militar no país contribuiu para a abertura da investigação.

A Câmara Criminal, que atua no âmbito da Procuradoria Geral da República (PGR), enviou especificamente às unidades do MPF em quatro estados — São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás — a determinação para a abertura dos procedimentos, listando casos em que empresários e lideranças do movimento grevista insuflaram ideias como a de um golpe militar. São casos em que essas pessoas incentivaram grevistas a “colocarem fogo em caminhões”, defenderam a intervenção militar e colocaram empresas à disposição dos manifestantes, entre outras ações.

Entre as lideranças a serem investigadas está Wallace Landim, o “Chorão”, que diz representar motoristas autônomos do Centro-Oeste. Ele se destacou no movimento como autor de vídeos nas redes sociais que pregam a derrubada do governo do presidente Michel Temer, ao lado do advogado André Janones, também citado pelo MPF. O caso dos dois deve ser investigado pelo MPF em Goiás. Eles sustentam que o movimento é legítimo e negam pretensões eleitorais, apesar de serem filiados, respectivamente, ao Podemos-SP e ao PSC-MG.

Milicianos estariam agindo nas estradas do Rio

PRF encontra indícios de ação de grupos paramilitares em protestos

Antônio Werneck e Elenilce Bottari | O Globo

O envolvimento de milicianos no movimento de greve de caminhoneiros no Estado do Rio está sendo investigado pelas policiais Civil, Militar e Rodoviária Federal. A PRF confirmou a prisão de dois homens, com uma pistola PT 380, perto da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc). Paulo Roberto Brandão e José dos Santos foram flagrados quarta-feira passada por policiais rodoviários federais ameaçando caminhoneiros com a arma. Um motorista, Paulo Sérgio de Carvalho, reconheceu a dupla. Ele revelou aos policiais que estava sendo ameaçado pelos dois, que tentavam impedir caminhões de saírem da Reduc. Paulo Roberto e José dos Santos estavam com 20 balas de pistola.

Como revelou ontem o colunista do GLOBO Ancelmo Gois, milicianos estariam agindo nas estradas federais que cortam os municípios de Seropédica, Petrópolis e Barra Mansa. Segundo o porta-voz da PRF no Rio, José Hélio Macedo, há indícios de participação de milicianos em bloqueios nas estradas federais que cortam o Estado do Rio:

— Sabemos que há uma ação forte da milícia nos municípios de Seropédica e Itaguaí, onde eles usam caminhões e máquinas para a extração ilegal de areia. Nossas informações indicam que houve uma suposta infiltração de milicianos, alguns portando armas, em manifestações de caminhoneiros. Com base nessas denúncias prendemos dois homens na Reduc. Cabe à Polícia Civil investigar se seriam milicianos.

Segundo o porta-voz, grupos paramilitares já atuam em vários pontos do estado:

— Infelizmente é uma realidade do Rio. Um câncer que tem se espalhado por vários municípios, com reflexo direto nas estradas federais.

Bloqueio em rodovias murcha em meio a casos de violência

Caminhoneiros dispersam com ajuda do Exército e estradas já são liberadas

Em Vilhena (RO), caminhoneiro morreu após ser atingido na cabeça por uma pedra

Gustavo Fioratti , Bruno Benevides , Marcelo Toledo , Igor Gielow , Talita Fernandes , Daniel Carvalho , Gustavo Uribe , Letícia Casado e Rubens Valente | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, RIBEIRÃO PRETO (SP) , BRASÍLIA , REGISTRO E JACAREÍ - No décimo dia de manifestação e sob reclamações de cansaço, caminhoneiros deixaram nesta quarta-feira (30) pontos nevrálgicos da paralisação em rodovias pelo país. Houve episódios de violência e um caminhoneiro morreu.

A saída das rodovias ocorreu após ação do Exército e da PRF (Polícia Rodoviária Federal). Segundo o governo, às 19 horas, havia 197 pontos de concentração de caminhoneiros pelo país --na terça-feira (29), eram 616. No auge, um dia antes, eram 632.

Não houve confronto entre militares e motoristas, mas atritos entre os motoristas.

Em Vilhena (RO), José Batistella, 70, foi atingido na cabeça por uma pedrada que quebrou o para-brisa do caminhão --socorrido, ele não resistiu.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que o episódio é um "exemplo trágico da violência".

"Isso é desnaturar um movimento que começou com reivindicações justas e em sua integralidade atendidas pelo governo", disse.

No km 282 da Régis Bittencourt, em São Paulo, um caminhão tombou após, segundo o motorista, ter sido atingido por uma pedra.

"O Exército parou e liberou tudo. Um pouco à frente, um motoqueiro jogou pedras, eu fui desviar e não consegui mais trazer [o caminhão] para a pista", disse Paulo Ricardo Florentino, 28.

Uma equipe da EPTV São Carlos foi agredida na Via Anhanguera, em Leme (SP).

A repórter Patrícia Moser conseguiu fugir e foi amparada por moradores. O cinegrafista Marlon Tavoni e o auxiliar Janesi Rigo acabaram encurralados em uma passarela.

O equipamento foi destruído e o carro teve vidros quebrados e pneus furados.

"Esse revoltante ato de selvageria, além de atentar contra a integridade física de profissionais que estavam exercendo sua atividade e de destruir propriedade alheia, busca impedir que as informações cheguem aos cidadãos", disse a ANJ (Associação Nacional de Jornais), que exigiu a apuração do caso.

William Waack: Flerte com o abismo

- O Estado de S.Paulo

Enorme quantidade de pessoas não entende que dinheiro público é o dinheiro delas

Como assim as pessoas apoiam um movimento, o dos caminhoneiros, mesmo sabendo que sofrerão severos transtornos e prejuízos diretos na vida pessoal e financeira? Em outras palavras, agindo contra os próprios interesses – e sabendo disso.

Supõe-se que alguma coisa mais esteja em jogo, além da irracionalidade em decisões (no comportamento de consumidores, por exemplo) há tanto tempo detectada por teorias econômicas de comportamento. Como eventual contribuição a uma explicação, avanço aqui duas possibilidades inteiramente subjetivas e derivadas da minha biografia pessoal como repórter.

Será que as pessoas percebem seus “interesses objetivos e racionais” como analistas percebem ou acham que deveriam perceber? No caso brasileiro dos últimos dias, é patente que não. Em primeiro lugar, salta aos olhos que uma enorme quantidade de pessoas não entenda que dinheiro público é o dinheiro delas, recolhido por meio de impostos e contribuições. Para elas, portanto, se tem alguém gastando mais do que arrecada, esse alguém é “o governo”, essa distante e incompreensível entidade que manda nas nossas vidas sem que a gente entenda muito bem como.

Merval Pereira: Vivandeiras estão de volta

- O Globo

Mais democracia é a solução para as crises, e não menos. As críticas dos petistas e aliados à utilização das Forças Armadas em situações como essa da greve dos caminhoneiros não valem seu valor de face. No episódio do impeachment da então presidente Dilma Rousseff houve consultas informais ao Exército sobre a possibilidade de decretação do estado de emergência no país, reveladas pelo próprio comandante da corporação, general Eduardo Villas Bôas.

Assim como naquela ocasião o Exército rejeitou a sugestão, que claramente visava impedir o impeachment por meio de uma intervenção militar capitaneada por uma presidente petista, hoje também o general Villas-Boas foi curto e grosso ao comentar a possibilidade de uma intervenção militar no país, reivindicada por grupelhos da direita. Disse ele: (...) “Existem ‘tresloucados’ ou ‘malucos’ civis que, vira e mexe, batem à sua porta (do Exército) cobrando intervenção no caos político. Eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto”.

O que está ali escrito é que as Forças Armadas são subordinadas ao presidente da República e “(...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Na visão de Villas Bôas, o presidente Temer, “talvez por ser professor de Direito Constitucional, demonstra um respeito às instituições de Estado que os governos anteriores não tinham. A ex-presidente Dilma, por exemplo, tinha apreço pelo trabalho das pessoas da instituição, mas é diferente”.

O general Sergio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, disse em uma entrevista que “acha ótimo” ser perguntado sobre a possibilidade de intervenção militar. “(...) Meu farol está muito mais potente do que o retrovisor. (...) (Este) é um assunto do século passado. Mas ainda existem algumas pessoas que acham que essa alternativa é possível. Precisamos saber o por que, para sabermos onde erramos.”

Bruno Boghossian: Dívida dos Três Poderes

- Folha de S. Paulo

Efervescência social tragou Judiciário para a insatisfação geral com a política

A turma das estradas e seus aliados surgiram como cobradores raivosos. Os inquilinos de Brasília escaparam das revoltas de 2013 com uma dívida que jamais foi paga. Os juros do calote se acumularam sobre o Planalto e o Congresso, mas transbordaram também para o terceiro lado da praça dos Três Poderes.

A efervescência social dos últimos anos estilhaçou uma blindagem assegurada ao Judiciário por natureza. Dotados de salvaguardas para garantir a liberdade de suas funções, os magistrados se viram expostos a pressões incomuns e constantes.

O Supremo Tribunal Federal, em particular, passou a ser alvo de manifestações frequentes. Acusados de lentidão, de desperdício e de leniência com corruptos, os ministros da corte caíram na insatisfação geral da população com a política.

A primeira reação da presidente do STF à crise provocada pela paralisação dos caminhoneiros ainda parece desconsiderar o débito que a sociedade vem cobrar das instituições —incluindo o próprio tribunal.

Ricardo Noblat: Deitadas em berço esplêndido, as instituições afinal acordaram

- Blog do Noblat

Greve que poderia ter sido evitada chega ao fim

E se passaram mais de 10 dias de uma greve que parou o país, infernizou a vida de milhões de pessoas e que custará cerca de R$ 15 bilhões de toda a riqueza produzida este ano para que as instituições finalmente acordassem e começassem a dar um jeito.

O Supremo Tribunal Federal mandou que 96 empresas transportadoras paguem em até 15 dias multas que somadas chegam a R$ 141,4 milhões por terem desrespeitado sua decisão da última sexta-feira em relação à greve.

Multas aplicadas por tribunais superiores são irrecorríveis. Ou se paga ou se tem bens penhorados. A Polícia Federal instaurou 54 inquéritos para apurar a prática ilegal de locaute (quando a paralisação de empregados conta com o apoio dos patrões)

Uma vez que a greve dos empregados da Petrobras foi considerada ilegal devido à sua “natureza política e ideológica”, o Tribunal Superior do Trabalho aumentou de R$ 500 mil para R$ 2 milhões a multa diária cobrada de 18 entidades sindicais.

Se tais iniciativas tivessem sido tomadas mais cedo, a greve dos caminhoneiros não teria durado tanto nem produzido tanto estrago. Se existisse governo para muito além das formalidades de praxe, a greve poderia ter sido evitada. Ela está no fim. Até a próxima.

Zeina Latif *: Triste episódio

- O Estado de S.Paulo

A combinação de governo sem credibilidade com apoio ao movimento aumentou a fatura

Difícil explicar para a sociedade indignada a complexidade que envolve a paralisação dos caminhoneiros. Para piorar, ninguém quer ouvir explicações de um governo com reduzida credibilidade. O resultado é o apoio de parcela importante da sociedade à greve.

A raiz da crise está nos equívocos de governos passados, como apontado por Samuel Pessôa. Os caminhoneiros reagiram à queda do seu rendimento e às incertezas em relação ao rendimento no futuro. De um lado, fretes deprimidos pela recessão e pelo crescimento excessivo da frota de caminhões (54% entre 2008 e 2014) estimulado por crédito subsidiado. De outro, o ajuste expressivo do preço do principal insumo dessa atividade, depois de vários anos de preços controlados, que gerou um custo em torno de US$ 40 bilhões para a Petrobrás, segundo especialistas.

A conta do artificialismo na economia tardou, mas apareceu, gerando uma sensação de que toda a culpa da crise é do governo atual, ainda que este tenha sua parcela de responsabilidade. Um governo enfraquecido que não consegue mais aprovar reformas, resistir a pressões de grupos de interesse e restabelecer a ordem.

Os motoristas autônomos e as pequenas transportadoras têm razão em reclamar da flutuação excessiva do preço do diesel, pois não conseguem repassar tempestivamente esse custo ao valor do frete. Além disso, não há mecanismos de proteção (hedge) disponíveis. Mas isso não justifica uma paralisação ampla e duradoura, bloqueando estradas e afetando setores vitais.

Míriam Leitão: PIB minguante

- O Globo

O crescimento vai minguando a cada indicador, a cada mês, a cada evento. O PIB do primeiro trimestre, divulgado ontem, foi de alta de 0,4%, mas há vários números que mostram um ritmo menor do que se previa. E agora há os temores sobre o estrago que a greve do transporte fez no segundo trimestre. Mesmo as consultorias que tinham uma visão mais otimista acham que o PIB do ano pode ficar abaixo de 2%.

A AMB Associados já considerou que o país cresceria 3,5% este ano, mas depois de analisar os números do PIB do primeiro trimestre acha que “se tudo der certo” o ano termina em 1,9%. O Itaú Unibanco até recentemente estimava uma alta de 4% e baixou para 2%. Mas o relatório enviado pelo banco alerta que ainda não incorporou “um eventual impacto das paralisações”. O maior temor é o de que a confiança dos empresários e dos consumidores caia e isso afete o crescimento do segundo semestre.

Para entender o estágio atual da economia brasileira, é preciso enxergar duas coisas. O PIB de fato parou de cair e está positivo em todas as formas de comparação feitas pelo IBGE. Cresceu 0,4% sobre o quarto trimestre, 1,2% sobre o primeiro trimestre de 2017, e acelerou no acumulado em 4 trimestres, de 1% para 1,3%. Ou seja, a recessão ficou de fato superada. O problema é que 13,4 milhões de brasileiros vivem o drama do desemprego e esse ritmo de recuperação é muito lento. A comparação do trimestre de fevereiro a abril, divulgado esta semana, com o mesmo período do ano anterior, mostra queda do desemprego. Mas essa redução tem sido hesitante para a dimensão do problema.

Olhando os setores em separado, o consumo das famílias cresce há cinco trimestres seguidos, e os investimentos, há quatro. A taxa de investimento em relação ao PIB também voltou a subir, depois de três anos seguidos de queda. A agropecuária foi uma surpresa positiva. Mas os serviços continuam decepcionando e estão praticamente estagnados há dois trimestres. E esse é justamente o setor que mais gera emprego na economia. A indústria de transformação também decepcionou e recuou 0,4% no primeiro trimestre, depois de quatro altas. A construção civil ainda não engrenou e caiu 0,6%.

Vinicius Torres Freire: Ninguém segura este país

- Folha de S. Paulo

Difícil que o PIB cresça 2% em 2018, com este início de ano pífio e tumulto político

O crescimento da economia no resto deste ano está por um fio de esperança. Depende das intermitências do coração, dos ânimos de consumidores, praticamente. A julgar por conversas recentes, a confiança das empresas vai para o vinagre.

Durante os últimos dez dias, por aí, este jornalista ouviu empresários e executivos a falar em “risco” ou “surto de venezuelização” do Brasil. Não vem ao caso se a hipótese é surtada, talvez um exagero destes dias de pânico. O que importa é o espírito da coisa: assim tende a ser se assim lhes parecer.

Muita gente de empresa parece conformada com o falecimento da aceleração do crescimento em 2018. Pelo menos nestes dias, desapareceu de vez a conversa de que um “candidato responsável de centro” ainda está para crescer nas pesquisas.

Claro que o tumulto recente, dos caminhões ao dólar, nada teve a ver com a lerdeza da economia no primeiro trimestre. Ao contrário. A economia catatônica contribuiu para a revolta geral.

Andávamos devagar, quase parando. Agora, há vento contrário e areia no motor. Caso a economia continue no mesmo ritmo do primeiro trimestre, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2018 será de 1,5% (no ano passado, foi a quase estagnação de 1%).

A fim de crescer algo em torno dos 2,5%, que era mais ou menos a média da previsão da praça financeira desde dezembro, a economia teria de crescer 1,1% por trimestre no restante do ano (cresceu 0,4% no primeiro trimestre deste 2018, soubemos nesta quarta, 30, pelo IBGE). Ou seja, praticamente inviável.

Os motivos imediatos da lerdeza são sabidos.

*José Augusto Guilhon Albuquerque: Embu das malasartes

- O Estado de S.Paulo (30/5/2018)

É preciso que o braço da lei recaia com vigor sobre os que planejaram esta guerra

Embu das Artes tem duas faces – ou duas almas, não sei. A primeira é a de uma cidade do interior, típica da primeira expansão paulista, com sua praça central, sua igreja centenária e suas ruas herdadas das estradas abertas pelos jesuítas e outros exploradores. A outra é a de uma típica periferia metropolitana, com dezenas de bairros-dormitório, mais ou menos sob controle de empreendedores da ilegalidade e do clientelismo político “de esquerda”. Separando as duas faces, que tentam ignorar-se sem sucesso, uma longa cicatriz a corta de leste a oeste: a Rodovia Régis Bittencourt, ou “a BR”, também conhecida por seu trecho na Serra do Cafezal como rodovia da morte, testemunha viva da incapacidade da Federação de atuar com um mínimo de decência em São Paulo desde os anos 30 do século passado.

Subitamente, como um raio em céu já bastante anuviado, Embu das Artes tornou-se, no palavrório repetitivo dos produtores de notícias, o símbolo perfeito da situação de pré-falência do País. O que era um Janus, ser mítico de duas cabeças, torna-se um Cérbero, o cão de três cabeças guardião da entrada do inferno. E alguém duvida de que é para o km 280 da Régis que os brasileiros estão olhando para compreenderem o que realmente se está passando e tentarem prever o que lhes destina o futuro imediato de sua sobrevivência como pessoas livres numa sociedade livre?

Não creio que tenha sido por acaso, dentre as centenas de pontos de violação do direito à própria subsistência, impostos por uma massa desorientada, por meio força e da ameaça de violência, que Embu das Artes se tornou o símbolo acabado do desamparo da cidadania e da falta de empenho do governo em governar. Como o restante do País, Embu das Artes tem sido governada há mais de uma década pelo PT, cujo último candidato a prefeito teve sua candidatura cassada pela Justiça, deixando o campo livre, nas eleições municipais de 2016, para um candidato suspeito de pertencer ao PCC. Este, condenado em segunda instância por crimes análogos aos imputados àquela organização, evadiu-se antes da posse, mas foi brindado com um habeas corpus emitido autocraticamente por um juiz do Supremo, conseguiu empossar-se e governar. Durante o julgamento do pedido de habeas corpus para evitar a prisão de Lula, o prefeito evadiu-se novamente e encontra-se foragido.

Carlos Alberto Sardenberg: Equívocos, danos e uma boa proposta

- O Globo

Dizer que subsídio não tem custo é abrir caminho para práticas que tiram do mais pobre para entregar a quem não precisa

O governador de São Paulo, Márcio França, candidato à reeleição, propôs o tabelamento do preço do diesel (reduzido) e dos fretes (aumentado). Os governos já tabelaram muita coisa no Brasil — e o resultado foi sempre o mesmo: mercado paralelo, escassez e preços em alta. No caso, além desse precedente, há o fator Petrobras: a empresa não seria obrigada a operar no vermelho?

O governador respondeu: “Não dá para uma empresa brasileira, que também pertence aos brasileiros, querer pensar em dólar”.

Parece fazer sentido, mas é um equívoco enorme. Não se trata de “querer pensar”. O fato é que a Petrobras compra em dólar, vende em dólar, toma empréstimo e recebe investimentos em dólar. Não porque queira. Mas porque não tem como fazer isso tudo apenas em reais.

Na verdade, o governador apenas seguiu ideias, quer dizer, a opinião rala de que políticas “justas” não têm custo. E, no entanto, é claro: se a estatal tem prejuízo vendendo para alguns brasileiros, a conta vai acabar no bolso de outros brasileiros.

Assim como ocorre com o esquema de preços do diesel, o esquema negociado. Serão reduzidos os impostos sobre o óleo diesel, e o governo federal vai subsidiar o combustível, ou seja, vai pagar parte do preço. Portanto, o governo, que está operando com déficit, vai arrecadar menos dinheiro e ter uma despesa a mais.

Luiz Carlos Azedo: Sete lições dos caminhoneiros

- Correio Braziliense

A palavra de ordem “Fora, Temer!” é unificadora de extremos. Houve ciberataques aos órgãos oficiais. Grupos radicais tentaram derrubar o governo e atuarão fortemente nas eleições

Não se recomenda a ninguém jogar um paralelepípedo para o alto, bem na vertical, e ficar olhando para ver o que acontece. Com sorte, o sujeito escapa com vida de um traumatismo craniano. A greve dos caminhoneiros, depois de 10 dias, entrou mesmo em declínio, mas quase deixou a economia do país em estado de coma. A primeira lição a se tirar talvez seja a de que nenhuma categoria profissional tem o direito de fazer a nação de refém, como disse o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, é legítimo utilizar os meios de defesa do Estado para evitar que isso aconteça, inclusive as Forças Armadas. Não importa que o governo Temer seja impopular nem que a opinião pública, como um suicida, majoritariamente apoie o movimento como quem quer cabecear um paralelepípedo. Todos devem ter seus direitos de ir e vir respeitados.

A segunda lição é a de que o país não está preparado para enfrentar um locaute das empresas de transportes e de distribuição, que foram a espinha dorsal do movimento; sem esse apoio, a greve não teria a mesma envergadura. Agora, sabemos que esse setor minoritário da economia tem o poder de pôr em colapso o país. É preciso repensar o atual modelo de transportes. Um pacto perverso entre o setor automotivo, os sindicatos de metalúrgicos e o governo gerou o excesso de oferta de frete no mercado, exacerbado pela “nova matriz econômica” e a recessão do governo Dilma.

Terceira lição: os militares não estavam preparados para enfrentar uma crise do modelo de logística que tanto defenderam como via de integração nacional. Não havia um plano de contingência para prevenir o bloqueio de portos, refinarias, centros de distribuição e principais eixos rodoviários do país; as Forças Armadas, mesmo convocadas, demoraram 10 dias para abrir os corredores de abastecimento dos principais centros do país. Até o aeroporto de Brasília ficou sem condições operacionais, o que não acontece nem em Bagdá, Damasco e Cabul.

A substituição das ferrovias pelas rodovias no Brasil tem muito a ver com a experiência da II Guerra Mundial, na qual o deslocamento rápido de tropas e blindados alemães por rodovias surpreendeu os franceses e escancarou a obsolescência da Linha Maginot. As fortificações construídas pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha e a Itália, após a Primeira Guerra Mundial, entre 1930 e 1936, eram compostas de 108 fortes a 15 km de distância uns dos outros, edificações menores e casamatas, e mais de 100 km de galerias. Interrompida a 20km de Sedan, por ali avançaram as britzkrieger alemãs, apesar das lições da derrota de Napoleão III e seus 88 mil homens, no mesmo local, em 1870, na guerra franco-prussiana. Com a Linha Maginot intacta, a França foi ocupada e as tropas inglesas cercadas e empurradas para o mar.

Quarta lição da greve: as estruturas verticais de poder, em tempos líquidos, não conseguem traduzir e representar a sociedade no fluxo das crises. Como nas manifestações de 2013, os caminhoneiros se organizaram horizontalmente pelas redes sociais; o movimento continuou mesmo após os sindicatos terem fechado um acordo com o governo. Foi preciso outra negociação, com líderes regionais; ainda assim continuou mais radicalizado e violento, porque a minoria fez uso da força para manter os bloqueios nas estradas. Não houve um ponto estratégico, em todo o território nacional, em que um grupo atuante não impusesse suas decisões aos demais, num nível de cooperação e coordenação superior até ao das forças de segurança.

Aposta no caos: Editorial | O Estado de S. Paulo

O estrondoso sucesso da greve dos caminhoneiros – que viram atendidas todas as suas reivindicações e colocaram o governo de joelhos, arrancando urras de parte considerável da população – inspirou os oportunistas de sempre a tentar capitalizar e, quem sabe, ampliar a insatisfação popular.

É o caso, por exemplo, da Federação Única dos Petroleiros (FUP), sindicato petista que decidiu deflagrar “a maior greve da história da Petrobrás” para protestar contra “os preços abusivos dos combustíveis” e “contra o desmonte da empresa que é estratégica para a nação” – razão pela qual exige a demissão do presidente da estatal, Pedro Parente.

Felizmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou a greve ilegal, estipulando multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento. Em sua decisão, a ministra do TST Maria de Assis Calsing disse que se trata, “a toda evidência, de greve de caráter político”. Com razão, a magistrada considerou que a pauta dos grevistas representa “forte ingerência no poder diretivo da Petrobrás” e também “em ações próprias de políticas públicas, que afetam todo o País e cuja solução não pode ser resolvida por pressão de uma categoria profissional”. Além disso, escreveu ela, uma greve de petroleiros neste momento provocaria enormes prejuízos à população, especialmente “por resultar na continuidade dos efeitos danosos causados com a paralisação dos caminhoneiros”. E Maria de Assis Calsing arrematou: “Beira o oportunismo a greve anunciada”.

Os oportunistas em questão, é claro, não se fizeram de rogados. “Consideramos inconstitucional (a decisão do TST). A Constituição nos garante decidir quais interesses devemos proteger com a greve”, disse um porta-voz da FUP. A pilantragem hermenêutica apenas confirma o caráter totalmente mendaz desse e de outros movimentos feitos exclusivamente para explorar o apoio popular obtido pela greve dos caminhoneiros.

Oportunismo à direita e à esquerda: Editorial | O Globo

O governo é fraco, a crise atingiu elevado nível de gravidade, e forças políticas se aproveitam, mas o estado democrático de direito tem como se defender

Numa democracia, é livre a expressão, estão garantidos os direitos de reunião e de greve, entre outros, obedecidas leis e regras, lastreadas na Constituição. Em um regime de liberdades, há sempre o risco de excessos, a serem devidamente contidos e seus responsáveis, punidos, conforme estabelecido na legislação.

É o que precisa acontecer no rescaldo da greve dos caminhoneiros, concluídas as investigações, por exemplo, da ajuda ilegal de patrões ao movimento, interessados em se beneficiar do barateamento do combustível.

Sempre há, também, o oportunismo político-ideológico para se aproveitar da crise. Inclusive, neste ano de eleição, com o objetivo de obter apoio a candidatos. Não faltam, também, os arautos do quanto pior, melhor, para desgastar governantes e reforçar seus projetos de poder, por mais delirantes que sejam. Também aqui vale o que está delimitado pelo estado democrático de direito, defendido pelos diversos instrumentos institucionais de que conta o Estado — Polícia, Justiça, Ministério Público, Forças Armadas etc.

Agora, os petroleiros: Editorial | Folha de S. Paulo

Categoria deflagra paralisação irresponsável, com pauta que aproveita o desgaste do governo

Enquanto o país ainda lida com os estragos provocados pela paralisação dos caminhoneiros, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) tenta pegar carona na desordem e no autoritarismo do movimento.

A ameaça implícita é a mesma: provocar desabastecimento, em particular de combustíveis. Objetivos e métodos são semelhantes: uma ofensiva prepotente, se não criminosa, para impor políticas públicas por meio de chantagem. O que oferecem como argumentos são simplificações grosseiras ou mera demagogia oportunista.

Por meio da greve, o sindicalismo petroleiro quer a redução dos preços de gás de cozinha e outros derivados. Exige ainda nada menos que a demissão imediata do presidente da Petrobras, Pedro Parente, a quem acusa de administrar a empresa para “atender exclusivamente aos interesses do mercado”.

Desnecessário mencionar, a esta altura, que as medidas do governo e a gestão das estatais devem estar sujeitas ao escrutínio público.

As objeções dos petroleiros fazem parte do debate democrático, por mais incongruentes que sejam —por exemplo, quando criticam a empresa por defender o interesse de seus acionistas, entre os quais se sobrepõe a União ou, vale dizer, todos os brasileiros.

Entrevista: Cristovam Buarque - Senador (PPS-DF)

Por Lydia Medeiros / Poder em jogo | O Globo

Qual o papel do Congresso nessa crise?

– Assumir o compromisso de sair da demagogia e a cair na real. Tem a obrigação de contar a verdade: a festa acabou, e os recursos são limitados. Ficar fora da realidade é fácil: é inflação, dívida, juros altos e recessão.

E o que o Congresso deveria fazer?

– Definir de onde sai o dinheiro para manter os preços dos combustíveis nos limites. A Comissão de Orçamento deveria estar reunida oferecendo alternativas. Aí, dizem que o problema é do governo. Não, é do Brasil.

E o Brasil conseguirá pagar a conta?

– Pagar, vai. Mas precisa decidir se com dinheiro real ou com o dinheiro ilusório da inflação. Historicamente, nas crises, o país sempre escolhe a inflação, e esquece que essa é a pior forma de corrupção: rouba de todos e engana, porque as pessoas não percebem. A tarefa é difícil, sobretudo porque não queremos, no Congresso, ter essa autoridade e competência. Se não pagarmos essa conta, corremos o risco da desagregação social.

‘Eu não escolhi o Temer, quem escolheu foi o PT’, diz Alckmin

Por Sérgio Ruck Bueno | ValorEconômico

PORTO ALEGRE - Depois de repetir que o governo do presidente Michel Temer demorou a agir para impedir o caos provocado pela greve dos caminhoneiros no país, o pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, aproveitou para estender a crítica ao PT. “Eu não escolhi o Temer, quem escolheu foi o PT; foi o PT quem escolheu o Temer de vice-presidente”, afirmou ele na noite desta quarta-feira, após reunião com dirigentes da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul), em Porto Alegre.

Questionado se o vídeo divulgado por ele hoje à tarde - no qual critica o “oportunismo de candidatos presos ou soltos que estão usando a crise para se cacifar” e os “dois extremos que querem o pior” para o país - refere-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao pré-candidato do PSL, Jair Bolsonaro, Alckmin afirmou que não tem a intenção de “personalizar” a questão. “Coloquei que os radicais do ódio trazem o caos e não a mudança”, disse.

“É inadmissível essa coisa de intervenção militar”, reforçou o pré-candidato. Segundo ele, a paralisação dos caminhoneiros é resultado de uma “grande insatisfação” contra a alta carga tributária, que foi ampliada pelo governo Temer. “A gota d’água foi o combustível”, afirmou, antes de lembrar que o governo federal “dobrou o PIS/Cofins [sobre os combustíveis] no ano passado”. “Mas só reduz a carga tributária se reduzir o tamanho do Estado”, emendou.

No Sul, Alckmin diz que ‘menos de 20% já dá’

Atrás de Jair Bolsonaro e Álvaro Dias na região, tucano afirma que, agora, a realidade política ‘é outra’

“O cenário hoje está mais fragmentado. Mas estaremos no segundo turno” Geraldo Alckmin Pré-candidato a presidente

Silvia Amorim | O Globo

-PORTO ALEGRE (RS)- Com intenções de voto no Sul do país comparáveis às de um candidato nanico, o presidenciável tucano Geraldo Alckmin admitiu ontem que não espera um resultado hegemônico do PSDB na região, como aconteceu em eleições passadas. A declaração, dada durante uma série de compromissos públicos no Rio Grande do Sul, mostra que a campanha do ex-governador paulista prevê um cenário desfavorável em uma parte do país que já foi um “porto seguro” eleitoral da sigla.

— Não precisamos de 40% dos votos como em eleições anteriores. Menos de 20% já dá. É outra realidade. O cenário (quadro de candidatos) hoje está mais fragmentado. Mas vamos crescer e estaremos no segundo turno — disse Alckmin, após participar de uma sabatina na Associação Comercial e Industrial de Novo Hamburgo (RS).

Além da pulverização de candidatos, o PSDB enfrenta outros problemas para alavancar os votos na região. Sem uma bancada forte de deputados federais — o partido tem apenas a deputada federal Yeda Crusius pelo estado —, Alckmin vai depender dos palanques do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marquezan Júnior, e do pré-candidato do PSDB ao governo gaúcho, o ex-prefeito de Pelotas Eduardo Leite. Nenhum deles, porém, acompanhou o ex-governador de São Paulo durante todo o giro pelo Sul ontem. Marquezan Júnior apareceu apenas no último compromisso, já no início da noite, e Leite está no meio de uma viagem ao exterior.

Presidenciáveis encaram ‘ônus’ da greve

Analistas ouvidos pelo ‘Estado’ afirmam que nenhum dos pré-candidatos ao Planalto se beneficiou da paralisação do ponto de vista eleitoral

Adriana Ferraz e Vítor Marques | O Estado de S.Paulo

Onze dias após o início da greve dos caminhoneiros, nenhum dos pré-candidatos à Presidência da República se beneficiou eleitoralmente da crise que parou o País, segundo analistas ouvidos pelo Estado.

Se já nos primeiros dias da greve, Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e Rodrigo Maia (DEM) tentaram capitalizar com a paralisação, o saldo final indica que os presidenciáveis, em maior ou menor grau, ficaram com o ônus do episódio.

Bolsonaro, por exemplo, teve de mudar o discurso em relação ao movimento. Na véspera do início dos bloqueios de estradas, antes mesmo de o governo Michel Temer demonstrar qualquer tipo de preocupação com os efeitos do desabastecimento, o parlamentar já anunciava apoio aos caminhoneiros pelas redes sociais. Em 27 de maio, chegou a prometer, caso eleito presidente, revogar eventuais multas impostas a quem interditava rodovias pelo País.

Após caminhoneiros – ou infiltrados, como classificou o governo federal – começarem a pedir intervenção militar, o deputado recuou e apelou pelo fim da greve. “O Brasil quebrado não interessa a vocês nem a nós”, afirmou em um vídeo direcionado aos caminhoneiros e publicado em suas redes sociais na segunda.

“Bolsonaro pisou no freio e percebeu que apostar no ‘quanto pior melhor’ acabou, de certa maneira, influenciando dentro do próprio grupo de apoio dele, que são os militares”, afirmou cientista político e professor da Universidade Mackenzie Rodrigo Prando.

Como solução para o problema, Ciro chegou a pedir a demissão do presidente da Petrobrás, Pedro Parente. Marina criticou o aumento de preços praticados pela estatal. Já o ex-ministro da Fazenda do governo Temer Henrique Meirelles foi chamado ao Planalto no domingo, em plena greve. Convocado pelo presidente, que o lançou pré-candidato do MDB à Presidência, ele participou de uma reunião para tentar colaborar com a solução do problema. Sem êxito, Meirelles tentou se descolar da crise.

Para o cientista político da Fundação Getulio Vargas de São Paulo Marco Antonio Teixeira as consequências da greve prejudicam qualquer candidatura do governo, como a de Meirelles. “Seja como presidente ou até mesmo para vice-presidente, seria um risco desnecessário para outro partido ter um nome ligado ao governo na chapa”, disse. Segundo ele, as declarações de Ciro e Marina, que alertaram para os riscos da greve, fizeram com que eles saíssem “menos chamuscados”.

Maia quis se antecipar na busca pela solução do problema. No terceiro dia de bloqueios, o presidente da Câmara pautou e votou em tempo recorde um projeto de lei que zerava a cobrança de PIS-Cofins sobre o diesel até o fim deste ano. Na pressa, errou nos cálculos da renúncia fiscal (avaliou em R$ 3,5 bilhões, mas o montante era de cerca de R$ 14 bilhões). Depois da falha, reconhecida por ele, saiu de cena.

Na avaliação do cientista político José Álvaro Moisés, a greve escancarou a falta de autoridade do governo e a ausência de lideranças políticas capazes de resolver o problema. “E também revelou que o vencedor da eleição de outubro vai receber um País em situação extremamente delicada e complexa”, disse. Para Moisés, nenhum dos presidenciáveis ganhou com essa crise. “Para mim, Bolsonaro e Ciro Gomes perderam. Os demais tiveram posição ambígua.”

Alckmin. Nesta terça-feira, 29, no sétimo dia da paralisação, Alckmin citou o “oportunismo de candidatos presos ou soltos que buscam se cacifar” com o movimento, sem citar diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato. “Em um momento de ânimos acirrados, Alckmin reafirma sua candidatura como opção moderada de centro ao não entrar na discussão. Isso pode ser mais positivo do que negativo”, disse Prando.

Almir Rouche & Luciano Magno - Deusa de Itamaracá

Carlos Drummond de Andrade: Composição

E é sempre a chuva
nos desertos sem guarda-chuva,
e a cicatriz, percebe-se, no muro nu.

E são dissolvidos fragmentos de estuque
e o pó das demolições de tudo
que atravanca o disforme país futuro.
Débil, nas ramas, o socorro do imbu.
Pinga, no desarvorado campo nu.

Onde vivemos é água. O sono, úmido,
em urnas desoladas. Já se entornam,
fungidas, na corrente, as coisas caras
que eram pura delícia, hoje carvão.

O mais é barro, sem esperança de escultura.