domingo, 16 de março de 2014

Opinião do dia: Eduard Bernstein

A elegibilidade universal é, dos dois lados, uma alternativa à revolução violenta. Mas o sufrágio universal é apenas uma parte da democracia, embora uma parte que, com o tempo, atrairá a si as restantes partes, como um imã atrai os pedaços dispersos do ferro. Atua por certo mais lentamente do que muitos desejariam, mas atua, a despeito de tudo. E a democracia social não pode avançar em seu trabalho de modo melhor do que ocupando sem reservas o seu lugar na teoria da democracia – na base do sufrágio universal, com todas as conseqüências daí resultantes para a sua tática.

Eduard Bernstein (Berlim, 6 de janeiro de 1850 -Berlim, 18 de dezembro de 1932) foi um político e um dos principais teóricos da social-democracia. Socialismo Evolucionário, p. 114. Jorge Zahar Editor / Instituto Teotônio Vilela, 1997.

PSB critica governo por loteamento de cargos

Clarissa Thomé

As críticas ao loteamento de cargos pelo governo federal e à condução da crise energética pelo governo deram a tônica dos discursos na abertura do seminário do PSB, Rede Sustentabilidade e PSB, ontem no Rio. O deputado Miro Teixeira (PROS), partido da base aliada da presidente Dilma Rousseff, chegou a dizer que o governo "cede à chantagem" e "faz acordos pornográficos".

Miro tem o apoio de Eduardo Campos e da executiva nacional do PSB para se candidatar ao governo do Rio e teve posição de destaque como "convidado" do seminário. Chegou a ser saudado pela ex-senadora Marina Silva como companheiro que "caminhou ombro a ombro" para a construção da Rede. O deputado federal Alfredo Sirkis, que se lançou candidato à sucessão de Sérgio Cabral (PMDB) em fevereiro, estava no encontro e evitou polemizar. "Estou aqui para discutir programa de governo", afirmou.

O governador Eduardo Campos, pré-candidato à presidência pelo PSB, também se esquivou ao ser perguntado sobre o assunto. "O Rio tem uma situação muito própria pelo que tem ocorrido no Rio de Janeiro. Temos nomes que são da Rede e que estão no PSB e nomes que são da Rede e fizeram opção pelo PROS, partido que está na base e que, me parece, não definiu ainda que estará na campanha da presidenta Dilma". Campos disse ainda que nas pesquisas de sondagem, a maioria dos eleitores responde que votaria em branco, nulo ou que não sabe.

"Temos de responder a isso com debate".

Campos foi recebido pelos delegados do seminário com palavras de ordem. "Um passo à frente/Eduardo presidente", gritavam os participantes do encontro. Em seu discurso, ele manteve a estratégia de elogiar feitos do governo Lula e insistir que não houve avanços. O governador de Pernambuco também disse que quer debater com Dilma temas como o setor energético e segurança pública.

"Será que é só (discutir) a próxima eleição, quem vai ser o marqueteiro, quanto tempo de televisão tem, qual é o lixinho que bota para debaixo do tapete - e o tapete está dessa altura. As pessoas estão vendo tudo. Temos que ficar muito calmos para fazer o debate de conteúdo. Incomoda a qualidade do debate que estamos propondo, que não nega as conquistas. É um debate corajoso, de quem não aceita cabresto. E desse incômodo nós não vamos poder poupar a sua excelência, a presidente da República", discursou Campos.

Loteamento. Além do deputado Miro Teixeira, Marina Silva também usou o termo chantagem para se referir às negociações entra a base aliada e o governo. "Não vamos fazer em hipótese nenhuma fazer a política do quanto pior, melhor. Não queremos com nosso ato favorecer aqueles que usam de chantagem para mais um cargo, mais um ministério, mais um conselho. Vamos apoiar propostas justas e corretas. Queremos governabilidade programática, não pragmática."

Fonte: O Estado de S. Paulo

Campos enaltece papel dos jovens nas eleições

Beatriz Bulla

Durante bate-papo com internautas pelas redes sociais, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), enalteceu o papel dos jovens nas eleições deste ano. "Parece que tem um muro que separa o Brasil real do Brasil artificial lá de Brasília", criticou o governador, dizendo que nas manifestações de junho os jovens derrubaram parte desse muro e, nas eleições, vão derrubar a outra parte. Para o futuro adversário da presidente Dilma Rousseff na corrida pelo Palácio do Planalto neste ano, a juventude vai ter papel central para "criar uma nova política".

Ele comparou o momento atual com outras situações históricas marcantes, como a construção da democracia no País, o impeachment de Fernando Collor e a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Os jovens brasileiros precisam nos ajudar com energia, participação e espírito crítico a mudar o Brasil. Limpar a política, votar com dignidade", convocou Campos, em um bate-papo online transmitido pelo youtube, em que recebeu perguntas dos internautas enviadas pelo twitter.

Apesar de defender a mudança na política, Campos não respondeu questões enviadas pelos internautas sobre reforma de ministérios, por exemplo. Quase ao término da entrevista, o apresentador anunciou que faria perguntas sofre reforma tributária e, na sequência, sobre reforma política. Após a resposta de Campos sobre tributos, no entanto, anunciou que a transmissão seria encerrada em razão do tempo. O governador, no entanto, disse ao apresentador "faltou alguma pergunta sua". O tema na sequência não foi política, mas sustentabilidade, e Campos encerrou com um discurso sobre a necessidade de observar "os sinais da natureza" e assegurar políticas públicas sustentáveis.

Economia As críticas de Campos à condução da economia têm sido recorrentes. Ao falar para os internautas nessa tarde, o governador falou sobre as maneiras de diminuir os juros no País. "Uma das maneiras mais objetiva do juro baixar é o País não tomar também tanto dinheiro emprestado. Quando se tem regras mais claras e as regras são efetivamente cumpridas, também ajuda a baixar o juros."Ele classificou o momento atual como "complicado", "em que crescimento diminuiu, a inflação aumentou e o juro aumentou".

"Não se arruma a economia com decreto, com fala, é com trabalho. O conjunto da política tem que estar harmonizada numa visão. Não se faz isso se ficarmos só administrando a taxa de juros."

Bolsa Família
Questionado sobre o Bolsa Família, assegurou que "ninguém vai acabar" com o programa. "É mesma coisa que dizer que vai acabar o salário mínimo", comparou. "Bolsa Família é algo que foi incorporado como um direito do povo brasileiro. Um direito conquistado", afirmou. Ele classificou como "terrorismo eleitoral" anúncios de que haja intenção de encerrar o programa. "Precisamos melhorar as coisas. Tem muita coisa para melhorar, inclusive o Bolsa Família", concluiu.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Miro Teixeira critica 'loteamento' de ministérios

O deputado federal Miro Teixeira (PROS), pré-candidato ao governo do Rio, criticou o loteamento de ministérios pelo governo federal, "em troca de alguns minutos na televisão". "A chantagem se manifesta e o governo se curva. Faz um povo fraco. Não tem acordo programático. Eles só fazem acordo pornográfico. Tem que tirar as crianças da sala", afirmou.

Miro discursou neste sábado na abertura do Seminário Regional Programático da aliança PSB, PPS e Rede Sustentabilidade. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e a ex-senadora Marina Silva participam do evento.

Fonte: Estado de Minas

Marina Silva diz que governo Dilma é maior exemplo do fracasso do sistema político

Ex-senadora participou de encontro no Rio com Eduardo Campos e outras lideranças políticas

Cristina Tardáguila

RIO - No seminário programático que o PSB, a Rede e o PPS realizaram na manhã deste sábado no Rio de Janeiro, a ex-senadora Marina Silva disse que “o governo Dilma é a denúncia mais contundente do fracasso do atual sistema político brasileiro” e que nem sempre consegue corresponder a seus próprios interesses, muito menos os do país.

— Desde 2010 eu trabalho para o fim desse ciclo — afirmou Marina. — Esse processo chegou ao esgotamento. E o governo Dilma é a denúncia mais contundente desse modelo. É um governo não de programas, mas de elementos de força e favor. Não corresponde ao interesse de governo e de país. O governo tem que ser programático. É assim que se faz nas democracias modernas.

Eduardo Campos, governador de Pernambuco e pré-candidato à presidência da República ao lado de Marina, engrossou o tom crítico em relação à crise aberta na base aliada do governo, entre o PT e o PMDB:

— O que vemos hoje dia é um conjunto político de costas para sociedade, discutindo como se distribuem cargos. E nós vemos só parte dessas conversas. Não sabemos a outra parte — afirmou Campos.

Tanto para ele quanto para Marina a atuação do governo federal frente à situação energética do país também virou alvo de ataques.

— Não vou faltar com o respeito à presidente Dilma, mas vou exercitar meu direito de discutir o Brasil de forma diferente. O que é fundamental para o Sudeste? — perguntou o governador. — A energia dá sinais de que o setor precisa de atenção. O preço no mercado futuro dá o diagnóstico.

Quem vê esse preço vê a situação. Em três anos a Petrobras teve seu valor reduzido à metade. E isso não deve ser discutido? Desestruturaram completamente o setor do etanol. Quarenta unidades foram fechadas.

Em 2010, a Eletrobras valia R$ 32 bilhões. Hoje vale R$ 8 bilhões e, pela primeira vez na história, está devendo aos que produzem energia no Norte. Os parques eólicos no Brasil estão pronto, mas não têm linhas de transmissão. Enquanto isso, compramos diesel lá fora para manter as termoelétricas. Será que não é para discutir isso?

Na coletiva de imprensa que sucedeu os discursos realizados para um público de mais de três mil pessoas, Marina criticou abertamente o ministro de Minas e Energias, Edison Lobão. Disse que diferentemente de outros ministros, que têm compromissos com a agenda da pasta que ocupam, ele causa vergonha quando fala do assunto.

— Especialistas dizem que há duas Belo Monte em bagaço e palha de cana de açúcar. Isso está sendo perdido. É preciso ter matriz energetica diversificada. E isso nao está sendo feito. É até um vexame quando a gente ouve uma entrevista do ministro falando sobre o assunto.

No seminário programático, que se estenderia até o fim da tarde, Marina não assumiu ser vice na chapa presidencial de Campos. Disse que esse anúncio será feito em abril. A indefinição também se manteve com relação ao candidato do grupo ao governo fluminense. Os deputados federais Miro Teixeira (PROS-RJ) e Alfredo Sirkis (PSB-RJ) participaram do evento e também discursaram.

Teixeira, que esteve o tempo todo ao lado de Marina e Campos, lembrou a posse de Lula em 2003 e ressaltou a presença de diversos ministros daquele governo no encontro: ele próprio, Campos, Marina, Roberto Amaral e José Viegas Filho.

— Nós éramos um mesmo governo. Trabalhávamos juntos pelo êxito. Não havia loteamento, entrega de cargos — ressaltou. — Nesse governo a chantagem se manifesta, e o governo se curva, fazendo o povo fraco.

Depois de ser aplaudido pelos presentes, Teixeira pediu que a eleição deste ano seja “uma revolução pacífica para realmente implementar a República no país”.

Sirkis, que ficou à margem do burburinho e disse que aceitaria “como uma missão” uma possível proposta para concorrer ao governo do Rio, atacou o PT:

— É fundamental que o PT se salve de si próprio. No caminho que eles estão, todas as conquistas dos últimos vinte anos serão postas em questão. Se não houver uma rearrumação histórica, no futuro e na direita, o resultado talvez seja trágico para todos nós.

Ainda participaram do encontro que tinha por objetivo debater as diretrizes do programa de governo da aliança o vereador Jefferson Moura (PSOL-RJ), o deputado Márcio França (PSB-SP), o ex-ministro e atual vereador Raul Jungman (PPS-PE) e a deputada Luisa Erundina (PSB-SP). O cineasta Silvio Tendler e o antropólogo Luiz Eduardo Soares também estavam no palco do encontro.

Fonte: O Globo

Eduardo Campos critica plano de socorro ao setor energético

Pré-candidato da coligação entre PSB e Rede à presidência da República, o governador pernambucano Eduardo Campos (PSB) criticou o plano energético anunciado pelo governo esta semana que destinou emergencialmente R$ 12 bilhões ao setor. Para Campos, o governo atual põe em risco as conquistas dos últimos anos.

"O setor energético brasileiro é algo com que devemos nos preocupar", afirmou Campos durante discurso no seminário regional da coligação, no Rio de Janeiro. Campos citou a redução do preço de mercado da Petrobras nos últimos anos e o que considera falta de atenção do governo com o setor do etanol. De acordo com ele, o mercado futuro de energia mostra bem o tamanho da dificuldade que o país passa no setor energético.

"Em três anos a Petrobras teve seu valor reduzido à metade. E claro que isso deve ser discutido", afirmou. "Se erra na mão, se desestrutura um setor, aí se descobre que dá para arrumar R$ 12 bilhões, mas não tem para creches para que as crianças construam sua cidadania", criticou. "Ao mesmo tempo a gente olha para parques eólicos no Nordeste que estão prontos mas não têm a ligação à rede energética", criticou. "Isso exige de nós coragem para fazer o debate. E nós vamos ter a coragem que a Marina [Silva] tratou aqui", afirmou.

Campos criticou ainda campanhas baseadas em marketing que "escondem o sujinho para baixo do tapete" e afirmou que sua coligação busca por todo o Brasil aglutinar boas ideias para a construção de seu programa. Segundo ele, quando o PSB e o Rede pedem debate de conteúdo, incomodam muita gente. "Esse incômodo nós não vamos poupar à presidente da República."

Ele ainda fez referências aos protestos de junho. Para ele, a frustração da população com os rumos do país levou muitos brasileiros às ruas naquela ocasião.

Fonte:: G1.com

“O tarifaço de energia de Dilma”

Durou pouco, muito pouco, a fantasia de contas de luz baratinhas que o governo teceu desde fins de 2012 como manto para a campanha de Dilma Rousseff à reeleição. O modelo está fazendo água por todos os cantos e demandando aportes bilionários, bancados por contribuintes e consumidores. Em poucos meses, guiado pelas mãos da presidente, o setor elétrico brasileiro foi à breca.

Ontem, a equipe econômica anunciou um pacotaço que eleva a R$ 31 bilhões os custos gerados pelo desequilíbrio criado no setor a partir da edição da malfadada medida provisória 579, em setembro de 2012. Como parte das medidas, o governo também antecipou que vem mais aumento de imposto pela frente para bancar parte do rombo. E, espertamente, jogou para depois das eleições o tarifaço que será necessário para soerguer o setor de energia.

A partir de 2015, as contas de luz deverão subir com mais força do que caíram. Segundo cálculos de uma consultoria em energia publicados por O Globo, há um aumento de 24% já represado para ser repassado às tarifas a partir do ano que vem. Parte disso (4,6%) já irá entrar nas contas de luz deste ano, segundo a Aneel. Ou seja, tudo o que Dilma anunciou como uma “histórica redução” nos preços da energia no país irá para o ralo rapidinho.

A crise energética é fruto exclusivo de iniciativa tomada pela presidente Dilma estritamente sob prisma eleitoral, a desastrada MP 579. Na ocasião, a presidente usou a data cívica mais importante do país, o aniversário da Independência, para convocar rede nacional de rádio e televisão e alardear a redução nas contas de luz. Será que agora fará o mesmo para explicar aos cidadãos que a medida não deu certo e eles terão de começar a pagar a conta já neste ano?

Desde a truculenta intervenção, o setor elétrico, que vinha razoavelmente bem, tornou-se uma colcha de retalhos, com remendos atrás de remendos e empresas antes sólidas levadas à beira da falência. Em pouco mais de um ano, as concessionárias do setor viram quase R$ 60 bilhões virarem fumaça. Suspenderam investimentos, demitiram funcionários, vão devolver usinas e parar de gerar energia. Tudo em decorrência de uma medida de caráter explicitamente eleitoreiro em favor de Dilma.

Pela operação anunciada ontem, serão necessários mais R$ 12 bilhões para cobrir o rombo do setor elétrico neste ano. Para aportar a parte do Tesouro (R$ 4 bilhões), o governo vai apelar para a receita clássica: aumentar impostos. Com isso, irá se repetir a sina da gestão petista em relação à carga tributária: para o alto e avante. Assim foram nos quatro anos do governo da atual presidente e em sete dos últimos oito anos.

O valor a ser desembolsado pelo Tesouro se somará a outros R$ 9 bilhões já previstos para 2014 e irá se juntar aos quase R$ 10 bilhões despendidos com a mesma finalidade no ano passado. Tudo somado, já são R$ 23 bilhões que o contribuinte brasileiro terá que desembolsar em função do curto-circuito que Dilma criou, por interesses exclusivamente eleitorais, no setor elétrico brasileiro.

A maior parte dos recursos do pacotaço divulgado ontem (R$ 8 bilhões) será buscada no mercado financeiro, por meio de empréstimos feitos por agentes privados – mais especificamente a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, desde ontem rebatizada “Contabilidade Criativa de Energia Elétrica”). A partir de 2015, portanto depois das eleições e devidamente acrescido de juros, o valor financiado será incorporado às tarifas de energia pagas pelos consumidores – as mesmas que foram transformadas por Dilma em bandeira eleitoral desde o ano passado.

Não é certo que a engenharia financeira dará certo: há mais de um ano, a CCEE tenta montar um sistema de garantia financeira para operações do setor com bancos privados, mas, por causa das dificuldades por que passam as empresas de energia no país, não consegue convencê-los. Com isso, é de se prever que bancos públicos poderão ser novamente (ab) usados na operação de financiamento.

Além disso, por meio de suas térmicas, a Petrobras pode ser novamente usurpada para assegurar preços baixos nos leilões para contratação de energia que completam a operação de salvamento lançada ontem pelo governo – em dezembro, porém, fracassou tentativa semelhante de contratar energia mais barata por meio de pregões.

A Folha de S.Paulo classificou toda a operação de “mais um malabarismo intervencionista”, que “jogou para um futuro próximo – mas convenientemente posterior às eleições – uma conta fiscal e inflacionária”. Para o Valor Econômico, trata-se de “uma estratégia arriscada”.

Nem todo o malabarismo e nem todos os riscos assumidos serão suficientes, contudo, para tapar todo o rombo que as concessionárias de energia deverão ter com a geração e a compra de energia muito mais cara e escassa. As medidas tomadas pelo governo abarcam apenas R$ 12 bilhões de um rombo que só neste ano deve beirar R$ 20 bilhões. A conta dos desequilíbrios pode, portanto, subir ainda mais.

O pacotaço também representa uma confissão oficial de que o suprimento de energia está no fio da navalha. Segundo a consultoria PSR, o risco de racionamento de energia no Brasil continua aumentando e já chegou a 24%. As medidas anunciadas ontem são, ainda, uma admissão tácita de que o modelo energético que tem em Dilma Rousseff seu artífice e maior responsável naufraga a olhos vistos – em breve, quiçá, à luz de velas.

Fonte: ITV

Dilma versus deputados: segundo round

A Câmara impõe uma derrota histórica à presidente. Ela reage tentando isolar o PMDB e seu líder, Eduardo Cunha. E a luta continua...

Diego Escosteguy

No fim da tarde de domingo pós-Carnaval, a presidente Dilma Rousseff recebeu no Palácio da Alvorada o vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, para uma conversa que deveria dar início às articulações destinadas a encerrar o motim de deputados aliados na Câmara – aquela turma apelidada de Blocão. Dilma estava irada. Recebeu Temer com a última edição de ÉPOCA aberta, em cima da mesa. 

Nela, estava a entrevista do líder do PMDB, Eduardo Cunha, em que Cunha atacava o Planalto e dizia que Temer era o “fiozinho” que segurava a aliança entre PT e PMDB. “Olha aqui, ele te chamou de ‘fiozinho’”, disse Dilma, apontando para a revista. “Você virou o vice do ‘fiozinho’. Não dá. Com o Eduardo não tem mais conversa. Ele quer derrubar o governo.” Temer tentou contemporizar. “Não quero mais conversar com ele e ponto”, disse Dilma. “Não vou atacá-lo em público, mas ele não entra mais aqui.”

Dilma nunca confiara em Cunha. Lutou até para que ele não fosse eleito líder do PMDB e para que perdesse os cargos que detinha no governo Lula, como diretorias na Petrobras e em Furnas. Mesmo Lula, com quem Dilma se aconselhara dias antes, não confia em Cunha, embora tenha lhe dado – muito a contragosto – os cargos que Cunha lhe pedira em seu segundo mandato. Lula atribui a Cunha a principal derrota do governo dele no Congresso: a derrubada da CPMF, em 2007, que custou R$ 40 bilhões em impostos ao governo. “A presidente tem um horror quase físico ao Eduardo Cunha”, diz um dos conselheiros de Dilma. Talvez esse passado e a suprema desconfiança de Dilma, aliados à dificuldade histórica de Lula e do PT em entender como funciona o Congresso, ajudem a explicar o maior erro tático de Dilma em seus três anos de conturbada relação com o Parlamento. Um erro que fez o Blocão trocar as espingardas de chumbinho por Kalashnikovs apontados diretamente ao Planalto. Dilma, seus ministros e seu governo foram metralhados sem dó pelos deputados.

Ao tentar enquadrar Cunha, resumindo o problema a uma conspiração de um lobo solitário da política, e vendendo à opinião pública a versão de que não cederia ao fisiologismo do PMDB, Dilma não compreendeu que o problema não está em Cunha – ou apenas em Cunha. Vários deputados – do PT ao PMDB, passando por nanicos e demais partidos de aluguel – estão irritados com ela. E, ao se rebelar contra Dilma, muitos revelam, com palavras reservadas e gestos abertos de desafio, não acreditar que a reeleição dela seja tão certa assim. Dilma descobriu que a matemática da política é simples. Um, por mais poderosa que seja sua caneta, não soma mais que 513. Um presidente não enquadra um Congresso. Pode até comprá-lo, como fez Lula. Deu no mensalão. Mas, se não negociar francamente com ele, estará aberto a toda sorte de retaliação.

A previsível metralhada de Cunha veio na terça-feira, de maneira perfeitamente coreografada. Montou-se uma reunião da bancada do PMDB na Câmara para discutir como reagir. Alguns deputados foram orientados a pregar o rompimento com Dilma. Foram a público bater na presidente. Cunha, que não é bobo, desviou do soco da presidente. Disse ser um mero representante de seus pares. Dilma tornou a briga pessoal; Cunha soube fingir que não era. E usou palavras moderadas, para não perder o apoio de seu partido. Armou-se um levante, e os deputados, num ato devastador, aprovaram, por 267 votos favoráveis e apenas 28 contrários, a criação de uma comissão para investigar denúncias de propina na Petrobras. Um deputado de terceiro mandato tornava-se maior, ainda que por pouco tempo, que uma presidente da República.

A sova no caso Petrobras devolveu o Planalto à realidade. Era quase madrugada da quarta-feira quando o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, alcançou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, ao celular. Pediu a ele que adiasse a votação do projeto que estabelece o Marco Civil da Internet, uma espécie de constituição dos direitos e deveres digitais dos brasileiros. Depois de muito adiar, e por isso muito se desgastar com os colegas, Alves marcara a votação do projeto para o dia seguinte. Não sem tempo: o Marco Civil, uma lei proposta pelo governo, emperra os trabalhos da Câmara há quatro meses. Como foi enviado com o selinho de urgência constitucional, furou a fila de outros projetos e deixou os deputados com duas opções: votá-lo ou paralisar o plenário da Câmara. Essa situação é descrita no jargão do Congresso como “trancar a pauta”. Na visão dos deputados e senadores, acontece com indesejável frequência no governo Dilma. É uma das razões para a briga da Câmara com o Planalto. Isso impede que os deputados votem leis de seu interesse e mostrem serviço aos eleitores de seus Estados.

A ligação de Mercadante a Alves demonstrava que o Planalto se dobrava ao óbvio: botar em votação o Marco Civil significaria uma derrota certa para o governo. Naquele momento, uma derrota do governo seria uma derrota de Dilma – uma derrota pessoal num projeto fundamental para o país.

“Tudo bem, vou dar um jeito de adiar de novo. Mas não pode passar da próxima semana”, disse Alves a Mercadante. “E desde que vocês tentem conversar direito com todos os líderes, inclusive com o Eduardo Cunha.” Alves condicionou o gesto de deferência ao Planalto ao diálogo para alertar Dilma para um fato incontornável. Se o Blocão ainda estiver na praça, mesmo que enfraquecido, o Marco Civil será derrubado na Câmara. E Dilma sofrerá uma derrota que lhe retirará qualquer vestígio de autoridade política no Congresso.

Se depender do PT, é uma derrota certa. Na manhã da quarta-feira, já sem a obrigação de garantir a aprovação do Marco Civil, os líderes do governo apanharam nas comissões da Câmara. Enquanto a tropa de Cunha aprovava a inacreditável convocação de nove ministros para prestar esclarecimentos na Câmara, ninguém achava o líder do PT, deputado Vicentinho. Era até covardia.

Ninguém protegia o governo na Câmara – nem o PT. Por volta do meio-dia, já desmoralizada no Congresso, Dilma procurou Temer. Avisou que nomearia, após meses de atraso, os dois ministérios que, no linguajar rasteiro de Brasília, pertencem ao PMDB da Câmara: Agricultura e Turismo. Temer argumentou que a bancada do PMDB já recusara publicamente os cargos.

As nomeações poderiam até esfriar a crise, mas seria prudente esperar alguns dias e consultar os deputados, de modo a saber se eles topariam mudar de ideia e, se assim fosse, que nomes indicariam. “Se a Câmara não quer indicar alguém, como vou fazer? Não dá para ficar esperando”, disse Dilma, antes de comunicar os nomes. Para a Agricultura, ela escolhera Neri Geller, que fora indicado para o cargo pelo PMDB no ano passado, antes da crise. Para o Turismo, uma enorme surpresa: Ângelo Oswaldo, um quadro do PMDB de Minas, contemporâneo de Dilma num colégio de Belo Horizonte. Uma indicação de ninguém seria uma encrenca para todos. O PMDB evidentemente reclamaria.

Dilma perguntou se Temer tinha alguma objeção aos nomes. Em outros tempos, quando não era apenas um bombeiro político, talvez ele procurasse dissuadir Dilma das nomeações. Mas Temer, um dos políticos mais experientes da República, sabe que os tempos são outros. Sabe que, a cada ferida nesse estranho corpo político formado entre PT e PMDB, seu capital político sangra. “Como é uma decisão da bancada, presidenta, prefiro não opinar”, disse Temer.

A nomeação de Ângelo Oswaldo durou pouco mais de 24 horas. Se alguns deputados do PMDB enxergaram um gesto de trégua na nomeação da Agricultura, todos se revoltaram com a indicação do amigo de Dilma para o Turismo. O amigo de Dilma – é assim que se referiam a ele os parlamentares – buscou apoio no senador José Sarney, do PMDB. “Está tudo degringolado. Não é assim que se faz política”, disse Sarney a Oswaldo, ao recebê-lo em sua casa na quinta de manhã. Sarney até tentou ajudá-lo, mas era tarde. Prevaleceu outro desconhecido: Vinícius Lages, uma indicação do presidente do Senado, Renan Calheiros – fato que criará mais uma briga em Brasília, entre os senadores do PMDB e os deputados do PMDB.

Se continuou errando com o PMDB, o governo falou a língua certa com o PP e o PR, dois partidos estratégicos para que o Planalto não perca por completo o controle da Câmara. Bastou deixar a hipocrisia da “faxina ética” de lado e prometer aos partidos o que queriam: cargos. Ao PR, Mercadante prometeu entregar quatro das sete diretorias do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit, órgão com orçamento anual de R$ 9 bilhões. Com o PP, as promessas foram ainda mais generosas. Mercadante prometeu um belo bônus, caso o partido deixe o Blocão: duas diretorias de agências reguladoras; mais cargos no Ministério das Cidades, já controlado pelo PP; uma diretoria no Conselho de Defesa da Atividade Econômica, o Cade, que processa cartéis de grandes empresas; e a presidência da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, a Chesf. A palavra-chave nessas negociações é “prometer”. Mercadante prometeu. E se Dilma não cumprir, como aconteceu tantas vezes no passado recente? Blocão neles.

É no hábito do governo Dilma de quebrar promessas que confia a oposição. Os principais adversários de Dilma nas eleições, Eduardo Campos e Aécio Neves, atuam em sintonia com o Blocão, de modo a enfraquecer o governo em Brasília e a afanar palanques regionais de Dilma.

Ambos articulam as táticas do Blocão com líderes dos descontentes – especialmente Cunha. Na segunda-feira da semana passada, quando Dilma resolvera emparedar o Congresso, Cunha e Eduardo Campos tiveram uma longa conversa, da qual também participou rapidamente por telefone Aécio, para estabelecer que projetos e convocações serão usados nas próximas semanas para sangrar o governo. Não é uma conspiração do PMDB contra o governo. Trata-se mais de um alinhamento momentâneo de interesses entre as partes. Aécio e Eduardo Campos sabem que muitos dos descontentes do Blocão querem apenas usar a rebelião para faturar mais cargos – nunca deixarão o governo. “Mas podem prejudicar Dilma e não trabalhar pela eleição dela”, diz um dos articuladores do Blocão.

Enquanto o Blocão sangrava Dilma na Câmara, os candidatos sangravam Dilma nos discursos, que subiram de tom. “O Brasil não aguenta mais quatro anos de Dilma”, disse Eduardo Campos, cada vez mais próximo de Aécio e distante na mesma velocidade do PT. Aécio também bateu forte no governo. A principal pancada veio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Agora temos cooptação, e não coalizão, pois não se está brigando por um projeto para o país. É cooptação porque há um esvaziamento da agenda pública”, disse, ao qualificar o governo Dilma de “autoritário”.

As palavras de FHC – e o momento em que elas foram ditas – não são fortuitas. O que parecia impossível há alguns meses hoje é apenas improvável: ele pode ser o candidato a vice na chapa de Aécio. FHC autorizou o PSDB a fazer pesquisas qualitativas com seu nome. Começaram nesta semana, em São Paulo, Ceará e Rio Grande do Sul. Serão feitas em mais 14 Estados. Até o momento, as pesquisas dizem que a recuperação da imagem de FHC é “espantosa”, no dizer de uma das maiores autoridades do partido. Muitos no PSDB querem FHC como vice. A pressão é forte. Eles acham que FHC ajudará Aécio a vencer em São Paulo, e isso seria decisivo para um segundo turno das eleições. A amigos, FHC disse que, em último caso, concorrerá. “O que não podemos é ter mais quatro anos de Dilma”, disse a amigos, falando igualzinho a Eduardo Campos

Aos poucos, políticos de partidos diferentes começam a falar a mesma língua. E não é a língua de Dilma.

Com Leandro Loyola, Murilo Ramos e Marcelo Rocha

Fonte: Revista Época

PT quer esmagar o PMDB, diz Pedro Simon

Um dos mais experientes políticos brasileiros, o gaúcho Pedro Simon afirma que a aliança do PMDB com o PT para manter Michel Temer como vice de Dilma Rousseff está sufocando o partido. E que agora é tarde para mudar

Marcela Mattos

"Não se pode nem dar palpite, o PMDB está em um mato sem cachorro. Pode até ganhar mais ministérios, mas isso não resolve nada", Pedro Simon

BRASÍLIA - Aos 84 anos, o gaúcho Pedro Simon é um dos políticos que mais conhecem o PMDB, partido que ajudou a criar em 1980 como sucessor do antigo MDB, agremiação de oposição à ditadura militar após o golpe de 1964. Simon coleciona histórias em sua vida pública: foi ministro da Agricultura, governador do Rio Grande do Sul e está há três décadas no Senado. Foi um dos poucos políticos peemedebistas a votar contra os governos Lula e Dilma Rousseff. Hoje, com planos de deixar a vida pública no final do ano, ele vê com ceticismo a ameaça do seu partido de deixar o barco petista e romper a aliança com Dilma: “Podia até ter o rompimento, mas a expectativa dos cargos é muito grande para mudar de lado. Hoje o governo está tão misturado ao PMDB que não é fácil em uma convenção querer mudar os rumos”. Simon afirma não simpatizar com o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder da bancada na Câmara, que comanda uma rebelião na base governista. Mas admite méritos ao colega pelas derrotas impostas ao Palácio do Planalto:

"É o tipo da coisa que nunca se conseguiu mexer. Mas ele jamais vai ser meu representante, não identifico nele coisa nenhuma”. Leia trechos da entrevista ao site de VEJA.

Qual a avaliação do senhor essa rebelião do PMDB? O grande erro do PMDB é não se colocar como um grande partido. Nós elegemos governadores pelo Brasil, temos o maior número de filiados e a segunda maior bancada do Congresso. Mas o PMDB, ao longo dos últimos anos, corta as próprias pernas para não caminhar.

De que forma o partido se prejudica? Nós não vamos ter candidato a presidente da República, embora o [Michel] Temer venha demonstrando o controle no governo ao ajudar a Dilma a não implodir. Enquanto isso, o PT faz uma aliança conosco, mas não nos deixa governar ou participar. O PT quer esmagar, quer esvaziar o PMDB. Na reforma ministerial, por exemplo, as trocas dos mais importantes ministérios foram feitas sem nos avisarem. E mais: temos o líder do partido no Senado, Eunício Oliveira, candidato ao governo no Ceará com ampla maioria nas pesquisas, e a Dilma quer colocar como ministro tampão apenas para tirá-lo do páreo porque ela quer apoiar o Ciro Gomes e o irmão dele. Isso é grosseiro. É uma paulada que está sendo dada no PMDB. Mas o partido permite isso e não se impõe.

O PMDB, então, tem parcela de culpa na crise? Estamos sim em uma crise, mas, com toda a sinceridade, não acho o PMDB culpado. O PT está jogando baixo: quer crescer para 120 deputados na Câmara e nos deixar com 40. Isso não é uma política de aliança, é uma política de subserviência. Os outros partidos apenas fazem figuração. Mas o PMDB, principalmente o do Senado, tem sido chamado de fisiologista. Eu sou um dos integrantes do PMDB que mais têm restrições à cúpula do partido. Eu acho que eles se entregam fácil para o governo, perde méritos por cargo, não apresenta candidato, tem mil coisas. Mas o que está havendo é o PT querendo massacrar o PMDB. De governo importante, hoje só temos o Rio de Janeiro, e agora os petistas já estão na disputa. O fisiologismo é do PT.

No final das contas, o que o PMDB quer com essa rebelião? Nossos ministérios, principalmente Turismo e Agricultura, são uma piada. Turismo, aliás, acho que nem ministério deveria ser. Temos sim o de Minas e Energia, que é importante, mas só temos o ministro. Nem o chefe de gabinete é nosso. Afinal, quem é que manda? O PT também se queixa, está uma revolta total com a presidente. Não acho que a briga por ministérios seja fundamental, mas a Dilma quis fazer. No momento em que ela nomeia um monte de ministros do PT e começa a fazer leilão dos cargos, pedindo indicação de nomes, ela fez descaradamente uma discriminação com outros partidos. Se o PMDB estivesse se vendendo, tinha de pelo menos ganhar um valor maior. Mas é bem verdade que o partido perdeu a capacidade de luta e está se acomodando.

Como o sr. acha que o PMDB deveria reagir? Agora nós estamos correndo contra o tempo. Podia até ter o rompimento, mas a expectativa dos cargos é muito grande para mudar de lado. Hoje o governo está tão misturado com o PMDB que não é fácil em uma convenção querer mudar os rumos. Não temos como fazer uma candidatura própria em tão pouco tempo. Todo mundo está com a bandeira [do partido] no bolso. Ninguém ergue a bandeira. Tem de esperar a Dilma se eleger, para então se reunir para dizer o que nós iremos apoiar. Não se pode nem dar palpite. O PMDB está em um mato sem cachorro. Pode até ganhar mais ministérios, mas isso não resolve nada.

A atuação do Eduardo Cunha representa a vontade do partido? Eu nunca gostei muito do Eduardo Cunha. Ele sempre quer fazer esquema, é muito mal comentado. Ele quer ministério, quer ser ouvido, mas os pleitos dele são normais. Mas não o identifico com as causas ou bandeiras do PMDB. As pessoas têm muita restrição a ele e ao modo dele de fazer política. Isso causa um certo desconforto, ele não se identifica com a área mais progressista do partido e não é o líder que a linha mais antiga do partido gostaria. Mas isso não significa que ocasionalmente ele não represente a posição do partido contra a prepotência da presidente. Sozinho, ele consegue formar um bloco e convocar dez ministros de uma vez. Não me lembro na história do Congresso da convocação de dez ministros na mesma Casa em um só dia. É o tipo da coisa que nunca se conseguiu mexer. Mas ele jamais vai ser meu representante, não identifico nele coisa nenhuma.

Essa crise pode ter algum beneficio? Não é bom nem para o PMDB nem para a Dilma. Com isso acontecendo, é enorme o tempo que vai se perder nessa composição, nessa costura, e nas madrugadas para dialogar e resolver isso. Sem contar as escolhas precipitadas dos ministros, que Dilma faz pela indicação, não pela qualidade ou competência. Acho que ninguém ganha.

O sr. será candidato neste ano? Eu acho que não. Eu estou muito velho. Para mim, o Senado não vai fazer falta. Cansei disso, foram 32 anos. Uma vida.

Fonte: Revista Veja

PMDB gaúcho escolhe pré-candidato ao governo contrário à aliança com o PT

José Ivo Sartori, ex-prefeito de Caxias do Sul, tem apoio da ala que prega a independência do partido

Lucas Azevedo

PORTO ALEGRE - O PMDB gaúcho escolheu na tarde deste sábado o seu pré-candidato ao governo do Estado. José Ivo Sartori, ex-prefeito de Caxias do Sul, um dos principais colégios eleitorais do RS, tem apoio de uma ala que prega a independência do partido, contra a aliança nacional com o PT.

Sartori, apoiado pelo senador Pedro Simon, recebeu 994 votos, enquanto o seu concorrente, Paulo Ziulkoski, presidente da Convenção Nacional dos Municípios, ganhou 379. O seu nome será presentado à homologação em junho, na convenção estadual do partido.

A escolha ocorreu na Assembleia Legislativa gaúcha, e contou com a presença de deputados federais, estaduais, delegados dos municípios, prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, presidentes municipais do partido e presidentes estaduais da JPMDB (Juventude), PMDB Mulher, Movimento Negro, PMDB Comunitário, PMDB Tradicionalista e PMDB Segurança.

Em seu discurso, Sartori chamou seus correligionários para uma reunificação do PMDB-RS, que preze pela transparência. "A sociedade espera de nós uma nova postura política com transparência, falando a verdade. Não adianta prometer e depois fazer como aconteceu neste governo", destacou, citando o atual governo petista de Tarso Genro.

À reportagem, o pré-candidato preferiu a cautela quando perguntado sobre a aversão a uma aliança nacional com o PT. "Por enquanto isso não está no foco do PMDB. Há muito tempo a gente já determinou que deveria liberar o partido nos municípios para fazer suas composições. Em uma primeira etapa, o foco é o RS. Numa segunda etapa, essa questão [aliança nacional] deve ser discutida. Mas, por enquanto, não existe nada."

Fonte: O Estado de S. Paulo

PMDB pode fechar com oposição em 13 Estados

Tensão com o PT faz peemedebistas acenarem para Aécio e Campos

Senador quer se lançar candidato no Ceará com apoio de Dilma, mas conversa com PSDB de Tasso Jereissati

Diógenes Campanha

SÃO PAULO - Em crise com o PT e o Planalto, o PMDB poderá fechar alianças regionais com Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) em até 13 Estados.

Nas últimas semanas, à medida que se intensificaram as rusgas entre governo e peemedebistas, avançaram negociações em Estados como Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

Na Bahia, em Pernambuco e no Acre, já está definido que o PMDB, principal legenda da base do governo Dilma Rousseff, integrará coligações que farão campanha para Campos ou Aécio --pré-candidatos de oposição ao Planalto.

Em outros dez Estados (RJ, PB, RN, CE, RR, AP, PI, RS, MG e PR), há focos de tensão que poderão levar os peemedebistas desses locais a também seguir com Aécio ou Campos.

No Rio Grande do Norte, berço político do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB), o PMDB deverá se aliar ao PSDB, abrindo palanque para Aécio. O próprio Alves é cotado para a disputa.

O PMDB do Rio, que rompeu com o PT após o partido lançar o senador Lindbergh Farias para disputar o governo contra o atual vice-governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB), também acena com o apoio a Aécio.

No Ceará, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, quer ser candidato a governador com apoio do Planalto, mas conversa com o tucano Tasso Jereissati, possível candidato ao Senado.

PSDB
Eunício afirma que apoiará a reeleição de Dilma, mas que não vê problema em se aliar ao PSDB de Tasso.

"Não concordo com alianças locais diferentes das nacionais. Mas, já que a legislação dá essa possibilidade, o PMDB não teria problema em formar chapa com qualquer sigla", argumenta o senador cearense.

O mesmo ocorre na Paraíba, onde o PMDB abriu conversas com o senador Cássio Cunha Lima (PSDB), que rompeu recentemente com o governador Ricardo Coutinho, do PSB de Campos.

No caso de uma aliança com os tucanos, seria lançado ao Senado o ex-prefeito de Campina Grande Veneziano Vital do Rêgo (PMDB).

No Rio Grande do Sul, Campos pode se beneficiar das arestas entre PT e PMDB. Pré-candidato peemedebista ao governo, o ex-prefeito de Caxias do Sul José Ivo Sartori deverá atrair um vice do PSB para sua possível chapa.

Edson Brum, presidente do PMDB-RS, diz que a questão nacional ainda não está sendo discutida no Estado e cita a tradição de o partido sempre integrar a base do governo federal, não importa quem esteja no Planalto.

"A única certeza que tenho é que o PMDB estará com o próximo presidente, ganhe Dilma, Aécio ou Campos. Por que me preocupar com isso agora?", ironiza Brum.

Em alguns Estados, isso pode ocorrer ainda na eleição. No Piauí e em Roraima, o PMDB fechou com o PSDB de Aécio e o PSB de Campos. A expectativa é que as chapas deem apoio aos três principais candidatos ao Planalto.

Fonte: Folha Online

PMDB teme repetir derrocada do DEM

Líder peemedebista na Câmara propaga tese de que partido perderia força como os antigos aliados dos tucanos

BRASÍLIA - A revolta do PMDB com o modo como é tratado pela presidente Dilma Rousseff tem na sua concepção o temor de que aconteça com o partido o mesmo que ocorreu com o antigo PFL.
O líder da bancada peemedebista na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), é um dos que propagam a tese. "Estamos virando o DEM do PT. O reflexo mais forte é na Câmara, porque é aqui que se divide o tempo de TV e assim eles precisarão cada vez menos dos aliados", afirma.

A extinta sigla - hoje DEM - chegou a ter o maior número de deputados na Câmara na década de 90, mas abriu mão do protagonismo nacional e nos Estados para apoiar e se tornar o principal aliado do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A dobradinha foi permanente entre as eleições de 1994 e 2010.

O PFL acabou tendo de mudar de nome para tentar se renovar e hoje soma apenas 27 deputados, um quarto do que já teve. Com isso, o apoio que antes era caríssimo aos tucanos atualmente é tratado como dispensável. Neste ano, por exemplo, não existe garantia nenhuma de que o DEM possa indicar um nome para disputar a vice-presidência na chapa do senador tucano Aécio Neves (MG).

"O PMDB é um atento observador da cena e percebeu o plano em curso do PT. Agora, o PMDB está botando o pé no bucho (dos petistas)", diz, ao avaliar a situação do PMDB, o presidente do DEM, senador José Agripino (RN).

Espaço. Agripino relata sua sensação de "já vi esse filme antes". "O PFL foi perdendo o protagonismo quando aceitou entrar na vice-presidência em 1994, com Marco Maciel, no (governo) Fernando Henrique Cardoso. Fomos cedendo espaço sucessivamente. E esse é o plano estratégico do PT: tomar espaço."

Agripino afirma que o DEM, no passado, "não fez o dever de casa, não trabalhou para se fortalecer regionalmente e cometeu o grave erro de não se fazer valer nos Estados onde tinha mais força, como Minas Gerais e Paraná, por exemplo, perdendo espaço para os tucanos em nome da aliança". / D.B. e E.B.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Aliados acusam petistas de fragmentar base para impor projeto de hegemonia

Derrotas impostas ao governo na semana passada têm como principal objetivo frear tentativa de correligionários da presidente de se estabelecerem como única sigla relevante na Câmara dos Deputados

Débora Bergamasco, Eduardo Bresciani

As derrotas impostas ao governo na Câmara durante a semana passada escancararam o descontentamento da base com a reforma ministerial e a política de liberação de emendas do Palácio do Planalto. A rebelião, porém, traz em sua essência o temor de que o PT fragmente os partidos aliados e cresça nas eleições de outubro justamente sobre eles, para obter hegemonia no Congresso.

Segundo líderes de partidos aliados ouvidos pelo Estado, esse é, na verdade, o principal motivo da crise enfrentada por Dilma Rousseff na Câmara.

Os parlamentares que dão sustentação à presidente acusam o PT de promover rompimentos em Estados-chave e buscar exclusividade na hora de faturar politicamente com ações do governo. Tudo para conseguir eleger sua maior bancada da história na Câmara.

Ao mesmo tempo, os petistas incentivam cisões internas nos partidos da base para provocar seu enfraquecimento. Por essa tática, o ideal para os petistas seria ter partidos com no máximo 60 deputados. Com isso, seu poder de fogo na hora das negociações cresceria significativamente.

Hoje o PT tem a maior bancada da Câmara, com 87 deputados. A expectativa dos dirigentes petistas é elevar esse número para mais de 100 cadeiras.

A segunda maior bancada da Câmara é a do PMDB, principal aliado dos petistas no projeto eleitoral de Dilma e detentor da vaga de vice na chapa petista. Hoje há 75 peemedebistas na Câmara. O partido, porém, não tem perspectivas de aumento. Teme, inclusive, perder espaço para o PT. Trata-se de uma previsão compartilhada por outros partidos da base. Como a oposição já foi reduzida de forma substancial nas eleições de 2010 e sangrou ainda mais com o patrocínio do governo à criação de novas legendas, como PSD e PROS, só resta agora aos petistas crescer em cima dos próprios partidos aliados.

"O ponto principal é que querem crescer em cima da gente", diz o líder do PTB, Jovair Arantes (GO). "Há um sentimento generalizado, que permeia todos os partidos, de que o PT trabalha ferozmente com um desejo até programático de ter uma maioria folgada de deputados federais", afirma Moreira Mendes (RO), líder do PSD. "Estão crescendo às custas do enfraquecimento da base. Todos apoiam o governo e se suicidam", diz Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB e organizador do "blocão" que abriu guerra contra o Palácio do Planalto.

Comando. A redução do poder dos aliados daria a chance de o PT ocupar o comando da Câmara. A maior bancada tradicionalmente indica o presidente da Casa. Petistas e peemedebistas fecharam acordo de fazer um rodízio no cargo. O PT não tem intenção de renovar esse acordo para a próxima legislatura.

Nos bastidores, o atual vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), é dado como certo na disputa pelo posto. O PMDB garante que disputará a continuidade em 2015, ainda que saia encolhido das urnas. Dois nomes são cotados: o atual presidente, Henrique Eduardo Alves (RN), e Eduardo Cunha.

A pretensão peemedebista é um dos fatores que ajudam a explicar a formação do "blocão", o grupo de parlamentares da base aliada que decidiu atuar de forma independente do governo.

Palanque. O número de deputados define o tempo de televisão no horário eleitoral gratuito e as cotas do Fundo Partidário destinados às siglas, recursos públicos direcionados para sustentar as legendas. A briga entre PT e PMDB nos Estados também tem a ver com isso. As eleições para governador influenciam diretamente o resultado das eleições para deputado federal e estadual, pois os candidatos ao Executivo acabam puxando votos de legenda para os candidatos ao Legislativo.

Em 2010, o PT apoiou candidatos do PMDB em sete Estados (Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas, Paraíba, Rio de Janeiro e Tocantins), que somam 29,57% do eleitorado brasileiro e 42 milhões de votantes. Neste ano, o PT garante, por enquanto, apoio ao PMDB em três Estados (Amazonas, Pará e Sergipe), que representam 6,17% do eleitorado e 19,7 milhões de votantes.

Além do notório caso de rompimento no Rio, onde Lindbergh Farias (PT) está em campanha aberta para enfrentar Luiz Fernando Pezão (PMDB), vice de Sérgio Cabral (PMDB), o PT banca as candidaturas dos ex-ministros Fernando Pimentel em Minas e Gleisi Hoffmann no Paraná, Estados onde apoiou partidos aliados em 2010.

Máquinas. No que se refere ao faturamento político por causa dos programas federais, a principal queixa dos aliados se refere ao programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário, nas mãos do PT, que doa máquinas e equipamentos a prefeitos do interior. Os aliados afirmam que petistas procuram prefeitos de outros partidos para incluí-los na ação e faturam as entregas nas bases sem que os deputados aliados consigam capitalizar o resultado. "A gente não é chamado nem pra tirar foto em eventos e inaugurações", afirma o petebista Jovair.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Carlos Melo*:Consenso negativo

Ao conceder superpoderes à Presidência e transferir decisões para o Judiciário, parlamentares viraram judas de malhação

É fato que durante algum tempo o presidencialismo de coalizão do Brasil fez o seu papel: o antipático "é dando que se recebe" foi impiedosamente apedrejado pela opinião pública, mas contribuiu para a efetivação de importante agenda econômica e social. O País saiu da ditadura e do caos inflacionário para um regime que distribuiu renda e fez considerável inclusão.

Modernizou-se em vários aspectos e, mesmo com tanta desinteligência que há, é mais democrático do que jamais foi. Houve inegável avanço. Pode-se dizer que o preço - na moeda corrente de cargos e recursos públicos que distribuiu - valeu, já que a transformação não foi pequena. Política também é custo-benefício, e o Brasil de hoje é melhor do que há 20 anos. Ademais, em qualquer lugar, fazer reformas profundas é tarefa custosa.

Mas é necessário reconhecer que, de uns tempos para cá, esse mesmo presidencialismo mudou de caráter e a relação ficou deficitária. Aliados de ocasião recebem seu quinhão de poder, mas já não garantem a execução de programas. As tais "maiorias" são incapazes de fazer reformas e pouco colaboram com os governos. Delas se espera, antes, que não atrapalhem, aprovem "alguma coisa", mas que, sobretudo, anulem a oposição e garantam tranquilidade na esfera parlamentar, evitando o constrangimento de CPIs e outros perrengues. Antes que se atribua responsabilidade exclusiva ao PT, é bom dizer que nos Estados governados pela oposição as Assembleias Legislativas têm, em regra, o mesmo padrão.

Culpa dos governos que não têm agenda, ou não têm agenda porque não acreditam na capacidade de suas coalizões cumprirem acordos sem impor novos custos, tornando o processo de reforma mais dispendioso que o mal que se procura curar? O fato é que há um vazio de projetos, planos, propostas; um irritante vazio de Política com o "P" maiúsculo. O Brasil chegou à perfeição ou houve uma rendição incondicional às impossibilidades colocadas pela pequena política? Estamos longe, muito longe, da perfeição.

Burocratas tocam o barco, esperando pelo final do expediente; acreditam em ordens. Já estadistas são visionários, enxergam adiante com olhos no futuro distante; trabalham com a persuasão, a todo o momento. Estão escassos no Brasil de hoje. A impressão é que a realidade dobrou espíritos ousados e a única providência possível é contornar os problemas em vez de resolvê-los; deixar que o longo prazo e a crise resolvam o que a timidez e os interesses imediatos não permitem no presente. Quem nasceu primeiro: o vazio de propostas ou a desconfiança dos governos de seus aliados? É possível que sejam gêmeos. O fato é que esvaziar a agenda parlamentar aliciando partidos e políticos tornou-se o mais comum.

Mansamente, o Legislativo se deixou cooptar, abriu mão de prerrogativas e concedeu superpoderes aos presidentes da República. Também transferiu ao Judiciário a responsabilidade de decidir questões que lhe caberiam. Fez de Dilma e de Joaquim Barbosa os heróis de cada uma das metades em que o País tem se dividido. Mas, também, transformou parlamentares num consenso negativo nacional: judas em sábado de aleluia. A safra de políticos é ruim - raros resistiriam a testes mínimos de qualidade. Isso faz com que se despreze a própria atividade. Sem plantar boas sementes de Política, por geração espontânea só crescerá erva daninha nesse pasto.

Partidos políticos deveriam, como diz o nome, representar partes do todo social; parlamentares negociariam interesses difusos, amalgamando a sociedade. O Brasil tem hoje 34 partidos; seria interessante se pudéssemos creditar essa expressiva quantidade à variedade de grupos e interesses reais em ação. Não há, entretanto, setores que se sintam realmente representados. O descolamento revela que o sistema assumiu uma lógica própria, funcionando, basicamente, para si mesmo. Os cargos e o poder que lhes cabem na divisão de recursos - escassos - retornam à sociedade apenas se, ocasionalmente, os interesses de partidos e políticos vierem a coincidir com interesses sociais mais amplos. A coincidência de interesses deixou de ser regra, é exceção.

Pelo ângulo estrito da real política que se faz, a crise entre o governo Dilma e sua base não surpreende. É o que tem sido, uma mesmice sem novidades. Então, não há momento melhor para garantir posições e recursos do que períodos pré-eleitorais; arriscar a reeleição de Dilma parece ser pressão suficiente para derrubar barreiras, nos Estados e no ministério. Assim, o PMDB e aliados acautelam-se para que a fonte de sua força não se esgote. Já o governo, apoiado no suposto favoritismo da presidente, busca sujeitar aliados incômodos que têm retirado do PT importantes nacos de poder - no Congresso Nacional, nos Estados e no ministério. Falta Política num grau elevado. E mesmo para a política que se tem, inexiste coordenação capaz de fazer a partilha. Não se sabe que a alcateia é controlada com sagacidade, não com rugidos de tigres desdentados? Enfim, não se trata de projeto, visões de mundo, conflitos ideológicos: a parada se resume ao cretinismo eleitoral a que a Política foi reduzida. Só isso.

* Carlos Melo é cientista político, professor da Insper e autor de Collor - o ator e suas circunstâncias (Novo Conceito).

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde: Pescaria de ministros

O voto é secreto, mas o número de ex-ministros de Lula e Dilma que não devem apoiar a reeleição já passa de dez e continua crescendo, num movimento curioso.

Eduardo Campos e Marina Silva puxam a fila dos ex-ministros que caminham para a oposição e parecem preferir esses dois ex-colegas de ministério em governos do PT ao tucano Aécio Neves.

Essa fila dos que são pró Campos e Marina --logo, anti-Dilma-- acaba de incluir o embaixador José Viegas, mas já tinha o vice do PSB, Roberto Amaral, e o pernambucano Fernando Bezerra Coelho, que relutou, mas cedeu e, afinal, ficou com o governador do seu Estado.

Campos já se insinua para ex-ministros de Lula que têm menos identidade com o PT e mais com os tucanos, como Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan. Aécio está atrasado, ou muito discreto.

Não seria surpresa, portanto, que Campos investisse também em Nelson Jobim, que brilhou como ministro da Defesa de Lula, mas saiu do governo Dilma trocando desaforos com a presidente. Votaria nela agora? Amigos desse gaúcho sem papas na língua apostam que não. Ele é ligado a Serra, não tanto a Aécio.

Campos vai além e já até sondou a celebridade Gilberto Gil para concorrer no Rio. Como Gil pode voar para qualquer uma das três candidaturas, livre, leve e solto, Campos desviou o alvo para um outro ex-ministro de Lula, Miro Teixeira.

E o que fará, por exemplo, o senador Cristovam Buarque, que já foi, ele mesmo, candidato à Presidência? Seus interlocutores informam que ele não irá com Dilma e está a um passo de anunciar apoio ao conterrâneo Eduardo Campos.

São 39 ministérios, com um entra e sai razoável, e há ainda muito peixe a ser pescado: Miguel Jorge, Geddel Vieira Lima, Reinhold Stephanes, Mangabeira Unger...

Consultando-se a lista de ministros de Lula, Dilma só tem 100% garantidos... os do próprio PT.

Fonte: Folha Oline

Dora Kramer: Frentes frias

Teatro do marketing ignora a política e leva Dilma a entrar em brigas perdidas. A semana passada começou com o Palácio do Planalto falando grosso e terminou com o governo falando fino para tentar conter a rebelião liderada pelo PMDB em sua base de suposto apoio do Congresso. Na versão do departamento de propaganda oficial, o embate seria ótimo para a presidente Dilma Rousseff, que teria oportunidade de mostrar-se à opinião pública mais uma vez inflexível às demandas fisiológicas dos políticos, uma categoria em franca derrocada de imagem. Na realidade, o governo viu-se obrigado a chamar os partidos menores da aliança para negociar caso a caso, cargo a cargo suas demandas fisiológicas a fim de tentar esvaziar o movimento dos rebeldes.

O que a presidente ganhou com isso, além de uma derrota humilhante? Absolutamente nada, uma vez que não poderá levar seu gesto de inflexibilidade à massa. O instrumento que teria para isso seria o horário eleitoral. Nele, do total de 11 a 13 minutos dos quais poderá dispor se conseguir reeditar a aliança na última eleição, algo em torno de quatro minutos pertencem ao PMDB. Evidentemente estará impedida de atacar o aliado nessa tribuna. Sendo assim, para que serviu o trato agressivo no Congresso? Se a ideia pretendida pelo marketing não for transmitida à massa, perde sua eficácia. Mas, de outro lado, deixa como prejuízo um imenso mal-estar com os congressistas, cuja disposição de se empenhar pela reeleição da presidente junto aos eleitores será diretamente proporcional à má vontade com que foram tratados.

Na versão oficial, o embate na Câmara seria ótimo para Dilma, que se mostraria inflexível aos políticos. Na realidade, ela atendeu demandas fisiológicas dos partidos.

Pergunte-se a qualquer um dos deputados federais do PT o que acharam da condução do Planalto nesse episódio e se ouvirão críticas. Sob a proteção do anonimato, claro. O silêncio público da bancada na defesa da presidente nesse embate diz tudo. Visto com especial desalento por ser mais um de uma série, iniciada com a “faxina ética” do primeiro ano de governo, desmentida com a volta de políticos e partidos então afastados. Na sequência, a redução da tarifa dos bancos seguida por nove altas de juros e a queda no preço nas contas de luz de aumento já contratado para 2015.

X da questão. O cerne da crise do governo com o PMDB está na Câmara. É pelo número de deputados federais eleitos que se define o tempo de televisão destinado a cada legenda. Hoje com 75 parlamentares, o partido tem direito a cerca de quatro minutos. O PT quer ajuda federal nos estados para aumentar sua bancada na Câmara na próxima legislatura. Com isso, busca reduzir o tempo de TV e o poder do PMDB já nas eleições de 2016. Com um número maior de deputados, os petistas ficam em condições também de impor candidatura à Presidência da Casa.Portanto, é de sobrevivência política que se trata. Se Dilma atende às demandas do PMDB por apoio nos estados, contraria os planos de hegemonia de seu partido. Se não atende, põe em risco a construção desse projeto de poder, cujo pressuposto é o de que os aliados se contentem com o papel de subordinados.

Em ovos. A liderança do governo na Câmara não tem dúvida de que o PMDB votará contra o projeto que estabelece o chamado Marco Civil da Internet. Por essa avaliação, a bancada não tem como recuar da posição já anunciada.

Mais uma vez os parceiros de aliança serão adversários no plenário nesta semana. Se votação houver, bem entendido. Até sexta-feira o governo só tinha certeza de contar com os votos do PT, PCdoB, PDT, Pros e PSB. Tinha esperança de conquistar o PTB e o PP, dúvidas sobre o PSD e quase certeza de que não teria o apoio do PR. Este último está estressado com o ministro César Borges (Transportes), do partido, que tentou fazer a bancada abandonar o “Blocão” e ouviu de volta que se alguém deveria sair de algum lugar era o ministro do cargo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Merval Pereira: O nosso dinheiro

No momento em que a Polícia Civil de Brasília prendeu o economista e ex-chefe da Assessoria de Orçamento do Senado Federal, José Carlos Alves dos Santos, exatos 21 anos depois de ter vindo à tona o escândalo dos Anões do Orçamento, outra data serve para abrir um debate sobre o próprio Orçamento: na terça-feira o Instituto de Direito Público, presidido pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes, organizará uma série de palestras com especialistas e autoridades de várias áreas para marcar os 50 anos da Lei 4320, que promoveu uma reforma modernizadora nesse processo.

Na ocasião será distribuído o livro “Orçamentos: Por que Desinteresse?”, de Fernando Rezende e Armando Cunha, da Fundação Getulio Vargas. O orçamento público é lei básica da democracia moderna, e historicamente foi a origem do Parlamento, pela necessidade de definir o financiamento das obras públicas e as prioridades de um governo.

O que é prioridade nos parlamentos das democracias desenvolvidas do mundo, não passa de um detalhe da atividade parlamentar brasileira. A partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto lei, o Congresso só podia aprová-lo ou rejeitá-lo, sem emendá-lo emendá-lo.

A Constituição de 1988 retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas no governo Collor surgem os “anões do orçamento”, com o ex-deputado João Alves – que “ganhou” várias vezes na loteria – de relator, manipulando o orçamento a favor de um pequeno grupo, em todos os sentidos, com a ajuda do José Carlos Alves dos Santos citado acima.

O Executivo voltou então a centralizar as decisões sobre o Orçamento, que passou a ser autorizativo, isto é, o governo central pode contingenciar determinadas verbas. O orçamento impositivo aprovado pelo Congresso diz respeito apenas às emendas dos parlamentares.

Coordenador dos debates no IDP em Brasília, o economista José Roberto Afonso diz que na prática o orçamento “ainda é um caixa preta, ignorada por muitos, e, o pior, sempre que há um escândalo de corrupção, no fim da meada está o orçamento”. Ele diz que não há dúvida de que precisa ser remodelado todo o processo, “mas ninguém quer tratar do assunto”. A mais recente tentativa foi aprovar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado um projeto originário do ex-senador Tasso Jereissati relatado por Francisco Dornelles. O governo manobrou e enviou-o para outra comissão.

Nos EUA, o Orçamento obedece ao princípio secular de que não pode haver tributação sem representação, a célebre máxima “no taxation without representation”, que marcou a revolta das colônias americanas contra o Congresso inglês, que assumia uma representação virtual das colônias e se sentia autorizado a definir seus impostos.

O economista da Fundação Getulio Vargas Fernando Rezende, co-autor do livro que dá base ao seminário de Brasília, nota que nos últimos anos o peso dos impostos que recaem nas costas de todos os brasileiros é tema de debate permanente, “mas o mesmo não ocorre com respeito à forma como os recursos oriundos desses impostos são utilizados”.

O orçamento, formado com o dinheiro que o governo extrai compulsoriamente dos cidadãos por meio de uma grande variedade de tributos, não é motivo de igual interesse, estranha ele, para lembrar que a indignação com a má qualidade dos serviços públicos deveria levar a uma preocupação maior com a maneira como é feito o orçamento, que está por trás dessa situação. “É preciso provocar um debate sobre prioridades, beneficiários, desequilíbrios, resultados e desperdícios envolvidos nas decisões sobre o uso dos recursos públicos”, diz ele.

As regras que comandam a elaboração e a execução do orçamento pressupõem que a sociedade deveria participar das decisões sobre o uso dos recursos que compõem o orçamento durante a tramitação da proposta que o governo elabora e envia ao Congresso para ser discutida e votada.
Mas, ressalta Fernando Rezende, “afora a mobilização de alguns setores que buscam preservar seu espaço no orçamento, a sociedade brasileira não se envolve nesse debate”.

O orçamento público é muito importante para ser ignorado, lamenta Rezende: “Ele repercute no cotidiano dos cidadãos, afeta o comportamento da inflação, é fundamental para proporcionar iguais oportunidades de ascensão social para uma parcela expressiva da população e para melhorar as condições necessárias ao desenvolvimento do país”.

Em suma, precisa ser conhecido e respeitado.

Fonte: O Globo

Gaudêncio Torquato: Hegemonia perde força

A luta, vista de perto, deixa ver um embate engalfinhado por espaços na estrutura governativa entre dois gigantes partidários, PMDB e PT. Sobre o primeiro se colou a pecha de fisiológico, onipresente em qualquer governo. Sobre o segundo se conta um pouco de tudo, desde a versão de que deixou de ser "vestal" para se transformar em pecador igual aos outros, ao mito de que, à moda do Criador, teria plasmado a abóbada que adorna os céus dos nossos trópicos e aberto, "pela primeira vez", a torneira da bem-aventurança, despejando felicidade em milhões de brasileiros saídos do inferno para o gozo do paraíso. Ambos são parceiros na construção da aliança que pôs Dilma Rousseff no comando da Nação.

Desde 1986, quando elegeu 22 dos 23 governadores, 260 deputados federais e 44 senadores, o PMDB tornou-se a maior organização partidária, elegendo, em pleitos seguintes, o maior número de prefeitos e as bancadas mais cheias nos Legislativos federal, estaduais e municipais. De lá para cá acumulou extraordinária capilaridade, fazendo-se presente nos rincões distantes e se tornando o pêndulo de qualquer governo.

Desde 1984, quando foi criado sob o epíteto do "socialismo democrático", que hoje se esconde sob o esparadrapo de feridas abertas pela Ação Penal 470, o PT se esforça para liderar o ranking da política. Puxando os cordões do poder pelas margens sociais, conseguiu chegar três vezes à Presidência da República e este ano busca a quarta vitória, com a qual reforçará a base do projeto mais longo (e vertical) de poder da História contemporânea: dirigir o Brasil por um tempão. Vertical na perspectiva de concentrar o poder nas próprias mãos, evitando dispersão de forças.

Vista de longe, a esganiçada contenda entre os dois atores mostra que eles não lutam apenas para conquistar espaço na Esplanada dos Ministérios (o PT comanda 17 pastas e o PMDB, apenas 5). Trata-se de algo mais abrangente e que, pouco a pouco, acirra os ânimos dos parlamentares plantados nas legendas governistas. O busílis tem nome: o projeto hegemônico do PT. O escopo pode ser assim descrito: alijar o principal parceiro, o PMDB, do centro do poder, deixá-lo à margem, transformando-o em partido médio igual aos outros; portanto, de arreio curto e sem condição de alçar voo em direção ao comando das duas Casas do Congresso Nacional, como hoje. A meta petista é eleger este ano 130 deputados federais, o maior número de governadores, a mais extensa bancada de deputados estaduais, pavimentando um gigantesco campo que servirá de base para a decolagem de candidatos a prefeito e vereador em 2016, com os quais a sigla resgataria, sob ecos triunfantes, o "volta Lula" em 2018, com direito a reprise na reeleição de 2022. O resto, SDS (Só Deus Sabe).

Hegemonia - eis o fulcro do imbróglio entre os maiores partidos políticos. O poder hegemônico engendrado pelo PT é que está em jogo. Tal estratégia começa a esquentar a peroração política. A sensação, no momento, é de que o domínio político e administrativo por uma sigla, que abre intensa polêmica, ameaça criar divisões profundas no meio da sociedade. Ortodoxos chegam a aventar a hipótese de mudança de regime e da instalação de um Estado com extensos braços intervencionistas, a par do controle dos meios de comunicação, caso os petistas consigam seu intento.

Vamos à análise. São tênues, para não dizer improváveis, alternativas que apontem para o estreitamento das colunas do nosso edifício democrático. Governos de partidos únicos, regimes totalitários, visões intervencionistas e modelagens que fecham as tubas de ressonância social são cada vez mais escassas na esfera planetária. A contemporaneidade abre-se para o respiro social e a hegemonia, ao menos nos termos do passado, não condiz com a atualidade. Hegemonia expressa domínio, força, poder de mudar, controlar e impor. Denota o predomínio de visão unilateral por um partido ou um grupo, engenharia que não condiz com o espírito de nosso tempo.

Não se divisa "o fim do poder" nas condições que Moisés Naim, editor-chefe da revista Foreign Policy, mostra em seu livro lançado em outubro, e, sim, sua degradação, seu arrefecimento. Basta enxergar a teia por onde se move a política. As crises econômicas em série, a organização das comunidades de todos os tipos, a elevação do conceito de igualdade entre gêneros, os conflitos no mundo do trabalho, a delinquência e a violência expandida nos centros urbanos, a queda dos mercados financeiros constituem, entre outros, fatores que alteram a maneira de agir dos poderes centrais. As dificuldades enfrentadas pelas administrações públicas, em todo o planeta, impõem novos paradigmas, levando os poderes a se tornar fragmentados. O palco da política está mudando. Na esteira da dispersão, antigos centros de poder perdem sua capacidade de coordenação e controle.

Os arsenais das democracias enchem-se de armas menores, mas tão eficientes como os grandes armamentos, tendo capacidade de vetar, contrapor, combater e limitar as margens de manobra dos grandes atores. Essa nova artilharia é composta e suprida por micropoderes, ajuntamentos de pessoas formados no interior de categorias profissionais, na escala dos gêneros, nas geografias regionais e no espaço das organizações intermediárias. E o que se vê? Governantes, mesmo os que detêm imenso poder, como os nossos, ancorados num modelo presidencialista de caráter imperial, enfrentam vulnerabilidades. A presidente Dilma, mesmo dispondo de formidável rolo compressor - uma base governista em torno de 350 parlamentares na Câmara -, não acaba de ver a aprovação da convocação de dez ministros?

Moisés Naim pinça um bom retrato: "A figura de Gulliver, amarrado no chão por milhares de minúsculos liliputianos, capta bem a imagem dos governos destes tempos - gigantes paralisados por uma multiplicidade de micropoderes".

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP

Fonte: O Estado de S. Paulo

Elio Gaspari: Eletrocutada, a inépcia vira empulhação

Em dezembro a comissária Gleisi Hoffmann lastimou as inundações do verão dizendo o seguinte: “Não temos como evitar chuvas". Sábia senhora, reconheceu que até lá não vão os poderes petistas.

O problema é que, não podendo também evitar a estiagem (“estresse hídrico", no dialeto do poder), o governo desorganizou o setor elétrico, apostou contra o clima, perdeu e, como não poderia deixar de ser, a conta vai para a patuleia.

Na hora de explicar, a doutora Dilma (ex-ministra de Minas e Energia) continuou cuidando do PMDB e mandou para a vitrine uma equipe de eletrotecas que fizeram o possível, mas não responderam à principal pergunta: quem pagará o buraco de R$ 12 bilhões? (Ervanário equivalente a todos os investimentos do governo em janeiro).

Em fevereiro o ministro Edson Lobão já avisara: "A repercussão não será imediata". Óbvio, ela chegará no ano que vem, depois da eleição. É nesse ponto que a inépcia associa-se à empulhação.

Um governo que mobilizou sua máquina de marquetagem quando baixou as tarifas não teve a lealdade de reconhecer que precisa aumentá-las logo.

Numa trapaça da fortuna, no dia em que os eletrotecas anunciaram as novidades, o ministro Guido Mantega recebia uma missão da Standard & Poor’s que veio estudar as contas do país para avaliar a credibilidade do governo. Ecoava impropriamente o tempo das missões do FMI.

Nem a S&P tem essa bola toda, nem deveria ser mimada com cerimonial e exibicionismo. Mesmo assim, infelizmente, se o negócio é credibilidade bastava que assistissem à entrevista dos eletrotecas.

Fonte: O Globo

O golpe de 64 visto de perto pelo líder estudantil José Serra

José Serra

Resumo. Em 1º de abril de 1964, quando os militares tomaram o poder no país, José Serra, 22, era o presidente da UNE. O texto publicado nas próximas páginas é um trecho editado de "Cinquenta Anos Esta Noite", a sair pela Record em junho, no qual o político narra, em tom pessoal, a escalada dos eventos que levariam ao golpe.

- Presidente, nós defendemos que o pedido de estado de sítio seja retirado. Vai suprimir as garantias constitucionais e fortalecer a direita. Vai acabar se voltando contra o povo, contra seu governo e contra o senhor mesmo.

- Olha, jovem, tu não precisas te preocupar, porque, antes de vir aqui, já tomei providências para retirar. Não deixem essa notícia circular, pois vou anunciar depois de amanhã. Acho bom vocês continuarem falando contra daqui até lá. Direi que atendi a seu pedido. Mas o estado de sítio não era para agredir vocês, não era contra o povo, não. Ao contrário. Eu sei das dificuldades que tenho Agora vou lhes dizer uma coisa: eu não vou terminar este mandato, não. Não chegarei até o fim.

O presidente era João Goulart, e o jovem, eu mesmo, numa tarde de domingo, 6 de outubro de 1963, no apartamento de um familiar de Jango, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Estavam lá uns seis ou sete dirigentes da Frente de Mobilização Popular (FMP).

Eu era presidente da UNE, e o então deputado Leonel Brizola, ao abrir a reunião sigilosa, sugeriu que eu expusesse os motivos de nossa rejeição ao estado de sítio que Jango solicitara ao Congresso.

Na FMP, havia sempre uma tensão entre duas alas: a mais brizolista e radical e a que girava em torno do Partido Comunista Brasileiro e do então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, tida como mais moderada. O PCB era a força hegemônica da Frente do Recife, que elegera Arraes prefeito e depois governador. Dentro da FMP, de certo modo, a UNE era tida como não alinhada.

João Goulart estava sentado numa cadeira confortável, com uma perna esticada num banquinho, e falava sem focalizar bem os interlocutores nos olhos. Parecia cansado, mas foi cordial até mesmo quando um dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) Demístocles Batista, o Batistinha, poderoso dirigente dos ferroviários, para constrangimento de todos, entregou-lhe uma cópia da carta-testamento de Getúlio, insinuando que não a estava respeitando.

A partir do episódio do estado de sítio e da reunião com Jango, senti que o governo não iria se aguentar. Fiquei assombrado ao ouvir do presidente da República, conformado, uma convincente previsão pessimista sobre o destino do seu mandato. Não parecia fazer chantagem emocional. Em nenhum momento mais, nos seis meses que transcorreriam até o golpe, essa ideia me abandonou.

Depois da conversa, fomos para o lanche, no outro lado da sala, de pé, num ambiente mais descontraído, com sanduíches frios, refrigerantes e um enjoativo vinho branco alemão, que era moda na época. Bebida destilada, nem pensar, não aparecia nesse tipo de reunião política. Enquanto bebia o vinho, Jango me puxou para o lado e disse, em tom confidencial, algo que me deixou um tanto sem graça: "Sabe, Serra, os militares vivem me dizendo que a tua UNE e tu mesmo mereciam umas boas palmadas, mas eu defendo vocês. Sabias? Eu te defendo. Sei o que me custa. Vocês devem se cuidar".

Exceção
O lance do estado de sítio fora ousado. O governo enviara o projeto ao Congresso dentro do que previa a Constituição. Na Câmara, a relatoria ficou nas mãos do PSD -partido de "centro" que, em tese, apoiava Jango e era o maior do Parlamento-, com o experiente deputado Vieira de Mello, que anunciou um projeto substitutivo que esterilizaria a medida. Mas Jango tinha o propósito de implantá-la de fato, abrindo o caminho para um regime de exceção, nominalmente transitório.

O governo federal interviria na Guanabara e em São Paulo, afastando, respectivamente, Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, então governadores desses Estados. Se não acolhesse o projeto na forma original, o Congresso seria posto em recesso, e seriam convocadas eleições para dali a seis meses, de vereador a presidente. Jango assegurava que não se candidataria.

Nesse ínterim, seria preparada uma reforma constitucional -na qual estariam previstas as "reformas de base", termo criado pelo deputado e ex-ministro San Tiago Dantas, e que viera para ficar-, a ser submetida a plebiscito.

A proposta do estado de sítio, que se completaria com relatos paralelos, fora transmitida alguns dias antes aos dirigentes da FMP, Brizola presente, numa reunião tarde da noite, à qual compareceram dois vice-presidentes da UNE, Marcelo Cerqueira e Duarte Pereira. Eu estava na Bahia, num comício que comemorava o décimo aniversário da Petrobras.

Ao lado do então deputado Almino Affonso, ex-ministro do Trabalho de Jango e o parlamentar mais brilhante e respeitado do PTB, eles deram opinião claramente discordante, argumentando que aquele processo desembocaria na quebra da legalidade democrática, num golpe. Nessa noite, Affonso e os dois estudantes pautaram a FMP, inclusive Brizola, que fora o portador da proposta, sem emitir um juízo de valor claro sobre ela, mas mostrando certa simpatia.

Jango não tinha personalidade autoritária e estava longe de ser um inveterado golpista, à moda de Carlos Lacerda. Sabíamos que tivera chance de promover golpes no passado não distante, talvez em condições mais propícias para si, quando o general Amaury Kruel era chefe da Casa Militar e depois ministro da Guerra, e o general Osvino Alves, comandante do poderoso Primeiro Exército, do Rio de Janeiro. Mas não o fizera.

Não creio mesmo que Jango tivesse atuado de forma entusiasmada no roteiro do regime de exceção, via estado de sítio. Mas embarcara nele. Pelo nosso lado, achávamos -e eu estava convencido disto- que, se o presidente forçasse a marcha do projeto, perderia rapidamente o controle e abriria o caminho para uma ditadura militar de verdade. Suprimir as garantias e liberdades constitucionais e substituir governadores de três Estados importantes por generais resultaria no quê? Pior: tudo isso acabaria sendo feito com o nosso apoio, caso embarcássemos no início da aventura.

Posição
Nos dias seguintes àquela reunião na madrugada, depois de uma breve hesitação, os diferentes integrantes da FMP foram tomando posição contrária à proposta do estado de sítio.

Mas ela não deixou de prosperar só por causa disso, nem por causa do Congresso -ou seja, pela oposição da esquerda e do centro-, mas também porque Jango não encontrara o suporte militar necessário. Tentara pôr seu golpe "preventivo" em marcha, do seu jeito hesitante, e não o conseguira.

O principal indicador a esse respeito foi o fato de ele, naqueles dias, ter acionado (ou ter dado sinal verde para tanto) seu esquema militar para prender o governador da Guanabara, numa operação de paraquedistas, que fracassara.

Lacerda, provocador como só ele, havia dado uma entrevista ao jornal "Los Angeles Times" dizendo que "os nossos amigos americanos não deveriam dar nenhuma ajuda ao governo criptocomunista de João Goulart", acrescentando que o presidente não terminaria o mandato. Mas era gravíssimo que o dispositivo militar de Jango tivesse tentado a prisão e sintomático que, de tão bisonho, não tivesse conseguido. A percepção de que, à sua maneira, Jango preparava-se para sair, confirmou-se diante da lógica dos fatos nos meses seguintes. Ele não deixaria a vida, como Getúlio, mas o cargo, para entrar na história como um líder popular injustiçado. Ficaria em sua fazenda, em São Borja, e, quem sabe, seria um dia chamado de volta.

Testes
Antes de mudar para o Rio e assumir o cargo na UNE, em julho de 1963, não houve tempo para grandes treinamentos. Tive de aprender fazendo. Já no primeiro mês, houve dois testes difíceis e um evento traumático em Brasília, que marcou o começo do fim do governo de João Goulart.

O primeiro teste foi uma CPI na Câmara dos Deputados sobre a UNE, a subversão e o pretenso ouro de Moscou, que, segundo os detratores da entidade, financiaria o movimento estudantil. Atravessei um dia inteiro de depoimentos e interrogatórios, da manhã até a noite, enfrentando parlamentares experientes, cujo único propósito parecia ser o de garantir manchetes escandalosas à grande imprensa.

Outro teste foi o comício em homenagem a Getúlio Vargas, pelo nono aniversário de sua morte, na Cinelândia, no centro do Rio, quando fiz o discurso mais desassombrado de minha vida.

A fim de que eu não falasse no início, quando a audiência é sempre mais dispersiva, atrasamos a chegada ao palanque caminhando entre a multidão, em vez de entrar por trás. Mas erramos o cálculo, o atraso foi excessivo e, de paletó e gravata, como era costume na época, acabei fazendo o último discurso antes do pronunciamento de Jango.

Num comício daquele tamanho, não dava para ler nenhum texto; por isso, escrevi e memorizei cada frase. Minha experiência no Grupo Teatral Politécnico ajudava. Fui educado, mas contundente.

Falei ao lado de Jango e dos seus ministros militares, que estavam no palanque. Lembro-me bem do general Jair Dantas, de uniforme, óculos de aros grossos, baixa estatura, expressão cordial. Comecei dizendo que estaríamos ao lado do presidente da República enquanto ele estivesse do lado do povo. Critiquei a possível nomeação do general Amaury Kruel para o Segundo Exército, de São Paulo, dizendo que tinha vocação golpista - aliás, quando ministro da Guerra, conspirara nesse sentido. E agora ia para o Segundo Exército?

Acusei o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, um dos nossos alvos preferenciais -creio que, nessa matéria, só perdia para Lacerda-, de interferir em assuntos internos da política brasileira e manifestei oposição veemente à ideia, que já circulava no governo Jango, de intervenção federal em São Paulo e na Guanabara. Disse que Adhemar e Lacerda eram golpistas, mas que o remédio para combatê-los não era quebrar a legalidade. Como a tese da defesa das regras do jogo democrático não combinava com a imagem que a imprensa tinha da UNE, esse pedaço do discurso não apareceu nos jornais.

Acabei criticando até o organizador do comício, Gilberto Crockat de Sá, assessor de Jango, presente ao palanque, acusando-o de pretender dividir o movimento sindical. Um grande foco de ataque foi o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), entidade privada de extrema direita, que organizava campanhas anticomunistas e financiara candidatos a deputado na campanha eleitoral do ano anterior, quando gastou, a preços de hoje, mais de US$ 40 milhões só em dinheiro da CIA -no câmbio livre, uma fortuna para a época.

Esse discurso esfriou nossa relação com Jango, que começara bem logo após minha posse, quando ele nos convidara para um jantar informal e acolhera de forma entusiasta nossas demandas sobre a educação: apoio às campanhas de alfabetização, que fazíamos a sério, por um fim à vitaliciedade da cátedra universitária e dobrar a oferta de vagas no ensino superior federal. Levei os números: havia menos de 100 mil universitários no Brasil, e a taxa de escolarização bruta era de apenas 1%.

Rebelião
No começo de setembro de 1963, houve uma rebelião de sargentos e suboficiais da Marinha e da Aeronáutica em Brasília. Por algumas horas, isolaram a capital, ocuparam a praça dos Três Poderes, apossaram-se do Ministério da Marinha, detiveram oficiais e os presidentes da Câmara e do STF.

A insurreição não deu certo, mas seu impacto político e psicológico adverso para o governo de Jango foi imenso: deu a impressão de que, sob sua chefia, o Estado corria o risco de naufragar.

Alvo
Após o "affaire" do estado de sítio, fez-se uma reunião da FMP em Brasília, na qual o principal alvo foi o fim da "política de conciliação" de Jango, divisa comum a todas as forças que a integravam. Aprovou-se uma agressiva declaração formal de independência em relação ao governo. Na minha cabeça, o presidente iria cair e nós também cairíamos, mas que não caíssemos como janguistas! Eu não apostava na ideia de uma saída negociada para a crise brasileira - não por princípios; porque não acreditava que fosse viável.

De outro ângulo, havia certa lógica no gesto da ruptura, que agradava ao CGT, à Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), a Brizola e a Arraes: pressionar Jango para que recompusesse seu ministério com figuras representativas da Frente. Mas, então, o efeito prático da reunião foi evidenciar que Jango estava mais isolado do que nunca.

A reunião da FMP pela "ruptura" realizou-se numa sala fechada no Congresso. Num intervalo, perguntei ao deputado Neiva Moreira, sempre irreverente, o que significavam aquelas tachinhas espetadas num mapa do Brasil pregado à parede. "Não são nada, não. Eu é que pus e vou alimentando, só para assustar o pessoal da UDN que passa por aqui. Eles vão contar pro Bilac que viram os focos da futura guerra revolucionária..."

O deputado Bilac Pinto, prócer udenista mineiro, era precisamente o autor da tese de que havia uma guerra revolucionária em preparação no Brasil -tese que me parecia ridícula, mas que percorria jornais, quartéis e reuniões de civis assustados. Ele fazia reiterados discursos delirantes sobre o tema, preparados, segundo acusávamos, pelo Ibad e pela CIA e divulgados com grande cobertura.

No entanto a ninguém ocorreu reprovar a brincadeira de Neiva Moreira. Isso, de fato, mostrava uma atitude em maior ou menor medida compartilhada por todos: assustar e intimidar os adversários. Esse era um comportamento padrão das esquerdas e de suas entidades da época, sem que a intimidação, como na brincadeira das tachinhas, implicasse qualquer tipo de ameaça real. A UNE e eu próprio não éramos pródigos nessa matéria. Mas havia uma estratégia implícita: "Quanto mais assustarmos o centro e a direita, mais eles cederão nas reformas" -na linha nada original de "entregar os anéis para não perder os dedos".

Conspiração
Uma coisa era certa: a partir da tentativa do estado de sítio, as forças cujo principal braço político era a UDN lacerdista caminharam mais firmes e depressa na conspiração para derrubar Jango. Não iriam perder a oportunidade. Havia 18 anos tinham contas a acertar com o chamado "varguismo" e suas derivações, associações ou fantasias ao longo do tempo (república sindicalista, socialismo, comunismo etc.). Haviam perdido pelo menos cinco oportunidades de fazê-lo.

Depois que a ditadura do Estado Novo caiu, no pós-Guerra, Eduardo Gomes, candidato daquelas forças a presidente, foi derrotado pelo marechal Eurico Dutra, apoiado por Getúlio. Na eleição seguinte, de 1950, ganhou o ex-ditador. Depois que ele foi levado ao suicídio, seu vice, Café Filho, cooptado pela direita, acabou sendo derrubado, em pouco mais de um ano, pelo seu próprio ministro da Guerra, general Henrique Lott -Café Filho se preparava para impedir a posse de Juscelino, do PSD, eleito com o apoio do PTB de Vargas, com Jango como vice.

Com Jânio Quadros, as tais forças ganharam a eleição de 1960, mas perderam com a estapafúrdia renúncia do presidente aos sete meses de governo, sem falar da frustração que já sofriam com a "política externa independente" de Jânio. Tentaram impedir a posse de Jango, mas Brizola, com seu movimento a partir do Rio Grande do Sul, Estado que governava, evitou esse propósito.

Também depois do episódio do estado de sítio, o arco das alianças para derrubar Jango foi sendo ampliado, até incluir, no começo de 1964, figuras "de centro", como o então governador de Minas, Magalhães Pinto, que era da UDN e tinha ambições presidenciais -por isso mesmo, adversário de Lacerda e mais próximo a Jango.

Nas últimas semanas de março, a aliança antijanguista já abarcava a maioria do PSD e incorporava intelectuais e jornalistas que, nos dias seguintes ao 1º de abril, viriam a ser opositores das arbitrariedades e da repressão, como foi o caso da equipe do "Correio da Manhã".

Diga-se que, em resposta à mobilização da esquerda, já tinha sido organizada uma "rede democrática" desde o último trimestre de 1963, juntando tudo o que se dispunha em matéria de jornais, rádio e TVs, para contrapor-se aos (poucos) jornais e emissoras ligadas ao governo e a Brizola.

Demissão
Um fato para mim ilustrativo, embora até hoje subestimado, da falta de empenho de Jango em melhorar a sorte de seu próprio governo foi a demissão, em dezembro de 1963, do ministro da Fazenda, Carvalho Pinto, ex-governador de São Paulo, político discreto, que inspirava confiança no empresariado e na imprensa.

A rápida deterioração da economia no período que se seguiu ao naufrágio do Plano Trienal -lançado no início de 1963, sob a condução de San Tiago Dantas e Celso Furtado, ministros da Fazenda e do Planejamento, não comprometera sua figura, pois era claro que a herança recebida por ele era a pior possível.

Houve pretextos para afastar o ministro -principalmente a postulação de Brizola a ocupar seu cargo, que não tinha o apoio unânime da FMP e era rejeitada intra ou extramuros pelo CGT, pela UNE e por deputados da FPN.

Eu me perguntava se a postulação do ex-governador do Rio Grande do Sul era para valer. Se dependesse de suas falas e entrevistas, parecia que sim. A primeira vez na vida que contemplei séries e curvas exponenciais de expansão de moeda foi assistindo aos discursos de Brizola naquele período, gerando, aliás, apreensão em todos, pois ilustrava o descontrole da economia. Nenhum homem público com grande audiência apresentava uma visão tão pessimista da economia como ele.

A razão determinante para a remoção do ex-governador de São Paulo, porém, não foi a pressão do cunhado de Jango, e sim o relativo prestígio de que o ministro desfrutava, que o punha na condição de presidenciável. Entre muitas especulações, começava-se a falar até da dobradinha Carvalho Pinto-Arraes para 1965, o que eu mesmo considerava uma das boas hipóteses naquelas circunstâncias.

A demissão do ministro da Fazenda abalou de vez a confiança do empresariado no governo em relação à estabilidade da economia. A escolha do novo ministro, Nei Galvão -que, apesar de ocupar a presidência do Banco do Brasil, era considerado inexpressivo-, consolidou essa percepção.

Confronto
Jango não cedeu às pressões para formar um gabinete ministerial nacionalista e popular, digamos assim, mas, no primeiro trimestre de 1964, foi mergulhando na estratégia de confronto apontada, precisamente, pelo roteiro da FMP.

Em janeiro, Jango regulamentou a Lei de Remessa de Lucros do capital estrangeiro, aprovada no Congresso em 1962, mas, desde então, pendente desse decreto. A demora era explicável, pois a regulamentação da lei poderia agravar os problemas do balanço de pagamentos, caso afugentasse o ingresso de capitais. Essa, no entanto, não era nossa preocupação.

O decreto foi assinado em Petrópolis, sob nossos aplausos. Fomos recebidos depois pelo presidente, que atendeu à reivindicação de indicar um estudante, no caso o vice-presidente para Assuntos

Educacionais da UNE, Duarte Pereira, para integrar o Conselho Federal de Educação. Reafirmou, também, a decisão de duplicar as vagas no ensino superior.

Em seguida, o governo programou grandes manifestações de massa, organizadas em conjunto com o CGT para março e abril, a começar pelo comício da Central do Brasil, no Rio, na noite de 13 de março, sexta-feira. Ficara claro que Jango e o pessoal do CGT não eram supersticiosos. Mas o ato fazia parte de uma sequência de manifestações pelo país, como o mote das reformas e da pressão sobre o Congresso para que as acolhesse.

Àquela altura, Jango já se abraçara aos setores da FMP mais ligados ao PCB. Para a direita, essa programação representava uma declaração final de guerra. Para o centro, um empurrão a que abandonasse o governo. Para a esquerda como um todo, uma vitória contra a conciliação.

Comício
Nunca soube avaliar o número de pessoas presentes a um grande comício ou passeata. E, naqueles tempos, nem imprensa nem PM se dedicavam a esse cálculo. Mas nunca vira tanta gente junta. Jango fez o melhor discurso de sua vida. Ele estava numa espécie de púlpito, tendo ao seu lado direito, no meu ângulo de visão, sua mulher, Maria Tereza, jovem e deslumbrante. Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, atrás, buzinava coisas a seu ouvido, quase aos gritos. Do lado esquerdo, Osvaldo Pacheco, comunista histórico e o mais carismático dirigente do CGT. No fim, ao cumprimentá-lo, ouvi: "E aí, rapaz, desta vez tu gostaste, não?".

João Goulart anunciou a encampação das refinarias privadas de petróleo existentes, falou em acabar com a vitaliciedade da cátedra universitária, de congelamento de aluguéis, da ampliação do direito de voto, e apresentou o decreto que permitia desapropriar, para fins de reforma agrária, terras às margens das rodovias federais.

Leonel Brizola e Miguel Arraes não tinham sido formalmente convidados para o comício, mas apareceram. Como o Exército controlava o ingresso na área do palco, houve um leve empurra-empurra na barreira existente, mas ambos falaram, Brizola de forma longa, especialmente radical, propondo fechar o Congresso ou passar por cima dele, via plebiscito, sob imensos aplausos. Diga-se que essa ideia do plebiscito não era consensual na FMP e, nos meus discursos estudantis, jamais a defendi.

Achava que ia dar uma grande confusão, que acabaria criando o clima para golpes e contragolpes. Nem avaliava, e aí ficaria mais alarmado, o efeito que as incertezas decorrentes teriam sobre a inflação, que já era desabrida, e a crise econômica. O índice, em 1963, chegara perto de 90%, e o crescimento per capita da economia fora de 2% negativos.

Jango preocupava-se com que eu repetisse, no meu discurso, o tom e o conteúdo do que eu fizera na Cinelândia, no aniversário da morte de Getúlio. De fato, o dirigente do CGT, Hércules Correia, que monitorava o revezamento na tribuna, até que tentou cumprir a tarefa: "Vou te anunciar, você dá boa noite, diz uma frase de saudação, recebe as palmas e encerra, Serra. Encerra!".

Os aplausos foram demorados e intensos. Movi meus ombros para os lados, insinuando a Hércules Correia o que aconteceria se alguém tentasse me interromper. Além da falta de convicção, ele não tinha de fato como intervir na frente daquela multidão. E fiz meu discurso, já memorizado, em toda sua extensão.

Mas minha ênfase foi diferente daquela da Cinelândia e da que a própria imprensa registrou: centrei-me na denúncia das articulações golpistas da direita, no apoio ao governo legalmente constituído contra o golpe e no chamado à mobilização democrática. Estava convencido de que o golpe viria logo, naquelas semanas, sobretudo depois daquela noite. Naturalmente, pedi também a encampação das refinarias privadas, logo anunciada por Jango, junto com o decreto da Supra.

Fantasia
O comício aqueceu, de um lado, as expectativas de ascensão do movimento de massas; de outro, acelerou a trama do golpe e assustou ainda mais os grandes jornais -que já tinham formado aquela "rede da democracia" no final do ano anterior- e as classes médias urbanas, todos temerosos de um regime comunista, de uma república sindicalista, ou seja lá o que fosse. Do ponto de vista real, uma fantasia. Do ponto de vista da mobilização para o golpe, um fator poderoso.

O aquecimento foi até a fervura quando, dias depois, o governo enviou ao Congresso a mensagem presidencial do ano, que reiterava e ampliava, em pontos sensíveis, medidas e iniciativas apresentadas no discurso original. Primeiro, encampava a tese de Brizola sobre o plebiscito em torno de emendas constitucionais. Segundo, permitia a desapropriação rural com títulos públicos reajustáveis na forma da lei (mais ou menos como é hoje), eliminando a exigência de pagamento prévio em dinheiro.

Terceiro, estabelecia a possibilidade da delegação de poderes para o Executivo, eliminando o parágrafo segundo do artigo 36 da Constituição, que a proibia e foi tratado de forma depreciativa no texto da mensagem. Quarto, introduzia um dispositivo constitucional garantindo que "são elegíveis os alistáveis".

O plebiscito e a delegação de poderes selava, para os adversários e liberais-democratas, a ideia da democracia autoritária -ou, nas palavras do Ibad, "o caminho do totalitarismo"-, associada ao enfraquecimento do Congresso e à permanente agitação popular. Isso era inaceitável para o PSD e para a UDN. E a elegibilidade dos alistáveis abria caminho -de forma paranoica ou não- para a possibilidade de reeleição do próprio Jango em 1965 ou da candidatura presidencial de Brizola, impedida pela Constituição vigente em virtude de ser cunhado do presidente. Até os que eram crianças na época se lembrarão das pichações de partidários do ex-governador gaúcho dizendo "Cunhado não é parente, Brizola para presidente".

Nem Jango nem Brizola acreditavam muito em tal possibilidade. Queriam assustar os adversários e foram bem sucedidos nisso. As questões de elegibilidade mexiam com todos os políticos que só pensavam na Presidência: Juscelino, Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto. De mais não se precisava, como pretexto, para unir politicamente as forças de vários matizes que se opunham a Jango.

O temor era tal que, em São Paulo, seis dias depois, incentivada pelo comício na Central do Brasil, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, promovida para dar respaldo ao golpe, reuniria mais gente que o comício. Na sua maioria, pessoas de baixa classe média para cima, que não haviam sido levadas por sindicatos e em cujas fileiras quase não se encontravam estudantes. A grande maioria de boa fé democrática e religiosa, tementes do belzebu comunista que iria implantar a ditadura do proletariado, o materialismo e a perseguição aos seguidores de Cristo.

As entidades mais visíveis eram as de senhoras e a TFP, que tiveram apoio em dinheiro da CIA ou coisa parecida, mas não foi por isso que atraíram tanta gente. As palavras de ordem, para a multidão, estavam bem feitas e soavam democráticas. "Reformas, sim, mas dentro da Constituição. Senão, não!"

No Rio, poucos dias depois, fomos a uma reunião informal com o CGT: os marinheiros da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, reunidos no auditório de um sindicato, declararam-se em assembleia permanente. Para mim, surpresa total. Suas reivindicações corporativas iam do direito ao voto à possibilidade de se casarem e de vestirem roupas civis, sem falar nos pedidos por melhores salários e alimentação. Independentemente de qualquer coisa, tratava-se de uma verdadeira sublevação, que somaria oficiais centristas e legalistas das três Armas na ofensiva do golpe. Decidi não comparecer.

Os fuzileiros navais foram enviados para reprimir os manifestantes, mas, chegando lá, desistiram. Por isso, o seu comandante, Cândido Aragão, janguista, foi afastado pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota. A falta de cobertura da Presidência, porém, levou Mota a demitir-se. No seu lugar, Goulart nomeou um almirante cujo nome fora reivindicado pelos revoltosos, Paulo Mário Rodrigues, tido como de esquerda, que imediatamente concedeu anistia e renomeou Aragão.

E tudo acabou em desfile comemorativo pelas ruas do Rio de Janeiro, em plena Sexta-Feira Santa. Na passeata, cruzaram com o almirante Aragão, erguendo-o nos braços. Em matéria de esforço para somar contra si a maioria dos oficiais das três Armas -devido aos abalos na hierarquia e na disciplina militar- e de provocar a reação negativa às reformas de base, Jango não poderia ter feito nada mais eficaz e definitivo.

Paralelamente, o presidente se recusava a nomear um novo ministro da Guerra, apesar de o titular, general Jair Dantas, estar internado para uma cirurgia. Aliás, era grampeado pela CIA dentro do seu quarto de hospital. Assim, o ministério militar mais importante foi mantido acéfalo, no meio de todas essas crises e das conspirações coordenadas pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo Branco. Após a marcha da família, ele emitira um documento reservado em favor do golpe, fato então conhecido pelo governo e até por nós, mas não fora punido.

Indo mais longe, na antevéspera da consumação do golpe -cuja data real é 1º de abril, não 31 de março-, Jango discursou para sargentos e suboficiais do Exército na sede do Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Presente à mesa, também, o líder dos marinheiros, cabo Anselmo. Junto com diretores da UNE, ouvi o discurso dentro de um táxi, parado na avenida Delfim Moreira, no Leblon. Nossa conclusão óbvia foi, de duas, uma: ou Jango estava se despedindo do governo ou iria de fato "tomar o poder". Tudo em questão de horas. Claro que a intuição e a razão apontavam para a primeira hipótese.

Nesse dia, aliás, as hostes policiais e parapoliciais lacerdistas já estavam nas ruas, prendendo dirigentes do CGT em sua própria sede -outra demonstração do alheamento, do despreparo e até da ingenuidade das esquerdas em matéria de segurança. Não aderia à violência nem tinha um plano para se proteger dela.

Violência
Apesar das teses do udenista mineiro Bilac Pinto sobre a guerra revolucionária, demonstrações de violência mesmo só existiam do lado da direita.

No Congresso da UNE em que fui eleito, em Santo André, grupos paramilitares metralharam o estádio que abrigava os trabalhos e soltaram bombas de gás lacrimogêneo no plenário. No ano anterior, em Quitandinha, também houvera metralhadoras e bombas. Numa reunião no anfiteatro do Mackenzie, em São Paulo, atiraram ácido no ministro da Educação, Paulo de Tarso.

O prédio da UNE sofria periódicas rajadas de metralhadora nos primeiros meses de 1964.

O fato é que não havia exercícios de violência de nosso lado nem preparativos nesse sentido. E, se essa ideia existisse, não haveria como materializá-la.

Para as classes médias que deram suporte ao golpe nas marchas de São Paulo e do Rio e nas ruas de Belo Horizonte, havia uma motivação adicional para o apoio: o medo da cubanização do Brasil e da guerra revolucionária que a implantaria. Esse é um mito que ficou. Insisto: nada mais fantasioso do que supor que o Brasil pudesse virar uma Cuba ou que a esquerda, em 1963-64, estivesse se armando. Os famosos "grupos dos 11", que o pessoal do Brizola começara a cadastrar, com vistas a criar um movimento nacionalista-revolucionário, já eram insignificantes como instrumento político. Imaginem, então, para possíveis enfrentamentos armados.

Na UNE da época, uma entidade forte e independente, nem se cogitava do tema. Eu nunca ouvi nada a esse respeito. Se me falassem em coquetel molotov dentro da sede, acharia que se tratava de alguma bebida favorita do ex-chanceler de Stálin. As Ligas Camponesas de Francisco Julião, que haviam tentado, com apoio logístico e financeiro cubano, montar guerrilhas dois anos antes, tinham fracassado. Depois disso, só faziam ameaças, vendendo um peixe que em absoluto não tinham. E o seu braço político, pequeno e desorganizado, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), era isolado de todos os setores mais importantes da esquerda.

Havia, sim, o famoso dispositivo militar de Jango, capaz, em tese, de deter um golpe ou de promovê-lo. Mas tudo só em tese, como se viu nesses casos e se constataria no golpe de 1º de abril, quando aquele dispositivo sumiu. A retórica servira para assustar a classe média e conferir verossimilhança à farsa golpista.

Rumores
- General, estou indo para o Amazonas, mas há muitos rumores de movimentações golpistas. É claro que o senhor os ouviu. Tenho dúvida se viajo ou não.

- Pode ir, meu jovem, não tem problema. Quase todos esses rumores são falsos. Os que não são se referem a iniciativas que estão sob controle.

Foi precisamente com o general Assis Brasil, chefe da Casa Militar da Presidência e coordenador do "dispositivo", que começou minha história na fase final do golpe.

Na quinta-feira da Semana Santa, eu ia para Manaus, onde a UNE promovia um seminário sobre os problemas da Amazônia. De lá, iria a Belém, onde se realizaria outro encontro, com estudantes de toda a América Latina. Cruzei com o general no Galeão.

Mais do que sua resposta formal, o que atenuou minha inquietação foi ver o comandante do "dispositivo" em trajes esportivos, embarcando numa boa para o descanso da Semana Santa.

Como era possível isso? O presidente pescando no Sul, o ministro da Guerra no hospital e o chefe da Casa Militar indo repousar?

Minha viagem duraria muito pouco, entretanto. Cheguei a Manaus à noitinha, jantei com os congressistas, de manhã visitei o mercado, onde comprei um par de tartaruguinhas e filhotes de jacarés -eram tempos pré-ecológicos-; mas, antes de abrir o seminário, tive de retornar por causa da intensificação dos rumores de golpe, que não perturbavam o general Assis.

No Rio, na segunda-feira à noite, dia 30 de março, depois de ouvir o discurso de Jango no Automóvel Clube, decidimos ir até a sede dos Correios a fim de obter informações. O diretor-geral, coronel Dagoberto Rodrigues, era homem de confiança de Jango e de Brizola.

Nessa noite, descobrimos que existia, nos Correios, um sistema de escuta telefônica, e o coronel já sabia de movimentos de tropas em Minas Gerais. Viria para o Rio uma tropa comandada por um general de poucas estrelas, Mourão Filho.

De volta à sede da UNE, aprovamos uma nota denunciando o golpe e chamando à resistência. Decidimos deslocar partes da diretoria para os Estados onde haveria maior resistência, reduzindo também o risco de que todos fôssemos presos juntos.

À tarde e à noite do dia 31 de março, fui duas vezes ao Palácio das Laranjeiras, uma vez com Marcelo Cerqueira, outra com Betinho [Herbert José de Sousa]. Queríamos que o governo resistisse. Lá dentro, o general Assis Brasil disse, para nossa incredulidade, que estava tudo bem. Cruzamos com Juscelino, com quem tínhamos relações amistosas: ele nos disse que a situação era muito grave, sem dar nenhum sinal do que conversara com Jango. O general Peri Bevilacqua, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, entrou e saiu com ar de quem encaminhara medidas salvadoras. Como depois se viu, era um documento pedindo a rendição de Jango, ou seja, ele permaneceria, mas sob tutela militar, e reprimindo o CGT, a UNE e os comunistas.

Jango pode ter errado muito nos anos anteriores, mas, nessa noite, acertou ao recusar aderir ao golpe militar com ele à frente. Nem duraria no cargo. Numa escrivaninha pequena, oitocentista, redigi uma nota conclamando a greve geral dos estudantes, a qual mal chegou à imprensa, mas foi divulgada nas emissoras de rádio que ainda funcionavam do nosso lado.

Por volta das dez da noite, fui à sede da UNE, onde havia uma assembleia permanente, para dar informações sobre a situação. A reunião era no teatro do Centro Popular de Cultura, que seria inaugurado naquele mês. Não fora ainda pintado, e o cheiro da madeira pura e fresca era agradável, destoando da feiura das minhas preocupações sobre o dia seguinte. Quando cheguei, o general da reserva e historiador -um homem respeitável, ligado ao PCB- Nelson Werneck Sodré fazia um relato otimista da situação militar, sendo aplaudido pela plateia ansiosa.

A questão central era: o que fará o general Amaury Kruel, comandante do Segundo Exército? O mesmo Kruel que eu havia chamado de golpista no comício da Cinelândia e que Jango nomeara, no mês seguinte, para comandar o Exército em São Paulo. Disso dependia a sorte do golpe. Trairia Jango? Não, achava Sodré. Sim, achava eu.

Mas, ao falar, disfarcei meu ceticismo a respeito da posição de Kruel, transmitindo, no entanto, uma parcela de minha apreensão com o andar das coisas. E voltei para as rádios. Como se soube depois, já naquela noite Kruel propusera a Jango fechar o CGT e a UNE, mudar ministros e reprimir a esquerda, ouvindo a recusa como resposta.

Já de madrugada, fui com o deputado Max da Costa Santos para a casa de amigos dele, no Jardim Botânico, onde passaríamos o resto da noite. Era impensável dormir na UNE, diante do risco de atentados e prisão, ou mesmo no hotel Novo Mundo, onde vez por outra pernoitava. Por volta das cinco, Max me acordou com a notícia da adesão de Kruel ao golpe. Fomos aos Correios a fim de encontrar dirigentes da FMP e obter informações sobre o quadro militar em todo o país. O prédio estava protegido por tanques. Juntei-me com Marcelo Cerqueira, com quem dividiria todos os passos nas semanas seguintes.

Bunker
O ambiente, naquela espécie de bunker da FMP, era de debandada. Toda vez que, nas décadas seguintes, participei de alguma derrota política, sempre me veio à cabeça, como mecanismo de consolo, aquele ambiente da sede dos Correios. Em matéria de derrocada e dispersão, nada foi nem viria a ser pior do que aquilo.

No fim, achamos que os tanques que protegiam o prédio começavam a virar seus canhões para ele. E viravam! Por isso, saímos, Marcelo e eu, por uma porta lateral, e fomos a pé até a base aérea do Santos Dumont à procura de seu comandante, o brigadeiro Francisco Teixeira, legalista e boa figura:

- Brigadeiro, por que o senhor não manda seus aviões atacarem, espantarem esse pessoal que vem de Minas?

- Olhe, bastaria um só avião para dar conta disso. Eles vêm com soldadinhos, uma tropa muito fraca. Mas a ordem do presidente foi que mantivesse os aviões no chão.

- É possível que um avião nos leve a Porto Alegre?

- Não. Sem ordem superior, não posso autorizar.

Ficamos desencorajados pela impossibilidade de ir ao Rio Grande do Sul a fim de resistir, pois lá estava Brizola, e o comandante do Terceiro Exército, recém-nomeado, assegurava que defenderia a legalidade num esquema que, com muito otimismo, talvez pudesse replicar o de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros e do veto dos ministros militares à posse de Jango, então vice-presidente.

Fomos em seguida para o Ministério da Marinha e chegamos até o ministro, o almirante Paulo Mário, sem que ninguém, ninguém mesmo, perguntasse nossos nomes ou o que fazíamos ali. Isso da portaria até a sala do almirante, que pareceu estar ainda mais por fora e desarmado do que nós.

Afinal, onde estava o dispositivo militar de Jango? Dispositivo não é feito para ser acionado? Apagara-se sem ruído, como uma bolha de sabão.

Kombi
Não sei exatamente como, tomamos uma Kombi e rumamos para a Baixada Fluminense para encontrar dirigentes do CGT e trocar ideias sobre o que fazer. Onde? Na casa do deputado Tenório Cavalcanti, em Caxias, que, por motivos alheios à política, era uma verdadeira fortaleza, com grandes portões de aço à prova de balas.

Tenório era o detentor da popular Lurdinha, uma metralhadora leve portátil, e tinha nas costas cicatrizes de tiros recebidos em emboscadas não políticas, digamos assim. Dono do jornal "A Luta Democrática", o terceiro do Rio em número de exemplares, era muito bom de voto e se candidatara a governador da Guanabara, dividindo o eleitorado mais popular com o deputado Sérgio Magalhães, o que facilitaria a eleição de Lacerda. Na época, não havia segundo turno.

Sentados em torno de uma pequena mesa, na sala pouco iluminada, trocamos figurinhas pessimistas sobre a situação, todos duvidando da possibilidade de, aliado a Leonel Brizola, João Goulart resistir no Rio Grande do Sul, para onde iria, ou já tinha ido, ao deixar Brasília. O Batistinha, dirigente do CGT e membro do PCB, avaliava: "Existe a possibilidade de o golpe se 'pessedizar'. Juscelino aderiu nos últimos dias, os caciques do PSD participaram.

A moeda de troca será a garantia das eleições presidenciais no ano que vem, e o processo pode acabar virando briga de branco, UDN contra PSD, Lacerda contra Juscelino. A gente precisa permanecer agrupado, se proteger, não fazer loucuras e acumular forças enquanto isso acontece."

Não achava que seria assim, mas era mais confortável acreditar, torcer para que viesse a ser assim. Um pouco mais tarde, na cama improvisada num sofá da mesma sala, ouvi um discurso ao vivo de Brizola, no Rio Grande do Sul. Não me sai da cabeça até hoje uma conclamação para a luta que ele fazia aos "sargentos de Bagé".

Incêndio
Foi ali, pelo rádio, que soube, mortificado, da invasão e do incêndio da sede da UNE pelos grupos paramilitares lacerdistas. Entrevia as chamas bem vermelhas que apareciam na janela da minha sala. Lá tinham permanecido assessores meus, que eu levara de São Paulo, ao lado de algumas dezenas de outros estudantes, membros do CPC, como Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e Carlos Vereza. Apesar de desarmados, ficaram até o fim e escaparam pelo pátio de trás.

Já estávamos sendo procurados pela ágil repressão lacerdista. E se fôssemos presos naquela casa? Para onde ir, o que fazer? Que confusão ia dar no Brasil? Tínhamos contribuído para isso? Quanto? Seria possível viver clandestino, reagrupar forças? E se não fosse, fazer o quê? Não poderia terminar a faculdade? E meus pais? Bem que eu poderia não ser filho único.

Para mim, ainda é doloroso lembrar aqueles momentos e falar sobre o golpe, sobre o que veio logo antes e depois. Até hoje, tenho um mal-entendido com esse pedaço de minha vida e da nossa história.

Ao acordar, imaginei por instantes ter sonhado, que não estava onde estava e que o 1º de abril fora apenas um pesadelo. Depois, compreendi melhor por que essa dúvida é uma quase trivialidade na literatura. Não é por falta de imaginação dos escritores. É porque ela acontece mesmo diante de cada tragédia. E eu estava vivendo a minha primeira, aos 22 anos recém-completados.

De manhã, disse a Marcelo, ou ele a mim: "Vamos embora logo. Olha, não quero ser injusto, mas receio que alguém possa nos entregar. E, se é para sermos presos, que seja noutro lugar".

A entrada na cidade do Rio, numa Kombi cinza velha, foi o grande pesadelo diurno, infelizmente inesquecível. Olhos ardendo pela falta de sono, sol, calor, ruas barulhentas, gente comemorando o golpe com buzinaços, multidões caminhando para celebrar, naquela que teria sido a réplica carioca da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, marcada para o dia 2 de abril, e que se transformou na festa da derrubada de Jango. Mais tarde, pela televisão, assistimos à comemoração, animada por locutores especialmente eufóricos e cretinos, com discursos de gente que eu não conhecia, e vimos o povo festejando o golpe "democrático".

Fomos para um apartamento vazio do pai de uma amiga, na Barata Ribeiro, onde eu às vezes ficava. Na porta, aguardava-me Marcílio Krieger, catarinense que trabalhava comigo: "Vi gente rondando aqui. Acho perigoso vocês ficarem".

Ir para São Paulo? Além do risco da viagem, havia o fato de que o general Kruel, comandante do Segundo Exército, tinha motivos pessoais para guardar rancor.

Separei-me do Marcelo, aguardando, não sei onde, que ele viesse com algum esquema de hospedagem segura. Veio então com Vianinha e Jacob Kligerman, aplicado estudante de medicina, "Partidão" até a alma e polinamorador nas horas vagas. Com esse objetivo, mantinha uma "garçonnière" na Lapa, perto da sede carioca do Departamento de Ordem Política e Social. Paciência! Ficamos lá por alguns dias. Em conversas animadoras, Marcelo falou do Cecil Borer, chefe do Dops no Rio -até aquele momento, eu não sabia de quem se tratava.

Aprendi que Borer era um paladino da repressão e da tortura desde a década de 30. Soube também o que era pau de arara, aparelho de tortura de que nunca ouvira falar. "Zé, se formos presos, o Borer nos põe lá."

Eu vestia uma feia camisa amarelada, colarinho engomado, que Max da Costa Santos me emprestara na manhã do dia 1º. Além de já estar encardida, me caía desajeitada. Troquei-a por outra pior ainda, de um amigo a cuja casa fomos e que era uns 20 centímetros mais baixo do que eu. Finalmente, tive a pequena satisfação, no meio daquela rota de fuga, de ganhar duas camisas de Jacob, que era mais alto e encorpado. Uma coisa tornou-se perceptível em nossa peregrinação, embora nada comentássemos, nem entre nós: não obstante a gentileza, o desconforto dos familiares dos diferentes amigos que procurávamos.

Retrato
Grandes jornais do Rio publicaram fotos da UNE incendiada e de suas dependências. Não sei qual deles dava destaque para um retrato de Josef Stálin, afirmando que adornava a parede de minha sala. Ficava me perguntando se os historiadores do futuro iriam acreditar naquilo e em tantas outras estultices. O único refresco, na imprensa, foi um artigo de Carlos Heitor Cony, no "Correio da Manhã", mostrando, do jeito e com o talento dele, a farsa do golpe democrático, a partir de cenas que observara no Posto 6.

Apesar de relativamente calmos, com autocontrole, estávamos totalmente desarticulados, sem informações, sendo perseguidos e sem lugar seguro para ficar. Por isso, alguém sugeriu que buscássemos proteção numa embaixada, o que me pareceu, num primeiro momento, inconcebível; num segundo, a opção possível.

Um deputado do PTB da Guanabara, Paulo Alberto Monteiro de Barros (mais conhecido depois por seu pseudônimo: Arthur da Távola), entrou em contato com Juscelino, que pediu ao embaixador da Bolívia que nos abrigasse. Paulo foi primeiro e mandou um amigo, Toninho Cavalo -sim, o futuro técnico do Botafogo e do Atlético Mineiro-, encontrar Marcelo e a mim num posto de gasolina.

Ao ver chegar um homem sem nenhum jeito de amigo do Paulo, nos afastamos rapidamente de carro e ele foi atrás, confirmando nossa impressão de que era da polícia. Não sei mais como chegamos a um entendimento, mas o fato é que acabamos entrando na embaixada. Mais à noite, Toninho, a secretária do Paulo Alberto e a sogra, Dona Emilinha, mulher do professor Anísio Teixeira, apareceram lá com camas de lona desmontáveis, lençóis limpos, comida e um aparelhinho de TV.

Lá fiquei perto de três meses. Os salvos-condutos iam saindo, o pessoal viajando, mas eu ia ficando. O ministro da Guerra, general Costa e Silva, disse expressamente ao embaixador boliviano, Álvaro Castillo, que se esforçava para resolver minha situação: "Salvo-conduto para esse rapaz, não, embaixador. Ele é perigoso".

Carta
Há dois ou três anos, recebi a cópia de uma longa carta manuscrita que enviei, ainda na embaixada, relatando minha vida e minha situação ao advogado que então me assistia, Evaristo Morais Filho. Ela não mostra abatimento, mas surpresa e indignação pelo que acontecera. Recebi também a cópia de um filme mostrando minha participação no comício de 13 de março, feito por Leon Hirszman e por Eduardo Coutinho, que eram do CPC da UNE.

O texto, a caligrafia, o filme fizeram-me evocar com emoção um conto de Jorge Luis Borges: na maturidade, o escritor encontra, sentado num banco, às margens de um rio, um jovem que, para seu espanto, descobre ser ele mesmo. O jovem ignora quem é seu interlocutor, mas percebe o afeto daquele homem mais velho que, no fundo da alma, gostaria de contar-lhe tudo sobre a vida, para que a vivesse melhor. É o que senti ao rever a mim mesmo, no papel e na imagem, tanto tempo depois.

Nota: Este texto é uma versão abreviada, para publicação na "Ilustríssima", do primeiro capítulo de "Cinquenta Anos Esta Noite", a ser lançado em junho.

José Serra, 71, é economista. Foi ministro do Planejamento e da Saúde, prefeito de São Paulo e governador do Estado de São Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo