quinta-feira, 1 de abril de 2021

Opinião do dia / Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line – Que alianças políticas podem nos conduzir nesta direção?

Luiz Werneck Vianna – Todas as forças que de algum modo se opõem a esse estado de coisas desgraçado em que nos encontramos. Esse trabalho ainda está em construção. Ainda não se encontrou, por exemplo, nomes que possam vir a representar esse processo. Ulysses [Guimarães], Tancredo [Neves], nomes como esses ainda não apareceram e, se apareceram, ainda não estão conseguindo se projetar de maneira consensual. Tem que dar tempo ao tempo.

IHU On-Line – Como vê as disputas no campo da centro-esquerda, com o retorno do ex-presidente Lula à cena política?

Luiz Werneck Vianna – Vai depender de arte. Tem a volta do Lula – uma liderança relevante –, agora, é preciso ouvir outras vozes. Lula, a meu ver, faria um papel muito mais relevante como uma peça de articulação, abdicando das suas posições pessoais. Lula como artífice da frente seria muito mais importante do que Lula como candidato à presidência da República.

IHU On-Line - A crise gerada pela pandemia representa e sinaliza uma transição ou o aprofundamento do nosso passado e do nosso presente?

Luiz Werneck Vianna – Deveremos entrar numa transição que, desta vez, não deixe intocado o nosso passado. Desta vez, vai se ter um avanço quanto a isso, então, a transição vai ser também dirigida para trás, vai ser para frente e para trás.

IHU On-Line - A pandemia deixará mais traumas na sociedade brasileira?

Luiz Werneck Vianna – Mais traumatizada do que a sociedade está... São Paulo, o estado mais rico da federação, Rio Grande do Sul, Nordeste, a crise atinge a todos.

É claro que sem reflexão, sem pensamento, nada vai andar. Não basta apenas um remédio; é preciso que se tenha um sentido, um propósito, uma direção. Ainda mais agora, com o tema do meio ambiente, dos direitos humanos, de uma sociedade mais igualitária. O tema da igualdade está se impondo na agenda internacional. Novos tempos, novas agendas. Não podemos mais ficar nos limites de um nacional-popular. Temos que pensar em uma sociedade cosmopolita, quando a pandemia nos afunda a pensar. Nenhuma sociedade sai da pandemia sozinha, é preciso um esforço mundial. A pandemia varreu as fronteiras em toda parte.

Papa Francisco tem essa compreensão ajustada da natureza do presente, quando se refere à paz, ao meio ambiente, à igualdade. Ele é uma força moral relevante; há outras.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista. IHU On-Line, 31/3/2021.

Maria Hermínia Tavares* - Os generais e o capitão

- Folha de S. Paulo

Ocupante do Planalto não tem proposta para enfrentar pandemia nem projeto para a nação

Com a água chegando ao pescoço, o presidente reformou nesta terça (30) o seu ministério —e mais uma vez fabricou uma crise, sua especialidade. Nesse dia, com UTIs superlotadas, equipamentos e profissionais escasseando, o país batia novo recorde de mortos pela pandemia em 24 horas: 3.668. Imenso também era o número de desempregados para os quais o auxílio emergencial ainda não chegou, assim como o de alunos aos quais não se ofereceu alternativa de estudo enquanto as escolas estiverem fechadas.

Poderia ter sido mudança rotineira: a troca de um chanceler que, movido por ideias delirantes sobre o mundo, vinha sendo competente apenas em destruir a reputação internacional do país. Só que não foi.

Pressionado pelos aliados no Congresso, com a popularidade em queda e perdendo apoios importantes entre as elites econômicas —para não falar da tensão com os governadores e parceiros internacionais que cobram do Brasil compromisso ambiental—, o ex-capitão tratou de se defender.

Ricardo Noblat - Bolsonaro despertou no brasileiro o que ele tem de pior

- Blog do Noblat / Veja

Março, com tantas mortes, deixará saudades em face do que está por vir

A verdade é que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro já deveria ter desmoronado há muito tempo, mas ainda resiste como atestam as pesquisas. O que explica isso? Arrisco um palpite: ele despertou o que existe de pior em cada um de nós. E milhões de brasileiros deixaram transbordar o que antes escondiam.

O desprezo pela vida alheia, por exemplo. Desde que eu sobreviva à pandemia, pouco me importa quantos morram. Como disse Bolsonaro: morrerão os que tiverem de morrer, principalmente os mais fracos, doentes, incapazes de resistir a uma mera gripezinha que em dezembro, como ele previu, estava no finalzinho.

A ambição dos que tentam extrair vantagens de tudo é outro exemplo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, patrocina a aprovação de um projeto para que empresários possam comprar vacinas, se imunizarem e imunizarem seus empregados, despesas que seriam abatidas do Imposto de Renda.

Bruno Boghossian – O caos de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Sirenes soam apenas quando presidente quer fazer propaganda do risco de desordem

Em um ano, Jair Bolsonaro falou uma dezena de vezes na ameaça de caos social na pandemia. Para torpedear medidas de distanciamento, o presidente repetiu que o país pode ter uma onda de violência e saques a supermercados. Nesse período, ele escolheu o lado do "caos" e deixou o "social" em segundo plano.

As sirenes de Bolsonaro soam apenas quando ele quer fazer uso político do risco de desordem. No início da pandemia, o presidente fez corpo mole na compra de vacinas que poderiam garantir uma volta segura ao trabalho. Agora, na pior fase da crise, o governo levou três meses para pagar uma nova rodada do auxílio emergencial e proteger quem foi afetado pelo isolamento.

Katyna Argueta* - IDH desaba com a pandemia

- O Globo

Começamos 2021 em meio às incertezas do porvir. A última edição do Relatório de Desenvolvimento Humano — “A próxima fronteira: desenvolvimento humano e o antropoceno” — alerta sobre a queda no Índice de Desenvolvimento Humano — IDH global — pela primeira vez em 30 anos.

A pandemia de Covid-19 desencadeou uma crise que atinge duramente todas as dimensões do desenvolvimento humano: renda — maior retração da atividade econômica registrada desde a Grande Depressão; saúde — em escala global, foram registradas 2.808.439 mortes; e educação — estudantes fora da escola e sem acesso à internet para continuar a educação, e muitos que, provavelmente, já não voltarão a estudar, ampliando as desigualdades existentes.

Em algumas dimensões do desenvolvimento humano, as condições de hoje são equivalentes aos níveis de privação vistos na década de 1980.

Vinicius Torres Freire - Entenda o atraso da vacinação

- Folha de S. Paulo

Vacinas sem aprovação e decisão chinesa tiram 20 milhões de doses de abril

No calendário do governo federal, o Brasil teria 48,287 milhões de doses de vacina contra a Covid-19 em abril. Pelo menos 20 milhões dessas doses não vão chegar. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse nesta quarta-feira na Câmara que a coisa vai ser ainda pior: cerca de 22,8 milhões de doses vão desaparecer do cronograma do mês que vem. Seria o bastante para vacinar pelo menos 10,8 milhões de pessoas, quase dois de cada três idosos de 60 a 69 anos, o grupo de idade em que morrem 23% das vítimas da Covid-19 no Brasil.

Parte dessas vacinas agendadas para abril era fantasia do general Pesadello, o ex-nunca-ministro da Saúde. Eram as 8 milhões de doses da Covaxin da Índia e as 400 mil da Sputnik russa, que ainda não foram aprovadas pela Anvisa.

Tem mais problema.

William Waack - Capitão Brancaleone

- O Estado de S. Paulo

Se Bolsonaro imaginou um golpe, conseguiu apenas mostrar-se incapaz

A história do Brasil já teve ex-militar que demonstrou extraordinária incompetência para executar um golpe: Luís Carlos Prestes, em 1935. Jair Messias Bolsonaro está um patamar acima do lendário líder comunista, que também chegou a capitão. Mostrou-se extraordinariamente incompetente até para imaginar um golpe.

Um golpe é sempre uma ação que, no final das contas, depende de correlação de forças políticas (em sentido amplo) e militares (em sentido estrito) – e ambas de um momento apropriado, que é fluido por definição, embora possa ser “criado”. Bolsonaro ignorou tudo, leu errado os fatos da realidade e está sendo visto como palhaço que subiu ao trapézio no circo.

Ao contrário de outros candidatos a caudilho, Bolsonaro não criou qualquer movimento político consistente, organizado e capilarizado que pudesse minimamente seguir um comando. Para comparação, no seu auge o PT dispunha de sindicatos, organizações comunitárias, setores da Igreja Católica e substancial parte da intelectualidade prontos a atender ao que fossem as diretrizes do comando partidário.

Bolívar Lamounier* - Anarquia jurídica

- O Estado de S. Paulo

É a situação que o Brasil vive hoje. Quem ‘declara’ o que é a Constituição? O STF...

 “Quem está preso pode ser solto,

quem está solto pode ser preso” (Ditado mineiro)

Desde o dia, milênios atrás, em que os seres humanos conseguiram concatenar duas ideias, eles entenderam que a vida em sociedade é impossível sem um conjunto de normas às quais a maioria esteja disposta a obedecer.

Séculos mais tarde perceberam que normas convencionais, surgidas com a lenta evolução dos costumes, não seriam suficientes. A vida social exigia normas propriamente jurídicas, criadas sempre que necessário a fim de prover respostas para os desafios de cada época. De fato, o Direito distingue-se da convenção, desde logo, por implicar sanções – vale dizer, o recurso à força – contra eventuais infratores. E o recurso à força implicava a formação de um grupo de profissionais especializado e dotado de legitimidade para aplicar as leis.

Dá-se, entretanto, que o conteúdo do Direito não é evidente por si mesmo. Os profissionais responsáveis por sua aplicação podem e de certa forma são forçados a “interpretá-lo”, diria mesmo a “declará-lo”. Isso ocorre em inúmeras ocasiões, seja pela complexidade intrínseca das normas ou do meio social circundante, seja, e não menos importante, pela influência das ideologias ou interesses do referido grupo de profissionais.

Everardo Maciel* - Muito mais que o vírus

- O Estado de S. Paulo

A pandemia de covid-19 prossegue em sua macabra trajetória, sem que se vislumbre seu fim e suas consequências na vida das pessoas e dos países.

A pandemia revelou, dramaticamente, a desatenção da humanidade com questões que interessam à segurança planetária, a exemplo do desenvolvimento sustentável. Na esteira do individualismo possessivo, construiu-se uma desproporcional prevalência da eficiência sobre a equidade e da competição sobre a colaboração.

Bill Gates, no recém-editado Como Evitar um Desastre Climático, expõe de forma didática e persuasiva os enormes riscos das mudanças climáticas e seus efeitos catastróficos sobre os seres humanos, em muito superiores à tragédia da covid-19. Propõe, também, um plano, com base em soluções disponíveis e inovações necessárias, para zerar a emissão de gases de efeito estufa e prevenir o desastre climático, envolvendo grandes mudanças nos campos da energia, transportes, indústria, agricultura, etc.

À primeira vista, parece tratar-se de uma proposta muito ambiciosa, porém está à altura do problema que pretende enfrentar. Merece uma atenção especial.

O presidente Joe Biden, dos EUA, em seu animador início de governo, vai apresentar, dando continuidade ao já aprovado programa de auxílio aos vulneráveis, projeto envolvendo reforma da infraestrutura física e incentivos a ações no campo da educação e da sustentabilidade.

Ribamar Oliveira - O abacaxi voltou para o colo do ministro Guedes

- Valor Econômico

Questão é saber se contas fecham só com o contingenciamento

Para entender a grande confusão da semana passada, que terminou produzindo um Orçamento fictício para este ano, o leitor precisa recordar a grande polêmica que surgiu em torno da proposta de emenda constitucional 186, a chamada PEC Emergencial. Durante a votação, a nova base política do governo, mais conhecida como “centrão”, queria retirar do teto de gastos da União a despesa com o Bolsa Família. O objetivo era abrir espaço no teto para mais investimentos, que seriam garantidos por emendas parlamentares ao Orçamento.

A proposta criou um tremendo reboliço, com o dólar e o juros disparando e a bolsa caindo. Parecia que o fim do mundo se avizinhava. Mesmo porque havia indícios de que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro era favorável à medida. Depois que a temperatura do mercado subiu, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a um acordo com os líderes do “centrão”. A questão das emendas seria resolvida quando o Orçamento deste ano fosse votado.

Roberto Macedo* - Sob comando do Centrão, Congresso corrompeu Orçamento de 2021

- O Estado de S. Paulo

Emendas parlamentares podem ter a sua constitucionalidade questionada

Até parece que Bolsonaro fez sua reforma ministerial para ofuscar em parte o noticiário altamente negativo sobre a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. Ela veio só no dia 25 deste mês, num atraso que por si já demonstrou a falta de seriedade com que o Parlamento tratou de assunto tão importante.

Para detalhes dessa LOA recomendo a Nota Técnica 46, publicada na segunda-feira pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, entidade de reconhecida competência na análise de questões fiscais. Essa nota técnica está em https://www12.senado.leg.br/ifi/notas-tecnicas-ifi.

Aliás, o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, escreveu neste espaço logo no dia seguinte à publicação da mesma nota, e enfatizou que “o Orçamento de 2021 requer novo alerta: a redução de despesas obrigatórias a níveis pouco razoáveis, tecnicamente, traz riscos à transparência nas contas públicas e à gestão da política fiscal. A boa prática orçamentária recomenda prudência. Se há probabilidade alta de uma despesa vir a ser feita, ela deve ser fixada na LOA”.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro entrincheirado

- Valor Econômico

Trocas reforçam proteção da família, mas a das Forças Armadas ricocheteou

A maior crise militar já vista desde a redemocratização decorreu de um presidente da República que se entrincheira para proteger os filhos. O buraco começou a ser cavado em 16 de março, quando o Superior Tribunal de Justiça validou a troca de informações entre o Coaf e o Ministério Público no inquérito das “rachadinhas” que investiga Flávio Bolsonaro. Três semanas antes, a defesa do senador tinha conseguido anular sua quebra de sigilo fiscal e bancário. Partiu para enterrar o inquérito, mas perdeu por 3 votos a 2. No governo, atribui-se o placar à ação sobre o STJ de ministros do Supremo que, mantendo o inquérito aberto, preservam também cartas na manga contra o presidente.

Começou ali a ser traçada uma reforma destinada a levantar barricadas em defesa do presidente e de sua família. A ideia era levar o Supremo a refazer suas pontes com o Planalto, colocar o Centrão para a antessala de Bolsonaro, reforçar o Estado policial e mostrar às Forças Armadas quem é o comandante-em-chefe. Todas as trocas ministeriais tiveram este vetor, o de fortalecer o núcleo duro da trincheira bolsonarista. Só a das Forças Armadas, como demonstrou a escolha dos novos comandantes, richocheteou contra o presidente.

A imitar Fernando Collor, que montou um ministério de notáveis para se segurar, optou por um governo de amigos, à la Jânio Quadros, com a diferença de que predominam nulidades no seu círculo de amizades. As mudanças, porém, não haviam sido planejadas para a semana seguinte à escolha de Marcelo Queiroga, outro apadrinhado da família, para a Saúde.

Luiz Carlos Azedo - Como no quartel de Abrantes

- Correio Braziliense

A crise militar foi pura perda de tempo, tirou o foco do principal problema do país: a pandemia da covid-19, que ontem registrou novo recorde, 3.869 óbitos em 24 horas

A frase “tudo como dantes no quartel de Abrantes” é uma herança lusitana. Chegou ao Brasil em 1808, a bordo dos navios que trouxeram a família real e sua corte para o Rio de Janeiro. Surgiu durante a invasão de Napoleão Bonaparte à Península Ibérica. Portugal havia se oposto ao Bloqueio Continental, que obrigava o fechamento dos seus portos a qualquer navio inglês. Em 1807, o general Jean Androche Junot, braço-direito de Napoleão, atravessou a fronteira com a Espanha e ocupou Abrantes, a 152 quilômetros de Lisboa, na margem do rio Tejo. Lá, instalou seu quartel-general e, meses depois, se fez nomear duque d’Abrantes.

Com a fuga do príncipe-regente Dom João VI para o Brasil, o general francês praticamente não enfrentou oposição. Isso despertou a ironia popular, registrada por Orlando Neves no Dicionário de Expressões Correntes (Editorial Notícias, Lisboa): “‘Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Esse é o saldo da crise militar provocada pela demissão do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos comandantes militares do Exército, Edson Leal Pujol; da Marinha, Ilques Batista; e da Aeronáutica, tenente- brigadeiro Antônio Carlos Bermudez.

Malu Gaspar - Bolsonaro: Mau militar, bom miliciano

- O Globo

O capitão Jair Bolsonaro deixou o Exército depois de ser absolvido em um tribunal militar, mas nem por isso evitou a porta dos fundos. É um episódio revelador. Nos anos 80, foi acusado de planejar a explosão de bombas em quartéis, na Academia Militar das Agulhas Negras e na adutora do Guandu, responsável pelo abastecimento de água no Rio de Janeiro. Mesmo com depoimentos e laudos demonstrando sua participação no caso, foi liberado pelo Superior Tribunal Militar. Assim, pôde construir uma carreira política como porta-voz dos interesses das baixas patentes.

Em sua lida no Congresso, o deputado-capitão se fez acompanhar por figuras como o ex-policial militar e faz-tudo Fabrício Queiroz. Durante anos, rendeu homenagens a — e empregou nos gabinetes da família Bolsonaro — parentes de PMs acusados de envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro, entre os quais o agora famoso matador de aluguel Adriano da Nóbrega. Milícias, nunca é demais lembrar, são grupos de policiais que se desviam de sua função para cometer crimes e impor suas próprias leis à margem do Estado.

Nada disso era segredo para o generalato. Já nos anos 90, Ernesto Geisel classificou Bolsonaro como um mau militar, alguém “completamente fora do normal” para a carreira. O ex-presidente e general dizia acreditar que, à medida que o país se desenvolvesse, a interferência do Exército na política diminuiria.

Míriam Leitão - Bolsonaro entre seus fantasmas

- O Globo

O país passou o dia 31 de março cercado de fantasmas do passado, que o presidente convocou e aos quais vive agarrado. Assombrou a democracia com uma crise militar plantada num dia emblemático, quando todos viviam um momento dilacerante da pandemia. O Brasil não sabe mais onde enterrar seus mortos, o ministro da Saúde pede para se “racionar” o oxigênio, hospitais fecham emergências por incapacidade de atendimento e Jair Bolsonaro nos atormenta.

Foi patética a apresentação dos novos comandantes. Toda a cena — na verdade, todo o episódio — lembrava os piores momentos da ditadura. O país não foi informado sobre o que levou o presidente a demitir o ministro da Defesa e os três comandantes das Forças. A democracia exige transparência dos atos do setor público. O general Braga Netto fez um discurso em cadência castrense, curto e ambíguo. Os três se perfilaram como na frente de um pelotão e saíram sem dar palavras. Toda a cerimônia durou 2 minutos e 30 segundos. Isso depois de uma Ordem do Dia cheia de mentiras sobre os fatos históricos.

O que Bolsonaro quis com tudo isso? Ele criou esse estridente ruído no 31 de março, data que venera, deliberadamente. Os militares da ativa garantem aos seus interlocutores que as Forças Armadas continuarão evitando a politização nos quartéis. Mas, para Bolsonaro, não importa o que é, e sim o que parece ser. Ele quis dar a impressão de que pode fazer o que quiser com o “seu” Exército, “suas” Forças Armadas. Ele quer que acreditem que elas estão alinhadas a ele.

Merval Pereira - Bolsonaro cava sua cova

- O Globo

Quando foi anunciado o general Hamilton Mourão como vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro para concorrer à Presidência da República, um dos filhos do candidato fez o seguinte raciocínio, em voz alta: é bom ter um nome “cascudo”, para deixarem de pensar em impeachment. Fazia referência a que o companheiro de chapa era um general de Exército que já dera demonstrações de que seguia a linha de seu pai, ao elogiar o torturador Ustra, ou ao se referir à possibilidade de um “autogolpe”. O feitiço, porém, virou contra o feiticeiro.

Hoje, o fato de ter Mourão como vice traz tranquilidade diante do futuro, caso Bolsonaro seja impedido pelo Congresso. Não que seja um estadista, muito menos traidor, como o presidente desconfia, mas é o agregador natural, pelo cargo que ocupa e pelas atitudes que vem tomando, das insatisfações disseminadas. Mourão tem tido comportamento correto diante das grandes crises, demonstra bom senso na maior parte das vezes, coloca-se como alternativa natural ao gênio explosivo de Bolsonaro, sem precisar fazer declarações críticas, apenas usar o bom senso.

Quando os militares começaram a assumir cargos importantes no ministério de Bolsonaro e em seu entorno, parecia a todos que serviriam como força moderadora do instinto selvagem de Bolsonaro. O fato de não terem reagido às muitas provocações do presidente, quando insuflava manifestações em frente ao Palácio do Planalto ou do Quartel-General do Exército, contra o Supremo Tribunal Federal (STF) ou o Congresso, fez supor que os militares o respaldavam nesses assaltos ao estado de direito. Chamando de “meu Exército” o Exército brasileiro, dava a impressão de que tudo estava dominado por seu radicalismo.

Vera Magalhães - Presidenciáveis assinam manifesto conjunto em defesa da democracia

- O Globo

Seis possíveis candidatos à Presidência da República em 2022 vão divulgar nesta quarta-feira, aniversário de 57 anos do golpe militar que instituiu a ditadura em 1964, um manifesto em defesa da democracia.

A carta é assinada por Ciro Gomes, Eduardo Leite, João Amoêdo, João Doria Jr., Luiz Henrique Mandetta e Luciano Huck.

Sua execução e divulgação coincide com a radicalização por parte do presidente Jair Bolsonaro e as suspeitas de que ele pode tentar levar as Forças Armadas para endossarem alguma medida de exceção.

O fato de a iniciativa unir políticos de cepas tão diferentes quanto Ciro Gomes e Amoêdo, e tucanos que podem até disputar internamente a candidatura, caso de Doria e Leite, é inédito e pode originar outras iniciativas e conversas, inclusive para a composição entre eles com vista às eleições do ano que vem.

Apurei que o ex-juiz Sérgio Moro foi convidado a fazer parte do manifesto, mas não quis assiná-lo, o que foi lido pelo grupo como um sinal de que ele pode não se apresentar para a disputa.

Música | Marisa Monte - Dança da Solidão (Paulinho da Viola)

 

Poesia | Mário de Sá Carneiro -Esperança

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.