A discussão sobre o papel do Estado no desenvolvimento do país — ressuscitada pelo governo Lula como maneira de rebater as críticas ao gasto público crescente e à tendência estatizante do governo, exacerbada neste segundo mandato — é na verdade uma tentativa de impor uma linha ao debate político, e levar a oposição ao córner na campanha eleitoral.
O governo se coloca como “nacionalista” e “patriota”, e os que são contra a maneira como está enfrentando a crise seriam genericamente “entreguistas” defensores do “estado mínimo” e contra os pobres.
Com supostas medidas anticíclicas, o governo fortaleceu o mercado interno e possibilitou que os pobres ajudassem o país a sair da crise econômica internacional mais rapidamente, na definição do próprio presidente Lula.
Para a ministra Dilma Rousseff, candidata oficial à sucessão presidencial, a tese do “estado mínimo” é própria de “tupiniquins”e está “falida”.
Os que acusam o governo de estar colocando em risco o equilíbrio fiscal com seus gastos crescentes, segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, estariam pura e simplesmente fazendo “terrorismo”, com o objetivo de forçar uma subida de juros.
O fato concreto é que o mercado financeiro já está aumentando os juros futuros por conta do desarranjo fiscal que está sendo montado pelo governo, e o próprio Banco Central já fez advertências sobre os riscos do desequilíbrio das contas públicas.
Nada indica, porém, que existam sinais a curto e médio prazo de que a inflação será pressionada. Na opinião de analistas das mais variadas tendências, a “herança maldita” dos gastos públicos excessivos só será cobrada do futuro governo, que terá que assumir uma série de “maldades” para reequilibrar as contas públicas.
A previsão de subida dos juros não estaria acontecendo por conta dessa sinalização de longo prazo, mas teria sido impulsionada agora pela maquiagem que o governo foi obrigado a fazer por conta da queda acentuada da receita.
Além de receber dividendos das estatais em nível muito acima do normal, o governo ainda teve que contabilizar como receita os depósitos judiciais.
Quanto às chamadas “políticas anticíclicas” do governo, e a participação dos mais pobres no fortalecimento do mercado interno “salvando o capitalismo” na definição de Lula, uma análise detalhada dos gastos governamentais mostra que a distância entre o discurso e a prática é grande.
O economista José Roberto Afonso, em recente palestra em seminário promovido pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), demonstrou que a maior parte dos gastos do governo acabou favorecendo a classe média ou os mais ricos.
Com base em uma análise da MB consultoria, de José Roberto Mendonça de Barros, constata-se que do incremento de renda familiar estimado para 2009, num total de R$ 56,2 bilhões, equivalente a 1,6% do PIB, 49,7% foram provenientes do governo federal, sendo assim distribuídos: 30% funcionalismo federal; 18% benefícios ligados ao salário-mínimo (pensões, seguros); 1% transferência de renda para pobres (Bolsa Família).
Como, segundo estudo do Ipea, o serviço público é concentrador de rendas, a maior parte dos recursos liberados pelo governo como parte da estratégia de combate à crise foi para os de renda mais alta.
Além do mais, a decisão de aumentar o funcionalismo público fora tomada antes mesmo da crise, o que a descaracteriza como medida anticíclica.
O mesmo fenômeno se verifica quando se analisa a política de renúncia de receita prevista para este ano.
Dos R$ 13,6 bi, equivalentes a 0,4% PIB, cerca de 45% foram dedicados às vendas de automóveis, com a redução a zero do IPI.
De acordo com pesquisas de consumo familiar, o décimo mais pobre da população (com rendimentos até dois salários mínimos) gasta 1,6% em compra de veículos, enquanto o décimo mais rico (mais de 30 salários mínimos) gasta 8,2%.
A política governamental de redução de IPI, que fez bater recordes de venda de automóveis, beneficiou mais, portanto, os de maior renda.
Uma comparação com países que usaram a força do Estado para a recuperação da crise financeira mostra que, apesar de o conceito de atuação estatal ser o mesmo, a estratégia é completamente diferente.
Nos Estados Unidos, os gastos governamentais têm um objetivo claro: estimular mudanças estruturais. O melhor exemplo é a luta do presidente Barack Obama na implantação de um sistema de saúde que atinja toda a população, uma medida tão arrojada como se aqui o governo resolvesse reformar a Previdência Social.
Também a inovação científica está sendo estimulada, especialmente pesquisas sobre combustíveis alternativos, para reduzir a dependência do petróleo.
Na China, uma das principais obras de infraestrutura é a construção de uma rede de metrô que pretende tornar-se maior que a dos Estados Unidos a médio prazo.
É a idéia de oferecer transporte coletivo à imensa população chinesa, para reduzir a dependência do petróleo e a poluição atmosférica.
No Brasil, o governo comemorou a pré-existência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como um sinal de que já tínhamos um programa de investimentos em obras de infraestrutura para fazer face à crise econômica.
Mas a maior parte do programa, que já foi o carro-chefe da candidatura da ministra Dilma Rousseff, apelidada pelo presidente de “mãe do PAC”, não consegue sair do papel, por problemas burocráticos e de gestão.
Ao mesmo tempo, passamos a priorizar a exploração do petróleo sem uma contrapartida para pesquisas de combustíveis alternativos, que é um dos nossos fortes. É o “estado máximo” mostrando sua ineficiência.