quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O PT sangra

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


No mesmo dia em que a senadora Marina Silva anunciou sua saída do PT, depois de 30 anos de militância, por “falta de condições políticas” para avançar na sua luta “de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas”, a bancada do PT votou em peso a favor do presidente do Senado, José Sarney, depois de passar pelo vexame de levar um carão público do presidente do PT, Ricardo Berzoini, que fez ler no plenário da Comissão de Ética um documento que desautorizava a orientação do líder Aloizio Mercadante de votar a favor da abertura de um processo sobre os atos secretos

São dois assuntos que se cruzam nesse inferno astral em que vive o Partido dos Trabalhadores, que abandonou seu compromisso com a ética na política há muito tempo e, a cada dia, se torna um simples fantoche nas mão do presidente Lula.

O PT sangra em público, a ponto de um de seus mais destacados senadores, Flávio Arns, ter se confessado ontem “envergonhado” de fazer parte do partido, do qual pretende sair.

O papelão foi completo ontem na Comissão de Ética, a começar pelo líder Mercadante, que foi desautorizado pelo presidente do seu partido e pelos três senadores que votaram a favor de Sarney, e mesmo assim decidiu continuar na liderança, que já não exerce.

Os senadores Delcídio Amaral e Ideli Salvatti, que alegavam não querer votar a favor de Sarney para não se exporem ao veto dos eleitores em 2010, o fizeram envergonhadamente, em voz sussurrada, quase escondidos nas últimas filas do plenário.

O que importa ao presidente Lula não é mais a preservação do partido que ajudou a fundar, mas um projeto político pessoal, no qual o PMDB é mais importante do que o PT.

Eleger a ministra Dilma Rousseff como sua sucessora virou obsessão, e nada o fará entrar em atrito com o PMDB, atrás dos minutos da propaganda eleitoral. O PT, como partido, não tem alternativa, e todos os seus candidatos em 2010 julgam que a presença de Lula em seus palanques fará desaparecer eventuais decepções dos eleitores petistas.

É aí que a candidatura da senadora Marina Silva pode desestabilizar a estratégia lulista, que pretende fazer da eleição de 2010 um plebiscito entre seu governo e a proposta da oposição. Dilma Rousseff entraria nessa equação como simples figuração.

O problema é que Marina aparece como uma alternativa para eleitores insatisfeitos, para uma classe média envolvida na luta ambiental, e a disputa entre ela e a superministra Dilma Rousseff é a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita com a preocupação com a preservação dos bagres, que atrasa a construção de hidrelétricas.

Quando anunciou a líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, em 2003, o presidente Lula tratou a escolha como uma mensagem ao mundo de que, a partir dali, a Amazônia passaria a ser tratada de maneira diferente.

Lula saíra de uma campanha presidencial vitoriosa, na qual defendia que o Brasil deveria se preocupar primeiro em matar a fome dos mais pobres, para só então exportar “as sobras”. Era o tempo em que ainda prevalecia no governo a tese de que a agricultura familiar deveria ter primazia sobre o agronegócio.

O Fome Zero desapareceu para dar lugar ao Bolsa Família; as exportações agrícolas são a base principal de nossa balança comercial, e Lula acabou sendo acusado até por “companheiros” como Chávez e Fidel Castro de estar priorizando os biocombustíveis em detrimento da produção de alimentos, o que provocaria a alta do preço internacional da comida.

O substituto de Marina, o verde Carlos Minc, foi escolhido porque, além de se dar bem com a superministra Dilma Rousseff — foi seu companheiro no tempo da luta armada —, o governador Sérgio Cabral elogiou para o presidente Lula a maneira “moderna” com que ele lidava com a questão ambiental no Rio.

A saída de Marina, por discordar do modelo de desenvolvimento, foi vista no mundo como um sinal de que o governo Lula virava as costas para a maior defensora da Amazônia, com o dizia na ocasião o jornal espanhol “El País”, talvez o mais importante da Europa atualmente.

A última derrota de Marina foi consequência da decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS), o que a fez deixar o Ministério do Meio Ambiente.

A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “a MP da Grilagem”, que caiu como uma bomba entre os ambientalistas do mundo inteiro, é a operacionalização das ideias contidas no PAS.

A Climate Action Network (CAN), uma reunião internacional de organizações não governamentais que promove ações para reduzir a níveis “ecologicamente sustentáveis” as ações humanas que provocam a mudança climática, soltou um documento criticando o governo brasileiro.

A lei permite a legalização de 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia, até o limite de 1.500 hectares. Empresas que ocuparam terras públicas até 2004 também teriam direito às propriedades. Pressões fizeram com que o governo vetasse, na totalidade, o artigo 7º da medida e o inciso II do artigo 8oque tratavam da transferência de terras da União para as pessoas jurídicas e para quem não vive na Região Amazônica.

Mas outros vetos, como à possibilidade de venda dos terrenos no período de dez anos após a regularização, ou ao artigo que prevê apenas uma declaração do ocupante da terra como requisito suficiente para a regularização fundiária, não foram feitos por Lula.

A ida de Marina Silva para o PV deve ter como consequência a saída do partido da base aliada do governo.

Pulverização governista

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - São movimentos articulados: enquanto a bancada do PT no Senado entra por uma porta no palácio de Lula para salvar Sarney, a senadora Marina Silva sai do partido pela outra porta para defender suas bandeiras, ou seus princípios.

Enquanto a bancada se divide, Marina vai somando. Com gente como Gabeira, Cristovam e Gil, com o PV e o desenvolvimento sustentável, os setores desconfortáveis do PT, a estridência dissidente do PSOL, o legítimo direito de Ciro Gomes de concorrer.

O resultado é um cerco a Dilma Rousseff, num momento decisivo: o Datafolha acaba de mostrar que ela interrompeu o seu crescimento em 16%. Não é um índice ruim, mas é um teto baixo e prematuro.

Ao despontar, Marina bloqueia o caminho de Dilma, que precisa avançar e aproximar seu potencial dos 70% de Lula para mostrar vitalidade ao PMDB e à cúpula, às bases e à militância petista. Ontem, o senador Flávio Arns disse que estava "com vergonha" do partido e do voto antiético no Conselho de Ética. Quantos não estarão?

Dilma parece estar no seu inferno astral. Além da radioterapia, ela enfrenta a entrada em cena de Marina, o empate com Ciro nas pesquisas, o envolvimento desgastante de Lula e do PT com a defesa de Sarney e, enfim, a cristalização da imagem de mentirosa (diploma, dossiê contra FHC, embate com Lina Vieira, versões divergentes de sua ação no caso Varig).

Do outro lado, José Serra despista os holofotes, come buchada em paz no Nordeste e vai mantendo sólido favoritismo, com leves oscilações. Dilma já está apanhando, mas ele parece ainda preservado. Há dúvidas, porém. Uma delas é se Marina tira voto só de Dilma ou se divide com Serra o voto anti-Lula e anti-PT. Outra é se esse cenário de pulverização governista anima o embate ou produz a unidade no PSDB. Falta saber o que anda fazendo, e caraminholando, o governador de Minas, Aécio Neves.

O primeiro passo

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Marina deu o primeiro passo. Faltam muitos, é uma longa caminhada. A senadora conhece longas caminhadas. O quadro eleitoral já mudou. A eleição deixou de ser plebiscitária, tende a ser uma eleição mais fragmentada, e a senadora obrigará os outros candidatos a terem ideias e propostas para uma questão central que é a conciliação entre meio ambiente e desenvolvimento econômico.
Por enquanto, a eleição de 2010 sofre de várias esquisitices.

A primeira delas é que o candidato que está na frente em todas as pesquisas de intenção de voto, o governador de São Paulo, José Serra, ainda não disse se é candidato, e seu partido tem dois virtuais concorrentes: ele e o governador de Minas, Aécio Neves.

No cenário — apurado pelo DataFolha — em que Serra aparece, o partido fica com 36% dos votos; no cenário no qual concorre Aécio, o partido tem 15%. Mas eles não decidem, não debatem, não fazem primárias. Continuam misteriosos, com conversas de cardeais, articulações intramuros, no estilo tucano. Quando Serra não é candidato, sobem Dilma, Ciro e Heloísa, e até o percentual de indecisos sai de 18% para 24%.

A segunda esquisitice eu disse aqui ontem: a maneira como a ministra Dilma Rousseff foi escolhida candidata lembra o “dedaço” da época em que o PRI era partido único no México. O presidente em exercício é que dizia quem era o candidato a concorrer para o período seguinte. O PT até hoje teve apenas um candidato, essa seria uma oportunidade de renovação se a escolha fosse aberta e democrática.

Quem sabe assim, o partido conseguiria olhar de frente para toda aquela sujeira que varreu para debaixo do tapete nestes tempos de governo, especialmente após o mensalão.

O candidato Ciro Gomes tentava ser uma terceira via entre governismo e oposição, mas ao longo dos últimos anos esteve tempo demais do lado do governo, como ministro. E antes de Marina aparecer na cena, até ele achava que a eleição não seria plebiscitária. A candidata Heloísa Helena, mesmo estando longe do cenário nacional, permanece oscilando entre 12% e 17% das intenções de voto, dependendo de quem é o candidato tucano.

Marina apareceu com 3% em qualquer cenário, mas isso após ela apenas aventar a possibilidade de concorrer.

Ontem, ela saiu do PT e tem pela frente mais dois eventos nos quais estará no palco: o momento de se filiar ao PV; o momento de assumir a candidatura.

Ela definiu ontem posições importantes: ter a sustentabilidade como centro de um projeto de desenvolvimento; acolher as melhores práticas e experiências das empresas, academia e organizações; não deixar o Brasil atrasado em relação ao debate que ocorre no mundo; aproveitar as chances de o Brasil ser uma potência ambiental.

Posto assim, Marina não se coloca como uma candidata temática, mas sim faz com que o tema das mudanças climáticas — que cresceu tanto nos últimos anos e continuará crescendo, digam os céticos o que disserem — seja o novo paradigma no qual se organize um programa para disputar as eleições.

Marina tem um enorme caminho a seguir para sair dos 3%, ser uma candidata viável e evitar o perigo de ficar à margem do processo.

Para ser competitiva, precisa de ferramentas que o PV não tem: tempo de televisão, partido com estrutura e capilaridade no país. Ela sabe disso. Por isso, comparou o ato de ontem com aquele momento, quando aos 16 para 17 anos saiu de casa para ir, analfabeta e doente, se tratar e estudar. Ela tinha ficado um ano muito mal. Já tinha tido malária, mas contraíra hepatite. Mal diagnosticada, sua hepatite foi tratada com remédio de malária e ela quase morreu. Ao emergir disso, decidiu sair de casa e ir para uma cidade maior para estudar, trabalhar, se tratar. Objetivamente, que chance tinha aquela menina do seringal Bagaço?

Marina está preparando propostas que vão além da luta de classes que moldou o PT original.

Acha que a defesa do meio ambiente não comporta recorte de classes. Está convencida de que algumas empresas já se deram conta da profundidade do tema e querem uma proposta que não é de ruptura com a velha ordem, mas de transição para uma nova ordem. Acredita que as empresas que não entenderam ainda entenderão quando o carbono for taxado no mundo. Não acha que a questão ambiental seja uma bandeira monotemática.
Para ela, o que vai propor é um novo paradigma, uma nova forma de tratar cada uma das questões que compõem um programa partidário.

Ideias ela tem e erra quem subestimar sua capacidade de organizá-las em um discurso contemporâneo e sedutor.

Ao entrar no jogo, obrigará os outros candidatos a terem programa também. Me lembro que na última campanha eleitoral eu perguntei ao candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, numa entrevista neste jornal, qual era o programa dele. Ele me respondeu que o documento estava quase pronto e sairia na semana seguinte, em fascículos.

Faltava uma semana para a eleição. Esse tipo de improviso não será mais possível, a partir da entrada da senadora Marina em campo.

Os outros candidatos terão que se esforçar mais, pensar mais, aprofundar-se, rever estratégias.

Tudo isso torna a disputa mais interessante, com mais conteúdo e bem mais indefinida. Tudo isso é bom para a democracia.

Marina e a fadiga do material

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - A carta em que a senadora Marina Silva explica sua decisão de deixar o PT, após 30 anos de militância, acaba sendo o último prego no caixão da credibilidade do partido como porta-voz do desenvolvimento sustentável.

Diz Marina que a sua decisão combina com "o pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida".

Como presumível candidata, acrescenta que "faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas".

Mas a crítica ao partido de toda a sua vida estende-se muito além dele -no que também acerta. Diz a senadora que "é evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas públicas para mantê-las".

Desnecessário dizer que, se confirmada, a candidatura Marina Silva será a grande novidade em uma campanha que parecia condenada a repetir a já monótona e indigente disputa PT/PSDB, velha de 15 anos, no plano nacional, tempo suficiente para causar pelo menos alguma fadiga do material.

Talvez essa fadiga explique a única real novidade na pesquisa Datafolha publicada no domingo, que é a intenção de voto em Ciro Gomes, alta para quem não gozou da exposição de seus principais adversários (Dilma Rousseff e José Serra) -e do "recall" decorrente.

Juca Ferreira, do PV, ataca o PV e defende PT

Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO


Ministro da Cultura diz que seu partido não está preparado para ter Marina como candidata

SÃO PAULO. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, principal nome do PV no governo federal, disse ontem que o partido não está preparado para uma candidatura presidencial da senadora Marina Silva (ex-PT-AC) e que, por isso, defende a aliança com o PT em 2010. Para Juca, a cúpula do PV, movida pelo fisiologismo, segundo ele, tenta jogar Marina no colo do PSDB.

Perguntado se o PV está fazendo o jogo da oposição, o ministro respondeu: — Alguns setores, sim. Preferem aliança com os tucanos, como prefiro aliança com o projeto que o presidente Lula representa.

Mas este não é o principal problema. O fisiologismo está presente no PV. Há pessoas no PV que querem botar a candidatura dela no colo do PSDB. É evidente — disse ele, sem citar o governador José Serra, pré-candidato tucano para 2010.

Há quem avalie que a entrada de Marina embaralha o jogo sucessório de 2010, já que ela poderia tirar votos da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT e do presidente Lula. Juca defende aliança entre PV e PT em 2010 e diz que a questão ambiental não é suficiente para sustentar uma candidatura presidencial: — Perdemos (os verdes) bastante nossos vínculos com os princípios do partido. Para que a gente esteja à altura de uma candidatura de Marina é preciso uma refundação programática.

O ministro admitiu que os problemas do PV não estão restritos à questão programática.

Comparando o presidente do PV, José Luiz Penna, ao ditador norte-coreano Kim Jong-Il, ele cobrou mais democracia no PV: — O presidente do PV, junto com o presidente da Coréia, são as pessoas que detêm mandatos de maior longevidade no mundo.

É preciso restabelecer a democracia.

A maior parte do PV prefere a aliança com o que o presidente Lula representa. Mas o aparato de poder do partido está nas mãos dos que preferem aliança com outros segmentos e têm tendência fisiológica.

Juca disse que conversou anteontem à noite com seu antecessor, Gilberto Gil, que negou a possibilidade de ser candidato a vice de Marina: — Gil tem a mesma posição que eu: se preocupa com a possibilidade que a candidatura de Marina acabe, independentemente da vontade dela, significando ruptura entre a luta pela inclusão e a luta pela sustentabilidade.

Para o ministro, a questão ambiental deve estar associada a outras lutas, como inclusão social e redução da pobreza: — Os ambientalistas às vezes se acham portadores de uma verdade tão transcendental que subestimam outros processos.

O ministro negou que pretenda deixar o partido e não foi definitivo sobre o apoio à possível candidatura de Marina.

— Depende. Se significar fissura entre a luta pela inclusão social, pela redução da desigualdade e a sustentabilidade do outro lado, sou contra.

A economia política da crise no Senado

Hamilton Garcia de Lima
DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

A palavra fisiologismo é empregada no linguajar político e intelectual para designar práticas marcadas “pela busca de ganhos ou vantagens pessoais, em lugar de ter em vista o interesse público” (Aurélio Buarque de Holanda). Alguns intelectuais ligados aos grupos no poder, todavia, descartam seu uso conceitual por ser ele “muito controverso e pouco claro”.

Não resta dúvida de que o uso cotidiano desse e de outros conceitos úteis para o entendimento da dinâmica político-social vem se dando mais em sentido conotativo do que substantivo, como ferramenta de compreensão da realidade, mas isso é natural e não deve justificar seu abandono pelos analistas em prol de definições fragmentadas, extraídas, no mais das vezes, dos próprios conceitos rejeitados.

No caso específico do fisiologismo, sua substituição pela “busca pragmática pelo poder” ou “mera falta de identidade ideológica e/ou programática” não satisfaz, não apenas por sua má formulação — o correto seria falarmos da “busca pelo poder a qualquer preço, sem a observância do bem-comum” —, mas, sobretudo, por carecer de valor explicativo sobre o fenômeno.

Muito pior do que tais remendos é a tentativa de tornar o fisiologismo “válido (e) politicamente muito interessante” por meio da sua vinculação implícita à livre iniciativa dos sujeitos econômicos, transformando-o numa espécie de epifenômeno, tal como fazem os economistas liberais diante da corrupção dos atores competitivos na economia de mercado, considerada uma prática, se não aceitável do ponto de vista legal e ético, pelo menos natural e inevitável numa sociedade livre e com custos insignificantes diante dos benefícios gerados pela circulação monetária.

A corrupção econômica, todavia, ao contrário do que pensam esses intelectuais, é um fenômeno de natureza distinta da corrupção política, cujos efeitos são também diversos.

Sendo verdade que a corrupção econômica é uma fase primitiva da modernização do mercado, que, propiciando o avanço do capitalismo e a revolução dos meios de produção arcaicos, cria, pelo menos em tese, as condições de possibilidade para relações econômicas menos predatórias no tempo — entre outros motivos, pelo aumento da concorrência capitalista e o fortalecimento do movimento social regulatório do capital —, o mesmo não poderíamos falar da corrupção política, que, propiciando o desmanche da dominação tradicional em proveito de atores individualistas possessivos ávidos por oportunidades no Estado-mercado, não cria, por si, as condições de possibilidade para relações político-sociais menos predatórias no tempo.

Muito pelo contrário, ocorre, em particular com o fisiologismo, que a corrupção política hipertardia, ou seja, combinada com aparelhos burocráticos expressivos — que manipulam quase 40% do PIB, em contraste com os cerca de 17% da época de ouro do “rouba, mas faz” do adhemarismo —, entra em contradição com a modernidade capitalista quando se torna um elemento permanente do processo de arranjo do poder, extrapolando seu papel inicial de corrosivo do domínio oligárquico tradicional. É o caso do Brasil desde o término de seu processo acelerado de urbanização nos anos 1980.
Estendendo seu papel sistêmico para além do “necessário”, o fisiologismo truncou o processo de burocratização do Estado (impessoalidade, publicidade e economicidade), obstaculizando os caminhos da modernidade capitalista plena e criando as condições objetivas para crises políticas crescentemente graves, como as que assistimos desde a redemocratização, de Sarney presidente da República (extensão artificial do mandato) até Sarney presidente do Senado (oligarquização do Senado), pontuadas pela positividade do impedimento de Collor e a negatividade da cooptação geral promovida por Lula — tanto em relação aos representantes como aos representados.

Mesmo treinada na sustentação pragmática das inúmeras farras que a classe política promoveu com o dinheiro público por décadas no Brasil, a sociedade civil burguesa se vê hoje obrigada a uma mudança de postura, disseminando canais de controle social de governo país afora, na tentativa de estancar a sangria de impostos sem contrapartida em serviços que onera seus negócios e impede a expansão sustentada do mercado. O mesmo Estado ineficiente que catapultou Collor de Alagoas a Brasília, nos anos 1990, em sua cruzada antimarajás, persevera hoje, com o apoio do mesmo personagem, incapaz de ofertar à sociedade, do empresariado aos trabalhadores, as condições necessárias para o desenvolvimento sustentado num ambiente agravado pelo súbito estreitamento do mercado internacional.

Sarney, por tudo o que representa em suas práticas fisiológicas históricas, se transformou numa espécie de catalisador da crise, em meio a um cenário de retração econômica, em particular industrial, que parece sinalizar o fim da possibilidade de convergência entre os interesses da classe política conservadora e oligárquica (fisiológica) e os da sociedade civil burguesa — bem mais ampla, diversificada e complexa do que o interesse do capital.

Mesmo que a recessão nos países desenvolvidos seja superada em curto prazo, o fato é que o declínio das potências ocidentais e o novo padrão de competição asiático deixam pouca margem para a produção de novas bolhas financeiras e, sem elas, fica difícil imaginar a continuidade de um casamento tão oneroso como esse que se fez no Brasil, às expensas da sociedade, entre os interesses estratégicos da burguesia de mercado e os da burguesia “patrimonialista” que parasita o sistema político nacional.

Hamilton Garcia de Lima é cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos/RJ.

O PT de Dutra, de Sergipe – estatismo (chinês), amplo assistencialismo e sem pruridos éticos

Jarbas de Holanda
Jornalista
Longa entrevista ao Estadão, de domingo último, do candidato favorito à presidência do PT na renovação de sua executiva em novembro, o sergipano José Eduardo Dutra (que por isso deixou esta semana o comando da BR Distribuidora) é bem elucidativa das razões por que o presidente Lula, através da corrente majoritária do partido, o escolheu para desempenhar as novas funções. Às vésperas das campanhas eleitorais de 2010 e tendo em vista, tanto ou mais que isso, o controle da legenda após o fim do segundo mandato, com ou sem vitória de sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff. Título e frases destacadas da entrevista: “Eu absolveria Sarney e Virgílio”, “Fala-se que o Congresso é uma fábrica de pizza, mas há banalização do processo de quebra de decoro”, “A Petrobras é uma das jóias a serem mostradas pelo governo Lula. O PSDB bate num ícone do País”.

Eis as razões básicas da escolha para essas funções do ex--sindicalista petroleiro, ex-senador de Sergipe e ex-presidente, também, da Petrobras (além da estreita relação que ele tem com Lula): o desgaste com o mensalão e outros escândalos político-administrativos e eleitoreiros (como o dos “aloprados”) de José Dirceu e mais lideranças de peso do grupo hegemônico no PT (a Articulação agora denominada Construindo um novo Brasil); a conseqüente erosão da força do partido em São Paulo e no conjunto das regiões Sudeste e Sul; o rechaço pela executiva nacional (apenas recauchutada após o mensalão), com o respaldo de Lula, à alternativa de passagem do núcleo dirigente ao grupo esquerdista de Tarso Genro, ou ao organizado em torno da ex-prefeita paulistana Marta Suplicy; e o salto do partido no Nordeste, propiciado pelo Bolsa-Família e outros programas assistencialistas, bem como pelo peso muito maior – econômico, social e político – do Estado, especialmente do governo federal, nas regiões menos desenvolvidas do país. Fator este bem evidenciado na conquista pelo petismo lulista dos governos da Bahia e de Sergipe e de numerosas prefeituras (para o que Petrobras teve papel relevante).

Ademais de representar os elementos quantitativos e qualitativos desse salto político e eleitoral, José Eduardo Dutra, sobretudo com a experiência e as relações construídas nas direções da Petrobras e da BR Distribuidora, está bem afinado com outro ingrediente importante dos objetivos do governo Lula, em boa parte levados à prática, e da perspectiva de sua candidata Dilma: a gestão da economia brasileira voltada a uma espécie de modelo chinês. Ou seja, com crescente papel das empresas estatais não na ótica anticapitalista de Hugo Chávez mas por meio de uma associação subordinada das empresas privadas. Associação que, com critérios pragmáticos, enseja oportunidades seletivas de bons negócios, e foi facilitada pelas respostas aos efeitos da crise econômica global – a necessidade de ampliação dos gastos governamentais, adotada como políticas anticíclicas temporárias nos países desenvolvidos e aqui concebida como permanente, sem preocupação com suas conseqüências sobre o déficit público. Mas tudo isso combinado com o realismo do respeito aos fundamentos da estabilidade macroeconômica (do que Lula foi convencido, no meio da campanha de 2002, por uma das raras lideranças do PT que defendem uma economia de mercado, o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci).

Eis alguns exemplos da prática dos objetivos estatizantes do Palácio do Planalto: pressões constantes contra os dirigentes da Embraer e da Vale, a ostensiva intervenção feita no Banco do Brasil, ameaças contra o Sistema S (não por causa do seu custo fiscal para os empresários mas a fim de submetê-lo ao controle estatal), o encaminhamento que vem sendo dado à definição dos critérios de exploração do pré-sal, a partidarização e o esvaziamento das agências reguladoras de serviços públicos.

A busca desse modelo de capitalismo de estado hoje associado à China ignora, obviamente, a enorme diferença existente entre as instituições pluralistas e a forte iniciativa privada do Brasil e as tradições e estruturas autoritárias dos chineses, mantidos sob controle do Exército e de partido único.

Dutra é igualmente bem afinado com o pragmatismo político-administrativo e o realismo eleitoral de Lula – a necessidade de subordinação do PT ao respaldo ao governo da maioria do PMDB nas duas casas do Congresso e a composições estaduais que facilitem à campanha de Dilma Rousseff. A postura que assume na entrevista de que, se fosse senador, votaria contra o afastamento do presidente Sarney, evidencia bem seu entrosamento com o Planalto e ignora as restrições de caráter ético de antiga retórica moralista do PT. O que ele faz calçado no novo e forte populismo lulista do Nordeste e de grandes parcelas com menor grau de escolarização do eleitorado da periferia das áreas metropolitanas das diversas regiões do país. Postura que se desdobrará em ações da direção do partido na montagem dos palanques estaduais de 2010. E que, após os pleitos de 2010, envolverá a disputa de espaço e de preservação ou aumento de empregos federais num governo de Dilma. Ou se centrará na preparação de uma volta de Lula em 2014.

Para analistas, tendência agora é de mais nomes na corrida presidencial

Clarissa Oliveira e Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A entrada da senadora Marina Silva (sem partido-AC) na corrida presidencial cria as condições para "pluralizar" a disputa, abrindo a porta para que outros candidatos se arrisquem a concorrer à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dizem analistas. Apesar de pairarem dúvidas sobre o potencial eleitoral da senadora, a avaliação é de que ela empurra para a corrida nomes como o deputado Ciro Gomes (PSB-SP).

Além de Ciro, outros tendem a cogitar uma candidatura, avalia o professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. É o caso do ex-governador do Rio Anthony Garotinho. "Não há dúvida de que a Marina abre a porta para uma disputa muito mais plural", afirma.

Isso joga por terra os planos do PT e do PSDB de travar uma eleição plebiscitária. Especialistas ainda evitam falar em terceira via, mas ressaltam que pesa a favor da senadora sua biografia. "É uma figura de origem humilde e carismática, como o presidente Lula", diz Fleischer.

A tese, porém, é de que levará um tempo até a população assimilar a nova candidatura. "É cedo para saber o que podemos esperar. Mas PT e PSDB vão ter de se redefinir", completa Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Apesar de especialistas avaliarem que Marina poderá tirar votos da ministra Dilma Rousseff, petistas não se dizem preocupados. "De todos os partidos, o que tem melhor condição de fazer o debate ambiental é o PT", afirmou o líder na Câmara, Cândido Vaccarezza, ao ressaltar a "parceria" com líderes do PV, como o deputado Zequinha Sarney, filho de José Sarney (PMDB-AP).

O ex-senador Roberto Freire, presidente do PPS, vê na saída de Marina uma "demonstração da metamorfose que o PT sofreu no governo". "Ela era uma militante histórica que se afastou, porque o governo do PT não teve o mínimo respeito com ela."

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Motorista confirma ida à Casa Civil

Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO

Warley Soares, motorista que atendia Lina Vieira, ex-secretária na Receita Federal, disse ontem que levou Lina diversas vezes ao Palácio do Planalto e, em determinadas ocasiões, recebeu instruções específicas para conduzi-la a reuniões na Casa Civil da Presidência da República. Assustado, ele não soube informar as datas das reuniões nem revelou detalhes que poderiam confirmar o suposto encontro de Lina com a ministra Dilma Rousseff. Mas confirmou que a entrada do carro oficial no Planalto é registrada na segurança da Presidência.

Motorista confirma ida à Casa Civil, mas sem data

Warley Soares afirma que várias vezes levou Lina Vieira, ex-secretária da Receita, para reuniões no Palácio do Planalto

BRASÍLIA. O motorista da exsecretária Lina Vieira na Receita Federal, Warley Soares, confirma que a levou diversas vezes ao Palácio do Planalto. Ele diz ainda que, em determinadas ocasiões, recebeu instruções específicas para conduzi-la a reuniões na Casa Civil da Presidência da República. Mas afirma não saber precisar datas ou episódios que confirmem ou não o suposto encontro em que a ministra Dilma Rousseff teria pedido a Lina para apressar investigações sobre empresas da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Motorista se diz assustado com repercussão do caso Chofer da cúpula da Receita há quatro anos, Warley, de 29 anos, deu entrevista ao GLOBO no início da noite de ontem e se disse assustado com a repercussão do caso. Em meia hora de conversa, a expressão que mais pronunciou foi “não sei”. No entanto, apontou três possibilidades de registro do encontro: a agenda de uma das três secretárias de Lina, os registros da segurança do Planalto, e o circuito interno de câmeras que filma a entrada e a saída de veículos e visitantes no Palácio.

Segundo o motorista, o itinerário de Lina era comunicado por telefone por uma das três secretárias dela. Essa era a senha para tirar o carro da garagem e esperar a chefe na portaria destinada às autoridades no Ministério da Fazenda, onde funciona a Receita Federal.

— A secretária liga e diz: “a doutora Lina tá descendo e tá indo para a Casa Civil.” Aí a gente já sabe que é o Palácio (do Planalto). Mas não sei com quem ela vai conversar.

Ao ser perguntado sobre datas, Warley foi evasivo. Disse não saber sequer se a ex-chefe esteve no local em dezembro passado, mês em que trabalhou até o dia 20. Segundo senadores da oposição, Lina teria afirmado reservadamente que o encontro aconteceu no dia 19.

— Não sei quantas vezes fui lá não. A data também eu não sei se foi a que ela citou — disse Warley.

Ele afirmou estar certo de que as câmeras do Palácio registraram todas as entradas e saídas do carro, um Vectra de cor prata e sem placa oficial, apreendido em operação da Receita. Warley contou que os motoristas de autoridades passam por apenas um controle, na guarita de entrada do Planalto. Ele afirmou que não apresentava documentos e se identificava apenas como motorista da secretária da Receita.

Em seguida, os seguranças pediam autorização para liberar o acesso à entrada da garagem junto ao elevador privativo, no subsolo.

— Deixava ela , subia e aguardava no estacionamento.

Tinha dia que era rápido e dia que demorava.

Segundo Warley, Lina é discreta e não costumava falar sobre sua rotina de trabalho ou as pessoas com quem iria se encontrar. Ele disse não ter memória de qualquer referência à ministra Dilma.

Ele diz não ter sido pressionado a pedir demissão Incomodado com a possibilidade de ser convocado a prestar depoimento, o motorista disse estar assustado com o assédio de jornalistas desde que Lina citou seu nome no Senado.

Ele mora em Taguatinga, cidadesatélite de Brasília, e não voltou para casa na terça-feira. Ontem, pediu para não ser fotografado.

— Estava chegando em casa e minha mãe me ligou avisando: “Olha, tá cheio de imprensa aí”.
Consegui passar a noite fora. Mas minha esposa tá lá, a minha filha também.

Warley acabou de pedir demissão da empresa Delta, que fornece mão de obra terceirizada ao órgão. Ele diz ter comunicado a saída na noite de segundafeira, horas antes de Lina citar seu nome na Comissão de Constituição e Justiça do Senado como testemunha do suposto encontro com Dilma. Mas afirma não ter sido pressionado e nega qualquer ligação entre a demissão e o confronto de versões entre a ex-chefe e a ministra da Casa Civil.

— Arrumei uma coisa melhor.

Fiz uma entrevista um mês atrás. Só coincidiram as datas — disse.

''O Parlamento está de costas para a sociedade''

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para especialista, defesa de interesses privados na Casa tem preço alto, com danos de difícil reparação

Cláudio Couto, doutor em ciência política pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e professor da Fundação Getúlio Vargas, é estudioso da área de conflitos e coalizões políticas - caracterísitcas d o pano de fundo da votação de ontem no Conselho de Ética do Senado. Para Couto, o cenário que levou ao arquivamento das denúncias e representações contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), custará caro ao Parlamento, que insiste em sustentar oligarquias em detrimento da opinião popular.

Como analisar o contexto dos arquivamentos?

O acordo entre a base do governo e a oposição indica que há uma oligarquia que compõe a classe política profissionalizada no Brasil e, particularmente, a classe parlamentar. Falo em termos de oligarquia porque em uma situação em que mesmo governistas e oposicionistas, que a rigor disputam ferrenhamente o poder, conseguem entrar em acordo sobre uma questão tão divisiva como essa. O fato é que todos têm a perder com a continuidade das investigações, e os interesses comuns entre oposição e governo vão contra interesses que são entendidos pela sociedade como interesses de toda a sociedade.

É a total dissociação da opinião popular?

Creio que sim. O Parlamento está de costas tanto para a opinião pública quanto para a opinião social mais ampla. A sociedade de um modo geral se vê evidentemente contrariada com esse tipo de arquivamento, que ao meu entender solapa a legitimidade do Parlamento. Cada vez que o Parlamento toma decisões para proteger interesses privados de seus membros, entendidos eles como uma corporação, as pessoas vão entender que o Congresso é formado por um grupo de pessoas preocupado unicamente com os seus próprios ganhos, ilegítimas para ocupar os cargos que ocupam e transferindo essa ilegitimidade para a própria instituição. Esse é o preço mais alto que se paga.

Como avalia o desenvolvimento da crise no PT?

É uma crise porque é o principal partido do governo, o partido do presidente, e o presidente deixou muito claro desde o começo do processo que queria a preservação de José Sarney. Se o seu próprio partido tem uma divisão interna e tem gente que acha que o presidente está errado, é uma crise importante dentro do PT. Sobretudo quando algumas dessas lideranças são muito importantes dentro do partido. É complicado para eles justamente nessa hora em que princípios éticos estão sendo jogados fora pelo PT e em que o uso da coisa pública para fins privados pelo presidente do Senado se tornou tão evidente. Não é uma crise insuperável, mas não quer dizer que algumas cicatrizes não vão permanecer. Já há tantas cicatrizes no PT e essa seria mais uma.

Como reformar uma instituição desacreditada?

Em um prazo muito longo, com uma conduta diferenciada dos parlamentares. Mais um escândalo como esse mantém as coisas no péssimo nível que já se encontram. A recuperação vai demorar ainda mais.

Marina sai do partido e diz não ter mais ilusão

Marta Salomon
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ao anunciar a saída do PT, no qual militou por quase 30 anos, a senadora Marina Silva (AC) disse não ter mais a ilusão de partidos perfeitos.

A senadora não confirmou a filiação ao PV para disputar a eleição ao Planalto, mas tem tempo para isso.

Em carta encaminhada ao presidente do PT, a ex-ministra do Meio Ambiente afirma não ver mais espaço no partido para suas ideias.

Marina evitou comentários sobre Dilma Rousseff, mas deixou claras as diferenças entre elas.


Marina deixa PT e diz não ter mais ilusão

Após 30 anos de militância petista, senadora deve se filiar em breve ao PV, mas resiste a já se declarar candidata à Presidência

Em carta enviada a Berzoini, Marina afirma que não via chances de o PT encampar o projeto de desenvolvimento sustentável que ela defende


Ao anunciar ontem a saída do PT, no qual militou por quase 30 anos, a senadora Marina Silva (AC) disse não ter mais a ilusão de que haja partidos perfeitos no Brasil. "Já tive uma visão idealista, hoje tenho a clareza de que todos [os partidos] têm problemas a serem saneados."

Marina deixou para mais adiante a resposta ao convite para se filiar ao PV e disputar a eleição ao Planalto. A legislação lhe dá prazo até o início de outubro para a nova filiação partidária. A decisão sobre candidatura poderá ficar para 2010.

Mas ontem mesmo a senadora disse que não levava em consideração a possibilidade de recusar o convite feito três semanas antes. "Se mesmo aqueles que são candidatos desde que nasceram dizem que não são candidatos, por que eu?, enfim...", desconversou.

A saída do PT foi comparada por Marina à decisão que tomou 35 anos atrás, quando deixou o seringal Bagaço, no interior do Acre, onde morava com o pai e seis irmãos menores, para estudar e cuidar da saúde em Rio Branco. "Não foi fácil. Vocês não podem imaginar o que significava aquilo para uma adolescente analfabeta que mal conhecia a cidade." Aos 16 anos, o sonho de Marina era ser freira. Aos 51, diz que sonha com "um Brasil sustentável".

Na carta encaminhada por fax ao presidente do PT, Ricardo Berzoini, pouco antes do anúncio, Marina afirma não ver mais espaço no partido para suas ideias. Tampouco via chances de o PT encampar um projeto de desenvolvimento sustentável nos moldes em que ela defende e que enfrenta resistências, diz ela, em vários partidos e setores da sociedade.

"É o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido do qual fiz parte por quase 30 anos", afirma a carta.

A saída do PT foi acompanhada de sinais de cautela. Ela insistiu em que não estimula novas defecções petistas.

Marina não conversou com Lula sobre a decisão anunciada ontem. Disse ter "imensa gratidão" ao presidente, entre outros motivos pelo convite para ser ministra do Meio Ambiente, cargo que exerceu por "cinco anos, cinco meses e 14 dias".

Ao falar do presidente, lembrou as críticas feitas na época da fundação do PT ao suposto enfraquecimento da frente de políticos reunidos no MDB: "Fico imaginando se Lula tivesse ficado diluído no PMDB e não tivesse construído o PT".

Agora, diferentemente de Lula, que investe numa sucessão plebiscitária em 2010, ela defende o lançamento de várias candidaturas ao Planalto.

Evitou fazer comentários sobre a pré-candidata do PT, mas deixou claras as diferenças entre as duas. "A ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] tem os pontos de vista dela, os defende.

Tenho os meus. Sempre encontrei na sociedade o respaldo suficiente para manter a coerência e até mesmo o pescoço", disse, em referência às pressões que sofreu no comando do Meio Ambiente. Na época, chegou a afirmar que "perdia o pescoço, mas não perdia o juízo".

Nascida na Amazônia, Marina Silva só foi alfabetizada aos 16 anos. Formou-se em história, cursou especialização em teoria psicanalítica. Filiou-se ao PT em 1985 e ajudou a fundar o partido no Acre. Sua atividade parlamentar começou em 1988, como vereadora. Em 1995, chegou ao Senado. Em 2002, foi reeleita para o atual mandato de senadora, mas saiu para assumir o ministério. Deixou o posto ao se ver sem apoio de Lula para enfrentar pressões do agronegócio contra o combate ao desmatamento.

Arns: 'Eu me envergonho de estar hoje no PT'

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Na segunda baixa no mesmo dia, senador deixa o partido acusando a legenda de jogar a bandeira da ética no lixo

BRASÍLIA. Não bastasse o desgaste de impedir a investigação sobre o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), outro duro revés para o PT ontem foi provocado pelo senador Flávio Arns (PT-PR), que anunciou sua saída do partido num discurso contundente contra a interferência do Planalto e da cúpula partidária na decisão do Conselho de Ética. Foi a segunda baixa na bancada do PT, no mesmo dia, que passou a ter dez senadores.

Horas antes, a senadora e ex-ministra Marina Silva (AC) deixara o partido. Emocionado, Arns disse que o PT jogou a ética no lixo, e que estava com vergonha de seus eleitores.

Arns foi ao Conselho anunciar sua decisão. Ele apresentará um recurso ao Tribunal Superior Eleitoral para manter o mandato, argumentando que o PT traiu sua bandeira ética. Mas deixou claro que está disposto a perder um ano de mandato, caso a Justiça entenda que o partido está correto nesse episódio.

— O PT jogou a ética no lixo.

Vai ter de achar outra bandeira, depois da nota de seu presidente.

O partido deu as costas para a sociedade, para o povo e para as bandeiras que sempre foram tão caras a tantas pessoas. Posso dizer que me envergonho de estar hoje no PT. Quero dizer isso a todos os meus eleitores.

Pensei que as nossas bandeiras eram para valer, não de mentira, eleitorais. Infelizmente, me equivoquei — discursou Arns, com elogios ao senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, que teve arquivada representação contra ele no Conselho: — Já o senador Arthur Virgílio é um batalhador para que este país seja melhor.

Arns atacou os colegas Ideli Salvatti (PT-SC), Delcídio Amaral (PT-MS) e João Pedro (PTAM) pela participação no arquivamento das denúncias: — Os senadores do PT que participaram da votação terão de prestar conta nos estados e dizerem por que mudaram de posição, já que concordaram com a primeira posição da bancada, de que Sarney devia se licenciar do cargo e que as denúncias deviam ser investigadas.

Em jantar, Lula tentou enquadrar a bancada Eleito senador em 2002, Arns já foi deputado pelo PSDB. Deixou o partido após apoiar uma CPI contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Ele já recebeu convite para voltar ao PSDB, além de propostas de PDT, PPS, PSB e PSOL.

— Ainda não decidi para onde vou. Estou disposto a perder o último ano do meu mandato se o TSE achar que o partido está certo. O que não estou disposto é a atuar em desacordo com a minha consciência. Só entrei no partido por causa de um programa em que a ética era fundamental — disse Arns.

Ele citou constrangimentos impostos ao PT, como o jantar em que o presidente Lula tentou enquadrar a bancada: — Os senadores petistas ficaram numa posição subalterna.

Se você é eleito senador, tem que aguentar pressão. O acordo PMDB-PT está estampado em favor da governabilidade. Tudo isso é muito deprimente.

Absolvição de Sarney e saída de Marina estremecem o PT

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti – Brasília
DEU EM O GLOBO

No mesmo dia em que ajudou a enterrar as investigações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o PT sofreu uma baixa importante para 2010: a senadora Marina Silva CAC), ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, deixou o partido. Marina alegou insatisfação com a política ambiental do PT e do governo e estuda disputar a Presidência da República pelo PV. No Conselho de Ética do Senado, por ordem do Planalto, os petistas Ideli Salvatti, Delcídio Amaral e João Pedro declararam, em voz quase inaudível, o "não" que ajudou a salvar o aliado Sarney. A votação terminou 9 a 6 e desautorizou o líder petista, Aloizio Mercadante, que se recusou a ler a carta do presidente do PT, Ricardo Berzoini, orientando o voto pró-Sarney. Em protesto, o senador Flávio Arns (PR) anunciou que deixará o partido: "O PT jogou a ética no lixo, eu me envergonho de estar hoje no PT." As saídas de Marina, evangélica, e de Arns, ligado à Igreja Católica, representam também um baque no eleitorado petista religioso.

No mesmo dia, PT salva Sarney e perde Marina

Partido enterra investigação por ordem de Lula, sofre duas baixas no Senado e entra em crise

No mesmo dia em que a senadora Marina Silva anunciou sua saída do PT, depois de 30 anos no partido, os petistas seguiram a determinação do presidente Lula e ajudaram a enterrar as investigações sobre o presidente do Senado, José Sarney (PMDBAP), no Conselho de Ética. Marina deixou o PT, rumo ao PV, insatisfeita com a política ambiental do governo Lula, do qual já foi ministra, e era também crítica da defesa de Sarney feita pelos agora ex-companheiros. Após a sessão do Conselho de Ética, a bancada do PT, que tinha 12 integrantes, perdeu mais um senador: Flávio Arns, do Paraná, disse que não suporta mais a vergonha de ficar no partido e anunciou sua saída.

Em pouco mais de 30 minutos, com votação em bloco, os três senadores do PT no Conselho de Ética deram os votos decisivos para engavetar todos os 11 pedidos de investigação de supostos crimes de nepotismo, tráfico de influência, desvio de recursos públicos e envolvimento com atos secretos contra Sarney.

Por nove votos a seis, foram rejeitados os recursos da oposição contra o arquivamento das seis denúncias e cinco representações apresentadas por PSOL e PSDB. Com a voz quase inaudível, os senadores Ideli Salvatti (PT-SC), Delcídio Amaral (PT-MS) e João Pedro (PT-AM) anunciaram o voto “Não” que salvou Sarney.

A operação no Conselho de Ética, que também acabou absolvendo, neste caso por unanimidade, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), provocou um racha sem precedente na bancada petista: o líder Aloizio Mercadante (SP) foi desautorizado publicamente pelo presidente do partido, o deputado Ricardo Berzoini (SP), e, antes mesmo do fim da sessão, o senador Flávio Arns (PR) anunciou sua saída do PT. Foi a segunda baixa no dia, já que Marina Silva anunciara, horas antes, sua decisão de deixar o partido.

— Hoje é um dia, me perdoe o PT, o dia em que o PT abraça o Sarney e o Collor e em que a Marina sai do PT. Com toda sinceridade, eu não sei quem representa o PT lá na origem hoje.

Se é o Lula do Sarney, ou se é a Marina.

Triste dia este para o senador Sarney — resumiu o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

Dilma e Gilberto Carvalho comandaram do Planalto

Para garantir o arquivamento dos 11 processos contra Sarney, os votos dos três representantes do PT no Conselho de Ética eram considerados essenciais. Desde a véspera os líderes Renan Calheiros (PMDB-AL), Aloizio Mercadante, Romero Jucá (PMDB-RR) e Ideli Salvatti se reuniram com Gilberto Carvalho, chefe de Gabinete de Lula, e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para combinar o script da votação no Conselho.

Caberia a Mercadante ler a carta de Berzoini orientando o voto pró-Sarney. Isso sustentaria a posição dos três petistas. Na hora, Mercadante se recusou a ler a carta, tarefa que coube a João Pedro. E os petistas ainda foram constrangidos por Mercadante, que fez questão de reiterar que a maioria da bancada divergia da posição adotada pelos três.

— A bancada do PT, e acho que falo pela maioria, preferia uma análise seletiva das denúncias contra o presidente do Senado, especialmente a relativa à publicação dos atos secretos.

Mas também tenho de reconhecer que a decisão do governo tem sido diferente da bancada — salientou Mercadante, diante dos olhares perplexos de Renan e Jucá.

Imediatamente, o senador João Pedro passou a ler a nota de Berzoini e admitiu que cumpriria a decisão sem discutir. O presidente do PT orientava a bancada do Senado a votar pelo arquivamento das denúncias contra Sarney alegando que a crise enfrentada pela instituição estaria sendo alimentada pela oposição em função da disputa eleitoral do próximo ano.

“(...) Oriento os senadores do PT que fazem parte do Conselho de Ética que votem pela manutenção do arquivamento das representações em relação aos senadores representados, como forma de repelir essa tática política da oposição, que deseja estabelecer um ambiente de conflito e confusão política, no momento em que os grandes temas do Brasil, como o marco regulatório do pré-sal e as estratégias para superação da crise internacional, são propostos pelo presidente Lula como pauta para o necessário debate nacional”, escreveu Berzoini na nota lida por João Pedro.

Foi o estopim para protestos da oposição.

— Trata-se de uma dramática confissão da falta de coerência do PT, que deveria ter assumido desde o primeiro momento que iria proteger o presidente do Senado — disparou o presidente do PSDB e titular do Conselho de Ética, Sérgio Guerra (PE).

Arquivadas as 11 representações contra Sarney, o Conselho passou então à análise do processo contra Virgílio. Apesar da sinalização do plenário de arquivar também a representação contra ele, o líder tucano fez questão de rebater cada uma das denúncias apresentadas pelo PMDB. A mais grave delas, de que teria mantido empregado em seu gabinete por 18 meses um funcionário que estava morando na Espanha.

— Já admiti o meu erro e estão aqui as guias de recolhimento mostrando que devolvi aos cofres do Senado os R$ 328.723,67 gastos pela instituição com esse funcionário — disse Virgílio.

O processo foi arquivado por unanimidade, com 15 votos não. Virgílio ainda recebeu a solidariedade de praticamente todos os integrantes do Conselho, como de outros parlamentares que só passaram pela reunião para elogiar sua postura de enfrentar as acusações. Entre eles, Flávio Arns, que aproveitou a oportunidade para lamentar de forma enfática a atitude dos colegas de partido contra a investigação sobre Sarney.

Sarney comemora e se diz aliviado

Demóstenes Torres (DEM-GO) confirmou que a oposição pretende recorrer ao plenário contra o arquivamento das investigações sobre Sarney.

O líder do PSOL, José Nery (PA), ficou de reunir as nove assinaturas necessárias para isso. Mas o líder do governo no Senado, Romero Jucá, disse que não há amparo regimental: — Acaba-se uma etapa aqui, não pode se olhar o tempo todo para trás. Pelo regimento do Conselho, não cabe recurso para o plenário. Entendo que, se fizerem isso, a Mesa do Senado não dará guarida. É preciso haver a recuperação e, se possível, a ressurreição do Senado.

Caso a Mesa rejeite o recurso da oposição, o líder do PSOL antecipou que pretende apelar ao Supremo Tribunal Federal: Com o Senado fechado pela segurança, no início da tarde, cerca de 30 manifestantes e estudantes com os rostos pintados com as cores verde e amarela, e com dizeres “Fora Sarney”, fizeram um protesto em frente ao Congresso.

Carregavam um caixão e faixas pedindo: “Investiguem, julguem e prendam Sarney”.

Naquele momento, Sarney estava no Salão Nobre para receber o presidente de Serra Leoa, Ernest Bai Koroma. Embora os seguranças tentassem afastar os manifestantes, Sarney não desceu a rampa para receber o visitante.

O senador e o convidado assistiram ao protesto do Salão Nobre. Ao presidente de Serra Leoa, Sarney explicou que estava acompanhado de poucos senadores porque naquele momento não havia sessão. Os autores do protesto seguiram em marcha pela Esplanada dos Ministérios, e Sarney pôde receber o convidado sem problemas.

Sarney encerrou o dia comemorando o engavetamento total das denúncias. Alheio às manifestações nas ruas por sua saída da presidência, passou sorridente pelo plenário e disse acreditar que terá uma fase de tranquilidade.

— Acho que todos nós ficamos (aliviados), porque ultrapassamos uma fase. Acho que vai normalizar a Casa — afirmou.

Na véspera, ele coordenara em seu gabinete reunião sobre a estratégia da tropa de choque para o dia seguinte.

PT ajuda a engavetar caso Sarney e entra em crise

Eugênia Lopes e Christiane Samarco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Senado arquiva denúncias, e petista diz que partido "jogou a ética no lixo"

Com os votos dos três integrantes petistas, o Conselho de Ética arquivou ontem as denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o tucano Arthur Virgílio (AM). A decisão, que integrou o “acordão" selado entre líderes governistas e a oposição, abriu uma crise sem precedentes na bancada petista. Flávio Arns (SC) anunciou que vai deixar o partido, horas depois da saída de Marina Silva (AC), que deve ir para o PV disputar a Presidência. "O PT jogou a ética no lixo e vai ter de achar outra bandeira", discursou Arns. A posição do PT, submissa à orientação do Planalto, que mandou votar a favor de Sarney para preservar a aliança com o PMDB para 2010, foi o destaque da sessão do conselho. O líder petista, Aloizio Mercadante (SP), queria reabrir pelo menos uma denúncia, mas não teve sucesso - Renan Calheiros (PMDB-AL) havia dito ao presidente Lula que não aceitaria “jogo para a plateia" e queria todos os votos do PT. Ontem, Renan defendeu a "parceria" em nome da “defesa da governabilidade".

Acordão enterra caso Sarney e abre crise no PT

Inconformado com orientação do partido, Flávio Arns anuncia desfiliação e demais petistas criticam líder

Com os votos dos três representantes do PT, o Conselho de Ética absolveu ontem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder dos tucanos, o senador Arthur Virgílio (AM). O arquivamento de todas as denúncias e representações, que fazia parte do "acordão" selado na semana passada entre líderes governistas e a oposição, abriu uma crise sem precedentes na bancada petista. Flávio Arns (PT-SC) avisou que vai deixar o partido. Horas antes, a senadora Marina Silva (AC) também anunciou que estava saindo do PT

"O PT jogou a ética no lixo e vai ter de achar outra bandeira. O partido deu as costas para a sociedade e para o povo", disse Arns ao anunciar que deixará o partido. A posição petista, totalmente submissa à orientação do Planalto, que mandou votar a favor de Sarney para preservar a aliança com o PMDB para 2010, foi o destaque da sessão do conselho.

Sob vigilância do líder peemedebista, Renan Calheiros (AL), o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), não conseguiu pôr em prática a proposta de reabrir pelo menos uma denúncia contra Sarney - falava em manter a investigação da denúncia sobre o namorado de uma neta de Sarney que foi nomeado para trabalhar no Senado por ato secreto. Renan havia dito ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não aceitaria "esse jogo de cena para a plateia" e queria os três votos do PT no apoio ao presidente do Senado.

O arquivamento das seis denúncias e cinco representações contra Sarney, por quebra de decoro, ocorreu 70 dias depois de o Estado revelar, no dia 10 de junho, a existência de atos secretos que beneficiaram seus parentes e apadrinhados, além das reportagens sobre a casa de R$ 4 milhões não declarada à Justiça Eleitoral e o desvio de dinheiro público na Fundação Sarney.

"A dureza do processo político consolida parcerias e alianças. Está ficando clara a necessidade de estarmos juntos na defesa da governabilidade", disse Renan. Mesmo não integrando formalmente o conselho, ele participou de toda a reunião. Pronunciou-se uma única vez, para avisar que o PMDB se sentia "suficientemente esclarecido" com as explicações de Virgílio e votaria pelo arquivamento das denúncias contra ele.

Duas horas antes do início da reunião do conselho, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), divulgou nota orientando a bancada a votar pelo arquivamento das representações contra Sarney. A nota veio na sequência da reunião, terça-feira à noite, com o deputado Michel Temer (PMDB-SP), os senadores Sarney, Romero Jucá (PMDB-RR) e Lobão Filho (DEM-MA), além da anfitriã, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, e o ministro Edison Lobão (Minas e Energia). Na reunião, eles receberam a garantia dos três votos do PT (João Pedro/AM, Delcídio Amaral/MS e Ideli Salvatti/SC) e concluíram que Sarney não corria mais nenhum risco.

Para engavetar os processos, Berzoini alegou que a oposição alimentou a crise política no Senado de olho em 2010, fez uma "manipulação hipócrita dos interesses eleitorais" e investiu no fim da aliança entre PMDB e PT. A nota justificando a posição dos petistas foi lida por João Pedro.

Diante da evidência do "acordão", o senador Pedro Simon (PMDB-RS), foi ao ataque. "Hoje é o dia que o PT abraça o Sarney e o Collor e a Marina sai do partido", definiu. O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL) faz parte da tropa de choque pró-Sarney.

As votações no conselho duraram cerca de uma hora. Os governistas aprovaram requerimento para que as seis denúncias e as cinco representações contra Sarney fossem votadas em dois blocos, sem necessidade de derrubar uma a uma.

PT obedece a Lula e salva Sarney

Valdo Cruz e Andreza Matais
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Petistas votam para arquivar todos os processos contra o presidente do Senado no Conselho de Ética

Após determinação direta do presidente Lula, senadores petistas deram os votos necessários para que fossem arquivados no Conselho de Ética todos os processos contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP).

Com apoio dos três petistas - Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM)-, as 11 ações movidas contra Sarney foram enterradas pelo placar de 9 a 6 em duas votações. Visivelmente constrangidos, muitos senadores optaram por votar fora do microfone.

Em seguida, foi arquivado o processo contra o líder do PSDB, Arthur Virgilio (AM).

A votação petista expôs um racha da legenda no Senado. O senador Flávio Arns (PR) afirmou que a sigla "jogou a ética no lixo". "Tenho vergonha de estar no PT."

Em nota, Ricardo Berzoini, presidente do partido, disse que o Conselho de Ética não era isento para julgar Sarney e Virgílio e que as ações pretendiam minar a base governista.

PT obedece a Lula e enterra os processos contra Sarney

Planalto garantiu os votos que absolveram o presidente do Senado no Conselho de Ética

PMDB acena trégua e engaveta acusações contra líder tucano; "hoje é o dia em que o PT abraçou Sarney e Collor", diz Pedro Simon

Após intervenção direta do Palácio do Planalto na bancada do PT, os senadores petistas deram ontem os votos necessários para arquivar todos os processos contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), no Conselho de Ética.

Com apoio dos três petistas -Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM)-, os 11 processos contra Sarney foram mantidos arquivados pelo placar de 9 a 6 em duas votações. Entre as acusações contra ele estava a de usar o cargo para cometer irregularidades como a nomeação e exoneração de parentes por atos secretos.

Muitos senadores votaram fora do microfone, visivelmente constrangidos. "Por todos os acontecimentos, isso foi desconfortável", disse Delcídio.

Em seguida, não só com o apoio do PT mas também do PMDB, foi arquivado, em definitivo e por unanimidade, o processo contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

O PMDB foi o autor da representação contra o tucano e, mesmo assim, deu seus três votos para arquivá-la. Entre as denúncias estava a de que ele manteve funcionário fantasma no seu gabinete.

O enquadramento petista foi decidido na manhã de ontem, antes da sessão do conselho, durante reunião na sede provisória do governo Lula com o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho.

A posição dos petistas no Conselho de Ética transformou o PT em alvo das críticas e expôs publicamente o racha do partido no Senado por conta da interferência presidencial.

"Hoje é o dia em que o PT abraçou Sarney e Collor, e a Marina [Silva] saiu", resumiu o Pedro Simon (PMDB-RS). "O PT arrebentou hoje sua história", afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

As críticas não ficaram restritas à oposição. Vieram até dos próprios senadores do PT, como Flávio Arns (PT-PR), que anunciou que deixará o partido. Líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti ouviu a tudo calada diante da determinação do presidente Lula de salvar Sarney, transmitida mais cedo por Gilberto Carvalho.

Na reunião, o chefe de gabinete presidencial voltou a recorrer ao argumento de que, se o PT não votasse com Sarney, haveria o risco de um rompimento com o PMDB, criando dificuldades para a governabilidade e atrapalhando a aliança para eleger a ministra Dilma Rousseff sucessora de Lula.

Estavam presentes o presidente do PT, Ricardo Berzoini, Mercadante e os três representantes do partido no conselho. Ao final da reunião, ficou combinado que a senha para o voto dos petistas seria uma nota de Berzoini dizendo que o Conselho de Ética não tinha isenção para julgar Sarney e Virgílio.

"A forma como as denúncias concentram-se no presidente do Senado não deixa dúvidas de que, mais que apurar e reformar, a pretensão é incidir nas relações entre partidos, que apoiam o governo ou que podem constituir alianças para as eleições nacionais e estaduais do próximo ano", diz a nota.

Principal interessado, Sarney acompanhou a sessão de seu gabinete. Comentou com assessores que a nota refletia o seu pensamento sobre a crise.

Após a sessão, Sarney se reuniu com aliados. Do líder do PMDB, Renan Calheiros, ouviu que ele espera que a oposição entenda a votação unânime a favor de Arthur Virgílio como uma trégua. Caso contrário, a tropa de choque governista retomaria a guerra.

Questionado se a crise estava superada, Sarney disse que espera que a Casa volte à normalidade.
"Acho que todos estamos [satisfeitos] porque ultrapassamos uma fase", disse.

A oposição prometia ontem recorrer no plenário do Senado da decisão do Conselho de Ética de arquivar as 11 denúncias contra Sarney. A Consultoria da Casa, no entanto, já elaborou parecer no qual informa que não cabe recurso, pois a questão se esgota no Conselho.

Apesar do arquivamento das denúncias contra Sarney no Senado, outras investigações continuam. O Ministério Público Federal do Distrito Federal apura de quem eram as ordens para que os atos administrativos não fossem publicados.

Já o Ministério Público Federal no Maranhão investiga a Fundação José Sarney em razão da suspeita de que ao menos R$ 500 mil dos recursos repassados pela Petrobras à entidade tenham sido desviados para empresas fantasmas e empresas da família do senador -outro fato que o Senado optou por não investigar.

Zeca Pagodinho - Caviar

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