No mesmo dia em que a senadora Marina Silva anunciou sua saída do PT, depois de 30 anos de militância, por “falta de condições políticas” para avançar na sua luta “de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas”, a bancada do PT votou em peso a favor do presidente do Senado, José Sarney, depois de passar pelo vexame de levar um carão público do presidente do PT, Ricardo Berzoini, que fez ler no plenário da Comissão de Ética um documento que desautorizava a orientação do líder Aloizio Mercadante de votar a favor da abertura de um processo sobre os atos secretos
São dois assuntos que se cruzam nesse inferno astral em que vive o Partido dos Trabalhadores, que abandonou seu compromisso com a ética na política há muito tempo e, a cada dia, se torna um simples fantoche nas mão do presidente Lula.
O PT sangra em público, a ponto de um de seus mais destacados senadores, Flávio Arns, ter se confessado ontem “envergonhado” de fazer parte do partido, do qual pretende sair.
O papelão foi completo ontem na Comissão de Ética, a começar pelo líder Mercadante, que foi desautorizado pelo presidente do seu partido e pelos três senadores que votaram a favor de Sarney, e mesmo assim decidiu continuar na liderança, que já não exerce.
Os senadores Delcídio Amaral e Ideli Salvatti, que alegavam não querer votar a favor de Sarney para não se exporem ao veto dos eleitores em 2010, o fizeram envergonhadamente, em voz sussurrada, quase escondidos nas últimas filas do plenário.
O que importa ao presidente Lula não é mais a preservação do partido que ajudou a fundar, mas um projeto político pessoal, no qual o PMDB é mais importante do que o PT.
Eleger a ministra Dilma Rousseff como sua sucessora virou obsessão, e nada o fará entrar em atrito com o PMDB, atrás dos minutos da propaganda eleitoral. O PT, como partido, não tem alternativa, e todos os seus candidatos em 2010 julgam que a presença de Lula em seus palanques fará desaparecer eventuais decepções dos eleitores petistas.
É aí que a candidatura da senadora Marina Silva pode desestabilizar a estratégia lulista, que pretende fazer da eleição de 2010 um plebiscito entre seu governo e a proposta da oposição. Dilma Rousseff entraria nessa equação como simples figuração.
O problema é que Marina aparece como uma alternativa para eleitores insatisfeitos, para uma classe média envolvida na luta ambiental, e a disputa entre ela e a superministra Dilma Rousseff é a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita com a preocupação com a preservação dos bagres, que atrasa a construção de hidrelétricas.
Quando anunciou a líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, em 2003, o presidente Lula tratou a escolha como uma mensagem ao mundo de que, a partir dali, a Amazônia passaria a ser tratada de maneira diferente.
Lula saíra de uma campanha presidencial vitoriosa, na qual defendia que o Brasil deveria se preocupar primeiro em matar a fome dos mais pobres, para só então exportar “as sobras”. Era o tempo em que ainda prevalecia no governo a tese de que a agricultura familiar deveria ter primazia sobre o agronegócio.
O Fome Zero desapareceu para dar lugar ao Bolsa Família; as exportações agrícolas são a base principal de nossa balança comercial, e Lula acabou sendo acusado até por “companheiros” como Chávez e Fidel Castro de estar priorizando os biocombustíveis em detrimento da produção de alimentos, o que provocaria a alta do preço internacional da comida.
O substituto de Marina, o verde Carlos Minc, foi escolhido porque, além de se dar bem com a superministra Dilma Rousseff — foi seu companheiro no tempo da luta armada —, o governador Sérgio Cabral elogiou para o presidente Lula a maneira “moderna” com que ele lidava com a questão ambiental no Rio.
A saída de Marina, por discordar do modelo de desenvolvimento, foi vista no mundo como um sinal de que o governo Lula virava as costas para a maior defensora da Amazônia, com o dizia na ocasião o jornal espanhol “El País”, talvez o mais importante da Europa atualmente.
A última derrota de Marina foi consequência da decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS), o que a fez deixar o Ministério do Meio Ambiente.
A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “a MP da Grilagem”, que caiu como uma bomba entre os ambientalistas do mundo inteiro, é a operacionalização das ideias contidas no PAS.
A Climate Action Network (CAN), uma reunião internacional de organizações não governamentais que promove ações para reduzir a níveis “ecologicamente sustentáveis” as ações humanas que provocam a mudança climática, soltou um documento criticando o governo brasileiro.
A lei permite a legalização de 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia, até o limite de 1.500 hectares. Empresas que ocuparam terras públicas até 2004 também teriam direito às propriedades. Pressões fizeram com que o governo vetasse, na totalidade, o artigo 7º da medida e o inciso II do artigo 8oque tratavam da transferência de terras da União para as pessoas jurídicas e para quem não vive na Região Amazônica.
Mas outros vetos, como à possibilidade de venda dos terrenos no período de dez anos após a regularização, ou ao artigo que prevê apenas uma declaração do ocupante da terra como requisito suficiente para a regularização fundiária, não foram feitos por Lula.
A ida de Marina Silva para o PV deve ter como consequência a saída do partido da base aliada do governo.