Gustavo Uribe, Valdo cruz, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Em estratégia para tentar desarmar eventuais manobras no processo de impeachment, o governo Dilma Rousseff recorrerá ao STF (Supremo Tribunal Federal) para evitar que as regras da votação sejam estabelecidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O pedido tem como objetivo induzir a Suprema Corte a estabelecer um rito para a votação do impedimento em plenário e impedir o peemedebista de criar regras que influenciem deputados federais a se posicionarem favoravelmente à saída da petista.
A ideia é que a medida seja protocolada nos próximos dias por parlamentares do PT ou do PCdoB, evitando que o governo entre de maneira antecipada na estratégia de judicializar o processo de impeachment, o que deve ocorrer apenas ao fim do trâmite na Câmara.
O Planalto defende que seja repetido no caso da petista o rito adotado na votação de afastamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Na época, o então presidente da Casa Legislativa, Ibsen Pinheiro, marcou a votação para um dia de semana e fez a chamada por ordem alfabética.
O peemedebista pretende marcar a votação para o dia 17 de abril, um domingo, para coincidir com uma possível manifestação em frente ao Congresso e permitir uma maior audiência televisiva que poderia constranger os contrários ao impeachment.
Além disso, quer fazer a chamada por Estados, iniciando pelo Rio Grande do Sul, majoritariamente contrário à petista, e deixando o Nordeste, em tese mais favorável à presidente, para o fim. O objetivo é criar uma onda pró-impeachment durante a votação.
A intenção de Cunha causou apreensão ao Planalto. Nas palavras de um assessor presidencial, nessas condições, há o risco de que o "jogo vire" e que o governo não consiga segurar o voto até mesmo de deputados que hoje garantem apoio à petista.
Além disso, o receio é que, em um ambiente favorável ao impeachment, parlamentares ainda indecisos acabem sendo induzidos a apoiar o afastamento da petista.
Nesta quinta-feira (7), Cunha disse que só anunciará as regras detalhadas da votação final do impeachment no dia da votação, mas antecipou que não seguirá a ordem alfabética. "Vou interpretar o regimento na hora", afirmou.
"Não tem previsão regimental para isso, foi uma decisão política adotada pelo presidente na época. Com certeza absoluta não vou seguir esse critério. Não entendo que qualquer ordem beneficie quem quer que seja", disse.
Outro ponto de discórdia refere-se à chamada oral de eventuais faltosos. O governo manobra para esvaziar o plenário no dia da votação, já que a ausência é benéfica para a presidente. É preciso pelo menos 342 dos 513 votos para que o pedido seja enviado ao Senado, que terá de confirmá-lo.
Ciente disso, Cunha pretende fazer sucessivas chamadas dos faltosos no microfone. Ele disse que, com certeza fará uma segunda chamada e, talvez, uma terceira.
O peemedebista confirmou ainda que irá abrir mão da neutralidade assegurada ao presidente e que irá votar no dia da análise final do pedido. "Eu votarei, é um direito meu, o Ibsen votou em 1992".
Nesta quinta-feira (7), oposição e governo não chegaram a um acordo sobre a reta final do trabalho da comissão especial do impeachment. Com isso, o presidente do colegiado, Rogério Rosso (PSD-DF), decidiu estabelecer ele mesmo um cronograma.
Pelo que foi definido, a votação do relatório na comissão especial deverá ocorrer na noite de segunda-feira (11) e, na sexta-feira (15), terá início a apreciação no plenário, que deverá se estender por pelo menos três dias, com conclusão prevista para o domingo (17).
Raridade
Apesar de pouco usual, a movimentação prevista para um fim de semana na Câmara dos Deputados já se repetiu em outros momentos —e por outros motivos.
No dia 2 de fevereiro de 2003, um domingo, o ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Câmara com 434 votos.
Na ocasião, ele defendeu urgência na definição do "ritmo de tramitação das reformas previdenciária, tributária e política".
Atual presidente da Câmara, o próprio Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ocupou o cargo em um domingo, em fevereiro do ano passado.
Anos antes, no governo Collor, ao menos dois projetos de lei foram votados em sessões extraordinárias realizadas em um fim de semana de dezembro de 1991.
O PL 21-55/91, sobre impostos de propriedades e territórios rurais, entrou em plenário no dia 14, um sábado.
No dia seguinte, entrava em votação o PL 21-58/91, que pautava subsídios de equalização de custos do açúcar.
De acordo com os artigos 66 e 67 do Regimento Interno da Câmara, a convocação de sessões extraordinárias é uma atribuição do presidente da Câmara.
Segundo o documento, não há impedimento em realizá-las durante finais de semana e até feriados.