sexta-feira, 10 de outubro de 2008

FRASE SELECIONADA

“As disputas humanas, em geral, decorrem do fato de existirem, ao mesmo tempo, sábios e ignorantes, constituídos de maneira a verem apenas um lado dos fatos ou das idéias, cada um julgando ser a face que vê a única verdadeira, a única boa”.

(Balzac, na obra A Prima Bete, 1846)

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1113&portal=

Niemeyer declara apoio a Gabeira e pede a Lula que faça o mesmo


Alessandra Duarte
DEU EM O GLOBO


Arquiteto aceitou explicações do candidato sobre aliança com PSDB

Enquanto Eduardo Paes (PMDB) deve receber hoje o apoio de Jandira Feghali (PCdoB), Fernando Gabeira (PV) encontrou-se ontem com o arquiteto Oscar Niemeyer, referência da esquerda e que, no primeiro turno, fez campanha para a comunista. Niemeyer recebeu Gabeira em seu escritório, em Copacabana, e anunciou seu apoio. Eles conversaram por meia hora. Ao ser perguntado sobre as críticas feitas a Gabeira, por ter se aliado ao PSDB, Niemeyer respondeu:

- Ele explica muito bem. Ele não se aliou aos partidos, procurou o caminho certo, necessário para levar este país para a frente neste período tão difícil. Difícil, mas com otimismo, que é o caminho do Lula. Acho o Gabeira tão mais coerente, tão mais sensível aos problemas. Vai ganhar facilmente esta eleição. É uma figura importante, com um passado de luta, um grande brasileiro.


É uma pessoa que a gente segue com interesse e entusiasmo. Sempre lutou a vida inteira pelo povo. Temos plena confiança neste amigo.

Na conversa em particular, antes de receber a imprensa, o arquiteto disse terem falado "sobre amigos, Darcy Ribeiro, a luta política, o país e a crise internacional".

- Deixei ele falar. Queria ouvir ele falar - disse Niemeyer, para quem o presidente Lula deve apoiar Gabeira no Rio: - Ele (Lula) está ao lado do povo, está ao lado do Gabeira, com certeza, porque o Gabeira sempre lutou por isso.

Segundo Gabeira, ele e Niemeyer também conversaram sobre projetos para a cidade.

- Não só nos entusiasma seu apoio, como é uma pessoa que poderemos consultar. Temos uma cidade de frente para o mar, mas as construções nos roubaram o mar. Falamos sobre a Avenida Perimetral, que nos roubou um pouco o mar. Falei com ele que ia buscar um projeto para tentar resolver isso - disse.

Gabeira disse que conversou com o prefeito reeleito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT):

- Vamos precisar um do outro. O prefeito não resolve os problemas do Rio se não tiver a cooperação metropolitana. Pretendo ter um núcleo de prefeitos metropolitanos. Meu contato com Lindberg é esse. Ele, como prefeito do PT, talvez não possa desrespeitar o partido e me apoiar abertamente.

Presidente interditado


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na reunião do grupo de coordenação política do governo para discutir as campanhas do segundo turno houve uma inédita inversão de posições: acostumada a carimbar as decisões do presidente Luiz Inácio da Silva, aquela instância dessa vez enquadrou Lula aos costumes.

E o fez sob comando do PMDB. Mais exatamente daquela ala que foi oposição nos primeiros quatro anos, cansou-se da adversidade, aderiu no segundo mandato, cresceu na bonança, reassumiu sua verdadeira face e, como gesto inicial da nova fase proibiu Lula de pisar em territórios onde sua presença possa ajudar adversários do PMDB.

Claro que as coisas não são ditas nem feitas assim dessa forma crua, deselegante, impertinente. Há todo um ritual. Para todos os efeitos, o presidente reuniu, mediu circunstâncias e espontaneamente decidiu ficar distante dos embates entre partidos da “base”.

Faca pontuda ninguém põe em pescoço de presidente da República. Mas palavras bem direcionadas fazem o sentido certo para ouvidos aguçados.

“Com a crise, o presidente não vai querer desagregar a base”, disse o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, detalhando sua posição a respeito do risco que o envolvimento errático de Lula poderia representar à continuidade da aliança nacional entre PT e PMDB.

Se na eleição municipal com toda popularidade de Lula já foi difícil administrar a aliança de 15 partidos, na presidencial haverá muito mais dificuldade em mantê-los disciplinados ao lado de Dilma Rousseff. Rompimentos, ainda mais com o PMDB, tornariam o projeto praticamente impossível.

Diante disso, o presidente tinha alguma escolha a não ser “decidir” cumprir o ultimato?

Até teria, mas da última vez que resolveu desconsiderar o peso desse grupo de pemedebistas, deu-se mal. Foi logo depois da primeira eleição, pouco antes da posse. José Dirceu negociou e fechou acordo com o presidente do partido, Michel Temer, integrante da ala que havia dado apoio a José Serra em 2002 e, horas antes do anúncio da distribuição de ministérios Lula rompeu o combinado.

Achou que poderia viver das lideranças de José Sarney e Renan Calheiros, mas perdeu todas dentro do PMDB para os chamados oposicionistas, majoritários na máquina nacional e o apoio do partido todo lhe fez uma falta sentida.

Portanto, quando o ministro Geddel incorpora o deputado Vieira que assim, na pressão, atuava como líder do partido na Câmara durante o governo Fernando Henrique, não resta ao chefe do governo outra saída senão a plena aceitação das regras.

No presente momento incluem principalmente deixar o PMDB fazer a festa sobre os petistas Walter Pinheiro, em Salvador, e Maria do Rosário, no Rio Grande do Sul.

Maior e mais forte do que já era antes de aderir, o partido não se contenta em ser o campeão de votos municipais, ter 1.200 prefeitos, meia dúzia de ministérios, a quase certa próxima presidência da Câmara e um trânsito mais que amigável com José Serra, o candidato a presidente mais cotado da oposição.

Quer consolidar o fim do reinado do PT no Rio Grande do Sul e inaugurar a dinastia Vieira Lima na Bahia. E, se tudo der certo, quem sabe tentar açambarcar também a presidência do Senado durante o período da sucessão presidencial.

Poderoso assim, seria natural ambicionar também a Presidência da República. Oficialmente, ambiciona. Já ressuscita a velha tese da candidatura própria, aquela conhecida escada de acesso a todos os governos eleitos nas últimas duas décadas.

Objetivamente o PMDB não tem nomes viáveis. O único possível, o governador Sérgio Cabral, mostrou sua força no Estado que governa, perdendo em todo o interior do Rio de Janeiro. Se ganhar na capital, será com um tucano estilizado, alguém que, como ele, é fiel a Lula na proporção direta do volume de verbas federais liberadas para o Rio.

Quando, e se, a perspectiva de poder mudar, as pontes para o transporte das armas e das bagagens para novo endereço estão devidamente construídas.

Mesmo que tivesse nomes o partido arrumaria um pretexto para queimá-lo. Para que se esfalfar na disputa presidencial, criar atritos e ainda correr o risco de vencer e assumir o ônus de governar se pode ficar com o bônus de fiador da “governabilidade”?

Na hora em que o barco aderna, alega-se ausência de compromisso com o erro, invoca-se a renovação de “contrato” com o eleitorado e pula-se para outra embarcação sem angústia ou nostalgia.

Pirão primeiro

O PT anuncia apoio ao PMDB no Rio para “barrar a oposição a Lula”. Quem dera fosse tudo tão orgânico e previsível no cenário das alianças partidárias.

No Rio o PT fica com o PMDB porque o PV está com o PPS e o PSDB, que apóiam o PT em Salvador contra o PMDB que quer ver o PT pelas costas em Porto Alegre e, em nome do acerto presidencial de 2010, ajuda o PSDB a derrotar o PT em São Paulo.

Não é, convenhamos, um ambiente de absoluta confiança.

A campanha traça o seu caminho


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A campanha do segundo turno emendou no fim do primeiro para seguir rota inteiramente diferente que costuma desnortear os mais diretamente envolvidos, que confunde torcida com tentativa de análise isenta. E que também comete os seus erros e deles se penitencia.

A que arrancou com o embalo dos resultados do primeiro turno, com a carga de surpresas, decepções e esperanças, dispara com a velocidade de raio, exigindo a máxima acuidade para acompanhar a corrida de pequena distância de três semanas, até a chegada ao repeteco das urnas do dia 26 para o voto único da polarização da escolha dos prefeitos das capitais e municípios que não arrumaram a casa no último domingo.

A polarização é impositiva: governo versus oposição, com a mistura das cores das camisas na escalação das equipes. Na arrancada, candidatos e lideranças apostam o cacife para fechar as alianças na cúpula. As óbvias, que são quase todas, não exigem mais que os salamaleques que dissimulem os ressentimentos pelos eventuais equívocos da fase preparatória.

Não há tempo a perder. A campanha chega ao valorizado programa de propaganda eleitoral – com toda a probabilidade de virar pelo avesso o vexame do primeiro turno, com os 10 minutos para cada um da dupla de finalistas e mais a avalanche de debates promovidos pelas redes de TV, pela mídia e pelas excitadas e demais entidades, ansiosas por pegar uma carona no reboque do bonde do voto.

Os candidatos não resistirão aos apelos para comparecer a todos os convites. Até o limite do possível. E sem deixar de reservar algumas horas para os contatos diretos com o eleitorado.

É difícil seguir a trilha da lógica, do bom senso quando a decisão das campanhas está muito mais pendurada no imponderável da crise financeira que enlouquece o mundo e chega ao nosso país nas ondas que arrebentam nas pedras da contradição.

Mas, até onde a disparada do dólar – que nem os leilões do Banco Central estão conseguindo conter ou reduzir – será sentida pela classe média, pelos emergentes e pelos pobres?

Se o cenário é um só para todas as capitais e municípios na fornalha da escolha do prefeito para os próximos quatro anos, cada um terá uma história para ser contada, com as suas muitas e prováveis surpresas. Pois, é impossível que o comportamento do eleitorado não se altere nestas três semanas de imprevisível desdobramento da crise mundial. E dos seus reflexos na rotina doméstica da população.

Os conchavos entre candidatos, líderes de partidos, governadores e ministros – com a participação direta e compreensível do presidente Lula e da ministra-candidata Dilma Rousseff – correm o risco de serem desfeitos pelas imprevisíveis reações do eleitorado. Se faltar pão, desanda a eleição.

O real está em queda livre, com a desvalorização recordista entre moedas emergentes. A celebrada popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apresenta sinais de abalo. Mas, até onde resistirá a uma frustração que contamine o voto e reverta a expectativa?

Lula está fazendo o que pode. Ordena que o Banco Central e a Caixa Econômica Federal socorram as pequenas instituições financeiras, sem recursos para a captação de dólares no exterior. Alinha um pacote para os ruralistas com o anunciado aumento de 3 a 5 pontos percentuais do compulsório para o crédito rural. E, na toada do otimismo, aconselha a população a manter os seus hábitos de consumo.

Não está tão fácil sustentar o discurso otimista do "se a crise chegar ao Brasil não será grave". E que mereceram do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu retorno à militância eleitoral, o comentário provocativo: "Não adianta enganar a população. As pessoas vão sentir a crise no bolso".

A campanha promete três semanas com a carga de emoção que ameaça as novelas.

Até quando a continuidade


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Na manhã em que os resultados eleitorais foram oficializados, a Bolsa de Valores de São Paulo fechou duas vezes seguidas. Naquela manhã em que o se-mexer-piora se oficializava nas urnas de 5.562 municípios brasileiros, a negociação doméstica de valores, seguindo o inaudito desmonte do sistema financeiro internacional, parecia não deixar pedra sobre pedra.

Enquanto no mercado financeiro as análises iam pelo tom do "se houver amanhã", os prognósticos eleitorais se esmeravam em pautar o futuro pelos resultados já colhidos. Apesar da hecatombe, o mundo ainda não acabou. E, malgrados os vaticínios, os rumos da política nacional não estão escritos nas cartas municipais. O que as urnas do domingo têm a colher das bolsas da segunda-feira é se haverá outra eleição da continuidade.

Se as urnas resultaram em inéditos 66% de reeleição aos prefeitos, como calcula a Confederação Nacional de Municípios, é porque suas gestões, em geral, têm tido saúde financeira para fazer investimentos e melhorar os serviços públicos municipais. Nada disso seria possível num ambiente de retração econômica dizimando a arrecadação tributária própria dos municípios e as transferências da União e dos Estados.

São outras as cobranças do eleitor sobre o presidente da República, mas todas estão igualmente relacionadas aos indicadores da produção nacional. As cinco eleições presidenciais desde a ditadura já foram suficientes para se conhecer o impacto da atividade econômica sobre as expectativas eleitorais. A estabilidade da moeda deu duas eleições a Fernando Henrique Cardoso. A pressão por mudança na letargia econômica que se seguiu elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e o crescimento o reelegeu.

A paralisação dos negócios da Bovespa duas vezes seguidas num único dia só havia acontecido antes uma única vez, em 1998, às vésperas da reeleição de FHC, desencadeando a crise cambial que explodiria antes da posse e minaria as chances de o presidente fazer seu sucessor.

Muita coisa mudou na economia brasileira mas não a ponto de se considerar que as chances de o governador José Serra eleger-se presidente estejam mais relacionadas à eleição paulistana do que à contaminação da vida real pela crise financeira.

Uma provável vitória de Gilberto Kassab em São Paulo, combinada às dificuldades de Márcio Lacerda em BH, guarda mais relação com as expectativas políticas em relação às chances da oposição em 2010 do que com o mercado de votos, como sói acontecer com essas disputas que intermedeiam eleições gerais.

Presidente da República nunca definiu eleição municipal nem teve sucessão definida por ela. Se os partidos governistas são vencedores é porque a conservação do poder foi a tônica numa eleição em que eles já ocupavam a maioria das prefeituras do país. Só se deseja a continuidade do que vai bem. E não há prefeituras saudáveis num país que vai mal. Mas transferência de voto de presidente para prefeito ou vice-versa é outra coisa. Se é que existe.

Só para ficar no decantado exemplo de São Paulo. Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente da República depois de ter perdido uma eleição paulistana. A única eleição que Lula venceu em São Paulo foi a de 2002, contra Serra, e ainda assim, por uma diferença de 2% dos votos, quando o resultado nacional lhe deu uma vantagem geral de 22%. Marta era prefeita à época. Mas é quase um desvario imaginar que sua gestão à frente da Prefeitura, por melhor que fosse, tenha sido mais decisiva para a votação de Lula na capital do que a crise do final do governo FHC.

Não há sinais visíveis de que o governo Lula venha a sofrer semelhante desgaste. Nos seus dois mandatos, o governo FHC não chegou a crescer, em média, 2,5%. A média anual do governo Lula é de 3,8%. Nenhum análise séria derruba a previsão para este ano para aquém dos 5%. O baque viria em 2009, entre os 2,5% dos economistas brasileiros e os 3,5% do FMI. Nada parecido aos dois anos de crescimento zero de 98/98.

Os analistas vinculam a recuperação em 2010 às cotações internacionais dos produtos agrícolas e à oferta de crédito para financiar as exportações. Lula conheceu, em 2006, os danos eleitorais de uma agricultura em retração. Perdeu, no primeiro turno, em quase todos os Estados que têm nas commodities agrícolas o esteio de sua economia. Recuperou-se no segundo turno graças à conversão e mobilização política de governadores desses Estados eleitos no primeiro.

O impacto dessa turbulência financeira sobre as chances de Serra e Dilma Rousseff na sucessão presidencial é que pode tornar visível o embate entre a pressão por mudança e a força política da conservação do poder. Vem daí que o fortalecimento do PMDB como balizador da polarização da política nacional seja o resultado mais consequente das urnas de domingo - uma eleição conservadora num país que pode estar mudando.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E o Banco Central agiu...


Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Felizmente, o BC deixou de lado o tratamento jocoso que Lula tem dado à crise e foi à luta de maneira eficiente

NA COLUNA da semana passada, alertei para os primeiros sinais -ainda de natureza financeira- de que a crise que estamos vivendo nas principais economias do mundo havia chegado forte ao Brasil. Fui ainda mais longe ao pedir uma ação decisiva por parte do Banco Central para evitar problemas de maior gravidade, principalmente no setor produtivo. Posteriormente, o mercado foi informado de que empresas brasileiras haviam realizado volumes incríveis -aparentemente US$ 60 bilhões- de operações especulativas com a taxa de câmbio. Ao contrário do que disse nosso presidente, a especulação não era contra o real, mas a favor da nossa moeda. Imprudentes, algumas empresas apostaram na queda continuada da taxa de câmbio como forma de reduzir os custos de seus empréstimos.

Apanhadas em um movimento mundial de valorização do dólar, acabaram por provocar um desequilíbrio extraordinário no mercado futuro da BM&F, ao tentar cobrir suas posições. Para a especulação passar do dólar futuro para o mercado à vista, foi um passo. Dessa forma, um desequilíbrio de caixa que afetou poucas empresas transformou-se em um choque de oferta importante no lado real da economia. O real chegou a R$ 2,50 por dólar -uma desvalorização de quase 50% em poucas semanas. Se a febre em nossa economia estava na casa dos 38 graus, com o choque do câmbio chegou a atingir, na última quarta-feira, mais de 40 graus. Nessa situação, somente um tratamento de choque -tipo banheira com água gelada- poderia evitar o pior. E, felizmente, o Banco Central deixou de lado o tratamento jocoso que Lula tem dado à crise e foi à luta de maneira eficiente.

Quando escrevo esta coluna, o paciente já dá sinais de melhora, e a taxa de câmbio deve voltar a refletir apenas o realinhamento global das moedas emergentes. Com isso, o governo pode se preocupar com os desdobramentos dos impactos da crise externa. O primeiro ponto é a recomposição da liquidez do sistema bancário, principalmente no segmento dos bancos médios e pequenos. A redução dos depósitos compulsórios, principalmente no segmento mais atingido pela crise, é uma decisão correta e eficiente. Agora será preciso monitorar a forma como esses recursos serão reciclados para a economia. Já temos sinais claros de que os bancos estão evitando expandir seus empréstimos por conta dos riscos -reais ou imaginários- que vão aparecer em uma economia submetida a uma parada brusca em sua liquidez. A eficiência da medida tomada está diretamente ligada à forma como os bancos vão tratar a questão do crédito daqui para a frente.

Nesse aspecto, os elevados prejuízos criados pela especulação com a taxa de câmbio vieram reforçar o comportamento cauteloso, medroso até, do sistema financeiro. Não posso deixar de citar outra questão que me preocupa hoje. A brusca interrupção das operações de ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) já está criando uma queda importante da disponibilidade de dólares no mercado. Afinal, entre US$ 40 bilhões e US$ 60 bilhões em adiantamentos de câmbio vinham irrigando o mercado.

Isso é importante porque, nos últimos anos, o câmbio comercial foi o amortecedor natural do mercado, permitindo estabilidade mesmo em momentos de fortes remessas de capital financeiro para o exterior. Caso persistam as saídas de capital de curto prazo -ações e títulos de renda fixa-, poderemos viver uma nova fase de desvalorização do real.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Brincando com fogo


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Mesmo quem tentava defender o presidente do Equador, Rafael Correa, agora concorda: ele ultrapassou todos os limites e está brincando com fogo. Com a retração do crédito mundial, quem vai investir no Equador e na Bolívia?

Os EUA, que estão feito barata tonta? A Alemanha, a França ou o Reino Unido, que mal sabem o que fazer com eles próprios? Ou a Islândia, que fechou Bolsas e bancos? Se há um país com alguma capacidade ainda de investir nos vizinhos, por ser mais rico, por estratégica ou até por uma questão ideológica, esse país é o Brasil. Pelo menos por enquanto... Correa, pois, comete o maior erro que pessoas, partidos e países podem cometer: escolher o inimigo errado. Ele tanto tensionou que Lula ontem parou de dizer que era tudo "problema de política interna" e partiu para a briga. Numa briga Brasil-Equador, quem ganha?

Correa assumiu o compromisso com Lula, no dia 30/9, em Manaus, de que recuaria na expulsão da Odebrecht e permitiria que seus dois funcionários deixassem o país. Lula, então, enviaria missão técnica com o anteprojeto dos sonhos de Correa, unindo Manaus à equatoriana Manta. Mas Correa rompeu o compromisso e, em vez de recuar, avançou na expulsão da Odebrecht e nas ameaças contra a Petrobras e contra o BNDES. Lula enfim deixou de ser bonzinho e deu o troco: fim da reunião, adiamento sine die do Manta-Manaus.

Quando Evo Morales decidiu abrir a temporada de enfrentamento ao Brasil, ele tinha lá seus trunfos: Lula não queria caso com país pobre e com presidente indígena, vindo da esquerda. E, "last but not least", o Brasil efetivamente precisava do gás boliviano. Correa não notou a diferença. O Brasil, a Odebrecht e a Petrobras não morrem sem um projeto a mais ou a menos.


Mas, sem a boa vontade, as empresas e as verbas brasileiras, o Equador fica a ver navios. E pode afundar nesta hora de crise.

Mundo louco


Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Nada do que está acontecendo é normal. Os tempos não são normais, são de crise aguda, mas a reação das autoridades econômicas e monetárias do mundo está piorando a crise em si, e deixando uma herança maldita para o futuro. Os Tesouros dos EUA e inglês vão virar banqueiros, comprando ações e até controle acionário de bancos privados. Se não é o fim do capitalismo, eles estão se esforçando!


A Islândia levou muito a sério o próprio nome - Iceland, terra do gelo - e congelou os depósitos de clientes ingleses; isto, depois de ter estatizado os bancos. Países periféricos podem tomar medidas estapafúrdias. O esquisito é a Islândia virar assunto nos mercados internacionais. Ela não tem saído da primeira página nos últimos tempos. Ou pela reação desesperada do seu governo, dizendo que estava à beira da "falência nacional", ou pelo empréstimo bilionário tomado junto à Rússia, ou pela estatização dos bancos. Ontem foi pelo ataque aos ingleses.

As autoridades mundiais parecem baratas tontas, correndo de um lado para o outro, e isso realimenta o pânico. O propalado pacote de US$ 700 bilhões de resgate do secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, é um capítulo à parte em matéria de proposta confusa feita pelas autoridades. Mas o mais importante agora é confirmar - de novo! - a avaliação do economista Nouriel Roubini: "O pacote é um não-evento."

Se tivesse tido o efeito que Paulson disse que teria, o secretário do Tesouro americano não estava ontem propondo fazer nos EUA o mesmo pacote inglês em que o Tesouro vira sócio dos bancos. A versão americana é mais exagerada: ele quer comprar o controle acionário dos bancos. Se exibir neste plano a mesma perícia, destreza e respeito aos contribuintes que demonstrou no pacote de US$700 bilhões, os Estados Unidos terão acelerado a sua marcha rumo ao passado. Remoto.

É normal bancos centrais injetarem liquidez nos mercados em épocas de crise de liquidez, é normal a liberação de compulsório, é normal a queda das taxas de juros. Em época de risco de crise sistêmica começam as anomalias. E é como anomalia que se entendem os pacotes de saneamento de sistema financeiro, como foi o Proer aqui, o caso das Savings&Loans nos anos 1980 nos Estados Unidos, ou o saneamento dos bancos japoneses.

Mas, nesta crise, o Fed foi além das anomalias esperáveis. Ben Bernanke saiu de braços dados com o secretário do Tesouro num corpo-a-corpo no Parlamento para aprovar um plano do Executivo de compra de ativos podres em carteira dos bancos. Não sobrou nada da antiga independência do banco central americano. Se ainda fosse o plano para acabar com todos os planos, tudo bem. Mas era um plano defeituoso, e foram inúmeros os economistas que apontaram os erros. Bernanke gosta de se definir como um professor de Economia. Como professor, está reprovado, por ter aprovado plano tão ruim. Agora, o plano B não é mais a faxina de ativos tóxicos; é tomar conta da banca diretamente. O rombo criado por salvações de bancos já supera US$2 trilhões e não se tem idéia de onde vai parar.

Paulson-Bernanke, esses ases do volante, deixaram um banco quebrar. Apenas um. Salvaram todos os outros. Mas este um que deixaram quebrar, o Lehman Brothers, está custando muito mais caro que todos os outros, porque detonou a pior crise de confiança já vista em 80 anos. E é mesmo para desconfiar com o mundo entregue a esses gênios. O presidente Bush, esse lame duck, faz agora pronunciamentos tão diários quanto inúteis. Hoje falará novamente.

A atuação coordenada dos bancos centrais esta semana foi um momento de lucidez neste festival de maluquices. E vinha surtindo efeito. Até que Paulson destrancou de novo o fantasma do armário, avisando que outros bancos poderiam quebrar. Ontem, o bom humor não atravessou um pregão. A Dow Jones, que chegou a estar positiva, fechou em menos 7,33%: S&P caiu 7,6%. Aqui, a Bovespa mostrou que o mercado não sabe para onde vai. Chegou a estar em alta de 4,8% e fechou em queda de 3,92%.

Agora já está ligado o círculo vicioso: a crise do mercado financeiro está produzindo efeitos na economia real, o que realimenta o pessimismo no mercado financeiro. A queda de ontem nas bolsas americanas foi em parte pelas más, e previsíveis, notícias do mercado de automóveis americano. Que o PIB americano vai encolher, está dado. Uma economia que era movida a crédito barato e concedido de forma irresponsável, em que as dívidas refinanciadas geravam mais capacidade de consumo, obviamente encolhe quando o castelo de cartas desmonta. O erro foi de novo das autoridades, que não viram que a economia tinha tão insustentáveis fundamentos.

No Brasil, não se viu, ainda, nenhuma medida tresloucada. Felizmente. O que houve de fora de propósito foi a convicção insensata de que a crise não nos atingiria porque estávamos sólidos, robustos, blindados; que aqui chegaria uma marolinha e outras tolices ditas pelos que nos governam. A demora de agir no câmbio produziu uma maxidesvalorização despropositada, de 50%, que está fazendo as empresas sangrarem. O problema aqui é este.

No mundo, parte da crise é provocada pela imperícia dos que governam os países ricos. É a maluquice dos líderes o pior neste momento de risco.

Tempo de sacrifícios


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. No recente debate entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, uma eleitora perguntou-lhes qual o sacrifício que pediriam aos cidadãos americanos para superar a crise econômica, e o democrata Barack Obama deu o exemplo do que não deveria ser feito: lembrou que, logo após os atentados de setembro de 2001, o presidente Bush foi à televisão e exortou os americanos a "saírem e comprarem". "Este não é o tipo de convocação que os americanos estavam querendo ouvir", censurou Obama. Foi impossível não se lembrar do presidente Lula mandando seus ministros tomarem cuidado com o crédito "porque o Natal está chegando", e depois incitando os cidadãos a manter seus hábitos de consumo: "Continuem fazendo o que sempre fizeram", conclamou o presidente, garantindo que, se precisar ir à televisão para avisar "que a porca torceu o rabo", ele irá.

Pois há indícios de que a porca já torceu o rabo há muito tempo, e de que o governo, depois de um tempo perdido em arrogâncias, está tomando providências cujo teor não é revelado, pelo menos na sua totalidade.

A oposição, por exemplo, está se debruçando sobre a medida provisória editada recentemente para a atuação do Banco Central no resgate do sistema financeiro brasileiro e, na definição de um assessor, "montamos um quebra cabeça que não fecha".

Apesar de definir sua ação como "mera operação financeira", o Banco Central, no limite, tem a autorização pela medida provisória de estatizar as instituições financeiras que ele socorrer, sem limitações para essa intervenção, o que em tese indica que ele está pronto para atuar caso não apenas os pequenos bancos precisem de auxílio. E tudo será feito sob segredo de Justiça.

São muitos os pontos de inconsistência na política econômica. Se o dólar dispara muito, prejudica as importações, mas melhora as exportações - porém, estas também dependem do preço das commodities e do desempenho da economia mundial, ambos, com tendência de baixa.

As empresas estão sem crédito para exportar, ou seja, não ganham com o aumento do dólar sobre as vendas que já tinham prometido, e nem conseguem crédito para vender mais. Para o economista José Roberto Afonso, um dos "pais" da Lei de Responsabilidade Fiscal, "há uma bomba-relógio montada no campo fiscal".

O que seria herança maldita para o sucessor, pode explodir no colo de quem a gestou. Se a receita cair mais rapidamente do que se pensava, o governo ou terá que cortar gastos, ou cortar fundo nos juros e no superávit primário.

"Como será impossível ajustar via recarga tributária, finalmente Lula terá que escolher se brigará com os servidores, os aposentados e os bolsistas, ou com os banqueiros. Não vai dar mais para bolsas aos ricos e aos pobres", completa Afonso.

A equação é simples: até aqui, o equilíbrio fiscal tem sempre se baseado no aumento de receita tributária, e esta, com o decréscimo do crescimento da economia, vai começar a cair.

Já há informações de que, passado o segundo turno das eleições municipais, o governo vai apresentar uma reforma do Imposto de Renda, com novas e maiores alíquotas, e até estariam pensando novamente no imposto sobre grandes fortunas.

Não existe um consenso sobre a rapidez da desaceleração da economia, em virtude da recessão global que se avizinha. Há economistas, como Edmar Bacha, do BBA-Itaú, que já prevêem uma queda de crescimento de 5% este ano para 2% em 2009, o que representaria um baque formidável em termos de emprego e investimentos e, na prática, um crescimento zero no próximo ano.

Outros, como José Roberto Afonso, acham que a desaceleração da economia brasileira não será tão rápida como a européia, a japonesa ou mesmo a americana: só o embalo de crescimento em que estamos este ano já garantiria 2,6% de expansão em 2009. "Ou seja, uma taxa abaixo disso só ocorreria se entrarmos em forte recessão já no início do próximo ano, e por ora não há tendência disso", comenta.

O lado real da economia será contaminado pela crise financeira, mas ainda levará um pouco de tempo. "Passado o incêndio, câmbio e crédito voltarão aos poucos para a normalidade, mas, em outro nível, sem a farra do câmbio valorizado ou do crédito fácil do passado", analisa Afonso.

Já Edmar Bacha, que deu uma palestra no Centro de Estudos Brasileiros na Universidade Columbia, acha que o governo, com as reservas de mais de US$200 bilhões, tem condições de decidir quando intervir no câmbio, não havendo o perigo de perder as reservas para garantir uma taxa cambial, já que o câmbio é flutuante e não mais fixo, como era nas primeiras crises internacionais vividas pelo país nos anos 1990 do século passado.

Bacha está relativamente otimista com a situação econômica do país, e diz que o único perigo é o governo insistir em manter um crescimento do PIB no mesmo nível de 2007 e 2008, o que considera impossível diante da crise internacional.

Já o economista José Roberto Afonso acha que a economia brasileira teria que mudar diante do quadro novo, e adverte: "Seria um suicídio completo subir taxas de juros e, se Lula gosta tanto de ser Primeiro Mundo, já está atrasado para diminuir a taxa, como fizeram todos os bancos centrais, inclusive o chinês. Mesmo que corte igual aos outros, poderá ficar tranqüilo que continuará pagando a maior taxa de juros reais do mundo".

Para ele, "será impossível continuar brincando com o câmbio". Não poderemos mais ficar brincando de "exportadores financistas", que exportavam barato ou até com prejuízo para ganhar no circuito financeiro.

Na coluna de ontem troquei as bolas: é a dívida externa dos Estados Unidos que está em US$10 trilhões, e não o déficit externo.