terça-feira, 14 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Cheia no Sul afeta toda a economia brasileira

O Globo

A maior perda são as vidas e os lares, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda

O Rio Grande do Sul precisará avaliar em breve os estragos das enchentes na economia. O drama humano está hoje eloquente nos relatos de mortes e nas imagens de casas submersas. A maior perda são as vidas e os lares destruídos, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda. Quando as águas baixarem, a população afetada precisará voltar à rotina de trabalho. Saber o que foi destruído nos setores industrial, agrícola e de serviços é o primeiro passo para assegurar o retorno à normalidade.

Dos municípios atingidos pelas cheias, 397 respondem por 92% da indústria, 91% dos serviços e 79% da agropecuária do estado. Mas ser afetado não significa necessariamente que toda a estrutura econômica tenha sido prejudicada. O Rio Grande do Sul já colheu 76% da soja, 83% do milho e 84% do arroz da atual safra, e nem toda a área plantada está sob as águas. As previsões falam em 2% de queda no PIB gaúcho, que representa 6,5% do brasileiro. Com uma economia interligada, principalmente aos demais estados do Sul, deverão ser afetadas várias cadeias produtivas nacionais. Na agricultura, sobretudo arroz, trigo e soja. Analistas preveem que o PIB brasileiro caia entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.

Carlos Melo* - O fio de Ariadne

O Globo

O Brasil tem sido impiedosamente castigado por seus erros. Um período de destruição econômica, política e institucional

Há semanas, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, proferiu palestra a alunos da graduação do Insper. Acompanhada de seus secretários, apresentou o projeto Rotas de Integração Sul-Americana e demonstrou a relevância de sua atuação no governo. São ações articuladas que buscam escoar, pelo Pacífico, a imensa produção de commodities do Brasil e dos países vizinhos.

Conectando rotas existentes em vários meios de transporte, o projeto diminui custos logísticos, atende a interesses econômicos do subcontinente e do mercado consumidor. Muitas obras estão prontas, outras dependem de detalhes. Em comparação ao passado, há pouco dinheiro público na parada. Desta vez, o BNDES não financiará países amigos.

Ultrapassada a fundamental reforma tributária, é um passo em direção à economia e ao mundo reais. Embora o foco seja a China, trata-se de profundo mergulho na nova divisão internacional do trabalho. A tradicional força do Ocidente tem sido abalada e está em via de superação pelo Oriente mais populoso, produtivo e economicamente exuberante.

Míriam Leitão - Rio Grande do Sul resgata o país

O Globo

A reunião entre os três poderes e o governo estadual segue o rito republicano e é um resgate do país que tem cicatrizes recentes de brigas federativas

O Brasil teve ontem à tarde uma cena de civilidade. Houve outras, desde que essa tragédia atingiu os gaúchos. Numa reunião curta, objetiva, respeitosa, o presidente Lula ofereceu ao governador Eduardo Leite ajuda concreta. O ministro Fernando Haddad explicou que os juros serão perdoados na suspensão do pagamento da dívida por três anos. Estavam presentes o presidente do Senado e o vice-presidente do STF. O presidente da Câmara chegou no final, voltando de uma viagem. Tudo era republicano e seguia o rito de uma federação sendo solidária a um ente federado que enfrenta grande sofrimento.

— Além da medida provisória da semana passada, R$ 12 bilhões, mais a suspensão do pagamento da dívida de R$ 11 bilhões, ao final dos 36 meses, o juro sobre o estoque de todo o período estará sendo perdoado, o que é superior à soma das parcelas dos 36 meses — disse Haddad.

Pedro Doria - O apocalipse

O Globo

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul: as mudanças climáticas e a regulação das grandes plataformas digitais

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul e desembocaram numa tragédia. Um são as mudanças climáticas. Outro, a regulação das grandes plataformas digitais, sem a qual a internet se torna um vasto manancial de desinformação. Não há problemas mais importantes a encarar. E, no entanto, são consistentemente adiados. O excesso de carbono que jogamos na atmosfera produziu a maior cheia jamais registrada na região. No ano passado já haviam ocorrido duas tempestades que levaram a muitas mortes. Nenhum gaúcho se sente seguro. Não bastasse, em meio ao desastre, no momento em que ter às mãos informação correta pode ser questão de vida ou morte, tornou-se impossível separar o que é verdade do que não é.

O encontro das mudanças climáticas com uma tempestade de notícias falsas não é acidental. O fato de não haver problemas maiores, e de governos seguirem sem encará-los como devem, tampouco. Não atacamos o problema do carbono porque há desinformação. Há desinformação em excesso porque não atacamos a regulação das plataformas.

Luiz Carlos Azedo - Lula socorre os gaúchos em meio às incertezas fiscais

Correio Braziliense

No Palácio do Planalto, a prioridade é ajudar os gaúchos e criar condições para a recuperação do estado. Lula cancelou a viagem ao Chile para volta ao Rio Grande do Sul

Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por videoconferência, se reuniram para tratar de novas medidas de socorro aos gaúchos, flagelados pelas piores chuvas de sua história. Na ocasião, o presidente anunciou que o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União será suspenso por três anos, nos quais não haverá cobrança de juros. A dívida gaúcha custa R$ 3,5 bilhões por ano e chega a R$ 95 bilhões.

Pelas contas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com isso o governo libera R$ 23 bilhões para o caixa do governo do Rio Grande do Sul. Eduardo Leite, entretanto, pleiteia o perdão da dívida, em razão na enorme dificuldade que enfrentará na reconstrução do estado. O projeto de lei complementar que suspende a dívida já está no Congresso para apreciação e aprovação em regime de urgência. A tendência é o Congresso abrir uma janela para eventualmente socorrer outros estados.

Pedro Cafardo - A indústria fez gols contra por três décadas

Valor Econômico

Propostas do neoliberalismo venceram a narrativa dos anos 1990 e os reflexos dessa vitória ainda hoje estão presentes em todas as formas de relações sociais

Peço desculpas para voltar ao tema da desindustrialização num momento em que o país, corretamente, só tem olhos para atenuar a tragédia socioambiental gaúcha. Mas há muitos trabalhos acadêmicos que merecem ser divulgados sobre a “tragédia industrial” e um deles, diferenciado, é do pesquisador PhD Haroldo da Silva, da PUC-SP, que buscou uma compreensão sociológica do problema, além da econômica. Ele partiu de uma pergunta que o intrigava: a despeito do eficiente trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na área legislativa em defesa do setor industrial, por que o processo de desindustrialização foi tão intenso no Brasil nas últimas três décadas?

Haroldo dedicou quatro anos à investigação dessa questão e, no fim de 2023, apresentou sua tese de doutorado (“A Ação Política dos Industriais no Congresso”). Em resumo, concluiu que a Agenda Legislativa da Indústria (Ali), da CNI, cujas propostas tiveram alto índice de sucesso no Congresso, acabou atuando contra os próprios interesses da indústria.

Edvaldo Santana - Roleta russa com a natureza

Valor Econômico

A notícia relevante não deveria ser a disposição dos governos em gastar bilhões para conter os efeitos dos danos já provocados, mas sim o que não fizeram para evitar a causa dos danos

Em 1986, em “O relojoeiro cego”, Richard Dawkins mostrou que o darwinismo não é obra do acaso. Os seres vivos não surgem da soma de casualidades favoráveis, mas de um jogo (evolutivo) muito complexo, mas com regras bem definidas. A natureza, assim, não é o acúmulo de eventos aleatórios, e sim o contrário. A natureza não joga dados.

A ministra Marina Silva, em entrevista à Globo News no dia 3, ao falar da tragédia do Rio Grande Sul (RS), ilustrou a tese de Dawkins. Ela disse mais ou menos o seguinte: a humanidade levou séculos a transformar a natureza em dinheiro. Agora precisa gastar mais dinheiro para ajudar a natureza a superar obstáculos.

Desde junho de 2022, com o banal assassinato de Dom Phillips, jornalista britânico, e do indigenista Bruno Pereira, comecei a pensar no valor da vida. O assunto voltou ao radar em agosto passado, com o assassinato da dona Bernadete Pacífico, líder quilombola, e, agora, com a catástrofe do RS. Não parece, mas a banalização da vida, como numa roleta russa, é um dos gatilhos de eventos climáticos extremos. E a roleta russa contra a natureza é uma aposta perdedora.

Eliane Cantanhêde – Boa notícia? Nem tanto

O Estado de S. Paulo

Quaest é ruim para Lula e péssima para Bolsonaro. E o centro, morreu?

Pesquisas de opinião são retratos do momento e cada um olha como bem entende, mas a última rodada da Genial/Quaest é clara: não chega a ser péssima, mas boa também não é para o presidente Lula. O copo está meio cheio e meio vazio, mas parece mais vazio do que cheio para Lula, que tem o governo e a caneta, os recursos e a visibilidade inerentes ao cargo.

São trunfos, mas faca de dois gumes, tudo depende de como a população vê o governo, de como o presidente e seus ministros usam a caneta e os recursos e se a visibilidade reverte a favor ou contra. Não adianta só aparecer, é preciso aparecer bem. Aliás, como Lula agora, na reação rápida e efetiva à tragédia do Rio Grande do Sul, que atrai as atenções e a solidariedade do Brasil inteiro e até do exterior. São viagens, reuniões, montanhas de recursos.

Carlos Andreazza - Ministros do Supremo participam

O Estado de S. Paulo

Resposta da Corte à revelação do quanto os ministros viajam pelo mundo em eventos é desaforo e exige análise do discurso

Reportagem de Weslley Galzo informa que “ministros do STF participaram de quase dois eventos internacionais por mês no último ano”, alguns dos quais custeados por grupos com interesses em ações julgadas na Corte.

O tribunal respondeu. A nota – desaforada e mal escrita, também modalidade de desaforo – exige análise do discurso.

“Ministros do Supremo conversam com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade.”

Joel Pinheiro da Fonseca - Autoritarismo não é resposta às fake News

Folha de S. Paulo

Recriar confiança básica é mais importante que refutar fake news

O Estado não faz nada, é incompetente no pouco que faz e até mesmo sabota os esforços da iniciativa privada. Segundo levantamento do professor da USP Pablo Ortellado, 31% dos conteúdos compartilhados sobre as enchentes no RS na rede social tentam descredibilizar o poder público. Em muitos, há informações falsas ou exageradas, como a de que o governo teria negado ajuda do Uruguai, que caminhões com donativos estão sendo barrados por falta de nota fiscal ou mesmo que toda a tragédia foi planejada.

Num momento de crise, com nervos à flor da pele, sociedade polarizada e smartphones nas mãos de todos, é quase inevitável que muito conteúdo falso e/ou com forte teor político venha à tona. Misturam-se aí várias motivações: busca por fama ou dinheiro, oportunismo político e até mesmo equívoco sincero na intenção de ajudar. A questão é como reagir a ele.

Dora Kramer - O Supremo no varejo

Folha de S. Paulo

Corte tem dado as duas mãos e sido uma verdadeira mãe para o governo Lula

Quando começou a circular, a ideia de que o Executivo pretendia firmar uma aliança com a instância máxima do Judiciário a fim de criar um atalho de ultrapassagem às dificuldades do Planalto no Legislativo pareceu muito esquisita. Mais que isso. Institucionalmente inexequível, social e politicamente inaceitável.

Por uma questão básica: o preceito republicano da harmonia pressupõe a independência entre os Poderes. Cláusula pétrea. O Supremo Tribunal Federal poderia se manter distante de acertos feitos sob a égide das conveniências políticas sem criar crise alguma e muito menos deixando de se manter fiel à função de guardião da Lei Maior.

Hélio Schwartsman - Rousseau e o clima

Folha de S. Paulo

Filósofo mostrou que ocupação do solo e comportamento humano afetam os resultados de desastres naturais

Jean-Jacques Rousseau errou em quase tudo, mas, no que diz respeito a desastres naturais, suas reflexões são certeiras. Para ele, os efeitos de um cataclismo dependem não só do evento geológico ou climático que os precipita mas também da forma como humanos ocupam o solo e se comportam.

Alvaro Costa e Silva - O dono da polícia

Folha de S. Paulo

Ao transformar a PM paulista na mais sangrenta do país, secretário sonha alto na política

Secretário da Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite é tão poderoso quanto o governador Tarcísio de Freitas. Ou até mais. Tarcísio se vê obrigado, de vez em quando, a vestir o disfarce de moderado para agradar setores do mercado financeiro que o querem como herdeiro de Bolsonaro. Derrite trocou a farda pelo terno, mas segue agindo como se estivesse na Rota, da qual foi afastado por excesso de mortes.

Poesia | Pra viver um grande amor, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá e Moreno Veloso - Um passo à frente