André Lara Resende reúne, em livro, ensaios que criticam a visão dominante da teoria econômica: "Estávamos errados"
Por Diego Viana e Robinson Borges | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
SÃO PAULO - Desde 2017, os artigos do economista André Lara Resende publicados no Valor têm sido alvo de controvérsias. Suas críticas à política de juros e à teoria macroeconômica que embasam decisões e análises no Brasil geram reações em outros economistas, provocando debates duradouros. Suas opiniões sobre a natureza da moeda e o peso da dívida pública vão na contramão das teorias mais tradicionais.
Em “Consenso e Contrassenso: Por uma Economia Não Dogmática”, livro lançado hoje pela Portfolio-Penguin, o economista retoma os artigos publicados no ano passado e vai além. Relembra a própria trajetória como pesquisador e investidor, sua participação na elaboração dos planos Cruzado e Real e na negociação da dívida externa. O título do livro é extraído do primeiro artigo publicado no ano passado, que tratava das transformações na macroeconomia desde a crise de 2008. Com seu subtítulo, “Déficit, Dívida e Previdência”, o ensaio anunciava que as relações entre o endividamento público e a evolução do déficit fiscal não ocorrem do modo como se costumava pensar.
Coautor dos artigos que introduziram a noção de inflação inercial e contribuíram para formular o Plano Real, o economista é crítico da política de juros implementada no país desde 1994. A Selic alta não contribuiu para segurar a inflação e ainda teve impacto na dívida pública e no baixo crescimento. Assim, a recente redução dos juros pelo Banco Central é vista como uma correção de rumos, embora tardia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Lara Resende ao Valor:
Valor: No ano passado, seus artigos geraram uma cascata de respostas e réplicas. Como o senhor avalia o debate suscitado, em termos de qualidade e pertinência?
André Lara Resende: Interpreto isso como sinal de que tocaram num ponto nevrálgico. Como digo na introdução de meu novo livro, depois de dois anos de profunda recessão, 2015 e 2016, a economia brasileira continua estagnada. Enquanto a renda da China é hoje 18 vezes o que era há 40 anos, a brasileira não chega ao dobro do que era em 1979. A distância entre o Brasil e os países avançados não se reduziu. Pelo contrário, aumentou. Não foi possível superar o fosso que separa o Brasil rico e moderno do Brasil onde impera a miséria e a desesperança. Sem inflação e sem dívida externa, o país está paralisado, preso a uma armadilha ideológica imposta pelos cânones de uma teoria macroeconômica anacrônica.
Valor: Um dos pontos controversos de seus ensaios é a afirmação de que a restrição financeira do Estado é política e não econômica. Qual é o peso político-ideológico nessa questão?
Lara Resende: A questão de que um Estado emissor de moeda fiduciária não tem restrição financeira é de lógica. E não é novidade. Está em [John Maynard] Keynes. Enquanto a moeda era lastreada, metálica, obrigava o Estado a ter certa restrição. E toda vez que o Estado precisava, por questões de força maior - quase sempre em caso de guerra ou depois no caso de crises bancárias -, modificava a quantidade de lastro da moeda para emitir mais. Nos últimos anos, especialmente após a crise de 2008, houve uma obsessão com a ideia do equilíbrio orçamentário. Mas sempre foi política. Nos EUA, por exemplo, por anos o Partido Republicano foi obcecado com o desequilíbrio do orçamento fiscal. Enquanto o Partido Democrata foi mais tolerante. O que é impressionante é o dogmatismo com que a passou a ser defendida.
Valor: Como o senhor analisa essa questão?
Lara Resende: Como menciono num dos artigos do livro, chegou-se a afirmar a ideia de austeridade expansionista, o que é uma contradição em termos. Ao contrair o gasto fiscal, você faria a economia se expandir. Depois da irresponsabilidade com que os gastos fiscais foram feitos na gestão do PT, especialmente no [governo] Dilma e no segundo mandato do Lula, houve uma espécie de estresse pós-traumático. Qualquer coisa que se fale sobre aumentar gastos públicos é percebida como se fosse estapafúrdia. Na verdade, ter certa disciplina fiscal é sempre desejável. Em todos meus artigos sempre digo isso. Existe uma restrição efetiva, que é a capacidade instalada da economia e do emprego. Se começar a pressionar os limites, começa a pôr pressão, [provoca] desequilíbrio externo. Cria redução de superávit no balanço de pagamentos, balança comercial e, eventualmente, começa a ter pressões inflacionárias. Existem restrições? Existem, mas não é uma questão financeira, sempre e a qualquer custo, do equilíbrio fiscal e financeiro.