quinta-feira, 17 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: Comissão da Verdade


Isso não é uma questão política, é uma questão de cidadania, de democracia. Uma coisa é a justiça, outra coisa é a memória, e aqui se trata de ver a memória. Claro que a interpretação, cada um dará a que quiser, mas os fatos são os fatos. Essa comissão tem que revelar os fatos. Isso vai pouco a pouco. O país vai aceitando progressivamente que chegou o momento.

Temos que revelar tudo, e essa revelação não tem o objetivo de botar alguém na cadeia, tem como objetivo impedir que se repitam fatos como os que ocorreram. É uma análise, um aprofundamento histórico. A História sempre se revê, sempre se reavalia, mas os fatos têm que ser estabelecidos.

CARDOSO, Fernando Henrique, sociólogo, foi presidente da República (1995-2002). O Globo, 17/5/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Dilma: a busca da verdade agora é decisão de Estado
BC passa a abrir votos do Copom sobre juros
'Transparência inibe mau uso do dinheiro público'
No Rio, funcionalismo ignora a Lei de Acesso

FOLHA DE S. PAULO
Acidente no metrô de SP fere 49
Comissão da Verdade não deve ter ódio nem perdão, afirma Dilma
BC divulgará votos de diretores que definem os Juros
Governo e oposição fecham acordo que esvazia CPI

O ESTADO DE S. PAULO
Comissão da verdade não será revanchista, diz Dilma
Colisão inédita no Metrô fere 49
Inadimplência do consumidor cresce 4,8%
Ex-diretor ignorou falhas em shoppings
Ministério Público vai investigar venda da Delta

VALOR ECONÔMICO
Crise tende a retardar recuperação para 2013
Continuidade histórica
Três anos depois, BRF dobra de valor
País negocia a exportação de blindados

CORREIO BRAZILIENSE
Partidos querem votar logo o fim do 14° e do 15°
Dólar alto já afeta viagem de brasileiros
DF, 2º em reprovação no ensino médio

ESTADO DE MINAS
Famílias com a corda no pescoço (e o PIB também)
Dilma, seus antecessores e a verdade
Trilha fechada: Lei de Acesso à Informação ainda é desconhecida em Belo Horizonte
Caso Cachoeira: CPI suspeita que contraventor lavou dinheiro também no Oriente

ZERO HORA (RS)
MP pede intervenção do Judiciário na Fase
Os presidentes e... Dona Maria

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
“Nem ódio, nem perdão”
Senado aprova cobertura para quimioterapia

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Dilma: a busca da verdade agora é decisão de Estado

Investigação de crimes da ditadura não abriga ressentimentos, diz presidente

Numa cerimônia histórica, ao lado de quatro de seus antecessores, a presidente Dilma Rousseff, ex-guerrilheira presa na ditadura militar, instalou ontem a Comissão da Verdade, criada para apurar violações de direitos humanos de 1946 a 1988. Sem conter as lágrimas, Dilma destacou que a iniciativa é um esforço de Estado para revelar a História recente do país, sem revanchismo. "A palavra verdade é o contrário da palavra esquecimento. Não abriga ressentimento, ódio nem perdão", afirmou. Diante dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique e Lula, Dilma destacou o papel de cada um deles para que o Brasil instalasse a comissão, citando também Tancredo Neves e Itamar Franco. Chorou ao lembrar os que morreram na luta contra a ditadura, disse que as famílias de mortos e desaparecidos merecem conhecer a verdade, e, num recado aos militares que resistiram à comissão, disse que a ignorância sobre a História não pacifica, mas, ao contrário, mantém mágoas: "O Brasil merece a verdade." Na primeira reunião, a comissão não definiu se apurará também ações da esquerda.

Verdade sem ressentimento

Dilma instala comissão para apurar crimes da ditadura e destaca política de Estado

André de Souza, Catarina Alencastro e Luiza Damé

Em uma solenidade carregada de emoção, a presidente Dilma Rousseff instalou ontem a Comissão da Verdade - para apurar violações dos direitos humanos praticadas de 1946 a 1988 -, dizendo que a iniciativa não é um ato de revanchismo, mas um esforço para revelar a História recente do país. Para Dilma, a verdade é o contrário do esquecimento, mas não significa ressentimento, ódio nem perdão. A presidente, que foi presa e torturada durante a ditadura militar, chorou e ficou com a voz embargada ao falar sobre o sentimento de parentes de mortos e desaparecidos políticos, que até hoje não têm informações sobre o que aconteceu com seus familiares.

- A palavra "verdade", na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra "esquecimento". É algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento. É memória e é História. É a capacidade humana de contar o que aconteceu - disse a presidente.

Num recado claro aos militares, que resistiram à instalação da comissão, a presidente afirmou que o não conhecimento da verdade perpetua o rancor, em vez de pacificar as relações não resolvidas entre duas partes que estiveram em lados opostos na ditadura:

- A ignorância sobre a História não pacifica, pelo contrário, mantém latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda a apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia.

Ao lembrar o período do qual ela própria participou ativamente como guerrilheira, Dilma teve que interromper o discurso. A presidente se comoveu ao falar dos que morreram durante a resistência ao regime militar, quando ela perdeu amigos e companheiros, e das famílias que até hoje não sabem o paradeiro deles.

- O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma História sem voz. E quem dá voz à História são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la - afirmou.

Processo construído passo a passo

Citando Galileu Galilei, Dilma afirmou que nem a tirania pode impedir a verdade de vir à tona. Segundo ela, chegou o momento de o Brasil conhecer a sua História:

- Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a este momento que vivemos: "A verdade é filha do tempo, não da autoridade". Eu acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou.

Toda a organização da solenidade buscou dar à Comissão da Verdade um caráter de missão de Estado e não de governo. Dilma se cercou dos quatro últimos presidentes - José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva -, destacando o papel de cada um para que o Brasil conseguisse finalmente instalar a comissão, já criada em outros países vizinhos, como a Argentina e o Chile. Dilma também enalteceu a atuação de Tancredo Neves e de Itamar Franco. Disse estar alegre pela companhia dos presidentes que a antecederam "nestes 28 benditos anos de regime democrático".

- Cada um de nós deu a sua contribuição para este marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a passo durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura - ressaltou.

A presidente disse que a comissão é uma homenagem a todos que lutaram pela revelação da verdade histórica e demonstra a maturidade política do país. Já está definido que a Comissão da Verdade vai apurar crimes cometidos pelos agentes públicos. Em seu discurso, Dilma procurou encerrar a polêmica criada, desde a escolha do colegiado, sobre o foco da investigação: se incluirá eventuais crimes de militantes de esquerda ou apenas violações dos direitos humanos por parte do Estado.

- O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que entenderam e souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado quanto o direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus entes queridos, vitimados pela violência praticada pela ação do Estado ou por sua omissão - afirmou.

Dilma disse que não levou em conta critérios pessoais nem avaliações subjetivas na escolha dos sete membros da comissão - Claudio Fonteles, Gilson Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Rosa Maria Cardoso da Cunha e Paulo Sérgio Pinheiro. Para ela, o grupo é plural e identificado com a justiça e o equilíbrio.

Em nome da comissão, falou o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Para ele, a Comissão da Verdade ajudará a consolidar a democracia brasileira, mas "sem apedrejamento". Dias afirmou que a comissão vai buscar obstinadamente a verdade. O ex-ministro reconheceu o trabalho de Dilma e dos ex-presidentes Fernando Henrique e Lula para que a comissão pudesse ser instalada, mas não fez qualquer menção a Sarney e Collor.

- É preciso revelar a História para que seja mostrado o que dela foi escondido. A História vale pelo que conta e pelo que dela se espera. Nossos olhos devem estar projetados ao futuro, às novas gerações, na esperança de que a democracia brasileira jamais volte a ser violentada - afirmou.

A cerimônia começou com a leitura de uma mensagem enviada pela comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Naveen Pillai. A comissária parabenizou o país pela comissão, que, segundo ela, permitirá ao Brasil se reconciliar com o passado e consolidar a democracia.

FONTE: O GLOBO

Dilma: 'O tempo acaba por trazer a luz. Hoje esse tempo chegou'

Em discurso, presidente frisa necessidade de se conhecer a História plenamente

Ailton de Freitas

DIREITO À HISTÓRIA

"Senhoras e senhores, eu queria iniciar citando o deputado Ulysses Guimarães, que, se vivesse ainda, certamente, ocuparia um lugar de honra nesta solenidade. O Senhor Diretas, como aprendemos a reverenciá-lo, disse uma vez: "A verdade não desaparece quando é eliminada a opinião dos que divergem. A verdade não mereceria este nome se morresse quando censurada." A verdade, de fato, não morre por ter sido escondida. Nas sombras somos todos privados da verdade, mas não é justo que continuemos apartados dela à luz do dia.

Embora saibamos que regimes de exceção sobrevivem pela interdição da verdade, temos o direito de esperar que, sob a democracia, a verdade, a memória e a História venham à superfície e se tornem conhecidas, sobretudo para as novas e as futuras gerações.

A palavra "verdade", na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra "esquecimento". É algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento. É memória e é História. É a capacidade humana de contar o que aconteceu.

Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a História de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições.

O que fazemos aqui, neste momento, é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo mesma. Nesse sentido... E, nesse sentido fundamental, essa é uma iniciativa do Estado brasileiro e não apenas uma ação de governo.

Reitero hoje: celebramos aqui um ato de Estado. Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos de regime democrático.

Infelizmente, não nos acompanha o presidente Itamar Franco, a quem rendo as devidas homenagens, por sua digna trajetória. Por sua digna trajetória de luta pelas liberdades democráticas, assim como pelo zelo com que governou o Brasil, sem qualquer concessão ao autoritarismo.

Cada um de nós aqui presentes - ex-presidentes, ex-ministros, ministros, acadêmicos, juristas, militantes da causa democrática, parentes de mortos desaparecidos e mesmo eu, uma presidenta - cada um de nós, repito, é igualmente responsável por esse momento histórico de celebração.

Cada um de nós deu a sua contribuição para este marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a passo, durante cada um dos governos eleitos depois da ditadura.

A Comissão da Verdade foi idealizada e encaminhada ao Congresso no governo do meu companheiro de jornada presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem tive a honra de servir como ministra e a quem tenho o orgulho de suceder. Mas ela tem sua origem, também, na Lei da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada em 1995, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade, o Estado brasileiro reconheceu, pela primeira vez, a sua responsabilidade pelos mortos e desaparecidos sob sua custódia. Pelos mortos e desaparecidos sob sua custódia durante o regime autoritário.

No entanto, é justo que se diga que o processo que resultou na Comissão da Verdade teve início ainda antes disso, durante o mandato do presidente Fernando Collor, quando foram abertos os arquivos do Dops de São Paulo e do Rio de Janeiro, trazendo a público toneladas de documentos secretos que enfim revelados representaram um novo alento aos que buscaram informações sobre as vítimas da ditadura.

O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que lutaram pela revelação da verdade histórica. Aos que entenderam e souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado quanto o direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus entes queridos, vitimados pela violência praticada pela ação do Estado ou por sua omissão.

É por isso, é certamente por isso que estamos todos juntos aqui. O nosso encontro, hoje, em momento tão importante para o país, é um privilégio propiciado pela democracia e pela convivência civilizada. É uma demonstração de maturidade política que tem origem nos costumes do nosso povo e nas características do nosso país.

Tanto quanto abomina a violência e preza soluções negociadas para as suas crises, o Brasil certamente espera que seus representantes sejam capazes de se unir em torno de objetivos comuns, ainda que não abram mão, mesmo que mantenham opiniões divergentes sobre outros temas, o que é normal na vida democrática.

Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão e que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais nem por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos, de cidadãs, de reconhecidas sabedoria e competência. Sensatos, ponderados, preocupados com a justiça e o equilíbrio, e, acima de tudo, capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar. Trabalho que vão executar - faço questão de dizer - com toda a liberdade, sem qualquer interferência do governo, mas com todo o apoio que de necessitarem.

Quando cumpri minha atribuição de nomear a Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma biografia de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado. Convidei, sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade de liderar o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da pacificação e da conciliação nacionais.

O país reconhecerá nesse grupo, não tenho dúvidas, brasileiros que se notabilizaram pelo espírito democrático e pela rejeição a confrontos inúteis ou gestos de revanchismo.

Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988.

Assim como respeito e reverencio os que lutaram pela democracia enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e lutadoras, também reconheço e valorizo pactos políticos que nos levaram à redemocratização.

Senhoras e senhores, hoje também passa a vigorar a Lei de Acesso à Informação. Junto com a Comissão da Verdade, a nova lei representa um grande aprimoramento institucional para o Brasil, expressão da transparência do Estado, garantia básica de segurança e proteção para o cidadão.

Por essa lei, nunca mais os dados relativos a violações de direitos humanos poderão ser reservados, secretos ou ultrassecretos. As duas - a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação - são frutos de um longo processo de construção da democracia, de quase três décadas, do qual participaram sete presidentes da República. Quando falo sete presidentes, é porque estou incluindo por justiça, e porque o motivo do nosso encontro é a celebração da verdade, o papel fundamental desempenhado por Tancredo Neves, que soube costurar, com paciência, competência e obstinação, a transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos.

Transição, é imperativo que se lembre aqui, conduzida com competência, habilidade e zelo pelo presidente José Sarney, que o destino e a História puseram no lugar de Tancredo, e que nos conduziu à democracia.

Mas, mesmo reconhecendo o papel que todos desempenharam, não posso deixar de declarar o meu orgulho, por coincidir com meu governo o amadurecimento de nossa trajetória democrática. Por meio dela, o Estado brasileiro se abre, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.

A Lei de Acesso à Informação garante o direito da população a conhecer os atos de governo e de Estado por meio das melhores tecnologias de informação.

A transparência a partir de agora obrigatória também por lei funciona como o inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público e, também, de todas as violações dos direitos humanos. Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação pública ética e honesta.

Essa é a razão pela qual temos o dever de construir instituições eficientes e providas de instrumentos que as tornem protegidas das imperfeições humanas.

Senhoras e senhores, encerro com um convite a todos os brasileiros, independentemente do papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o regime autoritário. Acreditemos que o Brasil não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua História. Trabalhemos juntos para que o Brasil conheça e se aproprie dessa totalidade, da totalidade da sua História.

A ignorância sobre a História não pacifica, pelo contrário, mantém latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda a apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia.

É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma História sem voz. E quem dá voz à História são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a este momento que vivemos: "A verdade é filha do tempo, não dá autoridade."

Eu acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou."

FONTE: O GLOBO

Ex-presidentes destacam avanço democrático

Dilma faz referências a antecessores em seu discurso e os reúne em almoço no Alvorada; Collor recolhe autógrafos

Paulo Celso Pereira, Maria Lima

DIREITO À HISTÓRIA

BRASÍLIA - Quatro ex-presidentes se uniram para elogiar ontem a iniciativa do governo Dilma de instaurar a Comissão da Verdade para investigar abusos cometidos durante a ditadura militar. Na solenidade, a presidente retribuiu com deferências pessoais a cada um deles, e depois ainda ofereceu um almoço no Palácio da Alvorada. À mesma mesa estavam Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney.

Na saída da cerimônia no Palácio do Planalto, Fernando Henrique destacou o longo processo de amadurecimento da sociedade brasileira até a comissão.

- Isso não é uma questão política, é uma questão de cidadania, de democracia. Uma coisa é a justiça, outra coisa é a memória, e aqui se trata de ver a memória. Claro que a interpretação, cada um dará a que quiser, mas os fatos são os fatos. Essa comissão tem que revelar os fatos. Isso vai pouco a pouco. O país vai aceitando progressivamente que chegou o momento - afirmou FH, que destacou que não se trata de uma revisão da Lei de Anistia: - Temos que revelar tudo, e essa revelação não tem o objetivo de botar alguém na cadeia, tem como objetivo impedir que se repitam fatos como os que ocorreram. É uma análise, um aprofundamento histórico. A História sempre se revê, sempre se reavalia, mas os fatos têm que ser estabelecidos.

Com voz ainda fraca, Lula qualificou o discurso da presidente Dilma como "fabuloso" e comentou:

- Foi um passo estupendo que a sociedade brasileira deu na conquista da democracia. E é importante lembrar que foi a única comissão da verdade no mundo surgida de baixo para cima, foi uma coisa surgida do povo para o povo.

Simbolismo na descida conjunta da rampa

Apesar de o salão principal do Palácio não estar lotado, os cinco presidentes deram à cerimônia um simbolismo poucas vezes visto no Planalto. Primeiro, na descida conjunta pela rampa que dava acesso à celebração; em seguida, na imagem dos cinco lado a lado no palanque; e, por fim, no discurso da presidente, que citou o papel que cada um dos antecessores teve no processo de revisão dos crimes da ditadura e na consolidação da democracia. Dilma não se esqueceu nem mesmo de destacar os papéis de Tancredo Neves e Itamar Franco.

A presidente preparou tudo para que fosse uma grande festa. Primeiro, recebendo os convidados em seu gabinete para uma reunião prévia. E, depois, com um grande almoço para os ex-presidentes e ministros no Alvorada. Numa reunião descontraída, todos falaram de seu período de governo. Fernando Henrique era o mais animado e contrastava com o silêncio de Collor. Mas ao fim do almoço o hoje senador surpreendeu, pegando o cardápio impresso e pedindo o autógrafo de todos os ex-presidentes e da presidente Dilma.

FONTE: O GLOBO

Alvo de bronca de Dilma diz que se conteve para não reagir

"Tive que me acalmar, senão seria pior", diz representante de municípios

Vaia após discussão sobre royalties do petróleo em encontro com prefeitos irritou presidente em público

BRASÍLIA - Um dia depois de ser repreendido em público pela presidente Dilma Rousseff, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, disse ontem que evitou reagir para não prolongar a cena constrangedora. "Tive que me acalmar, porque senão seria pior", disse.

A cena ocorreu depois que Dilma foi vaiada ao discursar durante encontro com prefeitos do país inteiro num hotel de Brasília, na terça-feira. Havia 2.500 prefeitos no hotel.

Instada pela plateia a se pronunciar sobre a divisão das receitas de royalties do petróleo, que os municípios desejam mudar, a presidente afirmou que eles deveriam desistir de mexer nos campos de petróleo que já estão em exploração e restringir o debate apenas aos que serão explorados daqui para frente.

A declaração de Dilma foi recebida com vaias pelos prefeitos e ela irritou-se. Encerrada a solenidade, ela se levantou e dirigiu-se com o dedo em riste a Ziulkoski, que estava a seu lado no palco.

Segundo Ziulkoski, a presidente lhe disse nesse momento que os municípios vão perder se insistirem em alterar as regras dos campos de petróleo mais antigos. "As imagens que estão lá falam mais do que as minhas palavras", afirmou Ziulkoski.

"[A divisão dos royalties] é um assunto polêmico que suscita muitas paixões", disse a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. "A presidente foi muito corajosa e clara com os prefeitos."

Ziulkoski esteve ontem com dezenas de prefeitos na Câmara dos Deputados. Eles ocuparam o Salão Verde da Câmara com camisetas que faziam referência à discussão da véspera: "O Brasil quer royalties para todos".

FOLHA DE S. PAULO

Acordo exclui governadores de foco da CPI

Após ameaças de lado a lado, governo e oposição decidiram restringir apurações apenas ao grupo de Cachoeira

Também vão para o arquivo os pedidos de quebra de sigilo das contas da Delta em todo o país e de Cavendish

Andreza Matais, José Ernesto Credendio

BRASÍLIA - Governo e oposição fizeram ontem um acordo para não investigar governadores, o comando nacional da empreiteira Delta e parlamentares na CPI do Cachoeira.

O pacto tem como objetivo restringir o foco da comissão a personagens secundários do grupo do empresário Carlinhos Cachoeira.

O acordo, que deve esvaziar politicamente a CPI, surgiu após PT e PMDB ameaçarem aprovar na sessão de hoje da comissão um requerimento de quebra do sigilo telefônico do governador Marconi Perillo (PSDB-GO), suspeito de ter vendido casa ao empresário -ele nega.

Mas o líder tucano no Senado, Alvaro Dias (PR), mandou avisar ao relator Odair Cunha (PT-MG) que retaliaria, apresentando requerimento de igual teor contra os governadores Agnelo Queiroz (PT-DF) -também suspeitos de envolvimento com o grupo de Cachoeira- e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que aparece em fotos e vídeos confraternizando com o empresário Fernando Cavendish, dono da Delta.

"Se houver deliberação a respeito do Perillo, vamos dar o troco", disse Dias.

Diante da ameaça, petistas e peemedebistas recuaram e decidiram focar os trabalhos nos auxiliares diretos de Cachoeira, já fartamente investigados pela Polícia Federal.

Com o acordo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) foi convencido a retirar o seu requerimento que pedia a quebra do sigilo do governador de Goiás da pauta da reunião de hoje. "Para não parecer uma proteção aos demais governadores, vou pedir para que o meu não seja votado."

Também vão para o arquivo os pedidos de quebra de sigilo das contas da Delta em todo o país e de Cavendish.

Agora, só será pedida a abertura dos dados da Delta no Centro-Oeste, base das operações de Cachoeira.

O PSDB, que defendia a quebra do sigilo da empreiteira, concordou em restringir o pedido ao Centro-Oeste em troca de salvar Perillo.

Para o governo, não interessa investigar a Delta nacionalmente porque a empresa é a maior recebedora de recursos federais desde 2007.

Isso apesar de as investigações da Polícia Federal na Operação Monte Carlo terem levantado suspeitas de que Cavendish sabia das ações conduzidas pelo ex-diretor da empreiteira no Centro-Oeste Claudio Abreu.

A Delta diz que eventuais desvios são responsabilidade de Abreu.

Parlamentares como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), também foram deixados de lado. Não serão votados requerimentos de convocação hoje.

FOLHA DE S. PAULO

Saída do governo Agnelo: Freire anuncia intervenção no diretório do PPS do Distrito Federal

Freire vai entregar todos os cargos que ocupa no governo Agnelo Queiroz

Valéria de Oliveira

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), divulgou, nesta quarta-feira, nota anunciando intervenção no diretório regional do partido no Distrito Federal. No texto, Freire afirma que está autorizado pela Executiva Nacional a tomar medidas para tornar efetiva a decisão de afastar o PPS do governo do DF.

A decisão da Executiva foi tomada no último dia 8 por unanimidade. Resolução resultante desse entendimento determinou ao diretório do DF que entregasse todos os cargos ocupados por filiados no governon Agnelo Queiroz, o que não ocorreu.

A razão do afastamento, diz a resolução, é que as denúncias de envolvimento do governador com o contraventor Carlinhos Cachoeira, apontada pelas operações Vegas e Monte Carlo, estavam expondo o partido, nacionalmente, "a uma posição constrangedora, contrária aos princípios republicanos" que a sigla defende.

Roberto Freire determina a constituição de uma Comissão Organizadora, com prazo de seis meses para convocar um congresso que elegerá o novo diretório no DF.

Leia, abaixo, a nota sobre a intervenção.

"PARTIDO POPULAR SOCIALISTA

Resolução Orgânica nº 06/2012

Considerando o não cumprimento da Resolução Orgânica nº 5 pelo Diretório do PPS do Distrito Federal;

Considerando que a Executiva Nacional do PPS, em reunião ocorrida no dia 08 de maio de 2012, autorizou o Presidente Nacional a tomar as medidas necessárias para tornar efetiva a decisão de afastamento do partido do Governo do Distrito Federal;

O Presidente da Comissão Executiva Nacional, RESOLVE:

Art. 1º. Intervir no Diretório do Partido Popular Socialista do Distrito Federal, constituindo Comissão Organizadora, com prazo de seis meses, nos termos do artigo 30, parágrafo único, do Estatuto do PPS.

Art. 2º. Nomear Comissão Organizadora do partido no Distrito Federal, composta pelos seguintes membros: Caetano Ernesto Pereira de Araújo (presidente), Irina Abigail Teixeira Storni, Aldo Pinheiro da Fonseca, Augusto Silveira de Carvalho, Demétrio Carneiro da Cunha Oliveira, Teia Lira Fernandes e Francisco de Sousa Andrade.

Art. 3º. Encaminhar o pedido de anotação da Comissão Organizadora para o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.

Brasília, 15 de maio de 2012.

Roberto Freire
Presidente Nacional"

FONTE: PORTAL DO PPS

Código de Ética de Cabral não investiga governador e vice

Texto afirma que as acusações contra eles devem ser investigadas pela Assembleia

RIO - Publicado no "Diário Oficial" do Estado de segunda-feira, o Código de Conduta do governo estadual não poderá investigar irregularidades eventualmente praticadas pelo governador Sérgio Cabral ou por seu vice, Luís Fernando de Souza, o Pezão.

Denúncias contra o governador, por exemplo, deverão ser apuradas pelos deputados da Assembleia Legislativa (Alerj) ou pelo Ministério Público estadual.

A comissão constituída para apurar os desvios dos servidores públicos só irá apurar as suspeitas sobre secretários, subsecretários ou presidente de empresas estatais.

O grupo terá um representante de cinco unidades do governo estadual. Os representantes são indicados pelo próprio governador, pela Casa Civil, secretarias de Fazenda, de Planejamento e pela Defensoria Pública.

De acordo com o novo código, os servidores devem manter distância de eventos sociais promovidos por fornecedores do Estado.

Prevê ainda que servidores devem evitar frequentar os mesmos lugares ou aparentar intimidade com empresários que prestem serviços para o governo do Estado.

O código foi criado em julho do ano passado -logo depois que o governador Sérgio Cabral foi criticado por ter viajado para o sul da Bahia em um avião emprestado pelo empresário Eike Batista, para participar da festa do empresário Fernando Cavendish, da Delta Construções.

A nova redação foi feita após a divulgação de fotos de Sérgio Cabral com Fernando Cavendish e outros executivos em Paris e Mônaco.

As imagens, segundo o ex-governador Anthony Garotinho (PR), mostram as relações "mais do que pessoais" entre Cabral e o empresário que tem muitos contratos no governo do peemedebista.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governistas impedem convocação dos presidentes do BNDES, Delta e J&F

Caio Junqueira e Maíra Magro

Vanderlei Macris: "Basta ver o número de parlamentares que hoje estão aqui para derrubar o requerimento"

A tropa de choque governista na Câmara dos Deputados impediu ontem a aprovação de um requerimento da oposição na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, cujo objetivo era convocar o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e representantes da construtora Delta - principal empresa envolvida no escândalo envolvendo Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira - e da holding J&F Participações.

Os pedidos foram apresentados pelo PSDB e pelo PPS, para obter esclarecimentos sobre a compra da Delta pela holding. A principal justificativa era de que o frigorífico JBS, uma das principais empresas da holding, recebeu nos últimos anos aportes financeiros do BNDES.

Alguns dos principais articuladores do Palácio do Planalto estiveram presentes na comissão, como o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), o líder do PT, Jilmar Tatto (SP), e o vice-líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

Eles fecharam acordo com a oposição para transformar as convocações em requerimentos de informação ao Ministério do Desenvolvimento, sobre eventual interferência do governo nas negociações e envolvimento de recursos do BNDES na transação. O ministério tem 30 dias para responder.

A oposição não gostou. "É pública e notória a mobilização do governo quando se trata da Delta. Basta ver o número de parlamentares que nunca estão aqui e hoje estão para derrubar o requerimento", disse o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP).

Os governistas, contudo, refutaram essa argumentação. "Estão querendo fazer aqui uma sucursal da CPI. Me parece que tem um esquema de corrupção no Estado de Goiás, então por que o governador de Goiás [Marconi Perillo, do PSDB] não aparece nos requerimentos? Se vocês na CPI não conseguem colocar a agenda que querem, não é aqui que farão isso", disse o vice-líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).

Segundo Cunha, toda vez que há a votação de requerimento para convocar autoridade do governo, a base se mobiliza para derrubar. O líder do PT, Jilmar Tatto (PT-SP), também minimizou a operação governista. "Não houve preocupação em derrubar as convocações.
Todos os líderes estavam ali para prestigiar a ministra Ideli Salvatti, que falaria na sequência."

Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as relações de Cachoeira com políticos e empresas, o PSDB trabalha para que o governador de Goiás não seja convocado sozinho. "Não vamos permitir que Perillo fique como boi de piranha dessa CPI. Se chamar um, tem que chamar os outros", disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Lideranças tucanas se reuniram na terça-feira à noite com o governador goiano e parlamentares do partido integrantes da CPI, para ouvir explicações sobre as denúncias envolvendo seu nome e discutir estratégias de atuação na comissão.

A comissão reúne-se hoje para votar diversos requerimentos. Devem ser aprovadas as quebras de sigilo de empresas de fachada de Cachoeira e, talvez, da Delta, pelo menos no que se refere a suas operações no Centro Oeste. Alguns integrantes querem também que sejam votadas as convocações de governadores e representantes da Delta.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) estuda chamar os governadores de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), e do Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB). "Começam a surgir fortes elementos [contra os dois governadores]", disse Randolfe, mencionando supostos contratos entre empresas ligadas a Cachoeira e esses governos. O senador ressalva que os indícios mais fortes são contra Perillo e, em segundo lugar, contra Agnelo Queiroz (PT-DF) e Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ).

Ontem, representantes da defesa de Cachoeira estiveram na sala cofre do Senado onde estão guardados os documentos das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal, enviados à CPI. O advogado Augusto de Arruda Botelho - que representa Cachoeira, no grupo liderado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos - disse que, do material que encontrou na sala cofre, a defesa ainda não havia tido acesso à íntegra do inquérito da operação Vegas, já que a denúncia contra Cachoeira foi gerada principalmente pelo material da Monte Carlo.

O advogado afirmou que outros profissionais seriam deslocados para analisar a documentação, mas adiantou que não teriam tempo para verificar tudo. A defesa ainda não decidiu se pedirá novo adiamento do depoimento de Cachoeira à CPI, marcado para terça-feira. Com o acesso dos advogados à documentação, ficou prejudicada a liminar que adiou o depoimento desta semana, concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello.

Parlamentares contestaram a fala do advogado. "Pode ter certeza de que os advogados do Cachoeira têm muito mais documentos que nós temos em nossa sala secreta. E o que temos é falho. Há pastas em branco, arquivos corrompidos, que não abrem. Foi um pretexto para protelar o depoimento do Cachoeira", disse o líder da bancada tucana no Senado, Alvaro Dias (PR). "É uma medida protelatória, mas ele tem o direito de permanecer em silêncio", concordou o senador Randolfe. "Mas será o fim da picada se o Supremo, de novo, deixá-lo não comparecer." (Colaborou Raquel Ulhôa)

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Governo Cabral dá verba a empresa de irmão de secretário

Fábrica de microscópios ganhou empréstimo de R$ 5 milhões antes de ter licença completa para funcionar

Sérgio Cortês (Saúde) não comentou; órgão do governo do Rio diz que critérios para concessão da verba foram técnicos

Marco Antônio Martins

RIO - Uma empresa administrada pelo irmão do secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes, obteve R$ 5 milhões de financiamento do governo do Estado.

O dinheiro para a DFV Comercial e Industrial Ltda foi liberado antes de a empresa possuir a licença completa para funcionar.

A verba saiu em 2 de dezembro de 2010, sendo que as autorizações de funcionamento foram concedidas pelas secretarias de Ambiente e da Saúde apenas em junho e dezembro de 2011, respectivamente.

A apresentação de toda a documentação é uma das exigências para que empresas ganhem o incentivo público no Rio, segundo informação passada no início da semana por Maurício Chacur, presidente do Investe Rio, programa de crédito do governo.

Após a reportagem constatar a situação insuficiente da documentação, voltou a entrar em contato com o órgão, mas a assessoria de imprensa deu versão diversa.

Afirmou apenas que basta a licença de instalação para que haja a liberação.

A Folha não conseguiu falar novamente com Chacur.

A DFV é administrada por Nelson José Côrtes da Silveira, irmão de Sérgio Côrtes.

O secretário estadual de Saúde fez parte da comitiva do governador Sérgio Cabral, em 2009, em viagem a Paris.

Em uma foto dessa viagem, divulgada pelo deputado federal Anthony Garotinho (PR), Côrtes aparece dançando, acompanhado de outros secretários, com um guardanapo na cabeça.

O financiamento de R$ 5 milhões à empresa administrada pelo irmão representou metade do valor, segundo cálculo da própria empresa, para a instalação da fábrica de microscópios, em Valença.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

MPF vai investigar 'venda' da Delta

Procurador abriu inquérito para apurar condições da negociação e já pediu explicações à construtora, ao grupo J&F e ao BNDES

Wilson Tosta

RIO - O procurador da República Edson Abdon abriu inquérito civil público para investigar a venda da empreiteira Delta Construções ao Grupo J&F Participações, proprietária do JBS, frigorífico que tem 31,4% de suas ações sob controle do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O objetivo da investigação, pedida na semana passada pelo procurador regional da República no Rio de Janeiro, Nivio de Freitas Silva Filho, é evitar que os controladores da construtora - mais de 80% são propriedade do empresário Fernando Cavendish - fujam ao pagamento de eventuais prejuízos causados por supostas irregularidades cometidas pela empresa.

A empresa é suspeita de envolvimento com o suposto esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para corromper agentes públicos e superfaturar obras, entre outros crimes. Cachoeira está preso desde fevereiro e o envolvimento de parlamentares com o grupo está sendo investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.

Ontem, deputados e senadores também apresentaram uma série de requerimentos para investigar na CPI do Cachoeira a venda da Delta para o grupo J&F. Há vários pedidos de convocação de representantes das duas empresas. Alguns parlamentares querem ouvir o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Negociação. A venda da Delta, anunciada na semana passada, foi recebida com estranheza pelo mercado. Não houve, segundo anunciado, desembolso de dinheiro. Os novos controladores terão dois meses para administrar a empreiteira e examinar sua contabilidade e compromissos, para então anunciar se vão realmente comprá-la.

Cavendish, que se afastara do Conselho de Administração da empreiteira, não teria alternativa - a outra seria aceitar a falência, já que a perda de credibilidade lhe fechou portas de financiamentos pelos bancos.

Integrante da área de Patrimônio Público da Divisão de Tutela Coletiva do Ministério Público Federal no Rio, Abdon oficiou ao BNDES para que explique sua eventual participação no negócio. O banco nega ter tido influência na compra e afirma que é somente sócio de uma controlada do J&F, sem influência na holding - embora a maior delas.

O procurador também pediu informações sobre a venda à própria Delta e à J&F. Há suspeita de influência política no negócio, já que interessaria ao governo que a Delta, detentora de muitos contratos de obras federais, não falisse, e teme-se que recursos públicos acabem injetados na empreiteira. O Palácio do Planalto nega ter influenciado no caso e afirma que a empreiteira poderá ser declarada inidônea.

Abdon solicitou ainda ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União informações sobre supostas irregularidades envolvendo obras e licitações federais vencidas pela Delta no Rio de Janeiro. O procurador requereu ainda à Junta Comercial cópias dos atos constitutivos da Delta e da J&F e pediu à Secretaria-Geral da Presidência da República cópias de todos os contratos da União com a empresa no Rio. / Colaborou Ricardo Brito

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Esgotamento do modelo contrapõe agenda de reformas ao voluntarismo:: Jarbas de Holanda

A multiplicidade de indicadores negativos do desempe-nho da economia até abril, já com extensão ao mês de maio e incluindo efeito inflacionário da valorização do dó-lar, além de evidenciar a inviabilidade da meta oficial de crescimento do PIB em 2012 (seja a de 4,5% da presiden-te Dilma seja a menos ambiciosa, de 4%, do ministro da Fazenda) e de levar a maioria dos analistas e das institui-ções financeiras a projetá-lo agora abaixo de 3%, ade-mais disso essa multiplicidade está reforçando a cobrança da retomada de reformas macroeconômicas, descartadas desde a segunda metade do primeiro governo Lula. Co-brança que vai passando a dominar as preocupações de crescentes segmentos do empresariado, e também de consultores econômicos politicamente próximos do ex-presidente e de sua sucessora, como Delfim Netto. Que, em nome do realismo, deixou de lado ou relativizou tal cobrança, de sete anos atrás, após o bloqueio à proposta do déficit zero, dele e do então ministro da Fazenda An-tonio Palocci, na sequencia da queda deste. Proposta centrada num consistente controle dos gastos públicos, como arma para combinar baixa inflação e um crescimen-to consistente do PIB ancorado sobretudo em investimen-tos privados, que, porém, recebeu o qualificativo de “tos-ca” ou “rudimentar” da nova chefe da Casa Civil de Lula, Dilma Rousseff.

Pois agora, diante das evidências de esgotamento do modelo baseado na volumosa e bem paga exportação de commodities, dos últimos anos, e na expansão do con-sumo interno propiciada sobretudo pelo aumento dos gas-tos estatais, Delfim retomou a prioridade da reforma tribu-tária em artigo no Valor de ontem, intitulado “Tributação e crescimento”, do qual se seguem alguns trechos: “Como a história ensina, há aritméticas “desagradáveis” que im-põem realismo às políticas sociais e econômicas com ex-cessivo viés quer para o consumo (como é o caso brasi-leiro) quer para o investimento (como é o caso chinês). Elas sempre terminam de forma traumática quando não pressentidas e corrigidas no momento adequado”. “A car-ga tributária bruta do Brasil é, de longe, a mais elevada de todos os países que têm uma renda per capta parecida com a sua (a nossa) e pior: 1º - é absolutamente disfunci-onal (tributa demais os investimentos que são o cresci-mento futuro e as exportações que financiam esse cres-cimento); 2º - é absolutamente injusta e regressiva; 3º - é, talvez, a mais complexa do mundo; 4º - o Fisco persegue apenas a “facilidade” da tributação; e 5º - conserva o mau hábito que tinha justificativa quando havia hiperinflação: o imposto é recolhido antes de o produto ser faturado, e seu valor recebido pelo produtor”.

Relações capital/trabalho e infraestrutura – Por ou-tro lado, a abertura anteontem no BNDES do Fórum Na-cional (em sua 24ª edição e coordenado pelo ex-ministro do Planejamento Luís Velloso, reunindo lideranças em-presariais e autoridades dos governos atual e anteriores) ensejou fortes críticas aos problemas estruturais que en-travam o desenvolvimento do país, combinadas com a demanda de “reformas indispensáveis e urgentes”. Postu-ras assumidas pelos presidentes da Odebrecht e da Sie-mens Brasil em palestras no Fórum que foram objeto de ampla reportagem do Valor, na qual se incluem os seguin-tes trechos: “O empresário não se incomoda de pagar mais para o trabalhador, mas pagar mais para render mais”, afirmou Marcelo Odebrecht. Para o qual o Brasil está sofrendo apenas de forma relativa e localizada (na indústria) os efeitos da crise internacional, e que a verda-deira crise ainda está por vir, será a da produtividade, que ele chamou “a mãe de todas as crises”. “Tanto Odebrecht quanto Paulo Stark, da Siemens, mostraram indicadores segundo os quais o Brasil tem sérios problemas de com-petitividade decorrentes, principalmente, da infraestrutura deficiente, da má qualidade da educação e da falta de re-formas estruturais, como a tributária e a trabalhista”. “O presidente da Siemens mostrou que, além da mão de obra industrial mais cara, o Brasil tem o segundo maior custo da energia elétrica, carga tributária de 40,3% do PIB e custos de logística correspondentes a 20% do PIB”.

A presidente Dilma voltou, ontem no encontro com os prefeitos, a reconhecer a elevada carga de impostos co-mo um dos entraves ao crescimento, somando-a àqueles habitualmente apontados em seus discursos – as defici-ências da infraestrutura e os altos juros praticados no país (pelos quais responsabiliza exclusivamente o sistema fi-nanceiro privado). E ao reconhecimento do problema adi-cionou o propósito de “fazer reforma tributária fatiada”, como destacou o Estadão de hoje, tendo em vista a re-dução do ônus fiscal incidente sobre o setor hidrelétrico. Uma reforma desse tipo, embora positiva, está mais pró-xima das medidas pontuais de respaldo seletivo a algu-mas atividades produtivas, que ela tem adotado, do que de uma resposta de abrangência ampla que as restrições ao crescimento estão exigindo. Resposta esta que, po-rém, implicaria um choque significativo com sua própria visão estatizante, matriz do voluntarismo de suas ações na economia e, tão ou mais complicado que isso, com o populismo do lulopetismo, baseado centralmente no gi-gantismo estatal.

Jarbas de Holanda é jornalista

Inadimplência do consumidor cresce 4,8%

A inadimplência do consumidor aumentou 4,8% em abril ante março, puxada por dívidas não pagas de cartões de crédito, financeiras e outros compromissos, de acordo com a Serasa Experian. Foi a maior variação mensal para abril desde 2002. A pesquisa mostra, porém, que a renegociação de dívidas cresce com a queda dos juros.

Inadimplência do consumidor é recorde

Aumento em abril foi de 4,8% em relação a março e de 23,7% na comparação com mesmo mês do ano passado; alta é a maior em dez anos

Marcelo Rehder, Márcia de Chiara

A inadimplência do consumidor deu um salto de 4,8% em abril na comparação com março. Foi a maior alta para o mês em dez anos, de acordo com o indicador de atraso no pagamento das contas apurado pela Serasa Experian. Em relação a março do ano passado, a variação foi de 23,7%. No primeiro quadrimestre de 2012, a inadimplência cresceu 19,6%.

Para economistas da Serasa, o forte aumento da inadimplência mostra as dificuldades do consumidor de honrar as despesas de início de ano, que incluem o pagamento de impostos como o IPTU (propriedade de imóveis urbanos) e o IPVA (propriedade de veículos), matrícula escolar e primeiras parcelas das compras de Natal. Este ano, as dificuldades foram maiores, por causa do endividamento crescente do brasileiro, e se estenderam para além do mês de março, considerado o mais crítico do ano, avaliam os técnicos.

As lojas já sentem os efeitos da inadimplência sobre as vendas. Nos últimos meses, muitos consumidores se endividaram tanto - quando os juros ainda estavam mais elevados -, que agora não podem mais comprar a prazo, porque tiveram o nome incluído na lista negra de inadimplentes.

Um alto executivo de uma grande rede de varejo de eletroeletrônicos, que prefere ficar no anonimato, conta que, há menos de um ano, 9% das consultas para venda a crédito indicavam pessoas que estavam com o nome sujo na praça e, portanto, só poderiam comprar à vista. Hoje, segundo ele, esse número já chega a 40%.

Em março (último dado disponível), a inadimplência nos financiamentos de veículos no País bateu todos os recordes. Segundo dados do Banco Central, 5,7% dos financiamentos estavam com mais de 90 dias de atraso. Há um ano, a inadimplência no setor era de apenas 3%.

Não por acaso, os bancos passaram a ser mais restritivos na concessão de crédito, o que fez cair as vendas de automóveis. Montadoras e sindicalistas, por sua vez, recorreram ao governo para pressionar os bancos para liberar crédito e alimentar as vendas do setor.

Recuperação de crédito. Dados preliminares de maio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) mostram que o calote do consumidor paulistano teve forte crescimento na primeira quinzena deste mês. Entre os dias 1.º e 15 de maio, o número de carnês com prestações atrasadas acima de 30 dias cresceu 3,6% em relação ao mesmo período do ano passado, depois de ter encerrado abril com alta de 1% na comparação anual.

Apesar de a taxa de crescimento ter mais que triplicado de um mês para outro, a pesquisa mostra que a renegociação de dívidas em atraso teve crescimento significativo. Na primeira quinzena de maio, cresceu 5,5% o número de carnês inadimplentes renegociados em relação aos mesmos dias de 2011. Em abril, o acréscimo do volume de dívidas renegociadas tinha sido de 3,2% em relação ao mesmo mês do ano passado.

"A inadimplência acelerou um pouco, mas o movimento de queda dos juros está contribuindo mais para a renegociação das dívidas em atraso do que para ampliar as vendas financiadas", observa o economista da ACSP, Emílio Alfieri. Ele diz que, com encargos menores, os consumidores estão lidando melhor com a inadimplência.

Para se ter uma ideia do impacto do juros na renegociação, o economista destaca que, da primeira quinzena de abril para a primeira quinzena de maio, o volume de dívidas atrasadas e refinanciadas cresceu 30,6%, enquanto a inadimplência subiu 9% na mesma base de comparação. Alfieri diz que o consumidor neste momento está aproveitando o juro baixo para limpar o terreno da inadimplência e, num segundo momento, deve voltar às compras.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Querem salvar a Delta via BNDES :: Sérgio Guerra

Uma frase antiga ensina que, na política, para entender de verdade os fatos, é preciso esperar as ondas pararem de bater e analisar a espuma.

O que a espuma do escândalo Cachoeira revela é estarrecedor e ofende a integridade dos brasileiros.

Explico.

Existem na República dois cargos que são os mais importantes na definição de um governo, seja pelo seu caráter simbólico ou pelo que significam na realidade: o do ministro da Justiça e o do presidente do Banco Central. Cabem a esses dois cargos, mais do que a qualquer outro, zelar pela Justiça e pelos interesses maiores do país, manifestados nas decisões econômicas que afetam todos os brasileiros. São, portanto, cargos cujo exercício é indissociável da ética.

É, portanto, com perplexidade que os brasileiros são informados pela imprensa que o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomas Bastos, se transformou, nada mais, nada menos, do que em advogado de defesa de Cachoeira pela bagatela, publicada, de 13 milhões de reais.

Não fosse essa aberração suficiente, o país é surpreendido com a revelação de que o ex-presidente do Banco Central, também no governo do PT, será o novo presidente da construtora Delta. E isso, numa operação absolutamente atípica, já que a imprensa revela que a holding que comandará a Delta assumirá seu controle sem fazer nenhum aporte financeiro.

Seria abusar muito da ingenuidade dos brasileiros acreditar que os dois teriam aceitado essas funções, sem antes consultar o governo federal e os líderes do PT, já que as biografias e credenciais no mercado de ambos estão certamente vinculadas às suas antigas funções no governo petista.

Mas se alguém ainda acreditasse - e antes que o governo diga que não tem como interferir na atuação profissional de ninguém -, a pá de cal na boa-fé foi dada com a informação divulgada de que a empresa que vai assumir a construtora Delta tem, na verdade, como maior acionista o BNDES. Em outras palavras, o dinheiro público dos brasileiros está sendo usado para salvar a construtora.

E confirmando a tese de que tudo que é ruim pode piorar, um dos donos da empresa controladora afirma em alto e bom tom que o governo federal foi previamente consultado e apoiou essa transação tapa-buraco porque "não quer que a construtora quebre". E arremata: "Imagina que o doutor Henrique Meirelles [ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da holding J&F] vai fazer um negócio que o governo não quer! 99% da carteira da Delta é com o governo federal, estadual e municipal."

O tabuleiro de xadrez se fecha com a lembrança de que, após contratar José Dirceu como consultor, a Delta teve seus contratos com o governo federal ampliados de forma extraordinária.

A pergunta que se impõe é: quais são os verdadeiros elos que existem entre o PT e Cachoeira, que fazem com que alguns dos principais rostos do governo petista estendam a mão de forma tão urgente ao contraventor e à empresa acusada de manter relações ilícitas com ele? Como pode o governo federal se mobilizar - e mobilizar recursos públicos que tanta falta fazem em outras áreas da vida nacional - para salvar uma empresa acusada de superfaturamento e danos ao erário? Por que tanto interesse em ajudar Cachoeira e a Delta?

O que está se passando diante de nossos olhos e o país ainda não enxergou?

Tudo indica que existe um escândalo ainda maior dentro do escândalo gigantesco que já conhecemos.

Sérgio Guerra é presidente nacional do PSDB.

FONTE: O GLOBO

João Gilberto - Palpite Infeliz (Noel Rosa)

Um luxo:: Merval Pereira

Certa vez Caetano Veloso disse que ter tido Fernando Henrique Cardoso e depois Lula como presidentes era "um luxo" para o Brasil. Ontem, na posse da Comissão da Verdade, que não por acaso também marcou a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, tivemos, graças à presidente Dilma, uma demonstração de que estamos avançando, apesar das lutas políticas e dos eventuais desvios, na construção de uma democracia estável e madura.

Para dar o caráter de ato de Estado, e não de um governo isolado, a presidente convidou os ex-presidentes dos últimos 28 anos, o mais longo período consecutivo de democracia que já experimentamos como nação, e se referiu aos dois falecidos, Tancredo Neves e Itamar Franco, reconhecendo o papel que cada um desempenhou nessa nossa caminhada de construção da democracia.

Em seu discurso, a presidente disse que se orgulhava de estar à frente do governo quando essas duas ações entram em vigor, permitindo que o Estado brasileiro se abra, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.

Mesmo que se saiba que muitas repartições públicas não estão ainda preparadas para dar acesso às informações tão amplo quanto o previsto na lei, e que muitos serão os obstáculos para sua plena realização, a Lei de Acesso à Informação é considerada uma das mais avançadas do mundo e permite ao cidadão o acesso a informações públicas não sigilosas, sem nem mesmo a necessidade de justificar a solicitação.

Essa "transparência obrigatória" funcionará, disse Dilma, como "o inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público, e também, de todas as violações dos direitos humanos". É o país consolidando seu pertencimento à moderna democracia digital, que permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos e, por conseguinte, dos governos como um todo.

Esta semana, por um desses acasos que o destino às vezes arma, Lula e Fernando Henrique Cardoso, dois desses ex-presidentes que mais incisivamente ajudaram a moldar a sociedade que está se organizando em torno de valores democráticos, estiveram em destaque no noticiário justamente pelo reconhecimento internacional de suas atuações à frente do governo brasileiro.

O ex-presidente Lula recebeu o "Prêmio Internacional das Quatro Liberdades" (Four Freedoms Awards 2012), homenagem da fundação holandesa Roosevelt Stichting em referência ao discurso proferido em 1941 no Congresso Americano por Franklin Roosevelt, no qual o presidente dos EUA definiu os tipos de liberdade necessários a um mundo seguro: de opinião e expressão, de culto, liberdade das privações e liberdade dos temores. O Four Freedoms Awards é concedido desde 1982 a pessoas e instituições que se engajaram para proteger a liberdade usando instrumentos pacíficos e já foi dado a Nelson Mandela, ao bispo Desmond Tutu, e ao ex-presidente americano Jimmy Carter.

Já a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a mais antiga instituição cultural do país, concedeu o prêmio John W. Kluge 2012, considerado o Nobel das Ciências Humanas, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "por suas contribuições ao estudo de humanidades e pela liderança na transformação do Brasil".

O prêmio Kluge existe desde 2003, quando foi agraciado o filósofo polonês Leszek Kolakowski, e não tem periodicidade: desde 2008 não era concedido. Normalmente o prêmio de US$ 1 milhão, o mesmo valor do Prêmio Nobel, é dividido entre dois ganhadores, mas desta vez o ex-presidente brasileiro foi premiado sozinho.

O presidente Lula ganhou o Prêmio Quatro Liberdades "por ter demonstrado ao longo de toda a sua vida um compromisso com a justiça social e econômica, e por ter contribuído para promover um clima de paz e conciliação entre as nações do mundo". A Fundação Roosevelt Stichting considerou Lula uma inspiração para a comunidade internacional por sua "ascensão da pobreza abjeta à Presidência do Brasil, e sua determinação em livrar o país da extrema pobreza e da injustiça social que por tanto tempo flagelaram seus cidadãos menos afortunados".

Lula não pode comparecer à cerimônia, que contou com a presença da princesa Beatrix, por causa de sua saúde, mas enviou um vídeo no qual descreve as liberdades de opinião e expressão e a de culto, como "a cúpula de um edifício, devendo assegurar a todos o direito de pensar e crer". Mas salienta que "para levantar-se bem alto, o edifício deve contar com sólidos alicerces", que na imagem do ex-presidente seriam as "liberdades de base", a das privações e a dos temores.

"Estas devem assegurar uma vida digna a todos, acima da penúria, garantindo uma participação justa nos bens materiais".

Fernando Henrique Cardoso foi escolhido para o prêmio John W. Klkuge - um magnata americano do ramo das comunicações benfeitor da Biblioteca do Congresso - porque "aplicou políticas coerentes com seu trabalho acadêmico. Suas análises das estruturas sociais do governo, da economia e das relações raciais no Brasil assentaram as bases para sua liderança como presidente na transformação do Brasil de uma ditadura militar com alta inflação a uma democracia vibrante, inclusiva e com forte crescimento".

Segundo a Biblioteca do Congresso, a profundidade intelectual do ex-presidente, a quem classifica de um dos "maiores líderes do Brasil", fica clara no fato de seus sucessores na presidência terem mantido várias de suas políticas.

"O presidente Cardoso tem sido o acadêmico moderno que combina o estudo aprofundado com o respeito pela evidência empírica. Sua aspiração fundamental é buscar sobre a sociedade a verdade que melhor possa ser determinada, enquanto se mantém aberto à revisão de conclusões diante de novas evidências", disse James Billington, o presidente da Biblioteca do Congresso dos EUA, que considera FH "em termos puramente acadêmicos, o mais destacado cientista político do fim do século XX na América Latina".

Não é mesmo um luxo?

FONTE: O GLOBO

Exceção à velha regra:: Dora Kramer

A citação do autor até desqualifica o tema, mas no marco da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação é simbólica a frase do notório Delúbio Soares - "transparência assim é burrice" - sobre uma proposta discutida no PT em 2004 sobre a abertura das contas de campanhas eleitorais na internet.

Com todos os percalços, resistências, lacunas, dúvidas, atrasos, despreparos, enfim, dificuldades oceânicas a serem enfrentadas, nada invalida o valor da nova legislação.

Por mais complicada que se configure sua execução e ainda que seja muito demorada a sua efetiva inclusão nos meios e modos de o Poder se relacionar com o direito do público à informação, a nova regra por si já terá o condão de iniciar um processo de mudança no País.

Ficará mais difícil alguém ousar tratar o conceito de transparência como sinônimo de falta de inteligência, inépcia ou tolice com aquela falta de cerimônia de anos atrás, quando a argumentação foi suficiente para um partido aceitá-la e rejeitar a exibição de suas contas no curso do processo eleitoral.

Haverá obstáculos a atos como o do governador Sérgio Cabral Filho no ano passado quando recorreu ao Supremo Tribunal Federal para restringir o uso de requerimentos de informações do Legislativo ao Executivo por considerá-los "abusivos" e causadores de "embaraços" à administração.

No primeiro momento, a nova lei pode até não ser eficaz. E provavelmente não terá mesmo a eficácia pretendida no texto. Ambicioso, saudado por especialistas nacionais e estrangeiros por sua modernidade e abrangência, está a léguas de distância da realidade atual.

Mas sem a indicação do ideal não se pavimenta o caminho do possível. Correndo o risco de incorrer em excesso de otimismo, diria que agora mais importante que o tamanho do trajeto é o passo inicial.

Em muitos, senão na maioria dos países onde já existem legislações semelhantes, a prática mostra-se distinta da teoria em variados graus; em muitos deles os avanços ainda não são significativos comparativamente ao tempo de vigência da regra.

A enormidade do caminho a ser percorrido, o desafio de fazer acontecer é enorme e fundamental, mas na essência menor que a magnitude da mudança de concepção proposta.

Inverte-se, por ela, a noção de que o Estado é dono soberano absoluto da informação e que a torna disponível ao cidadão quando e se achar conveniente. Como se fizesse um favor.

Essa regra, pelo que está escrito na lei, torna-se a partir de agora a ser obrigatoriamente vista como exceção.

A sociedade passa a deter de fato o direito sobre as informações das quais o Estado, fica entendido, é mero guardião. Despido do monopólio do conhecimento e desprovido da prerrogativa da ocultação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Memória e história:: Eliane Cantanhêde

Dilma Rousseff pode ter vivido ontem o grande momento de seus quatro (ou oito) anos de governo, com a instalação da Comissão da Verdade e o início da Lei de Acesso à Informação. São dois passos importantes para um país que há 27 anos tricota sua democracia.

A menina que lutou, foi presa e torturada por uma ditadura militar tornou-se a primeira presidente mulher do Brasil e, emocionada, mal contendo o choro, lembrou que a verdade não é retaliação nem perdão, é "memória e história".

E centrou no drama interminável dos desaparecidos, que é um drama também de cada um de nós: "É como se disséssemos que existem filhos sem pai, existem pais sem filhos, existem túmulos sem corpos".

Para dar um caráter histórico à cerimônia, Dilma se fez ladear pelos antecessores Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula, brindando com todos eles num almoço no Alvorada. Um momento, mais do que suprapartidário, republicano.

Quanto aos alvos e à extensão da Comissão da Verdade, seus sete membros refletem o que se discute na própria sociedade e divergem publicamente se é para investigar só os torturadores ou se é para vasculhar também a esquerda armada.

Diante do consenso de que a verdade é "memória", sem retaliação e sem a intenção de judicializar os resultados, a solução para o impasse -ou como se chamem as divergências- é simplesmente contar a história, com seus atores e seus momentos, sem cortes, sem trucagens.

Não se preocupem as vítimas, os familiares, a esquerda, porque essa história fala por si. Basta contá-la, sistematizando o que já há e acrescentando o quanto falta para que tenha um começo, um meio e (finalmente...) um fim.

Foi uma guerra desigual e desumana, com torturadores de um lado e torturados de outro. Não há nenhuma outra verdade a ser investigada que possa se impor a essa realidade.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A nova batalha :: Janio de Freitas

Militares já investigaram a esquerda, mas com métodos que não tiveram a coragem de reconhecer

A divergência em torno da Comissão Nacional da Verdade, sobre investigar os crimes e criminosos da ditadura ou também as mortes e outras violências cometidas por oposicionistas, é o primeiro ato da série de problemas e contestações que se deve esperar dos investigáveis e seus associados.

Militares do Exército e da Marinha, aparentemente todos da reserva, participantes da ditadura, organizam-se para acompanhamento dos trabalhos da Comissão. Os seus centros serão (ou já são), na tradição das agitações contra a estabilidade institucional do país, os respectivos clubes Militar e Naval.

A probabilidade é de que aos dois se junte o Clube da Aeronáutica, porque a FAB teve participação, intensa por certo período, na repressão mais brutal. A propósito é suficiente lembrar, inclusive à comissão, o brigadeiro João Paulo Burnier e seu plano de lançar oposicionistas (estudantes, jornalistas e políticos) no mar, conforme a denúncia do então capitão Sérgio Miranda de Carvalho, um bravo falecido precocemente.

Presença ativa na confrontação inaugural, Nelson Jobim cobra a investigação das ações da oposição armada, tema que "discutiu com o então ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, e que ficou acertado", com o duplo alvo da comissão (Folha de ontem).

O persistente Paulo Vanucchi foi o executivo da Presidência no processo que levou à Comissão da Verdade. Mas os "acertos" e decisões finais só poderiam firmar-se, é claro, com a autoridade presidencial. No caso, de Lula -que era quem estava dando a marretada na cortina de ferro da resistência militar.

E, cá para nós, se Paulo Vannuchi saiu ileso do governo, Nelson Jobim deixou pegadas desde antes, com a adulteração do texto da Constituinte e, para encurtar, com depoimentos à Câmara (governo Lula), sobre aparelhos e compras do Exército e da Abin, muito longe de verdadeiros.

Mas, enquanto se trata de investigar, para descobrir ou comprovar, as ações e autorias pessoais da ditadura, as ações da esquerda não exigem mais do que as recuperar. Hoje ainda é preciso investigar crimes da ditadura justamente porque seus militares e policiais investigaram as ações da esquerda desarmada e da esquerda armada.

Fizeram-no com os métodos que depois não tiveram a hombridade e a coragem de reconhecer, motivo real da Comissão da Verdade. Os processos, porém, com os atos oposicionistas descritos e suas autorias, são encontráveis nos arquivos da Justiça Militar. Nela mesma, aliás, não se perca a oportunidade de lembrar, houve atitudes de dignidade militar e pessoal de homens como o general Pery Bevilacqua e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach.

É isso, sim: como pensam os coronéis Ustra, o do DOI-Codi, e Wilson Machado, o da bomba no Riocentro, a luta continua.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Contra o Estado-anunciante :: Eugênio Bucci

No México, os meios de comunicação estão se vendendo - e se rendendo - à força do governo. O diagnóstico é de Rubén Aguilar, professor e jornalista mexicano que foi porta-voz da Presidência da República de seu país entre 2002 e 2006 (governo Vicente Fox). "Tudo está à venda", disse ele durante sua palestra no seminário Meios de Comunicação e Democracia na América Latina, realizado no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, no final da tarde de terça-feira. E arrematou: "Só o que se discute é o preço".

No México descrito por Aguilar, a tensão entre a imprensa e o poder, que é natural e desejável nos regimes democráticos, tende a desaparecer para dar lugar a uma relação de troca negocial, um toma lá, dá cá em que os governantes ganham poder (com o apoio dos veículos jornalísticos) e os empresários do setor ganham dinheiro (tendo no Estado um anunciante camarada). Assim, enquanto uns faturam votos e outros faturam lucros, a sociedade perde: a fiscalização do poder some de cena e a imprensa se converte em mercadoria política.

Diante desse cenário, o ex-porta-voz foi coerente e se declarou contrário ao uso de verbas públicas no mercado publicitário. O Estado, quando se converte em anunciante, passa a constranger, seduzir, cercear ou mesmo chantagear órgãos de imprensa, não necessariamente nessa ordem. O jornalismo investigativo perde fôlego - e a democracia, também.

Na abertura do mesmo seminário, Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisa Social, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizador do livro Meios de Comunicação e Democracia: Além do Estado e do Mercado (publicado no ano passado pelo Centro Edelstein), tocou no mesmo ponto. Para ele, devemos considerar a necessidade de impor limites ao crescente investimento de dinheiro público em propaganda de governo. Aos que defendem a publicidade governamental com o tortuoso sofisma de que ela jogaria recursos em pequenos jornais e emissoras, contribuindo assim para a "diversidade" no debate público, Bernardo Sorj argumenta, corretamente, que, se for esse o objetivo, o Estado deveria abrir linhas de financiamento público, a partir de critérios democráticos, impessoais e transparentes. Essa seria a política adequada para apoiar veículos menores e fortalecer a pluralidade e a concorrência saudável.

Aos poucos, ainda que tardiamente, vai nascendo entre nós a percepção de que a publicidade governamental distorce, deforma e degrada o debate público. Ela, que sempre foi uma unanimidade entre os agentes políticos - basta ver que, no Brasil e em todos os países da América Latina, os governos anunciam cada vez mais, qualquer que seja o partido do mandatário -, começa finalmente a ser descrita como problema para os observadores mais críticos.

Já era tempo. Aqui mesmo, neste mesmo espaço, esse problema já foi denunciado mais de uma vez: o que existe hoje nas nossas democracias ainda precárias é uma simbiose promíscua entre Estado e meios de comunicação privados, gerando um ecossistema com o qual é muito difícil romper.

No Brasil, a prática avança numa progressão de enrubescer o erário. Na primeira década do século 21 será difícil encontrar, na administração pública brasileira, uma rubrica orçamentária que tenha crescido mais.

Comecemos pela Prefeitura de São Paulo: num intervalo de seis anos, o montante jogado em publicidade oficial praticamente decuplicou, saltando de R$ 12 milhões em 2005 para R$ 108 milhões em 2010. Na cidade do Rio de Janeiro, a evolução foi ainda mais estonteante: em 2009, ao menos de acordo com os dados oficiais, a soma aplicada em publicidade da prefeitura ficou na casa de R$ 0,47 milhão e, em 2011, o total alcançou a cifra de R$ 74 milhões. O governo estadual do Rio de Janeiro passou de R$ 70 milhões em 2005 para R$ 172,5 milhões em 2011. No governo federal, conforme cifras divulgadas no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a Secom, os gastos da administração direta e indireta (contando, portanto, com as empresas estatais) vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais. No ano de 2009 houve um pico: R$ 1,7 bilhão. Também em 2009, o governo paulista alcançou um ápice de R$ 314,6 milhões, ante apenas R$ 33 milhões em 2003.

A que se destinam tantas fortunas? Elas não geram ambulatórios, não criam vagas nas escolas públicas, não abrem um só quilômetro de metrô, não aumentam o efetivo policial, não melhoram as estradas, nada disso. Nem sequer informação elas oferecem à sociedade. Só o que essa dinheirama produz é fetiche: uma boa imagem - imagem mercadológica - para aqueles que governam. É bom observar, a propósito, que a linguagem, a estética e a forma narrativa da propaganda oficial são idênticas - são as mesmas - às adotadas pelos filmetes partidários exibidos no horário eleitoral. A propaganda governamental é o prolongamento escancarado da propaganda eleitoral - e vice-versa. Ao contrário do que dizem os governantes, não sem cinismo, essas peças de comunicação não informam coisa alguma - apenas contam lorotas publicitárias.

O pior, o mais grave de tudo, é que elas esvaziam a independência dos órgãos jornalísticos de pequeno e de médio porte. Dizem as autoridades da comunicação oficial que, distribuindo seus milhões para os pequenos, os governos fortalecem os jornais locais ou "alternativos". É mentira. A verba pública transformada em verba anunciante nos jornais e nas emissoras locais produz neles uma dependência mortal. O dinheiro público entra pela porta e a independência crítica é expulsa pela janela. Também por isso, a figura novíssima e abrutalhada do Estado-anunciante só enfraquece a democracia.

Têm razão Rubén Aguilar e Bernardo Sorj. Mas que político terá coragem de romper com o ecossistema?

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO