segunda-feira, 30 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Governo acerta ao corrigir reforma do ensino médio

O Globo

Apesar de imperfeita, proposta aumenta carga horária de disciplinas básicas e inibe aberrações no currículo

O Projeto de Lei (PL) com mudanças para o Novo Ensino Médio enviado ao Congresso pelo governo na semana passada representa um avanço, embora ainda possa ser aperfeiçoado pelos deputados e senadores. Dada a relevância da educação para o Brasil, seja pela dimensão econômica — devido ao impacto na capacitação da mão de obra —, seja pela social — por ser um trampolim para a renda futura dos jovens —, espera-se que os congressistas dediquem o tempo e o esforço necessários.

A questão de fundo levantada pelo PL é a necessidade de transformar o quadro atual. A pontuação média dos alunos do terceiro ano nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) está estagnada desde 2001. Os estudantes com nível de conhecimento adequado em matemática não passam de 10%. Em português a média dos últimos anos é um pouco melhor, mas baixa, inferior a 30%.

Fernando Gabeira -Mensagem das chamas

O Globo

Se o crime no Rio for visto como uma lacuna na democracia, poderíamos mobilizar todas as forças para abordá-lo

Chego ao Rio depois de uma longa viagem: ônibus em chamas, densas nuvens de fumaça pairando sobre a Zona Oeste. Apesar do cansaço, detenho-me ouvindo os debates. Sábios conselhos para combater as milícias. Concordo com todos.

Nem adianta acrescentar mais um tópico à receita de segurança. Preciso talvez responder a uma questão: se o problema não começou ontem, por que ao longo destes anos não foi resolvido?

Há 15 anos, formulamos numa campanha política o mapa do controle territorial do Rio pelas milícias e pelo tráfico de drogas. De lá para cá, muita coisa mudou: traficantes compraram territórios das milícias, houve fusões e um crescimento para o interior, sobretudo cidades médias, como Macaé e Angra dos Reis.

Demétrio Magnoli - Antissemitismo 2.0

O Globo

Os israelenses sionistas não são diferentes dos americanos, dos australianos ou dos brasileiros

O antissemitismo original, de raízes medievais e cristãs, desceu a uma caverna sombria desde o Holocausto e a subsequente criação do Estado de Israel. À luz do sol, no espaço público que ele ocupava, emergiu o antissemitismo 2.0, que se apresenta como antissionismo.

— O Estado de Israel é uma vergonha para a humanidade, quem mata criança não merece respeito, não merece ser um Estado — tuitou Gleide Andrade, tesoureira do PT e conselheira de Itaipu, ilustrando a versão mais primitiva do antissemitismo 2.0.

— Sou antissionista, não antissemita — habituou-se a retrucar o antissemita da era pós-Holocausto.

Jogo de palavras, fruto de ignorância ou malícia. O sionismo é o movimento nacional judaico que conduziu à fundação de Israel. Sionista é, simplesmente, o defensor da existência do Estado judeu. Há sionistas de esquerda, de centro e de direita. Entre eles, existem tanto arautos da convivência com os palestinos em dois Estados quanto do “Grande Israel”, com a ocupação permanente dos territórios palestinos. Ser antissionista é pregar a destruição de Israel: antissemitismo 2.0.

Carlos Pereira* - Regular a política é criminalizá-la?

O Estado de S. Paulo

Não existe solução ótima ao se (não) regular a política pela Justiça

Em conferência realizada em Paris, o ministro do STF Gilmar Mendes deixou clara a sua interpretação da relação entre a política e a Justiça. Para ele, “se a política voltou a ter autonomia, eu queria que fizessem justiça, foi graças ao STF (...), se a política deixou de ser judicializada e de ser criminalizada, isso se deve ao STF”. Disse isso ao se referir ao freio colocado pela Suprema Corte na Lava Jato.

É como se, para Gilmar, os atores políticos tivessem a capacidade de se autorregular sem a necessidade de interferências da Justiça, mesmo diante de potenciais riscos de comportamentos desviantes e oportunistas por parte dos políticos, como apontados pelo último relatório da OCDE. A entrada da Justiça regulando a política teria como efeito perverso a sua criminalização, o que seria mais custoso do que deixar que os políticos se autoequilibrassem.

Rachel Maia - Concentração de riqueza e racismo no Brasil

O Globo

A concentração de riqueza e o racismo são dois problemas interligados que persistem no Brasil, alimentando desigualdades profundas e persistentes na sociedade

Na coluna de hoje trago um pouco sobre o bate-papo com o Fernando Maskobi, consultor financeiro estrategista que aborda a concentração de riqueza no Brasil e como isso está interligado ao racismo. A concentração de riqueza e o racismo são dois problemas interligados que persistem no Brasil, alimentando desigualdades profundas e persistentes na sociedade. Essas questões têm raízes históricas que remontam ao período colonial e à escravidão.

Conforme cita Fernando: “Num país onde a metade mais pobre possui menos de 1% da riqueza, fica difícil esperar um Brasil melhor sem encararmos o tema de concentração de riquezas de frente e com maturidade. De onde nasce a desigualdade social e qual a sua relação com o racismo? Qual o custo de viver numa sociedade com tamanha diferença social?

Bruno Carazza* - Políticos no comando das estatais: um ‘revival’

Valor Econômico

Fragilização de lei por Ricardo Lewandowski abriu flanco para reaparelhamento político das estatais

Severino Cavalcanti era um político do baixo clero que, por um desatino da política brasileira, assumiu a Presidência da Câmara dos Deputados em 2005. Segundo os relatos da imprensa na época, o deputado teria pressionado Lula, então em seu primeiro mandato, a lhe dar o direito de nomear um apadrinhado para “aquela diretoria da Petrobras que fura poço e acha petróleo”.

Eduardo Cunha, outro célebre presidente da Câmara, acreditava que indicar um aliado para a diretoria ou a vice-presidência de um banco público, como a Caixa Econômica Federal, lhe daria mais poder e influência do que obter um Ministério.

Diante de tanto interesse no controle das decisões de bancos públicos e estatais, que têm orçamento e flexibilidade de contratação e despesas muito maiores que os órgãos da Administração Direta, não causa surpresa a ampliação do corpo diretivo dessas companhias nos últimos anos. Para se ter uma ideia, em 1994 a diretoria da Caixa era composta por seis integrantes - mesmo número de membros de seu Conselho de Administração. Hoje, além do presidente, são doze vice-presidentes e 25 diretores-executivos; já o conselho tem oito assentos.

Sergio Lamucci - A mudança da meta e a credibilidade do arcabouço

Valor Econômico

Alterar o alvo para as contas públicas em 2024 afeta a percepção sobre a nova regra fiscal, já questionada pela dependência excessiva de receitas incertas

O novo arcabouço fiscal recebeu um golpe importante na sexta-feira, com a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a meta do resultado primário de 2024 não precisa ser zero. Além de afetar os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de tentar conseguir do Congresso receitas para zerar o rombo do governo central no ano que vem, a declaração de Lula tem o potencial de causar estragos na credibilidade da nova regra.

O arcabouço já tem sido questionado por depender de um crescimento expressivo e incerto da arrecadação, necessário para bancar o aumento das despesas sempre acima da inflação, de 0,6% a 2,5% ao ano. Agora, o presidente indica que deve prevalecer a vontade do PT e da ala política do governo, resistentes a cortes de gastos no ano que vem.

Gustavo Loyola* - Cenário internacional exige prudência

Valor Econômico

Além das questões geopolíticas, há uma persistente preocupação com os rumos da política monetária do Fed

O ataque terrorista do Hamas a Israel e seus desdobramentos agravaram ainda mais o ambiente de incertezas em que já trabalhavam os bancos centrais, tanto nos países desenvolvidos quanto nas economias emergentes. Esse novo cenário deve exigir uma dose de prudência maior na execução da política monetária no âmbito doméstico da economia brasileira, presentes aqui, adicionalmente, as incertezas da gestão macroeconômica e política do governo Lula.

Mesmo antes da eclosão da atual escalada de violência no Oriente Médio, os mercados financeiros preocupavam-se com os riscos de natureza geopolítica aportados pelo conflito na Ucrânia e pelas tensões entre a China e os EUA no que diz respeito à situação de Taiwan. Tais fontes de incerteza têm contribuído para o aumento dos prêmios de risco em escala global, assim como para disrupções na oferta de commodities e de outros insumos, fato que adiciona maior dificuldade para os bancos centrais no processo de redução das pressões inflacionárias via política monetária.

Eduardo Fleury* - Adam Smith, tributação e cashback

Valor Econômico

O sentimento de injustiça decorrente da cobrança de impostos fez com que a “ciência” da tributação evoluísse razoavelmente ao longo da história

Consta no Evangelho de São Marcos que Jesus se reuniu à mesa com cobradores de impostos, entre eles Mateus, que viria a se tornar seu discípulo. Ouvindo reclamação dos escribas por se reunir com este “tipo” de pessoa, Jesus respondeu: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores”.

Justiça e tributos parecem não caber na mesma frase (ou mesa) desde os tempos de Cristo. A fim de esclarecer melhor a posição de Jesus na questão tributária, cabe citar o próprio São Mateus. Jesus quando questionado se era lícito pagar “tributo a César, ou não”, respondeu prontamente: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

O sentimento de injustiça decorrente da cobrança de impostos fez com que a “ciência” da tributação evoluísse razoavelmente ao longo da história. Adam Smith há quase 250 anos já definia em seu livro “A Riqueza das Nações” (1776) princípios de tributação que são, ou deveriam ser, a base para um sistema tributário justo e eficiente. É sobre estes princípios que gostaria de fazer comentários e mostrar o quanto são importantes para o Brasil no momento em que estamos discutindo a reforma no sistema de tributação.

Camila Rocha* - Argentina: unidade para enfrentar a crise

Folha de S. Paulo

Segundo pesquisa, 52% são favoráveis à formação de governo de unidade como resposta à crise, enquanto 23% discordam

Javier Milei é sinônimo de caos e instabilidade para boa parte dos argentinos. Daí a vantagem obtida por Sergio Massa no primeiro turno das eleições. Ainda que a radicalidade desvairada de Milei possa excitar os ânimos de quem acredita que o país necessita de um choque profundo para sair da crise, essa não é a opinião da maior parte da população.

De acordo com uma pesquisa divulgada pela consultoria Analogías, no dia 26 de outubro, 52% dos argentinos são favoráveis à formação de um governo de unidade nacional como resposta à crise, enquanto apenas 23% discordam.

Massa já sinalizou que não seguirá qualquer cartilha kirchnerista e fará um governo de união nacional.

Milei e seus apoiadores, Mauricio Macri e Patricia Bullrich, porém, estão mais preocupados em destruir a oposição. Bullrich já explicitou sua intenção de "acabar com o kirchnerismo de uma vez por todas". Em sua visão, o kirchnerismo "é uma ideologia que destruiu a Argentina".

Marcus André Melo* - Argentina e o fim do 'voto econômico'

Folha de S. Paulo

Economia, criminalidade violenta e corrupção afetam apoio à democracia?

Os resultados das eleições na Argentina e na Polônia levaram analistas a decretarem a morte do chamado voto econômico. Na Argentina, Massa logrou sair da terceira posição nas primárias para a primeira em um quadro de inflação de 140%, e expectativas de debacle financeira. Na Polônia, o PiS foi defenestrado, a despeito do PIB per capita ter aumentado inacreditáveis 31% nos últimos 8 anos que governou.

A relação entre economia e voto é um tópico clássico da pesquisa empírica em ciência política. O conhecimento acumulado é que a economia é o mais importante preditor em qualquer modelo. Mas a questão é complexa. Não se trata apenas da economia real, mas a percebida pelos eleitores, a qual expressa viés partidário. A avaliação da economia por eleitores do governo e da oposição pode variar em mais de 40%. Os eleitores não conseguem distinguir o efeito de políticas de outros fatores (choques).

Sylvia Colombo - Apoio a Milei pode ser tiro no pé para Macri

 

Folha de S. Paulo

Ex-presidente de centro-direita arrisca seu capital político após se aliar a ultradireitista no segundo turno

Muito se pode criticar a gestão de Mauricio Macri (2015-2019), que tentou dar uma espécie de choque neoliberal na Argentina e fracassou, contraiu uma dívida enorme com o FMI (US$ 56 bilhões) e desgastou tão rápido sua imagem que nem sequer conseguiu ir para o segundo turno em sua tentativa de reeleição.

É preciso dizer, porém, que Macri representou, numa década em que o país vinha frustrado com a classe política (os anos 2000), uma renovação à direita do espectro político.

Foi no contexto pós-crise de 2001 que o empresário, um dos mais ricos do país, herdeiro do grupo Socma, criou o PRO (proposta republicana).

A ideia era responder ao grito de guerra das ruas —"que se vayan todos" (que todos vão embora), referindo-se à classe política tradicional— com políticos e empresários jovens e integrantes de think tanks. Eram adeptos do discurso de "desideologização", vestiam-se de modo informal, sem gravata, não raro de sapatênis.

Glenn Greenwald - Israel repete erros dos EUA após 11 de setembro

Folha de S. Paulo

Taxar críticos de bombardeios e massacre de civis de 'pró-Hamas' é ferramenta inaceitável para silenciar dissidentes

O famoso aforismo alerta: "Aqueles que não conhecem o passado estão condenados a repeti-lo". É urgente lembrar as lições da história e aplicá-las à ofensiva militar e ao cerco de Gaza promovidos por Israel em retaliação ao horripilante massacre cometido pelo Hamas.

É difícil ignorar as semelhanças entre os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, que mataram 3.000 pessoas, e o ataque sofrido por Israel em 7 de outubro.

reação ao 11 de setembro causaria décadas de guerras, bombardeios, ocupações, tortura, prisões clandestinas e prisioneiros em cativeiros brutais sem sinal de processo legal ou garantias constitucionais. O próprio governo dos EUA acabaria por reconhecer, anos depois, que muitos desses prisioneiros eram inocentes.

Cacá Diegues - O brado dos herdeiros

O Globo

O Cinema Novo iria em busca da razão de nossa existência, do sentido da vida e dos filmes que iríamos fazer

No fim dos anos 1960, eu havia terminado meu terceiro longa-metragem e me preparava para lançá-lo comercialmente quando o golpe civil-militar de 1964, já instalado com todo um acervo de defesas regulares que incluíam uma censura rigorosa, se consolidara.

Eu estava casado com Nara Leão, minha primeira esposa, com quem falava muito sobre o que fazer, e a ouvia ansioso, sabendo de sua experiência na resistência cultural à ditadura. (Só encontrei suporte e afeto parecidos com Renata Magalhães, com quem tive a sorte de casar em seguida). Por sugestão de Nara, entrei em contato sincero com o ministro da Justiça, responsável pela censura no país.

Sérgio Augusto - Miados literários

O Estado de S. Paulo

Depois de alguns anos, quebrei, contrariado, uma promessa, e voltei a ter um gato em casa. Chegou já adulto, hóspede temporário, e foi ficando. É meu primeiro bichano de raça: um siamês, acolhido com os mesmos mimos reservados aos vira-latas que o destino pôs sob minha guarda ao longo da vida.

Devo a meus pais um amor incondicional pelos animais. A elurofilia, sinônimo besta de felinofilia que aprendi com o elurófilo Rubem Fonseca, peguei de minha mãe, que por mais de uma década cuidou de parte dos felinos do Aterro do Flamengo, com o mesmo afinco com que Paul Léautaud cuidava dos seus em Fontenay-aux-Roses.

Poesia | Ferreira Gullar - Agosto 1964

 

Música | Chico Buarque - Mulheres de Atenas