sábado, 28 de março de 2020

Marco Aurélio Nogueira* - O bolsonarismo, o presidente e o vírus

- O Estado de S.Paulo

O importante é defender as instituições, apoiar o sistema de saúde, respaldar Doria, Caiado...

Dias de pandemia pedem solidariedade, clareza, entendimento. Alimentar o confronto, a disputa, a politização é contribuir para a disseminação do mal. Exigem-se ações coordenadas, sintonia, orientação. Nenhum cidadão pode deixar de contribuir. Teremos de reaprender a viver e quanto antes desarmarmos os espíritos, melhor.

Jair Bolsonaro permanece alheio aos sinais do tempo. É assustador. Seu último discurso à Nação (24/3) foi uma provocação recheada de platitudes, mentiras e agressões. Nenhuma grandeza, nenhuma generosidade, a mesma falação colérica de sempre. Em vez de passar confiança, provocou insegurança. Continuou a radicalizar, a debochar, a fazer pouco-caso, a atacar. Brigou com as diretrizes sanitárias da própria administração e aumentou o ruído com os governadores estaduais, em detrimento da unidade federativa tão necessária. A reação foi forte, mas não houve recuo.

Sua intervenção não se deve só ao baixo nível e a uma instável condição emocional. Há cálculo nela. O olhar repousa em 2022 e no esforço para recuperar o capital político que, a esta altura, está em franca evaporação. É um cálculo rasteiro, repleto de espasmos de ódio, mesquinharia e paranoia, narrativa e ideologia. Torpedeia o bom senso, esbofeteia a realidade.

Criar confusão é um caminho clássico das manobras contra a democracia. Todo autoritário gosta de respirar o ar da beligerância. Não é diferente com Bolsonaro. O foco é confundir a população, desorganizar os sistemas, passar por vítima, para que se fomente a expectativa de que apareça a figura sinistra do “salvador”.

O presidente parece acuado e se deixa guiar pelas áreas mais extremadas de seu núcleo principal, o “gabinete do ódio”. Os ministros, salvo uma ou outra exceção isolada, batem-lhe continência. Fecham-se num mutismo incompreensível, covarde. Nos bastidores, muito ruído e informações cruzadas, indício de que o clima ficou pesado.

Merval Pereira - Sem controle

- O Globo

É preciso definir qual limite que o hoje presidente brasileiro pode ir até que seja bloqueado pelas armas da democracia

Como expressar o desalento de ter na presidência da República, especialmente num momento de grave crise como esse, uma pessoa capaz de dizer essa frase em público:“Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento. Essa é a vida, é a realidade. Nós não podemos parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano, está certo?”.

Há certas coisas que se pode pensar, mas nosso superego impede que digamos em voz alta devido a um processo civilizatório a que somos submetidos no convívio social, como já ensinou Freud. Mas Bolsonaro, como já ficou provado em outras ocasiões, não tem superego.

A comparação com os automóveis parece ser uma fixação desse governo, e a falta de empatia, permanente. No início do mandato, quando se discutia a liberação da posse de armas pelos cidadãos, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, também usou a comparação de automóveis com as armas.

Mais limitado, o também ministro Ônix Lorenzoni comparou os revólveres com os liquidificadores. O objetivo era o mesmo de hoje do presidente Bolsonaro, relativizar as eventuais mortes ocasionadas pelas decisões governamentais. Embora estudos mostrem que a liberação das armas para os cidadãos provoca mais mortes do que proteção, desta vez é mais grave, pois há um conjunto de evidências científicas, como o estudo divulgado pelo Imperial College of London, que demonstra que a diferença entre o isolamento social rigoroso e uma estratégia mais branda de proteção seletiva sobre os idosos e os doentes pode significar até 1 milhão de vidas perdidas a mais em pouquíssimo tempo no caso do Brasil.

Ascânio Seleme - Pecado mortal

- O Globo

Somente uma pessoa que deliberadamente trabalha contra o interesse da maioria agiria como o presidente Jair Bolsonaro agiu em diversos momentos dessa crise sanitária. Já disse outro dia que ele é um homem mesquinho e egoísta. Mas é pouco. Bolsonaro não gosta do ser humano, se lixa para o próximo e só se preocupa com sua família e sua corriola. Mexeu com a família ou com os parças, mexeu com ele. Fora isso, danem-se. Somente um homem assim baixaria um decreto autorizando a realização de cultos religiosos em meio a uma pandemia de coronavírus.

O que isso significa? Significa que Bolsonaro deu oficialmente argumento para que pastores e bispos de diversas igrejas evangélicas exijam a presença dos seus fiéis e das carteiras dos seus fiéis nos cultos. Os pobres e explorados filhos de Deus que podiam ficar em casa, orando solitariamente, sem pagar dízimos aos devoradores de poupanças, agora não têm mais essa desculpa. O presidente do Brasil baixou decreto estabelecendo que culto religioso é uma atividade essencial e como tal pode ser realizado mesmo em meio ao caos sanitário que o planeta vive. Nenhum problema se a aglomeração facilita o contágio. Deus protege, acredita o devoto capitão.

Os bispos da Universal e das suas igrejas-satélites já estavam tendo pane de criatividade para seguir sugando o suado dinheirinho dos fiéis que, por orientação do Ministério da Saúde, permaneciam em casa. Um deles, o televangelista R.R. Soares, cunhado de Edir Macedo, passa os dias na TV pedindo que os seus crentes depositem dinheiro na conta da sua igreja. Como Ancelmo Gois mostrou aqui na quarta-feira, R.R. mandou os fiéis que não entendem de internet ou não têm conta bancária pedir auxílio a parentes ou amigos para fazer a remessa. Mais do que uma exploração vergonhosa, trata-se de um pecado. Mortal.

Essa exploração de gente fiel, simples e ingênua, que nunca foi combatida pelos governantes brasileiros, mereceu agora espaço num decreto presidencial que além de ignorá-la ainda a estimula. Por que, em nome de Deus, o capitão faria uma sandice dessa? Como só age com a cabeça eleitoral, por puro medo de que as suas bobagens o tornem no primeiro presidente a não conseguir se reeleger no Brasil, é óbvio que ele quer agradar os chefes evangélicos para obter suas simpatias e merecer seus apoios em campanhas eleitorais.

Será que Bolsonaro ignora que estes mesmos pobres fiéis que estão sendo explorados pelas igrejas mesmo em meio a esta pandemia são, afinal, os eleitores de quem ele quer ganhar o voto? Claro que não. Ele aposta na ignorância dessa turma e na ascendência que os pastores têm sobre ela. O pior é que ele tem razão. Os cultos de algumas igrejas hipnotizam muitos fiéis de tal forma que eles ficam sem ação ou não conseguem encontrar alternativas. O infundado medo da mão pesada de Deus limpa suas carteiras e os torna em rebanhos de eleitores cegos.

Foi sobre esse caldo que Bolsonaro mergulhou ainda mais fundo sua colher ao decretar a essencialidade de cultos religiosos. Saúde a gente vê depois.

Luiz Fernando Janot - Banalidade do mal

- O Globo

Guedes precisa compreender que certos dogmas da Escola de Chicago não se aplicam à realidade atual

Superada a resistência inicial, o mundo passou a cumprir as recomendações da Organização Mundial da Saúde para conter a disseminação do coronavírus. Apesar das fronteiras fechadas, do cancelamento de voos e das restrições para a circulação nos espaços públicos, o vírus continuou se espalhando.

Ao abalar as bases do modelo econômico, essa pandemia mostrou que a economia não pode ser um fim em si mesmo. Para proteger as empresas e assegurar a subsistência dos trabalhadores, o governo dos Estados Unidos destinou dois trilhões de dólares. Um montante superior ao PIB brasileiro.

Apesar de a globalização ter facilitado o acesso de um grande número de pessoas aos bens de consumo, a má distribuição de renda e a desigualdade social se tornaram o grande desafio deste século. Quase a metade da população mundial — 3,4 bilhões de pessoas — não possui recursos para bancar suas necessidades básicas.

No Brasil, são mais de 23 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Cerca de 30 milhões não dispõem de água potável e aproximadamente 100 milhões vivem em ambientes desprovidos de esgoto sanitário. Diante desse quadro desolador, o governo brasileiro ainda insiste em reduzir o papel do Estado.

Pergunto se empresas privadas terão interesse em virar concessionárias de infraestrutura nas favelas sem a certeza de retorno do capital aplicado? Graças ao marketing ardiloso, tenta-se convencer a sociedade de que esta seria a única maneira viável de levar saneamento às áreas pobres da cidade. Pura balela.

A dignidade do indivíduo não pode ser relativizada por argumentos desprovidos de fundamentação. Urbanização e moradia digna são direitos inalienáveis de todo cidadão. Sem subvenção dos governos, dificilmente encontraremos habitações de interesse social com melhor qualidade. Isso não passa pela cabeça do ministro da Economia.

Ele está mais interessado em proteger as empresas do que os empregados. Não foi à toa que apresentou uma medida provisória suspendendo os vínculos empregatícios por quatro meses e sem compensação financeira para o trabalhador. Diante da grita geral , foi obrigado a retirar sorrateiramente esse artigo da proposta apresentada.

De uma vez por todas, o ministro Paulo Guedes precisa descer do seu pedestal para compreender que certos dogmas da velha Escola de Chicago não se aplicam à realidade atual. Haja vista as recentes manifestações populares no Chile criticando os resultados desse modelo econômico implantado durante a ditadura militar.

Míriam Leitão - Guedes explica o pacote e a crise

- O Globo

Guedes diz que respeita o isolamento, mas defende Bolsonaro que, para ele, quis apenas alertar para o risco da crise econômica

O ministro Paulo Guedes acha que de 20 a 38 milhões de pessoas podem ser atendidas por esse benefício temporário de R$ 600. Ele o chama de Auxílio Emergencial aos Informais (AEI). Ele assegura que o governo está atento a cada segmento atingido pela crise econômica decorrente do coronavírus. “Ninguém será deixado para trás”, promete. O custo desse benefício, segundo ele, será de R$ 45 bilhões:

– É preferível errar por excesso e corrigir depois – me disse quando perguntei como o governo fará chegar aos brasileiros informais essa ajuda emergencial.

Explicou que basta estar no cadastro único e não estar recebendo nem Bolsa Família nem BPC. Se não estiver no cadastro, se for informal, bastará seus documentos e a autodeclaração:

– Como você escreveu na sua coluna, é a faxineira, o ambulante, o cara que vendia bala no sinal de trânsito. Não há mais trânsito. São guerreiros, valentes, nunca pediram nada ao Estado e neste momento de emergência ele vai à Caixa e receberá uma ajuda para passar esta crise.

Guedes disse que a distribuição desse recurso será cuidadosa e seguirá uma estratégia que está sendo montada com base em outras experiências bem-sucedidas, como a do FGTS, pela data de nascimento. Era inicialmente de R$ 200, mas a Câmara elevou para R$ 500, e o governo acabou oferecendo R$ 600. É um valor muito maior do que o do Bolsa Família:

Adriana Fernandes - Quem vive e quem morre

- O Estado de S.Paulo

O orçamento “paralelo”, para apartar os gastos da crise, é uma boa ideia

O enfrentamento da grave crise econômica provocada pela pandemia da covid-19 não pode se transformar numa disputa política de quem dá mais dinheiro. Dos “R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões” anunciados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no último dia 13 de março, para “aniquilar” o coronavírus, o governo passou nesta sexta-feira para uma promessa de injeção de R$ 700 bilhões na economia brasileira nos próximos meses.

Entre a primeira resposta da equipe econômica à crise até a nova cifra, passaram-se 14 dias. Mudança louvável e tomara que ainda tenha chegado a tempo de mitigar o cenário devastador já em curso no Brasil e no mundo.

Que se gaste todo dinheiro necessário para salvar vidas, o emprego dos trabalhadores e impedir uma quebradeira geral.

Mas a hora agora é também de foco e muita transparência. Mas muita transparência! Ainda estamos longe dela. Medidas foram anunciadas pelo governo sem o texto legal pronto, no afã de dar respostas à cobrança crescente por ação.

José Márcio Camargo* - Confinar: mas como?

- O Estado de S.Paulo

Algumas peculiaridades de países como o Brasil são especialmente preocupantes

Como enfrentar a pandemia do novo coronavírus? Essa a questão que domina hoje o debate no Brasil e no mundo. Confinamento horizontal, com todas as pessoas recolhidas em casa e um mínimo de contato físico entre elas, ou confinamento vertical, quando apenas as pessoas que fazem parte do grupo de risco, acima de 60 anos e que tenham um histórico de doenças anteriores, ficam confinadas?

Com o rápido aumento do contágio e do número de mortes em diferentes países, a solução pelo confinamento horizontal tem sido recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pela maioria dos países ocidentais. Entretanto, os casos mais bem-sucedidos, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Japão, adotaram uma estratégia diferente: incentivar o distanciamento social (manter pelo menos dois metros de distância de outra pessoa), maximizar o número de testes e isolar os infectados.

Independentemente da estratégia adotada, a dinâmica da pandemia é a mesma: rápido aumento do número de pessoas contagiadas no início, que, eventualmente, leva a um rápido aumento do número de mortes. O Brasil está neste estágio. A questão é qual a estratégia mais eficiente no sentido de minimizar os custos pessoais, econômicos e sociais, para fazer com que o número de infectados pare de crescer e entre em trajetória de queda.

As duas estratégias têm custos. No confinamento horizontal, como as pessoas não podem sair de casa, a economia é quase totalmente paralisada, com forte queda da produção, do emprego e da renda. Dependendo do tempo necessário para fazer com que a curva de contaminação estabilize – o que não sabemos –, o custo econômico, social e até mesmo de vidas humanas é muito elevado.

No caso do confinamento vertical, a economia continua funcionando, certamente a uma taxa menor. A questão é qual a evolução da curva de contágio e qual o número de mortes. A OMS tem declarado que os custos, em termos de vidas humanas perdidas, nesta estratégia podem ser significativamente maiores, em razão da maior probabilidade de contágio.

Oscar Vilhena Vieira* - Dupla crise brasileira

- Folha de S. Paulo

Para sobreviver à Pandemia, é indispensável pôr fim à crise de governabilidade

Crise significa um momento de dificuldade ou instabilidade aguda, que impõe a tomada de decisões cruciais, voltadas à recuperação do equilíbrio do corpo ou de qualquer sistema.

Quando um paciente atinge um momento crítico, médicos são obrigados a tomar decisões difíceis, com o objetivo de salvá-lo. O mesmo ocorre quando temos uma crise na economia, no abastecimento de água ou no fornecimento de energia.

O Brasil, como grande parte da humanidade, está submetido às ameaças da pandemia do coronavírus. Trata-se de uma crise sanitária complexa, que a todos se impôs.

Aos governos —que deveriam representar os interesses das pessoas— impõe tomar decisões e implementar medidas voltadas à proteção da vida e do bem-estar da comunidade. Não são decisões fáceis.

A ciência e o direito são os guias mais seguros, mas não eliminam a necessidade de se tomar decisões políticas. Mesmo que baseadas em evidências científicas, capacidade de implementação e parâmetros legais, escolhas políticas sempre terão um forte componente moral, pois delas decorrerão necessariamente um maior ou menor número de mortes.

É neste ponto que o Brasil vive uma segunda crise, que lhe é própria. Uma crise que dificulta em muito o enfrentamento daquela provocada pelo coronavírus.

Trata-se de uma crise de governo, que afeta a própria capacidade de coordenação dos diversos setores da sociedade, a tomada de decisões, bem como a implementação de ações com o objetivo de promover o bem comum.

Alvaro Costa e Silva - A alma encantadora dos janelaços

- Folha de S. Paulo

Gritos de Fora Bolsonaro devolvem vida às ruas vazias

De boné, roupas coloridas, cordões no pescoço, Erisvaldo Correia dos Santos, um cearense do Crato, incorporou-se à paisagem da Glória, do Catete e do Flamengo, com seu sorriso largo e voz potente: "Três reais para comer a minha rosca! Gente, a minha rosca é larga e doce!".

Nem todo mundo acha graça, e ele já levou umas bolsadas, num ataque de senhoras que saíam da igreja no Largo do Machado. Mas jamais eu tinha visto o Homem da Rosca tão triste como nos últimos dias. Ele continua acordando às cinco da manhã, para preparar a iguaria com açúcar e canela. Antes da quarentena, chegava a vender 400 roscas. Hoje, nem 10.

Exemplo de empreendedorismo estudado nas escolas de marketing, Erisvaldo integra um setor de trabalhadores dos mais penalizados com a crise: os informais. Oficialmente eles são cerca de 40 milhões (mas a impressão é que há muitos mais). Destes, 33% estão no grupo de maior risco: têm acima de 60 anos e sofrem de males crônicos. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que prevê o pagamento de uma renda emergencial de R$ 600 aos informais --o governo queria dar R$ 200.

Hélio Schwartsman - Mais que um paliativo

- Folha de S. Paulo

Taxas de ocupação nas UTIs do país são muito elevadas

Mesmo antes da epidemia, uma falha da medicina brasileira era a pouca atenção dada aos cuidados paliativos. Todo o mundo sabe que vai morrer um dia, mas, por uma série de fatores, esse é um assunto que preferimos evitar, inclusive nos hospitais. O resultado é o prolongamento de esforços terapêuticos para além do razoável, muitas vezes aumentando o sofrimento do paciente e incorrendo em gastos difíceis de justificar.

O que a experiência brasileira e internacional mostra é que, quando equipes de cuidados paliativos se engajam em estabelecer uma comunicação honesta e empática com os pacientes e seus familiares, explicando o que se pode esperar nas próximas fases da doença, mesmo os piores prognósticos tendem a ser recebidos com menos angústia. Isso permite traçar estratégias mais humanas e realistas de tratamento, seja o paliativo exclusivo ou proporcional.

Se paliar mais já era uma necessidade antes da Covid-19, tornou-se agora questão de sobrevivência —de pessoas e do sistema.

Julianna Sofia – Mergulho no esgoto

- Folha de S. Paulo

Cúpula do Judiciário e parlamentares são principal entrave à proposta

A cúpula do Judiciário e uma ala fisiológica de parlamentares dentro do Congresso encarnam hoje o principal entrave à proposta de reduzir salários do funcionalismo em resposta ao caos econômico-fiscal gerado pela pandemia do coronavírus.

Enquanto o governo prepara uma medida provisória para permitir o corte de até 65% da remuneração e jornada de trabalhadores do setor privado —com uma ajuda federal para recompor os ganhos, a depender da renda—, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, já fez circular seu recado: uma proposta de emenda constitucional para reduzir vencimentos de servidores pode ser barrada pela corte.

Deputados e senadores do bloco de partidos conhecido como centrão também resistem à ideia, embora o "primeiro-ministro", Rodrigo Maia, seja um dos principais entusiastas da medida. Ele defende cortar em até 20% os holerites do funcionalismo, o que incluiria os salários de parlamentares.

Demétrio Magnoli – Humanismo com vista para o mar

- Folha de S. Paulo

Em nome da coerência, a conta da crise precisa chegar às grande fortunas

A vida ou a economia? Sob o bafo do negacionismo oscilante de Trump e do plágio rústico tentado por Bolsonaro, uma disjuntiva sem sentido contaminou o debate público.

Economia é vida: inexiste a alternativa de proteger a saúde pública às custas do desligamento indefinido da produção e do consumo. O humanismo com vista para o mar é tão nocivo quanto o negacionismo que nasce do desprezo pela ciência.

Além de indivíduos com espessos colchões financeiros, há profissionais de empresas que adotaram o home office, empregados de setores que seguem funcionando, funcionários públicos estáveis.

Desses estratos brotam torrentes incontroláveis de humanismo. Vidas não têm preço, valem qualquer sacrifício do vil metal, explicam-nos os que não sacrificarão seus empregos ou meios de sobrevivência. Mas, apesar deles, economia é vida.

O desligamento extensivo ameaça provocar uma depressão econômica mais funda que qualquer outra na história. Isso mata, em massa.

No mundo, centenas de milhões seriam transferidos da pobreza à miséria, caindo como moscas sob as moléstias causadas pela subnutrição.

Um patamar acima, entre a baixa classe média, a desesperança lançaria milhões ao túnel escuro da bebida e dos opioides, a epidemia social que reduziu a expectativa de vida no Meio-Oeste americano. “A cura não pode ser pior que a doença” —a frase de Trump é tão óbvia quanto incontestável, ainda que se origine de motivações abjetas.

Bolsonaro perdeu: não é “uma gripezinha”. A estratégia do confinamento destina-se a criar um parênteses para o reforço do sistema de saúde, a identificação de clusters de transmissão do vírus e o isolamento dos infectados.

Vinicius Torres Freire - Pacote deixa a descoberto 22 milhões de trabalhadores com carteira

- Folha de S. Paulo

Crédito de emergência ainda vai demorar a sair, não cobre outras despesas fixas e não trata de microempresas

O maior e mais imediato problema do plano de empréstimos de emergência do governo é que o dinheiro vai demorar. Trata-se aqui da linha de crédito anunciada nesta sexta-feira (27), de até R$ 40 bilhões, para pequenas e médias empresas.

O pessoal do governo diz que a coisa pode levar de sete a quatorze dias para ficar pronta. Mas as empresas já estão demitindo ou morrendo. Outras firmas e mais empregos morrerão em duas semanas.

Há mais problemas, alguns deles apontados por economistas que discutem como se pode compensar a brutal perda de faturamento das empresas menores. Se tais firmas naufragarem, será ainda mais lenta a retomada econômica depois da epidemia. Os economistas preferem não se identificar, até porque ainda não existe detalhe formal das medidas.

Quais problemas?

TAMANHO DO PACOTE
O plano prevê empréstimos de até R$ 40 bilhões, R$ 34 bilhões com fundos do governo e R$ 6 bilhões dos bancos. Vão bancar por até dois meses salários de até R$ 2.090 (dois salários mínimos). Chutando que trabalhadores beneficiados ganhem a média de um e dois salários mínimos, podem ser atendidos, no limite, 12,7 milhões de empregados.

Trata-se de cerca de 1 de cada 3 empregados com carteira assinada, exclusive trabalhadores domésticos. Cerca de 20 milhões de trabalhadores com CLT ficam fora do esquema, por ora, sem contar 1,7 milhão de domésticos registrados.

Bruno Boghossian - Ausente, Guedes abandona estado de negação lentamente

- Folha de S. Paulo

Ministro submerge no momento em que governo emite sinais controversos

Em dois dias, o governo anunciou algumas das medidas econômicas mais emblemáticas da reação aos efeitos do coronavírus: avalizou o aumento para R$ 600 do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e abriu crédito de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas. Nos dois casos, o chefe da área foi praticamente um personagem secundário.

Duas semanas depois das primeiras e tímidas providências divulgadas pelo Ministério da Economia contra a crise, a ausência de Paulo Guedes no comando dessa missão provoca desconfiança entre empresários e irritação entre congressistas.

O ministro submergiu no momento em que o governo emitiu mensagens desastradas e sinais controversos sobre a linha de ataque aos efeitos da pandemia.

No evento em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma linha de crédito bilionária para financiar folhas de salários e preservar até 12 milhões de empregos, nesta sexta (27), apenas os chefes do Banco Central, da Caixa e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estavam presentes. O sumiço de Guedes surpreendeu alguns empresários.

O ministro também foi quase um figurante no acordo que o governo precisou fechar com o Congresso, no dia anterior, para aumentar o socorro pago a trabalhadores informais afetados pela crise. Guedes havia proposto um pagamento de R$ 200 por mês, mas foi obrigado a aceitar que o valor fosse triplicado, por pressão de parlamentares e do próprio Bolsonaro.

Guedes saiu de Brasília há uma semana, quando o vírus se espalhou entre integrantes da equipe de Bolsonaro, e passou a despachar de seu apartamento no Rio. Deixou para trás um rastro de negação sobre os possíveis impactos da crise e uma coleção de mensagens truncadas sobre as respostas que seriam dadas pelo governo.

Repasse direto à população soma 6% do pacote

Maior parte dos R$ 782 bi anunciados pelo governo para mitigar efeitos da epidemia está voltada para ampliação do crédito

Bernardo Caram / Fábio Pupo | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Defendida por economistas e políticos como medida necessária para evitar um caos social durante a pandemia do novo coronavírus, a transferência direta de recursos do Tesouro à população representa 6% do pacote de R$ 782 bilhões anunciado pelo governo ao longo das últimas semanas.

Quanto às demais ações, a maior parte está voltada à ampliação do crédito. Outras antecipam pagamentos já previstos à população (caso do 13º salário de aposentados e do abono salarial). Há também adiamento no prazo para empresas pagarem certas obrigações (como o FGTS e tributos federais do Simples).

Ainda assim, ao menos dez propostas anunciadas ainda não saíram do papel.

No conjunto de aproximadamente 40 medidas apresentadas pela equipe econômica desde o agravamento da crise, há duas ações concretas para destinar recursos novos diretamente às pessoas, aponta levantamento elaborado pela Folha.

A primeira, já em vigor, repassa R$ 3,1 bilhões para incluir mais de 1 milhão de famílias no programa Bolsa Família. O objetivo é zerar a fila de espera existente hoje.

A outra, que prevê um auxílio mensal a trabalhadores informais, tramita no Congresso.

Inicialmente formatada pelo governo para um repasse de R$ 200 mensais para cada cadastrado ao longo de três meses, a medida foi ampliada após pressão de congressistas.

O benefício será de R$ 600 e custará R$ 45 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativa do Ministério da Economia. Também será repassado por até três meses.

Outra medida com dinheiro novo deve pagar parte da remuneração de trabalhadores que tiverem jornada e salário reduzidos. Seriam R$ 10 bilhões em recursos novos.

Porém, a medida voltou à mesa de discussão para serem analisados os percentuais de recursos a serem usados. Os números são incertos.

O gasto social no enfrentamento da crise faz parte da pauta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele defende o uso de verbas partidárias, do Poder Judiciário e de salários de servidores.

Marcus Pestana - A Escolha de Sofia

Em 1982, chegou às telas um grande filme, “A Escolha de Sofia”, do diretor Alan Pakula, estrelado por Meryl Streep, em mais uma magistral atuação, encarnando a personagem Sofia Zawistowisk, que lhe rendeu o Oscar e o Globo de Ouro de melhor atriz. A belíssima história narra o drama da mãe polonesa, Sofia, presa em um campo de concentração, forçada por um soldado nazista a fazer uma difícil e dolorosa escolha que a marcaria pelo o resto da vida: qual dos dois filhos iria sobreviver.

O mundo e o Brasil, assolados por uma grave pandemia, se encontram diante de uma verdadeira escolha de Sofia. É preciso desfazer a armadilha que pesca nas águas turvas da escolha entre vidas e empregos. As lideranças políticas e sanitárias de todo o mundo, com raras exceções, fizeram a opção clara pelo combate à COVID-19, com ações radicais de isolamento social e difusão maciça de informações sobre mudança de hábitos.

O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandeta, e sua equipe fizeram um trabalho inicial notável. Mas, se não obtivermos êxito na fase de prevenção, certamente teremos um colapso no sistema hospitalar. E os sinais contraditórios emitidos pelo próprio Governo Federal não ajudam. O SUS, grande conquista social, sofre historicamente de subfinanciamento crônico e déficit de recursos humanos. Portanto, não havia escolha. Governadores lideraram o “lockdown” e a preparação das etapas seguintes, alinhados com as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde.

Governadores, prefeitos e partidos se organizam contra discurso de Bolsonaro

Na contramão de especialistas, presidente defende reabertura do comércio e de escolas

Silvia Amorim, Gustavo Maia, Daniel Gullino, Isabella Macedo, Aguirre Talento, Naira Trindade, André de Souza, Renata Mariz e Leandro Prazeres | O Globo

BRASÍLIA E SÃO PAULO — A elaboração pelo governo Jair Bolsonaro de uma campanha publicitária com o slogan “O Brasil não pode parar” em meio à pandemia do coronavírus gerou forte reação no meio político e os governos dos estados e cidades. A intenção das peças é reforçar o discurso do presidente contra o confinamento e a favor da reabertura do comércio e escolas, na contramão do recomendado pelas comunidade científica e adotado pelos estados durante a crise.

Em resposta, governadores sinalizaram com a manutenção das regras de isolamento, e partidos políticos acionaram a Justiça para impedir a veiculação da propaganda. A Frente Nacional de Prefeitos reclamou de “posicionamento dúbio” do governo, e afirmou em nota que, se o governo não esclarecer o discurso, “não restará outra alternativa aos prefeitos se não recorrer à justiça brasileira com pedido de transferência ao Presidente da República das responsabilidades cíveis e criminais pelas ações locais de saúde e suas consequências”.

Em São Paulo, João Doria destacou o fato de a adoção de quarentenas ter sido adotada em série por vários países no planeta e questionou:

— Mais de 50 países estão em quarentena. É a pior crise de saúde no mundo. Quase metade da população do planeta está em casa. O mundo inteiro está errado? E o certo é o presidente Jair Bolsonaro?

"Atentado à vida”
O governador do Rio, Wilson Witzel, por sua vez, vai renovar o decreto que recomenda à população do Rio a ficar em casa. A medida será anunciada na próxima segunda-feira e valerá por 15 dias. Doria disse ainda ter sido ameaças de morte, que serão investigadas pela Polícia Civil de São Paulo, e não temer apoiadores ou os filhos do presidente.

— Não tenho medo de 01, 02, 03 e 04 — disse, referindo-se aos apelidos que o próprio presidente usa ao mencionar os filhos.

Governadores do Nordeste afirmaram que a campanha publicitária do governo pode causar mortes. “Manifestamos nossa profunda indignação com a postura do governo federal, que (...) promove campanha de comunicação no sentido contrário (das recomendações médicas), estimulando, inclusive, carreatas por todo o país contra a quarentena. Este tipo de iniciativa representa um verdadeiro atentado à vida”, afirma um dos itens da carta.

O mundo inteiro está errado e só o Bolsonaro está certo?', indaga Doria

Governador iniciou entrevista coletiva nesta sexta-feira fazendo um discurso direcionado a Bolsonaro e disse não ter medo dos filhos do presidente

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria, condenou nesta sexta-feira a campanha em rádio e TV preparada pelo governo federal que recomenda que a população retorne às ruas e que as quarentenas decretadas nos estados sejam flexibilizadas. O tom adotado pelo tucano foi o mais grave desde o início da crise na saúde ocasionada pelo novo coronavírus. Ele atribuiu as ameaças que recebeu ontem ao Palácio do Planalto e a "bolsominions" e disse não ter medo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.

- Não tenho medo de 01, 02, 03 e 04 - disse, durante entrevista coletiva nesta tarde, referindo-se aos apelidos que o próprio presidente usa ao mencionar os filhos.

O governador registrou um boletim de ocorrência na noite de quinta-feira por ameaça e injúria. Segundo o B.O., ele recebeu mensagens em seu telefone celular que indicavam possíveis atos violentos a serem realizados em frente à sua casa. Integrantes do governo paulista enxergam a ligação entre apoiadores do presidente e as ameaças recebidas por Doria.

Doria acusou nesta tarde o governo Bolsonaro de "desprezar vidas" na condução das ações de combate à pandemia.

- O Brasil não pode parar para lamentar a irresponsabilidade de alguns que preferem desprezar vidas. Mais de 50 países estão em quarentena. É a pior crise de saúde no mundo. Quase metade da população do planeta está em casa. O mundo inteiro está errado? E o certo é o presidente Jair Bolsonaro? - disse Doria, durante entrevista coletiva nesta tarde.

Para Doria, a campanha publicitária do governo federal "desinforma" a população e é "irresponsável".

- A campanha do goveno hoje nas TVs e rede social prega justamente o contrário. Serão R$ 4,8 milhões para desinformar a população. Deveria ser usado para comprar suprimentos para hospitais públicos e reforçar o atendimento dos mais pobres. Afinal, temos um ou dois governos federais? - questionou o governador.

O governador cobrou do governo federal uma linha de ação clara. Segundo ele, Bolsonaro faz um discurso, e o Ministério da Saúde recomenda o oposto.

- Há um documento do Ministério da Saúde pregando o isolamento. Há um decreto do presidente pregando o isolamento e a decretação de calamidade pública no país.

Sao Paulo tem hoje 1.223 casos de coronavírus confirmados.Ontem era 1.052, um crescimento de 14%. No Brasil são 2.915 casos.

Doria reafirmou a manutenção da quarentena contra o coronavírus no estado.

- Será que vamos precisar enterrar 4.400 pessoas como fez a Itália para ter a certeza de que o convite para irem as ruas é um erro? Antes que isso aconteça, sigam as orientações dos médicos, da ciência e de autoridades que não têm medo de falar a verdade - completou o tucano.

Em São Paulo, autoridades envolvidas nas ações de combate à Covid-19 demonstraram preocupação nesta sexta-feira com um relaxamento da população quanto às recomendações de isolamento social. Alguns verbalizaram que não adiantará endurecer as regras, se preciso for, se não houver adesão dos moradores.

Maia alerta empresários para risco de evolução da crise ao patamar de Itália e Espanha

Presidente da Câmara participou de teleconferência e falou sobre a necessidade ações coordenadas

Bruno Góes | O Globo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta sexta-feira a um grupo de cerca de mil empresários que o Brasil corre o risco de ter um cenário de epidemia tão grave quanto em países como Itália e Espanha. Em conversa por teleconferência com agentes econômicos ligados ao Grupo de Líderes Empresariais (Lide), o presidente da Câmara pediu paciência e falou sobre a necessidade de uma ação conjunta entre Legislativo e o governo federal para evitar o colapso do sistema de saúde. Desde que o presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer campanha contra o isolamento social e favor do "retorno da normalidade", parte do setor passou apoiá-lo.

- Neste momento, do jeito das coisas estão indo, a gente corre o risco muito grande de que haja no Brasil o que está acontecendo na Itália, na Espanha e agora em Nova York - disse Maia, que acrescentou - Precisamos sentar todos numa mesa, presidentes, talvez um governador por região, pra que a gente possa abrir um diálogo e construir algo com o que nos une e não com o que nos divide.

Ao ser questionado sobre a relação entre os poderes por empresários, Maia disse que o governo está travado e não conseguiu elaborar com agilidade medidas para combater a pandemia do coronavírus. Ele argumenta que, se o governo federal já tivesse focado em medidas contra o desemprego, postergado o pagamento de impostos e apresentado uma solução para pagamento de aluguéis, não haveria conflito. Maia enfatizou que o país deveria "estar unido sob a coordenação do presidente".

- Se o governo tivesse garantido uma previsibilidade nos próximos dois meses, não ocorreria esse conflito nas redes sociais entre liberar ou não liberar (o isolamento social). A Itália testou, liberou e se arrependeu.

Maia disse ainda que todos os governo impactados pela pandemia estão despejando dinheiro na economia, uma ação empreendida em cenário de "guerra". Ele acrescentou ainda que faltam medidas para que as empresas não quebrem. E as alternativas sugeridas pelo governo, até o momento, são consideradas "tímidas" pelo presidente da Câmara.

‘Infelizmente algumas mortes terão. Paciência’, diz Bolsonaro ao pedir o fim do isolamento

Presidente defende fim do fechamento do comércio imposto por governadores para combater o coronavírus

Julia Lindner e Camila Turtelli | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro voltou a pedir nesta sexta-feira, 27, o fim do isolamento social como método para conter o avanço do novo coronavírus e afirmou que “infelizmente” alguns brasileiros irão morrer ao contrair a doença.

“Infelizmente algumas mortes terão, paciência, acontece, e vamos tocar o barco. As consequências, depois dessas medidas equivocadas, vão ser muito mais danosas do que o próprio vírus”, disse o presidente em entrevista ao apresentador José Luiz Datena durante programa Brasil Urgente, da Band. Bolsonaro afirmou ainda que a população tem de retomar o trabalho.

“O brasileiro quer trabalhar, esse negócio de confinamento aí tem que acabar, temos que voltar às nossas rotinas. Deixem os pais, os velhinhos, os avós em casa e vamos trabalhar. Algumas mortes terão, mas acontece, paciência”.

Na terça-feira, 24, Bolsonaro fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV pregando a reabertura de escolas e do comércio. Na quinta, 26, o Planalto lançou campanha publicitária chamada ‘O Brasil não pode parar’ para defender a flexibilização do isolamento social.

'O Brasil precisa discutir quem será o fiador das mortes', diz Doria sobre Bolsonaro

Governador de São Paulo reage à defesa do presidente para a retomada das atividades comerciais no País

Bruno Ribeiro | O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez um discurso repleto de críticas ao presidente Jair Bolsonaro em resposta à campanha veiculada pela Presidência defendendo a retomada das atividades comerciais do País. “O Brasil precisa discutir quem será o fiador das mortes no Brasil”, disse Doria. O pronunciamento ocorreu durante vistoria das obras do hospital de campanha que está sendo construído no Estádio do Pacaembu.

“O Brasil pode parar para lamentar a irresponsabilidade de alguns e a morte de muitos”, disse o governador. “Não é racional fazer política com a saúde e a vida das pessoas, especialmente as mais pobres.” Ele afirmou que a recomendação pelo isolamento social vinha do próprio Ministério da Saúde e que há mais de 50 países adotando quarentena como estratégia contra a doença.

Com tom de voz ríspido, Doria disse que os R$ 4,8 milhões gastos pela União com a propaganda deveriam ter sido enviados a hospitais e que haveria dois governos: um que acertava as ações de saúde e outro que não. “O Brasil precisa de união, não de ódio, não é hora fazer política, fazer campanha, propagar ideologismos.”

No mesmo tom, pediu atenção à cidade de Milão, na Itália, que teve uma campanha há algumas semanas contrária às ações de fechamento de bares e que, ontem, se desculpou. “São 4.400 italianos mortos”, afirmou Doria, para depois dizer: “A política que mata pessoas não salva economia.”

O governador afirmou que caminhoneiros, que vêm divulgando vídeos com queixas às ações de isolamento, poderão usar os postos de pesagem nas rodovias do Estado como áreas de descanso. Também divulgou repasses para a Prefeitura de São Paulo, que montou dois hospitais de campanha.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), também rebateu Bolsonaro, que disse nesta manhã que prefeitos e governadores deveriam ser cobrados pelo pagamento de encargos trabalhistas. “Estamos mais preocupados com o artigo 121 do Código Penal, que trata de homicídio.”

O que a mídia pensa - Editoriais

O desvario de Bolsonaro – Editorial | Folha de S. Paulo

Planalto faz vídeo contra políticas aceitas pela maioria e de impacto consumado

Não satisfeito com seu pronunciamento de terça-feira (24) em cadeia de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro avançou em sua cruzada para sabotar os esforços de controle da epidemia de Covid-19.

Na mais recente ofensiva contra as recomendações quase unânimes de médicos e estudiosos, o Palácio do Planalto encomendou um vídeo publicitário em que se exorta a população a voltar ao trabalho, às escolas e a outras atividades.

“O Brasil não pode parar” é o mote da peça populista, veiculada de modo experimental nas redes sociais bolsonaristas —o que já seria um escândalo em potencial, tratando-se de comunicação de governo, mesmo se o conteúdo fosse sensato ou bem-intencionado.

Mais que excitar as hordas fanáticas da internet, o que se faz é estimular de modo temerário pressões de empresários e trabalhadores contra as normas de confinamento em suas cidades e regiões.

Se compreendem-se as preocupações com a renda e os empregos, é com fundamentos científicos que se deve travar a discussão. O governo Bolsonaro, entretanto, não apresenta um fiapo de argumento técnico para sustentar a defesa que o presidente faz de isolamento apenas parcial de indivíduos.

Música | Casuarina - Vai passar

Poesia | Bertolt Brecht - Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.