quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Doria venceu

- O Globo

Foi uma vitória política do governador de São Paulo João Doria a admissão do ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, de que o início da vacinação nacional pode se dar ainda em dezembro, mais certamente em janeiro.

Embora o governador Doria garanta que não haveria falta de doses para todos que procurassem, mesmo não morando no Estado, São Paulo se livrou de problemas como a superpopulação das cidades com pessoas de outros estados procurando por vacinas, e poderá promover a vacinação de maneira tranquila e rápida.

Pode ser até que sobrem vacinas para doação a outros estados, sem prejuízo da população local, que se sentiria prejudicada pelo afluxo de pessoas de outros estados. A antecipação da vacinação nacional é um anúncio que só confirma que o governo brasileiro, se tivesse se organizado com antecedência, poderia estar começando a vacinação nacional, sem polêmicas, ao mesmo tempo que vários países.

A compra da vacina da Pfizer, que já está sendo utilizada na Inglaterra e em outros países, foi atrasada por uma decisão equivocada do ministério da Saúde, que a descartou pela dificuldade de armazenamento a temperaturas muito baixas. A solução foi dada pela própria farmacêutica, que criou embalagens com gelo seco que conservam a vacina por pelo menos um mês.

Agindo sempre com rancor, e sem nunca objetivar a proteção da vida humana, o presidente Bolsonaro foi obrigado a antecipar o calendário de vacinação para não deixar o governador paulista ser o pioneiro no país, enquanto a Saúde permaneceria em estado de paralisia burocrática.

Míriam Leitão - General não sabe preparar a guerra

- O Globo

O general está errando na estratégia de guerra e falhando na execução de sua missão. Ao ministro general Eduardo Pazuello foi entregue a tarefa de proteger a saúde dos brasileiros em plena pandemia. Isso é uma guerra. O inimigo é altamente letal, já foram 179 mil os brasileiros mortos. Pazuello deveria usar toda a munição e todas as armas disponíveis, mas escolheu apenas algumas. Ele nos desarma diante de inimigo perigoso ao desprezar a vacina do Instituto Butantan e demonstra ter dúvidas se haverá demanda por proteção entre as potenciais vítimas do coronavírus.

Ontem Pazuello tentou consertar o que havia dito na véspera, mas os últimos dias foram esclarecedores para quem tinha alguma dúvida de que o governo escolheu mal o general desta guerra. E escolheu mal porque o próprio presidente demonstra não se importar com os efeitos da pandemia, desde o começo.

Na reunião com os governadores na terça-feira ficaram claros os erros de estratégia, de avaliação, de planejamento e de logística do ministro da Saúde. Diante de um inimigo perigoso e desconhecido, um bom comandante não faz o que ele fez. Até agora ele escolheu uma única vacina, a Oxford AstraZeneca, e admitiu comprar a da Pfizer. Só que ele mesmo disse que as quantidades de vacinas que os laboratórios podem oferecer são “pífias”. Nesse contexto de escassez de oferta, fica ainda mais difícil entender por que ele desfez o acordo que havia firmado em outubro com a vacina Coronavac. Na briga com o governador de São Paulo, João Dória, Pazuello disse que o Instituto Butantan não é de São Paulo, e sim brasileiro. A verdade é que ele é administrativamente paulista porque há um século foi fundado pelo governo de São Paulo. Ao mesmo tempo, é de todo o país pela confiança que a população brasileira tem no nosso maior fabricante de vacinas. Mas, diante da afirmação de Pazuello, ficou mais claro que o governador João Dória fez a pergunta certa. Por que discriminar a vacina na qual trabalha o Instituto Butantan?

Carlos Alberto Sardenberg - Bala no coronavírus!

- O Globo

Tentar impedir o governo paulista de aplicar a CoronaVac leva o caso para o STF

Ampla e cuidadosa reportagem no GLOBO — publicada ontem, de autoria de Johanns Eller, Raphaela Ramos e Rodrigo de Souza— deu uma geral em todos os estados para saber como estão se preparando para o programa de vacinação. O resultado é desalentador. Exceto o governo paulista, nenhum outro tem plano pronto, muito menos vacinas.

Estão todos no gerúndio: preparando, estudando, negociando. Alguns informam que já compraram insumos, como seringas e agulhas, outros dizem que já encomendaram freezers, todos prometem alguma coisa para as próximas semanas.

Em resumo: excetuando o governador João Doria, nenhum outro depositou esforços e colocou dinheiro e organização para alcançar uma vacina. Os demais ficaram na dependência do governo federal, por motivos diversos, mas basicamente dois: estados mais pobres que não têm recursos e/ou administradores incompetentes.

Todo mundo sabia que a saída da crise estava na vacina, de modo que a política de saúde aplicada neste ano (distanciamento social, máscaras, quando aplicadas, e internações) tinha o objetivo de ganhar tempo até a chegada da vacina. Esta, portanto, deveria ser o alvo principal.

Na prática, para os governadores, tratava-se de preparar os programas de imunização — coisa que não é difícil, já que estados e municípios fazem isso todo ano — e de agir na política e na diplomacia para ter acesso a todas as vacinas que estavam sendo pesquisadas.

Ascânio Seleme - E agora, Rodrigo?

- O Globo

O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado

Não se pode negar que o deputado Rodrigo Maia teve momentos importantes e positivos no exercício da presidência da Câmara. Foi mérito quase exclusivo seu a reforma da Previdência, no segundo semestre do ano passado, quando chamou para si, tocou e fez aprovar o projeto, enquanto o governo fazia corpo mole. É verdade também que, durante todo o mandato, trabalhou incansavelmente pela sua reeleição. Fez os entendimentos possíveis e engoliu todos os sapos para ficar sempre pronto para ser reconduzido ao cargo, embora soubesse ser inconstitucional. O mais grave foi ter se sentado em cima de pelo menos 30 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

O deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada.

Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?

Bernardo Mello Franco - Da laranja à sanfona

- O Globo

No Dia Internacional contra a Corrupção, Jair Bolsonaro demitiu um ministro acusado de desviar dinheiro público para candidaturas de fachada. Foi coincidência, claro. O capitão já rasgou a fantasia de vestal que usou para chegar ao poder.

O caso do laranjal do PSL veio à tona em fevereiro de 2019. O governo havia acabado de completar um mês, mas o presidente disse que as suspeitas contra Marcelo Álvaro Antônio não eram problema dele. Em junho, a Polícia Federal prendeu três aliados do ministro. “Por enquanto, não tem nada”, desconversou Bolsonaro.

Quatro meses depois, o Ministério Público denunciou o titular do Turismo por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita e associação criminosa. Mais de um ano se passou, e o presidente não tocou no auxiliar. Não faria sentido atribuir a demissão de ontem a um escândalo que sumiu das manchetes.

Maria Hermínia Tavares* - O traçado de um desastre amazônico

- Folha de S. Paulo

Pressões sobre a mata, seus habitantes e sua biodiversidade vêm de muitos lados

"A Amazônia é o coração biológico do planeta Terra, e ele já não está mais batendo de forma saudável", costuma comparar o cientista Carlos Nobre, voz influente no debate sobre o aquecimento global.

Identificar em detalhe as ameaças a esse formidável bioma e localizá-las na vastidão dos seus 8,2 milhões de km2 é o propósito do "Atlas Amazônia sob Pressão 2020", recém-lançado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (Raisg), consórcio que reúne organizações não governamentais de seis dos nove países que o abrigam.

São 23 mapas preciosos, acompanhados de textos que descrevem os riscos à integridade da floresta. As cartas permitem seguir as mudanças, em geral negativas, ali ocorridas entre 2012 e 2018, oferecendo um amplo panorama do desastre ambiental em curso e dos processos que o desencadeiam.

Bruno Boghossian – O ministro que envelheceu

- Folha de S. Paulo

Saída se explica pelas duas maiores preocupações do presidente: o controle do Congresso e a reeleição

Ameaçado no cargo, o ministro do Turismo comprou briga com um colega na terça (8). Num grupo de mensagens, Marcelo Álvaro Antônio destacou suas credenciais como apoiador precoce de Jair Bolsonaro em 2018, atacou o articulador político do Planalto e disse que o governo paga “um altíssimo preço” para aprovar projetos no Congresso. No dia seguinte, foi demitido.

Antes disso, Bolsonaro teve outras oportunidades para se livrar de Álvaro Antônio, mas preferiu manter o aliado no governo. Quando ele foi denunciado pelo Ministério Público no ano passado, sob acusação de desviar dinheiro no esquema de candidaturas laranjas do PSL, o presidente disse que não havia elementos para mandá-lo embora.

Um bate-boca no WhatsApp pode parecer um motivo menor, mas foi pretexto suficiente. A decisão instantânea de Bolsonaro se explica pelas duas maiores preocupações do governo na agenda política: o controle do Congresso e a eleição de 2022.

Mariliz Pereira Jorge - Bolsonaro, um genocida

- Folha de S. Paulo

Ninguém mais deve ter dúvida de que Bolsonaro é um maldito genocida

Quanto mais demorarmos a vacinar a população contra a Covid-19, mais gente morrerá. Se antes a responsabilidade de Jair Bolsonaro era subjetiva, no momento em que vários países começam a imunizar seus cidadãos, não resta dúvida: a incompetência, o desdém e a demora do governo, na figura do presidente, serão culpados por cada morte que poderia ser evitada com uma vacina.

Para alguém que tinha tanta pressa de que o país voltasse "à normalidade", um dirigente que se preocupava tanto com a economia, é curioso que Bolsonaro não tenha sido um dos primeiros líderes a garantir a compra de vacina. Senão por causa da vida das pessoas, que fosse pela saúde da economia.

Bem, seria curioso, se fosse alguém razoável e não um idiota, que resolve inaugurar um brechó no Palácio do Planalto quando o mundo vive um acontecimento histórico. Enquanto Jair e a dona "por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle?" usavam a estrutura palaciana para seu momento "memorável", eu chorava ao ver gente sendo vacinada no Reino Unido.

Vinicius Torres Freire – Guedes quer mais imposto até o Natal

- Folha de S. Paulo

Ministro e parte do Congresso querem reduzir isenções tributárias da classe média rica

Paulo Guedes prometeu que o governo vai dar um “forte sinal” para diminuir “subsídios e gastos tributários”. Grosso modo, isso é aumento de imposto, goste-se ou não de mais essa providência por ora imaginária do ministro.

Quando vai ser? Quase na “semana que vem”, um dos prazos típicos de Guedes: “antes do fim do ano”, duas semanas, na prática.

“Gasto tributário” é um imposto que o governo deixa de recolher a fim de dar tratamento especial para empresas, setores da economia, um grupo de indivíduos, regiões. Em suma, de um modo ou de outro, quem recebe esse tratamento diferente paga menos imposto do que deveria, pela regra geral.

Qual o maior gasto tributário federal, pelas contas da Receita? O Simples Nacional (micro e pequenas empresas, o que pega também boa parte da “classe média”, ricos, bolsonarista). Depois vêm as isenções e deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (rendimentos isentos e não tributáveis e deduções de gastos com saúde e educação privada), o que inclui rendimentos de aposentados maiores de 65 anos e rescisões trabalhistas.

Luiz Carlos Azedo - Tudo ou nada na Câmara

- Correio Braziliense

Arthur Lira tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, para atropelar Maia, que ainda não tem candidato à própria sucessão

Troca de farpas pelas redes sociais e depois, um bate-boca na antessala do presidente Jair Bolsonaro, derrubaram antes da hora o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e podem resultar também no deslocamento do general Luiz Ramos, que sai desgastado do episódio, da Secretaria de Governo, ou seja, do cargo de articulador político do governo. A trombada entre ambos foi um efeito colateral das articulações de Ramos para fortalecer a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) a presidente da Câmara, da qual também faz parte a reforma ministerial em discussão no Palácio do Planalto. Marcelo Álvaro Antônio é ligado aos filhos de Bolsonaro, que vivem às turras com os militares do governo.

Ramos teria colocado o Ministério do Turismo na mesa de negociações com o Centrão, convidando para o cargo o deputado Roberto Lucena (Podemos-SP). O  ministro ficou sabendo e partiu pra cima do general, acabou demitido por Bolsonaro. O presidente da Embratur, Gilson Machado, assumiu interinamente a pasta.  Agora, cogita-se que Ramos vá para Secretaria-Geral da Presidência, entregando a Secretaria de Governo para o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PP),um dissidente do PP e aliado de Rodrigo Maia,  que passaria a ser o novo articulador político do governo. Bolsonaro está indo para uma espécie de tudo ou nada no Congresso, que pretende controlar. Contava com a reeleição de Alcolumbre, mas o veto do Supremo Tribunal Federal (STF) à recondução atrapalhou seus planos; em contrapartida, a candidatura de Arthur Lira na Câmara está de vento em popa.

Ricardo Noblat - A rendição de Bolsonaro ao sistema que prometera desmontar

- Blog do Noblat | Veja

Uma vez Centrão, sempre Centrão

Jair Bolsonaro chegou à presidência da República com uma ideia fixa, por sinal a única que lhe sopraram sem maiores detalhes e ele gostou logo de saída: quebrar o maldito sistema.

Não sabia bem o que era o sistema, mas de tanto ouvir falar dos seus males e da sua força intuiu que essa poderia ser uma bandeira atraente para despertar esperança.

Afinal, não tinha projeto para o país porque sempre fora incapaz de conceber um ou de sequer preocupar-se com isso. E a facada acabou salvando-o do risco de revelar-se um candidato vazio.

Em sua primeira visita aos Estados Unidos, limitou-se a repetir vagamente que destruiria o sistema para só mais tarde construir outro. Foi ouvido pelos americanos como um líder pitoresco.

José Serra* - A dimensão federativa da crise

- O Estado de S. Paulo

A solução da crise passa por um federalismo de cooperação, como vem apontando Joe Biden

A economia brasileira está lidando com desequilíbrios das contas públicas simultâneos com uma pandemia imprevisível. Há forte pressão da sociedade por aumento de gastos na área social, ao mesmo tempo que os orçamentos das três esferas de governo – União, Estados e municípios – não apresentam capacidade fiscal para dar conta dessa necessidade de apoio estatal. Neste cenário incerto, uma certeza pode ser considerada apartidária: a crise fiscal tem dimensão federativa.

Sabe-se que o Brasil é uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, municípios e do Distrito Federal. É o que está escrito no primeiro artigo da nossa Constituição. Mais ainda, nossa República se apresenta como uma organização político-administrativa que compreende três esferas de governo autônomas, nos termos do artigo 3.º da nossa Lei Maior.

Pode-se debater o tema, mas não se pode negar que nosso federalismo começa com duas palavras: união e ampla autonomia. Na maioria dos sistemas federativos os governos locais são “extensões” dos Estados federados, ao passo que no Brasil os municípios não estão subordinados a nenhuma outra esfera da Federação. É o acordo que se estabeleceu na Constituição, como condição de cláusula pétrea.

Bem, essa noção de que precisamos manter a integridade do nosso federalismo fiscal, um dos pilares da nossa Constituição, é fundamental no contexto da crise atual. Tenhamos claro que o País só vai sair desta crise e conseguir deslanchar, reduzir as desigualdades e promover o bem de todos – os objetivos da República previstos no mesmo artigo 3.º – se tornar viável um plano de curto e médio prazos, politicamente acertado com a participação das lideranças das três esferas de governo e da sociedade.

William Waack - A guerra foi perdida

- O Estado de S. Paulo

A própria falta de liderança explica os reveses de Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro perdeu a “guerra” da vacina contra a covid-19. Se não capitular por decisão própria, e há sinais de que isto já está acontecendo, o STF imporá o óbvio: governadores e prefeitos dispõem de instrumentos legais suficientes para seguir adiante com planos de vacinação, não importa o que diga o general cumpridor de ordens no Ministério da Saúde. A onda que o leva à derrota é irresistível, e Bolsonaro só não foi capaz de enxergar a dimensão dela por conta do fenômeno da “mentalidade do bunker” – a que acomete dirigentes que só ouvem puxa-sacos ou vivem mergulhados numa atmosfera peculiar desvinculada da realidade além das quatro paredes palacianas. É gritantemente óbvio que milhões de pessoas querem se agarrar a qualquer esperança na luta para sobreviver ao vírus.

Era também gritantemente óbvio o impacto do noticiário e das imagens de países como o Reino Unido vacinando em massa sua população, além da reação de esperança e euforia dos mercados com a chegada de vacinas de eficácia (ao que indicam os dados) superior à expectativa inicial. Esses fatores criaram um “momento” na política avassalador: aquele que cobra e premia ações rápidas e decisivas, a superação imediata de qualquer tipo de barreira burocrática ou regulatória.

Ao politizar de forma tosca e contraproducente desde o início todas as medidas em relação à pandemia, é Bolsonaro o principal responsável pelo ambiente no qual governadores como João Doria (mas não só) enxergaram no desafio ao governo federal uma oportunidade de ganhar algum tipo de perfil. Ele mesmo desmoralizou sucessivos ministros da Saúde, incluindo o atual – um general cuja inadequação ao cargo e a vontade de agradar um chefe errático o condenam a um desempenho patético quando se dirige ao público para se desdizer em sequência.

Zeina Latif* - Alguns aprendem, outros se recusam

- O Estado de S. Paulo

A vacinação em massa parece distante, mesmo com tanta experiência do Brasil nessa área

No início da pandemia, muito se falou que a vacina da covid-19 poderia demorar anos. O quadro mudou rapidamente e, em abril, a expectativa caiu para 12 a 18 meses. Houve surpresas neste final de ano, pois alguns países já iniciaram a vacinação. Esse timing é inédito.

O conhecimento acumulado no trato de outros patógenos, como a SARS-CoV-1, foi um fator central. Mas houve também cooperação global e coordenação de esforços, algo essencial tendo em vista que a vacinação precisa ser mundial para ser realmente efetiva e envolve cadeias globais de suprimento.

Em janeiro, cientistas chineses divulgaram o sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2 na internet. Foi o passo inicial para produção de vacinas. Já em abril havia ao menos 80 vacinas ou terapias antivirais sendo desenvolvidas no mundo.

Houve iniciativas globais para financiar empresas e governos. A avaliação era que seria necessário produzir as vacinas antes mesmo dos testes finais para que, uma vez obtida a aprovação, o inicio da vacinação fosse rápido. O risco de insucesso precisava ser financiado.

Celso Ming - Apesar da inflação mais forte, os juros não sobem

- O Estado de S. Paulo

A manutenção da Selic a 2,0% ao ano produz um efeito fiscal benéfico, mas pode dar errado, quando se levam em conta outros fatores

inflação voltou a dar seus pinotes, ameaça voltar aos 6,0% ao ano daqui a cinco meses e, no entanto, o Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária, o Copom, manteve os juros básicos (Selic) nos 2,0% ao ano. Mas sentiu o golpe e avisou que pode ter de rever sua política de dinheiro mais frouxa e puxar novamente pelos juros.

Primeiramente, aos números. Nos 11 primeiros meses deste ano, a inflação acumulada no ano chegou aos 3,13% e foi para 4,31% em 12 meses (veja gráfico). Em junho, a expectativa do mercado, medida pelo Boletim Focus, do Banco Central, apontava para todo o ano uma inflação (evolução do IPCA) não superior a 1,6%. Agora, ninguém espera menos de 4,0%. No segmento dos preços no atacado, houve uma disparada e tanto. O IGP-M, em cuja composição entram 60% de preços no atacado, acumulou neste ano até o final de novembro alta de 21,97% e pode ir mais longe. Como o atacado de hoje tende a ser o varejo de amanhã, parte da alta no atacado pode ser transferida para o consumidor.

Maria Cristina Fernandes - Uma disputa contaminada por 2022

- Valor Econômico

Congresso precisa se diferenciar de JB para sobreviver

A Câmara dos Deputados terá a disputa mais contaminada pela sucessão presidencial da história. Não porque os pré-candidatos que aí estão venham a atuar na formatação das chapas em disputa. Nem que o quisessem, conseguiriam. A contaminação se dará pela necessidade de preservar o status quo parlamentar, a ser repactuado não apenas com o atual governo como também com aquele que vier a sucedê-lo.

O estado de coisas a ser mantido começou a ser construído cinco anos atrás por dois governos em busca de sobrevivência. Um (Dilma Rousseff) naufragou, o outro (Michel Temer) escapou. Como legado, deixaram as emendas impositivas (R$ 15,4 bilhões em 2020) e os fundos eleitoral e partidário (R$ 3 bilhões) num volume jamais visto. Esses recursos garantem a reprodução dos partidos como máquinas de mediação do poder.

Se em 2020, União, Estados e municípios dispuseram de dinheiro extra para a pandemia, as incertezas para o caixa de 2021 estão refletidas na ausência de uma Lei de Diretrizes Orçamentárias a três semanas do fim do ano. Ganha quem mantiver o que tem. É isso que está em jogo, antes de qualquer nome para 2022, por mais que a condução aloprada do combate à covid-19 do presidente torne premente a busca de alternativas.

A dramaticidade pública da disputa, se dá pelas farpas. Um lado desencava a ficha corrida do candidato que, em resposta, ameaça uma devassa nas contas da gestão que permaneceu mais de quatro anos no poder. Mas o nome real da briga é a liderança para preservar seu quinhão sob o teto de gastos.

Ribamar Oliveira - O novo problema no teto de gastos

- Valor Econômico

Descasamento de índices prejudica 2021 mas ajuda em 2022

Para dificultar ainda mais a sustentabilidade do teto de gastos - a única âncora fiscal do país - surgiu um novo problema que estava fora do radar de todos. O descasamento entre o índice que corrige o limite anual para as despesas da União e o índice que corrige o salário mínimo e, consequentemente, os gastos previdenciários e assistenciais. Este é o grande imbróglio deste fim de ano na área fiscal.

O problema não decorre do fato de que o teto de gastos é corrigido pelo IPCA, e o salário mínimo, pelo INPC. Mas, sim, da periodicidade dos reajustes. A emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos, determina que o limite anual para a despesa da União será corrigido pelo IPCA acumulado no período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária. Já o salário mínimo, é corrigido em janeiro de cada ano pelo INPC acumulado no ano anterior.

Para 2021, o teto de gastos foi corrigido em 2,13%, que foi o índice acumulado do IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. O salário mínimo será corrigido por um INPC que poderá superar 5%. A última previsão do governo foi de que o índice ficaria em 4,2%. Mas, ela foi feita antes da decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de acionar a bandeira vermelha patamar 2 em dezembro.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um país no purgatório – Opinião | O Estado de S. Paulo

Sob o comando do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde transformou-se em cidadela do xamanismo bolsonarista

Consta que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, é especialista em logística. Que a sorte poupe o Brasil de uma guerra em que esse intendente seja o responsável por encaminhar à linha de frente os suprimentos necessários para a batalha. A julgar pelo seu desempenho na guerra contra o coronavírus, seríamos massacrados antes mesmo de chegar o primeiro carregamento de cantis.

Quando o general Pazuello assumiu interinamente o Ministério da Saúde, em 16 de maio passado, o Brasil contabilizava 15.633 mortos pela covid-19; quando se tornou o titular da pasta, em 16 de setembro, o total já chegava a 134.106 mortos; agora, o número caminha velozmente para a marca de 180 mil. Ou seja, sob a gestão do intendente Pazuello, o Brasil viu o número de mortos mais que decuplicar. Uma marca e tanto, com poucos paralelos no mundo.

A progressão geométrica da pandemia no Brasil é resultado direto do modo irresponsável como o governo de Jair Bolsonaro vem lidando com a crise desde o início. Já está gravado nos anais da infâmia nacional o dia em que Bolsonaro qualificou a covid-19 de “gripezinha”, bem como o momento em que o presidente cobrou de seus governados que deixassem de ser “maricas” e que enfrentassem a doença “de peito aberto”.

Mas Bolsonaro não se limitou a ofender os brasileiros. Colaborou decisivamente para reduzir a capacidade do Estado de responder às demandas provocadas pela pandemia, a começar pelo fato de que trocou de ministro da Saúde duas vezes no meio da crise – e tudo porque os anteriores, ambos médicos, insistiam em se socorrer da ciência para poupar vidas em vez de fingirem que a pandemia não existia, como queria Bolsonaro.

Música | Maria Rita - Coração a batucar

 

Poesia | Pablo Neruda - A tartaruga

A tartaruga que
andou
tanto tempo
e tanto vio
com
seus
antigos
olhos,
a tartaruga
que comeu
azeitonas
do mais profundo
mar,
a tartaruga que nadou
sete séculos
e conheceu
sete
mil
primaveras,
a tartaruga
blindada
contra
o calor
e o frio,
contra
os raios e as ondas,
a tartaruga
amarela
e prateada
com severos
lunares
ambarinos
e pés de rapina,
a tartaruga
ficou
aqui
dormindo
e não sabe

De tão velha
se foi
pondo dura,
deixou
de amar as ondas
e foi rígida
como o ferro de passar
Fechou
os olhos que
tanto
mar, céu, tempo e terra
desafiaram,
e dormiu
entre as outras
pedras.