terça-feira, 1 de julho de 2008

ARMÊNIO GUEDES

ARMÊNIO GUEDES
Por Gilvan Cavalcanti de Melo
Junho 2008

Reencontros, redescobrimentos. Muitos abraços, entrelaçamentos. Emocionante. Foi assim a festa dos 90 anos de Armênio Guedes, no último domingo, 8 de junho, aqui no Rio de Janeiro. O bairro das Laranjeiras transformou-se no centro de grande parte do país democrático, da esquerda desarmada Era comum ouvir-se nomes tais como Marcos, Armando, Júlio. Eram seus nomes conhecidos na dura clandestinidade, do exílio no Chile e na França.

Foi o momento privilegiado de revisitar os grandes debates e os caminhos que a esquerda tomou, no combate à ditadura militar e no período da transição para a democracia.

Lá estiveram muitos atores políticos e culturais: deputados federais Luiz Paulo Velloso, Fernando Gabeira, ex-deputado Marcelo Cerqueira, o ex-senador Roberto Freire, o cineasta Zelito Viana, o poeta Ferreira Gullar,o filosofo Leandro Konder, os cientistas políticos Werneck Vianna e Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques, Raimundo Santos, Alberto Aggio, os jornalistas Wilson Figueiredo, Merval Pereira, Milton Temer, Sérgio Cabral, o secretário de saúde da cidade, Jacob Kligemam, Vereadores Aspásia Camargo e Stpan Nercessian. Além de outras dezenas de velhos e novos amigos que não teria espaço e memória para citá-los. A lista é enorme. A começar por um grande número de membros da direção nacional do PPS.

Por quê tanta festa? É um reconhecimento tardio a quem pensou a questão democrática desde os idos de 1957/58. É dele a idéia formulada na declaração de 1970 da Direção Estadual do PCB do antigo Estado da Guanabara: “Cabe aqui, finalmente, uma observação especial sobre a situação das esquerdas dentro da oposição. Para essas forças, a pior conseqüência da inflexão do movimento de massas foi o rápido incremento das posições radicais. Não foram poucos os grupos revolucionários pequeno-burgueses que não souberam recuar ante o avanço da contra-revolução, passando do radicalismo verbal às posições de desespero e aventura. Iniciaram essas correntes uma série de atos que se explicam, antes de tudo, pela sua incapacidade para enfrentar a tarefa de reestruturar o movimento de massas nas condições difíceis criadas pelo avanço da repressão fascista. Os assaltos a bancos, os golpes de mão e outras formas de ação postas em prática por pequenos grupos desligados das massas, enfim, o emprego indiscriminado da violência, embora compondo objetivamente o quadro da oposição, não deixam, apesar de seu suposto caráter revolucionário, de desservir à resistência e de dificultar a organização da frente única de massas contra a ditadura. Em uma palavra, enfraquecem a oposição”.

Nada mais justo a homenagem àquele que com análise da realidade concreta nos idos de 1970 previa o fim do regime militar não pela via das armas. Pelo contrário, sua visão tranqüila, serena estava assim expressa:“- (...) ou através da desagregação interna do Poder, sob o impacto do movimento de massas e depois de crises sucessivas, forçando uma parte do governo a facilitar a abertura democrática”;

A história lhe deu razão. Conclusão: não é simples casualidade o entrelaçamento de tanta gente para abraçá-lo. Armênio sempre foi um agregador na luta pela democracia.

Finalizo, relembrando a ironia de Graciliano Ramos quando em um bairro distante de Maceió, lá pelos anos de 1936, viu num muro pichado: “Índios Uni-vos!” E pensou: aqui não tem índio e se houvesse não saberiam ler. Hoje gostaria de ler nos muros modernos a palavra de ordem: Democratas, uni-vos!

Fonte: Gramsci e o Brasil

LEMBRANÇA DE DAVID CAPISTRANO DA COSTA

Lembrança de David Capistrano da Costa
Gilvan Cavalcanti Melo
Abril 2008


Na manhã de 4 de abril, o ministro da Justiça, Tarso Genro, esteve no Rio de Janeiro para a abertura da primeira incursão da chamada “Caravana da Anistia”, criada para julgar casos de anistiados em outras cidades. Ao ver faixas com frases como “A anistia é uma farsa” — levantadas no auditório por representantes de categorias que ainda aguardam o julgamento de seus casos —, o ministro admitiu que a reclamação é justa. Disse ele: “A anistia está atrasada no Brasil”. Acentuou, no entanto, que o governo tenta acelerar os trabalhos. E concluiu: “O processo é lento, mas não está quase parando. Eu diria que está quase andando”.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, respondendo aos críticos da anistia, admitiu que foram concedidas indenizações exorbitantes. Mas, segundo ele, são fatos isolados em 35 mil processos, uma vez que a maioria das pensões foi estipulada na faixa de R$ 3,7 mil. Cerca de 25 mil casos ainda tramitam.

Na oportunidade, o ministro também entregou a Maria Augusta de Oliveira, viúva do jornalista e dirigente do PCB David Capistrano da Costa, o título de anistia. Perto de completar 90 anos, ela terá direito a uma pensão de R$ 3,4 mil, com um montante retroativo a 2001 de R$ 883 mil. O jornalista Vladimir Herzog, outro militante do PCB morto sob a ditadura, também foi homenageado.

Eu estava lá. Reencontrei muitos amigos e conhecidos ex-companheiros do PCB. Amigos e companheiros, na diferença. Foi emotivo rever, depois de longo tempo, Maria Augusta, companheira de cela, na Casa de Detenção do Recife, de minha mulher, Graziela. Abraçá-la e beijar suas filhas Carol e Cristina.

O tempo voltou para o velho Recife do bairro de Campo Grande, onde morava David e a família. Local que sempre freqüentava para conversas sobre a juventude e a política em geral. Recordo-me sempre dos seus conselhos sobre o valor da democracia, reafirmado num trecho distribuído por suas filhas, ontem: “A classe operária compreende que, num ambiente de liberdades democráticas, pode mais facilmente encaminhar a solução de seus problemas, a começar pela sindicalização maciça e pela unificação dos esforços de todos os trabalhadores, até a unidade do proletariado tanto em escala estadual como nacional. O uso das garantias constitucionais, das liberdades democráticas é o suficiente para que os trabalhadores possam conquistar tudo o que necessitam”.

Quem foi David Capistrano da Costa

David Capistrano da Costa nasceu em 1913, no povoado de Jacampari, município de Boa Viagem, Ceará. Ainda adolescente, veio para o Rio de Janeiro morar com parentes. Em 1931, aos 18 anos entrou para a Escola de Aviação, aprovado no curso da FAB, onde conheceu o tenente Ivan Ramos Ribeiro, que o convidou a participar do movimento político e a ingressar no Partido Comunista.

Participou do Levante Comunista em 1935, foi expulso das Forças Armadas e recolhido ao presídio na Ilha Grande. Mas não ficou muito tempo preso. Ajudado por colegas militares, num dia de maré baixa, com mais três companheiros, fugiu a nado pelo canal e chegou ao continente. Em seguida, atravessaria a fronteira.

Em meados de 1936, David Capistrano partiu do Uruguai para a Espanha, com um grupo das Brigadas Internacionais, integrando a Brigada Garibaldi, sob o comando do dirigente comunista italiano Luigi Longo. Em 1938 lutou na frente do Ebro, numa das mais sangrentas batalhas da Guerra Civil Espanhola.

Diz Apolônio de Carvalho: “Com José Correia de Sá e Dinarco Reis, David Capistrano integrou-se na 12. Brigada, a Garibaldi. Anos depois, em Marselha, eu teria oportunidade de ler um jornal de trincheira dessa tropa italiana, no qual se destacava o feito de David no Ebro, a garantir com uma metralhadora Hotkiss, sob o furor dos bombardeios franquistas, a retirada do seu pelotão”.

Atuou junto aos partisans da Resistência Francesa, durante a ocupação nazista. Preso em ação, foi deportado para o campo de Gurs, na Alemanha, e após a liberação voltou ao Brasil em 1941, sendo novamente preso. Em 1945 foi anistiado e retornou à militância política no PCB. Em 1947 casou com Maria Augusta de Oliveira, militante paraibana do PCB. Foi eleito Deputado Estadual em Pernambuco, em 1947. Entre 1958 e 1964 dirigiu a Folha do Povo e A Hora, jornais vinculados ao PCB em Pernambuco.

Após o golpe militar, viveu clandestinamente no Brasil e asilou-se na Tcheco-Eslováquia, em 1971. Retornou ao Brasil em 1974, pela fronteira em Uruguaiana, RS. Desapareceu no percurso entre Uruguaiana e São Paulo, juntamente com José Roman, em março de 1974. Em 1974, o documento n. 203/187, do DOPS/RJ, afirma: “[...] David Capistrano da Costa encontra-se preso há quatro meses, sendo motivo da Campanha da Comissão Nacional Pró-Anistia dos Presos Políticos”. Em 1978, quatro anos após seu desaparecimento, David Capistrano foi julgado à revelia e absolvido pela Justiça Militar, com 67 pessoas acusadas de reorganizar o PCB.

Em 1992, um torturador do DOI-Codi do Rio de Janeiro, em depoimento publicado, declara que viu David Capistrano ser torturado na PE da rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, tendo sido o corpo esquartejado em uma casa de Petrópolis, para impedir a identificação. Seus restos mortais nunca foram encontrados.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil

Travessia Política: Gramsci


TRAVESSIA POLÍTICA: GRAMSCI1
Gilvan Cavalcanti de Melo*


Agradeço o convite para debater, nesta travessia política as idéias de um italiano que há anos se tornou referência para mim.
Trata-se de Antonio Gramsci, o mais importante - talvez o maior - pensador da tradição marxista-ocidental do século passado, cujos 116 anos do nascimento foram celebrados em 22 de janeiro de 2007.

Gramsci morreu em 27 de abril de 1937, aos 46 anos. A morte o derrotou no instante em que conseguira a liberdade. Dois dias antes, recebera o documento assinado pelo Juiz do Tribunal Especial de Roma com a declaração de que fora suspensa qualquer medida de segurança em relação a ele, que foi preso por ordem de Mussolini em 8 de novembro de 1926. No processo-farsa montado pelo Estado fascista, o promotor pediu aos juizes sua condenação; olhando-o sentenciou: ”E preciso impedir este cérebro de funcionar”. O castigo ocorreu, mas não conseguiu impedir que, de dentro da prisão, fosse escrita uma obra monumental, para a eternidade (Für ewig).
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Condenado, Gramsci fez com que sua inteligência penetrasse na densidade sombria da realidade. Recusou a vaidade demagógica de uns e o dogmatismo mofado dos outros. Não pensou em formular uma nova e original doutrina da práxis. Só mais tarde manifestou a consciência do valor de sua reelaboração. Ousou, do interior do cárcere, na solidão inclusive política, desafiar a ignorância e as banalidades stalinistas. Foi por muito tempo negligenciado e desconhecido até pelos que, ao contrário, deveriam tê-lo amado e honrado mais intensamente.

Por que minha curiosidade por esse homem e sua obra? Originalmente, meu contato com Marx se deu com leituras de textos de outro italiano, Antonio Labriola (1843/1904). Era uma espécie de vacina antidogmática. A partir daí, descobri Gramsci rapidamente. No inicio senti comoção por aquele homem frágil, sofredor e perseguido. Na seqüência, admiração pela sua coragem e combatividade. Depois, interesse crescente pelo seu pensamento denso.Mais tarde, aceitei seus ensinamentos e visão sobre a filosofia de Marx. Esse encontro ocorreu entre os anos 1958 e 1962, por meio de publicações argentinas que chegavam a Recife. Nesse contexto, um papel importante foi desempenhado nessas minhas descobertas pelo gerente da livraria Editora Nacional, na Rua da Imperatriz.

Até hoje, há uma polêmica sobre o porquê da recusa de Gramsci em usar o termo materialismo ou marxismo. Uma grande parte de estudiosos atribui o fato a uma maneira de ultrapassar a rigidez da censura. É preciso ressaltar, entretanto, que aqueles termos estavam relacionados a uma visão economicista, dogmática e ortodoxa, cujo símbolo mais conhecido era o manual Ensaio popular, de Nicolau Bukarin. Em sua defesa Gramsci foi buscar o exemplo de Marx no prefácio de O capital. Ali, o corifeu da nova filosofia falava de “dialética racional” e “dialética mística” em vez de dialética materialista e dialética idealista. Estou convencido de que o uso do termo filosofia da práxis foi consciente, no sentido da revalorização da atividade cultural e da dimensão ético-política. Ao mesmo tempo em que travava uma batalha contra os dogmáticos, Gramsci considerava que a filosofia da práxis deveria reconquistar a força criadora da qual se apoderara o pensamento moderno preconceituoso em relação a Marx: Bérgson, Sorel, Croce, Weber, Veblen, Freud, o pragmatismo e, através de Spengler, Nietzsche também
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Seria interessante recordar a crítica de Gramsci às duas correntes principais existente na época: a ortodoxa e a oposta. A primeira era representada por Plekhanov, cuja obra Os problemas fundamentais do marxismo, não foi a poupada por Gramsci, que a chamou de materialismo vulgar e a considerou típica do método positivista. Já a segunda queria ligar a filosofia da práxis ao kantismo ou outras correntes não positivista e não materialistas; era representada por Otto Bauer, que chegou a afirmar que o marxismo poderia ser baseado em - e integrado por - qualquer filosofia. Daí, a preocupação de Gramsci em colocar em circulação o pensamento de Antonio Labriola. Tratava-se do contra-ponto ao grupo intelectual alemão que exercia uma forte influência em determinada leitura de Marx, na Rússia. Gramsci valorizava a idéia de Labriola de que a filosofia da práxis era independente de qualquer outra filosofia, sendo auto-suficiente.

Ao meu ver, é interessante destacar o núcleo do pensamento gramsciano: a palavra chave era o homem como bloco histórico. O tema foi polemizado com Lukács. Vejamos a refutação da teoria da dualidade:

“Deve-se estudar a posição do professor Lukács em face da filosofia da práxis. Lukács, ao que parece, afirma que só se pode falar de dialética para a história dos homens, não para a natureza.Pode estar equivocado e pode ter razão. Se sua afirmação pressupõe um dualismo entre a natureza e o homem, ele está equivocado porque cai em uma concepção da natureza própria da religião e da filosofia greco-cristã, bem como do idealismo, que realmente não consegue unificar e relacionar o homem e natureza mais do que verbalmente. Mas se a história humana deve ser concebida também como história da natureza (através também da história da ciência), como então a dialética pode ser destacada da natureza? Lukács, talvez, por reação às teorias barrocas do Ensaio Popular, caiu no erro oposto, em uma forma de idealismo”.

E reafirmando sua concepção unitária do homem, Gramsci escreve:

“É possível dizer que cada um transforma a si mesmo, se modifica, na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o ponto central. Neste sentido o verdadeiro filósofo é – e não pode deixar de ser - nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte. Se a própria individualidade é o conjunto destas relações, conquistar uma personalidade significa adquirir consciência destas relações, modificar a própria personalidade significa modificar o conjunto destas relações”.

Nessas palavras, está presente uma visão, uma interpretação da décima primeira tese sobre Feuerbach, escrita por Marx: conhecer a realidade e transformá-la.

A chave bloco histórico está presente na relação entre intelectuais e não-intelectuais, por meio dos conceitos senso comum e de bom senso. Gramsci salientava que todos os homens são filósofos e definia os limites e as características dessa peculiaridade. Essa singularidade está contida, em primeiro lugar, na própria linguagem, isto é, um conjunto de conceitos com conteúdos, bom-senso. Em segundo lugar, no senso-comum, na religião popular, em todo o sistema de crenças, supertições, etc.
Gramsci também encontrou a chave para unificar, criticamente, esse conjunto de filosofia, através da análise do conceito de senso comum e bom senso. Vejamos como ele resolve a questão de maneira muito clara:

“passagem do saber ao compreender, ao sentir e vice-versa, do sentir ao compreender, ao saber. O elemento popular sente, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual sabe, mas nem sempre compreende e, em especial, sente. É preciso reconciliar os dois extremos. Sem essa conexão entre intelectuais e povo-nação, não se faz política: unidade, bloco histórico”.

Esse conceito, unitário perpassa todo o trabalho e a formação de outros conceitos e categorias. Está presente também na relação estrutura e superestrutura. Vejamos outro exemplo, quando Gramsci se refere às “ondas” dos movimentos históricos: de um lado, chama a atenção para o exagero de economicismo ou de doutrinarismo pedante; e, de outro, para o limite extremo de ideologismo. Essa separação poderia levar a graves erros na arte política de construir a história presente e futura e dar lugar a fórmulas infantis de otimismo e bobagens. Por isso, Gramsci estabeleceu uma distinção metodológica de dois momentos para a análise de uma situação concreta, circunstância ou conjuntura. O primeiro está unido à estrutura, objetiva, ao grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, à formação dos agrupamentos sociais, suas funções e posição na produção. Essa realidade permite investigar se numa determinada sociedade já existem as condições indispensáveis e suficientes para sua transformação. O segundo é a relação das forças políticas, ou seja, a avaliação do grau de homogeneidade, autoconsciência e organização adquirido pelos diferentes grupos sociais. Gramsci considerava que esses momentos se confundiam reciprocamente na vida real.

Mais uma vez, ele procurava resolver duas questões apresentadas por Marx no prefácio à Crítica da economia política: a) uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente forte e vigorosa, e novas relações de produção mais adiantadas jamais se firmarão antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade; b) a humanidade mira apenas os problemas que pode resolver, pois a tarefa só aparece onde as condições materiais da solução já existem, ou, pelo menos, onde são captadas no processo do seu devir.

Gramsci, ainda desenvolveu o conceito de revolução passiva, deduzindo-o dos dois princípios estabelecidos por Marx, no mesmo prefácio e reportando-o à descrição daqueles dois momentos que podem distinguir a situação concreta e o equilíbrio das forças com a máxima valorização do segundo: a relação de forças políticas.

O mesmo conceito de bloco histórico serviu-lhe para resolver um falso problema da separação - que só existe metodologicamente - entre Estado e sociedade civil. Mas Gramsci deixou bem explicitado que essa relação dialética exigia um reconhecimento do terreno nacional. Ao analisar formações sociais atrasadas (Oriente) e adiantadas (Ocidente), estabeleceu um critério de estudo: Nos países pouco desenvolvidos, o Estado é tudo, e a sociedade civil, primitiva e viscosa; nos países capitalistas mais avançados, há entre o Estado e a sociedade civil uma relação de disputa, pendência, e diante de qualquer tremor ou oscilação do Estado, descobre-se imediatamente, uma poderosa estrutura da sociedade civil. O Estado é apenas um posto avançado, por trás do qual se situa uma poderosa rede de proteção blindada.

Partindo dessa visão Gramsci reexaminou o conceito leniniano de hegemonia. Entre os elementos força e consenso, deu ênfase aos ordenadores do sistema de hegemonia: as organizações e instituições políticas e culturais nas quais esse sistema se materializa e os sujeitos, forças sociais e instituições que o constroem e se reproduzem. Ao mesmo tempo, demonstrou que os sistemas hegemônicos não são eternos, mas históricos, bem como salientou o processo e a possibilidade de se construir uma nova hegemonia político-moral.

Mais uma vez, estou convencido de que por meio de uma série de problemas examinados por Gramsci dentro do pensamento filosófico, no inicio da década de 30, foi possível antecipar as novas contradições das sociedades modernas - suas complicações, crises econômicas e morais - e a passagem do velho individualismo econômico para a economia programática, uma nova hegemonia. De fato Gramsci vislumbrou as grandes transformações capitalistas. Com o famoso texto “Americanismo e fordismo” demonstrou sua enorme capacidade de olhar o mundo além do seu tempo.

A mesma coerência unitária é destacada em sua visão de partido político. Ele partia do questionamento da necessidade histórica de sua existência, recusando-se a aceitar um tipo de organização oriental burocrática, e propunha algumas condições, para a sua realização, entre elas a possibilidade de seu triunfo, ou, pelos menos, uma vias pela esse triunfo fosse alcançado. Contudo, para que o partido exista, é necessária a unidade de três grupos de elementos: a) um elemento de homens comuns, médios, cuja participação é oferecida pela disciplina e fidelidade; b) um elemento principal de coesão, que o unifique no campo nacional, torne eficiente e poderoso um conjunto de forças (Esse grupo é dotado de determinadas premissas, como criatividade, perspectiva e união; c) um elemento médio, que articule o primeiro grupo com o segundo, colocando-os em sólido contado intelectual e moral.

Evidentemente, não concordo com aqueles estudiosos e críticos de sua obra que tentam fragmentá-la, em várias interpretações: os que, em matizes, formas e graus diferentes, colocam Gramsci no campo exclusivo do leninismo; os fundamentalmente interessados, nas inovações que ele introduziu nas análises das superestruturas; e os que o preferem como o filósofo da sociedade industrial. Ora, Gramsci respondeu à pergunta: “O que é o homem?” e afirmou que esta é a primeira e principal questão da filosofia. Também perguntou: como respondê-la? A resposta foi resumida mais ou menos assim: “O homem é o que o homem pode se tornar, se pode controlar seu próprio destino, se pode se fazer, se pode criar sua própria vida”. Portanto, o homem é um processo, exatamente o processo de seus atos. Em suma, a humanidade se reflete em cada individualidade e é composta de distintos elementos: o individuo; os outros homens e a natureza, isto é, bloco histórico. Como fragmentá-lo?

Gramsci, modesto como era, não deixou de polemizar com o pensamento mais rigoroso e fecundo que grandes correntes de opinião formavam. Assim o faz quando estudou o conceito de classe política de Gaetano Mosca, relacionando-o com o conceito elite de Vilfredo Pareto. Foi Benedetto Croce, um dos mais importantes filósofos italiano, seu principal interlocutor. O conjunto dos Cadernos do cárcere, na verdade, é um combate em duas frentes: contra o pensamento especulativo e idealista (Croce) e a chamada ortodoxia vulgar e positivista do marxismo. Hoje, as categorias gramscianas são reconhecidas e estudadas, nos meios acadêmicos, como instrumentos de análise da modernização conservadora brasileira e de suas complexas superestruturas.

A vida de Gramsci, pelo modo, lugar e tempo de sua concretização, poderia ser designada como a de um homem derrotado. Mas a ignorância de uma época iluminou a extraordinária força moral e o rigor intelectual do sujeito que, sem se deixar abater, fez de suas derrotas, fontes de energia para recomeçar a avançar. Ele suportou o seu destino, com coragem e sobriedade intelectual, sem concessões ao vulgar e patético, conservando sempre o controle racional dos sentimentos.

Diante disso, como resistir à tentação de falar sobre Gramsci e sua obra tão rica, fecunda, dando-lhe o papel de herói num mundo cheio de vilões teóricos?

Para finalizar, nada melhor do que me referir a outro Italiano, Noberto Bobbio, Ele dizia que, para garantir um lugar entre os clássicos, um pensador deve preencher estes três requisitos: a) ser considerado intérprete da época em que viveu, não se podendo prescindir de sua obra para conhecer o “espírito do tempo”; b) ser sempre atual, no sentido de que cada geração sinta necessidade de relê-lo e, relendo-o, de dedicar-lhe uma nova interpretação; c) elaborar categorias gerais de compreensão histórica que não possam ser dispensadas para interpretar uma realidade, mesmo distinta daquela a partir da qual essas categorias derivaram e à qual foram aplicada.

Hoje, ninguém, duvida que Gramsci deva ser considerado um clássico na história do pensamento.

1 O presente texto foi apresentado no Colóquio Internacional Travessias: políticas, urbanas, literárias e cinematográficas, realizado nos dias 10 e 11 de agosto de 2006, no auditório do Consulado Italiano, no Rio de Janeiro. Teve a parceria da Fundação Biblioteca Nacional com o Instituto Italiano de Cultura. O mesmo texto foi reproduzido no livro TRAVESSIAS – Brasil-Itália – organizadores:Cléia Schiavo Weyrauch, Maria Aparecida Rodrigues Fontes e Aniello Ângelo Avella - Rio de Janeiro, Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 2007 P. 129-136


* Gilvan Cavalcanti de Melo, 72 anos, pernambucano, membro do Conselho Editorial da Revista Política Democrática, da Fundação Astrojildo Pereira e do Diretório Nacional do Partido Popular Socialista (PPS).

PPS VERSUS GOVERNO LULA

Gilvan Cavalcanti de Melo


O PPS deveria não só apostar no êxito, mas compartilhar, garantir a governabilidade, no Congresso, na sociedade e no Executivo, como parte autônoma e construtor desse presidencialismo de coalizão. A posição foi correta. Afinal, o PT venceu as eleições assumindo a cultura política de “frente” do PCB/PPS, não foi pouca coisa. A responsabilidade do PPS era ajudar que essa transformação fosse irreversível.

É evidente que foi política a decisão do PPS de participar da gestão do governo Lula. A opção estava sustentada no compromisso de um projeto de mudança, cujas linhas centrais foram definidas no XIII Congresso Nacional do PPS: “a) defesa e ampliação da democracia, com a incorporação crescente da sociedade nos destinos do país; b) reforma democrática do Estado; c) arrojada política de desenvolvimento social, apoiada em uma nova política econômica que não só mantenha estabilidade da moeda, mas leve o país à retomada do desenvolvimento econômico; d) política externa independente; e) presença competitiva e soberana da economia brasileira no mercado mundial”. Esta foi minha argumentação em defesa da participação do PPS no governo Lula.

Dentro da mesma visão o nosso Diretório Nacional afirmava: ”O PPS lutará para que o governo Lula desenvolva uma nova forma de fazer política em nosso país, tendo como pano de fundo a mais ampla tolerância democrática e a perspectiva de mudança de modelo de desenvolvimento e as reclamadas reformas estruturais e políticas, bandeiras que sempre estiveram no centro da concepção mudancista do PPS. (...) ”A questão da governabilidade, nesse contexto, se coloca como um objetivo a ser buscado com determinação”. (Brasília, 10/11/2002)

O que vem ocorrendo? Em vez de iniciar as mudanças o governo radicalizou os fundamentos da política que foi derrotada em 2002. Essa política continuísta acaba de ser referendada pela Direção Nacional do PT, festejada pelos setores dos grandes empresários financeiros e da mídia: “Venceu o bom senso no diretório nacional do PT” alardeou o editorial do jornal o Globo (23/11/2004). Quem tinha dúvida pode começar a se acostumar: o governo, o presidente Lula, o PT optaram, definitivamente, em manter e aprofundar a política macroeconômica, iniciada nos anos de 1990. Quem falar em mudança será, a partir de agora, considerada pela direção do PT e pelo governo como “uma bobagem”.

As alterações em curso – reforma ministerial – buscam preservar as alianças partidárias para manter esta política e levar o presidente Lula à reeleição em 2006. Este é o sentido de abertura de mais espaço, no governo, aos setores notoriamente fisiológicos do PP, PTB e PMDB. Em outras palavras, o governo Lula inicia o terceiro ano de seu mandato com a fisionomia totalmente distinta de quando assumiu com as palavras: “a esperança venceu o medo”.

Neste cenário cabe algum papel importante ao PPS está ligado, formalmente, ao governo? Minha resposta: em primeiro lugar, não devemos abandonar nosso compromisso republicano com a governabilidade, no Congresso e na sociedade. Em segundo lugar, a partir de hoje, o projeto de mudança rumo a democratizar a economia, o Estado e nossa vocação nacional, vai está em conflito com o projeto da centralização administrativa, do aparelhamento partidário e da política macroeconômica. Em terceiro e por fim, devemos ficar sem vinculo formal com o governo, isto é, sem representação partidária no executivo federal.

Rio de Janeiro, 23/11/2004





O QUE É SER DE ESQUERDA



Gilvan Cavalcanti de Melo
Junho 2007

É sintomático que muitos estudiosos subestimem a importância e desprezam o fato que não se pode conhecer a realidade sem uma teoria da realidade. Deveriam ter, pelo menos, mais benevolência quando os herdeiros da tradição de Marx se dedicam à elaboração de uma nova teoria da história, base fundamental de qualquer teoria da política.

Não há dúvida que existe um grande atraso nesse campo. É também verdade que se desenvolve uma infecunda e redundante teoria do “abuso do principio da autoridade” do fundador da filosofia da práxis. E em contra partida oferecem “instrumentos sempre mais perfeitos” mas, negam o direito de buscá-los no pensamento de Marx, sobretudo nos momentos que toda tradição necessita ser repensada frente às grandes transformações que se produzem no presente.

Em primeiro lugar, cada época e cada geração definem suas tarefas a cumprir e apresentam seus resultados em relação com a tradição. Em segundo lugar, esse é um elemento indispensável, pois os instrumentos de análise do presente sempre têm sua origem no passado e de uma relação, no tocante com o passado, o mais crítica possível. Em terceiro lugar, é estranho que se tenha tão pouca compreensão para com aqueles que se dedicam à modular os próprios instrumentos de investigação na tradição do pensamento de Marx. Quando muitos desses estudiosos se declaram abertamente extrair os seus instrumentos de interpretação de outras tradições, como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790), Emmanuel Kant (1724-1804, bastante mais distante, cronologicamente, da presente estrutura mundial. E, pior, sem compreender a centralidade da relação Friedrich Hegel (1770-1831) e Karl Marx (1818-1883), como forma emergente do desenvolvimento da subjetividade histórica, da iniciativa política e de elevação da crítica à altura da forma política.

O socialismo enfrenta, neste inicio do Século XXI, múltiplos desafios de extremas dificuldades e constitui uma enorme tarefa: trabalhar para avançar, simultaneamente, a causa da liberdade e da igualdade em um mundo amplamente globalizado, no qual domina uma potência hegemônica, praticamente, sem um contra-ponto.

O socialismo tem a obrigação de construir uma proposta política e cultural capaz de enfrentar a profunda transformação científico-tecnológica e econômico-social, que aconteceu no mundo, nos últimos anos. E, ao mesmo tempo, oferecer uma alternativa de progresso diante das desigualdades e injustiças do capitalismo contemporâneo.

As idéias socialistas jogaram um papel importante na história da humanidade. Suas raízes se fundem na luta, permanente, do ser humano pelo reconhecimento da sua dignidade e por transformar em realidade aqueles grandes ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

O socialismo, em sua forma atualizada, expressa a vontade política e o movimento histórico mais conseqüente por tornar possíveis as promessas e os sonhos que emergiram da Revolução Francesa, daquela radicalidade democrática que deixou como herança a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o nascimento da cidadania moderna e a República como forma de governo, fundamentado na soberania popular.

A enorme contribuição do socialismo foi sua lúcida visão e luta de que estes valores e ideais não poderiam se concretizar, historicamente, sem que o ser humano saísse da escravidão, da pobreza material. Daí, sua persistência e paixão pela igualdade.

A liberdade só seria possível se todos, sem exclusões, pudessem ascender às condições materiais essenciais. Somente, assim, seria realidade para todos, e não para a minoria, os direitos básicos e a nova condição de igualdade que significa o reconhecimento da cidadania democrática.

Em sua longa história, o socialismo teve grandes acertos e, também, graves erros. No seu amplo alcance, entretanto, deixou um rastro de lutas que permitiu aos grupos subalternos conquistar maiores espaços de liberdade e reconhecimento de direitos essenciais. Colocou limites ao capitalismo, nas suas expressões mais brutais e selvagens. Foi fundamental na construção de diversas instituições e leis a favor de melhores níveis de igualdade e justiça.

O movimento socialista mundial adotou diversas formas e expressões ao longo de sua história. Durante o Século XX se bifurcou entre suas vertentes comunistas e social-democratas e se encarnou em diferentes movimentos de libertação nacional nos países subdesenvolvidos e dependentes.

Neste processo, provavelmente, os maiores erros vieram de uma concepção dogmática de socialismo, que derivou em diferentes experiências históricas, que em nome de um futuro de mais liberdade e justiça se sacrificou a democracia. O fim do comunismo, nos chamados países do socialismo real, significou o esgotamento de uma experiência que, claramente, demonstrou que o socialismo só podia se construir através da democracia.

Por outro lado, o movimento social-democrata conseguiu se desenvolver em alguns países capitalistas avançados, porém, sem transformar aquelas sociedades nem superar as lógicas concentradoras e excludentes da economia capitalista. Sem dúvida, a herança mais importante que deixou foi, em alguns países, o Estado do Bem-Estar que significou um grau de reconhecimento universal de certos direitos sociais e econômicos dos indivíduos.

O socialismo enfrentou o inicio do Século XX com a certeza absoluta que se constituía a principal força - muitas vezes a única - de mudança e transformação social. Com a Revolução Russa de 1917, o triunfo da Revolução Chinesa, as vitórias dos movimentos de Libertação Nacional, em várias regiões do mundo, e, depois, na América Latina, o êxito dos revolucionários cubanos, tudo parecia indicar que o século estaria marcado pelos avanços das forças revolucionárias e socialistas.

Depois, na realidade, o curso do processo foi bem diferente. O capitalismo demonstrou a capacidade para continuar revolucionando o desenvolvimento das forças produtivas e muitos processos revolucionários perderam o impulso diante da incapacidade para abrir espaços de progresso e liberdade para suas populações. Com algumas exceções, como a República Popular da China – e seu complexo “socialismo de mercado” e Cuba que explica sua sobrevivência, principalmente, pela “causa da independência nacional” frente a sistemática política agressiva dos EE.UU. Assim, o chamado “campo socialista” deixou de existir. E, portanto, não constitui mais um ator importante nas lutas atuais pela construção de um mundo melhor. A expressão máxima destas derrotas foi o desmonte da ex-URSS, provocado por suas infinitas contradições internas e aparece, hoje, como um país de desenvolvimento intermediário que enfrenta, ainda, enormes dificuldades para incorporar as formas básicas de democracia e de um capitalismo ancorado pelo estado de direito. O final do século passado teve para o “socialismo real” caráter apocalíptico. Tanto, assim, que alguns teóricos, rapidamente se adiantaram a proclamar sua derrota definitiva e declarar, inclusive, o “o fim da história”.

Longe de entrar em declínio, produto de seu desenvolvimento anárquico e a tendência à diminuição da taxa de lucro, mas com o novo ciclo científico-tecnológico, prevaleceu a tendência oposta, também prevista por Marx. O capitalismo foi capaz de se reconfigurar mais uma vez. Garantir uma impressionante capacidade de reprodução, e ampliação em escala global.

Contudo, a idéia de um mundo melhor, no qual se conjuguem liberdade e igualdade, democracia, participação e dinamismo econômico, desenvolvimento simultâneo das forças produtivas e espirituais, promoção dos interesses coletivos e a defesa irrestrita das liberdades e direitos individuais, continua a ser uma grande aspiração. Daí a atualidade e existência do socialismo. Idéia generosa, ainda em movimento, processo de busca e concretização. Idéia que só pode se desenvolver com democracia, entendido isto como uma radical socialização do poder em todas suas formas.

O socialismo só tem sentido como concepção viva, essencialmente dinâmica. Ele pode contribuir para os grandes problemas e conflitos que a humanidade enfrenta à proporção em que se entenda como uma prática de resolver as contradições sociais que de modo coerente e sistemático, coloque em primeiro lugar, a solidariedade e ação organizada da população em aberta oposição às idéias liberais, individualistas que somente procuram maximizar o bem-estar pessoal. O socialismo não pode ser compreendido como modelo estabelecido e revelado para sempre.

O mundo mudou muito. Não há dúvida. As novas técnicas revolucionaram, de modo profundo, as condições de produção e consumo e, em geral, as formas de vida cotidianas dos indivíduos. O advento da sociedade da informação, da sociedade do conhecimento é um fato que não se admite discussão. As conseqüências são múltiplas: novos conflitos e dilemas se apresentam. Não há solução fácil. As contradições sociais são, infinitamente, mais complexas e diferentes da época dos fundadores teóricos do “socialismo cientifico”. Os conflitos, de gêneros, a proteção do meio ambiente, a bioética, a diferença sexual, a globalização, são temas que colocam, sem dúvidas, problemas que excedem muito os antagonismos sociais clássicos do passado.

Com a crescente complexidade social não se pode conduzir e sustentar a tese do desaparecimento dos conflitos e da própria contraposição entre direita e esquerda. Esta idéia continua valida para sintetizar as visões diferentes para a solução destes conflitos. A noção que com o século XXI desapareceu, por ser retrógrada, a antiga distinção entre esquerda e direita é uma típica idéia conservadora. Muito diferente é quê, a nova realidade social não pode caber nas categorias clássicas do pensamento socialista. Daí, o pleno vigor da idéia: tudo na história está sujeito ao movimento permanente de transformação. “Tudo que é sólido se desmancha no ar”. Não existem instituições definitivas, nem valores eternos. A história é um complexo devir em que novas formas surgem sem cessar, um processo dialético no qual, em função das tensões internas da realidade social, constantemente se modifica. Assim, o socialismo não formula princípios absolutos, de abstrata validade universal. Parte da consideração realista do homem concreto, sujeito de carecimentos, sempre em mudanças, portador de valores históricos.

O Capitalismo pode exibir a seu favor um desenvolvimento, em muitos aspectos, extraordinário da ciência e tecnologia. As forças produtivas alcançaram níveis altíssimos, sendo possível, em teoria, encontrar soluções de problemas como a fome, a desnutrição, que durante muito tempo se pensava serem parte da ordem natural das coisas.

Entretanto, estes desenvolvimentos, com todas as novas possibilidades que revelam avanços na biotecnologia e clonagem, tecnologias da informação, digitalização, modelação matemática de alta sofisticação e importante capacidade predicativa, conhecimento maior dos sistemas de alta complexidade e outros, colocam bem à superfície a enorme fenda entre essas possibilidades e as realidades do mundo realmente existente. É um fato incontroverso que junto a estes avanços, o capitalismo, em sua expansão em escala global, não foi capaz de eliminar nenhum dos grandes dramas e carecimentos da existência humana, a começar pelos mais elementares: habitação, alimentação, a marginalidade, a exclusão, a degradação do meio ambiente. E, ainda, o que é pior, a condição humana nas suas mais diferentes expressões de precariedades são comuns, inclusive, no país hegemônico. O capitalismo como forma dominante de organização a nível mundial penaliza amplas regiões a viver em inaudita marginalidade, exclusão e atraso. E, ao mesmo tempo, apresentaram-se novas feridas, novas desgraças como o narcotráfico, o vendedor e consumista de drogas, o terrorismo e o crime internacional, diante dos quais as respostas são muito tímidas. No interior de cada país a miséria e a desigualdade continuam a penalizar, no cotidiano, grandes setores da população. Igualmente, é uma realidade indiscutível que o militarismo e as guerras constituem elementos inseparáveis da história do capitalismo.

O século XXI apresenta, portanto, grandes oportunidades e ameaças graves. O socialismo contemporâneo poderá contribuir de maneira decisiva para que as oportunidades prevaleçam sobre as ameaças. Por isso, ao exibir essa demonstração sintética do seu patrimônio o socialismo tem a obrigação e o direito de avaliar seu desempenho e em continuação se colocar para cumprir tarefas mais ambiciosas. Esta é a sua razão de ser. O socialismo e a esquerda, em geral, só tem sentido enquanto representarem a visão crítica sobre a ordem realmente existente. No momento em que se tornar prisioneiro do pensamento dominante, no dia em que substituir seu olhar crítico pela complacência, na ocasião em que renunciar a confrontar-se com as perspectivas individualistas, em todas suas variantes e esquecer os sonhos, aí deixa de ter razão à existência. Poderá administrar o Estado, concorrer nos pleitos eleitorais, municipais, estaduais e federais, mas sua justificação histórica desaparecerá no instante em que abandonar a primeira linha da batalha pela transformação social.

As grandes promessas das revoluções dos séculos passados ainda não foram cumpridas. Os ideais proclamados por elas, portanto, devem ser apropriados pelo socialismo. Se por inaptidão, controvérsia, falta de vontade ou de capacidade transformadora o socialismo capitular diante de suas responsabilidades históricas, condenará a humanidade a um triste destino.

São muitos os obstáculos no caminho. É gigantesco o desafio diante do descrédito, do cansaço, do desalento e desesperança dos lutadores, o ceticismo das populações em relação as instituições democráticas como os parlamentos, os partidos políticos e uma certa prostração das convicções democráticas socialistas e da própria política. Tudo isso conspira contra a organização de poderosos, amplos e influentes movimentos transformadores da realidade existente.




GRAMSCI, 70 ANOS DEPOIS

GRAMSCI, 70 ANOS DEPOIS9
Gilvan Cavalcanti de Melo*
ESPECIAL PARA GRAMSCI E O BRASIL
ABRIL, 2007

“Seremos marxistas?
Existirão marxistas?
Tolice, só tu és imortal”.
**
(Gramsci)

Em 27 de abril de 1937, morria aos 46 anos, Antonio Gramsci, o mais importante, talvez o maior pensador da tradição marxista-ocidental do século passado. A morte o derrotou no instante em que conseguira a liberdade: dois dias antes recebera o documento com a declaração de que não havia mais qualquer medida de segurança em relação a ele, assinado pelo Juiz do Tribunal Especial de Roma. Foi preso por ordem de Mussolini, em 8 de novembro de 1926. No processo farsa, montado pelo Estado Fascista, o acusador pediu aos juizes sua condenação e diante de Gramsci, sentenciou: ‘é preciso impedir este cérebro de funcionar’. Condenaram-no é verdade mas, não conseguiram impedir que, de dentro da prisão, fosse escrita uma obra monumental.

Encarcerado fez com que sua inteligência penetrasse na densidade sombria da realidade. Recusou a vaidade demagógica de uns e o dogmatismo degenerado de outros. Não pensou em formular uma nova e original concepção da práxis. Só mais tarde manifestou a consciência do valor de sua produção intelectual. Ousou, de dentro do cárcere, na solidão e solitário politicamente, desafiar a ignorância e as banalidades stalinistas. Foi, também, por muito tempo negligenciado e desconsiderado, inclusive, por muitos companheiros os quais, deveriam tê-lo valorizado e amado mais intensamente. Em primeiro lugar se comovido por aquele homem frágil, sofredor e perseguido. Em segundo, admiração por sua coragem e combatividade. Em terceiro, por seu pensamento denso, profundo. Finalmente, por seus ensinamentos e visão inovadora sobre a filosofia de Marx.

Nada mais justo ao se completar 70 anos de sua morte recordar algumas contribuições daquele pensamento inovador na tradição de Marx.

Há uma controvérsia sobre o porquê da recusa de Gramsci em usar o termo materialismo ou marxismo. Parte de estudiosos lhe atribuem o fato como uma maneira de ultrapassar a rigidez da censura. Entretanto, é preciso ressaltar, que aqueles termos estavam relacionados a uma leitura economicista, dogmática e ortodoxa de Marx. O símbolo mais conhecido era o “Manual Ensaio Popular” de Nicolau Bukarin. Em defesa do novo conceito foi buscar o exemplo de Marx no prefácio de O Capital. Ali estava explicitado ‘dialética racional’ e ‘dialética mística’ em vez de dialética materialista e dialética idealista. O próprio Marx se recusava a se identificar com o materialismo vulgar.

Há outra convicção: o uso do termo filosofia da praxis foi consciente no sentido da revalorização da atividade cultural e da dimensão ético-política. Ao mesmo tempo em que travava uma batalha contra os dogmáticos, não deixou de considerar, também, que a ‘filosofia da praxis’ deveria reconquistar a força criadora da qual se apoderara o pensamento moderno, preconceituoso e desfavorável a priori, em relação a Marx: Bérgson, Sorel, Croce, Weber, Veblen, Freud, o Wiliam James e através de Spengler, também, Nietzsche.

Seria interessante relacionar a crítica que ele fez as duas correntes filosóficas existentes: uma chamada ortodoxa e outra eclética A primeira tendência era representada por Plekhanov, cujo ensaio mais conhecido era Os problemas fundamentais do marxismo. A obra não foi poupada por Gramsci, chamado-a de materialismo vulgar e típica do método positivista. A segunda, queria ligar a “filosofia da práxis” ao kantismo ou outras correntes não positivista e não materialistas, representada por Otto Bauer o qual chegou a afirmar que o marxismo poderia ser fundamentado e integrado por qualquer filosofia. Daí, a sua preocupação em colocar em circulação o pensamento de outro italiano: Antonio Labriola. Era o contra-ponto ao grupo intelectual alemão que exercia uma forte influência em determinada leitura de Marx, na Rússia. Por isso, Gramsci valorizava a idéia de Labriola de que a filosofia da práxis era independente de qualquer outra filosofia, sendo auto-suficiente.

Qual o núcleo central do pensamento gramsciano? A palavra chave era o homem como bloco histórico, categoria que ele adquiriu de Sorel e deu-lhe outra dimensão. Discutiu o tema e se contrapôs a teoria da dualidade, inclusive, com George Lukács. E, assim se expressou: “Deve-se estudar a posição do professor Lukács em face da filosofia da práxis. Lukács, ao que parece, afirma que só se pode falar de dialética para a história dos homens, não para a natureza. Pode estar equivocado e pode ter razão. Se sua afirmação pressupõe um dualismo entre a natureza e o homem, ele está equivocado porque cai em uma concepção da natureza própria da religião e da filosofia greco-cristã, bem como do idealismo, que realmente não consegue unificar e relacionar o homem e natureza mais do que verbalmente. Mas se a história humana deve ser concebida também como história da natureza (através também da história da ciência), como então a dialética pode ser destacada da natureza? Lukács, talvez, por reação às teorias barrocas do Ensaio Popular, caiu no erro oposto, em uma forma de idealismo”1.

Reafirmou sua concepção unitária do homem, quando escreveu: “É possível dizer que cada um transforma a si mesmo, se modifica, na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o ponto central. Neste sentido o verdadeiro filósofo é – e não pode deixar de ser - nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte. Se a própria individualidade é o conjunto destas relações, conquistar uma personalidade significa adquirir consciência destas relações, modificar a própria personalidade significa modificar o conjunto destas relações”2. Ai, também, está presente uma leitura antipragmática, uma reelaboração inovadora da teoria do conhecimento expressa por Marx na tese onze sobre Feuerbach: “Os filósofos de limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo”3. Isto é, o conceito unitário: conhecer a realidade e transformá-la.

O bloco histórico está presente na relação entre intelectuais e não intelectuais, através dos conceitos senso-comum/bom senso. Gramsci evidenciou que todos homens são filósofos, inconsciente e definiu os limites e as características dessa peculiaridade. Esta singularidade está contida em primeiro lugar, na própria linguagem, isto é, um conjunto de conceitos com conteúdos, ou seja, qualquer simples manifestação intelectual fica explicita uma concepção de mundo. Em segundo lugar, a religião popular, com todo o sistema de crenças, supertições, etc. E, encontrou a chave para unificar, criticamente, esse conjunto de filosofia.

Resolveu a questão de maneira muito original. Estabeleceu uma relação entre a passagem do saber ao compreender, ao sentir e vice-versa. E, simultaneamente, do sentir ao compreender, ao saber. Destacou que o popular sente, mas nem sempre compreende ou sabe. O intelectual sabe, mas nem sempre compreende e, em especial, sente. É indispensável, portanto, reconciliar senso-comum e bom-senso. Sem essa conexão entre intelectuais e a grande maioria da população não se faz política.

Essa relação unitária perpassa todo o trabalho e formação de outros conceitos e categorias. Está presente, também, no estudo da estrutura e superestrutura. Outro exemplo claro é quando ele se refere as “ondas” dos movimentos históricos: de um lado chamou a atenção para o exagero do economicismo ou do doutrinarismo pedante e, de outro lado, o limite extremo de ideologismo. Essa separação poderia levar a graves erros na arte política de construir a história presente e futura e dariam lugar a fórmulas infantis de otimismo e bobagens.

Outra contribuição importante: estabeleceu uma distinção metodológica de dois momentos para a análise de uma situação concreta, circunstância ou conjuntura: a) um momento unido à estrutura, objetiva, o grau de desenvolvimento das forças materiais de produção. A formação dos agrupamentos sociais, suas funções e posição na produção. Essa realidade permite investigar se uma determinada sociedade já existe as condições indispensáveis e suficientes para sua transformação; b) outro momento é a relação das forças política, avaliação do grau de homogeneidade, autoconsciência e de organização adquirido pelos diferentes grupos sociais. Na vida real, entretanto, considerou que estes momentos se confundiam reciprocamente.

E com base na análise de conjuntura procurou resolver duas questões apresentadas por Marx no prefácio à Crítica da Economia Política: a) “uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade”; b) é por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver, pois, se se considera mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou, pelo menos, captadas no processo do seu devir”4. Na sua enorme pesquisa fragmentada apresentou e desenvolveu a categoria de revolução passiva. Inferiu-a dos dois princípios estabelecidos por Marx, no prefácio de 1859. Reportando-o à descrição daqueles dois momentos que podiam distinguir a situação concreta e o equilíbrio das forças com a máxima valorização do segundo momento5.

A chave bloco histórico serviu-lhe para resolver um falso problema da separação entre Estado/Sociedade Civil, separação que só existe metodologicamente. Mas, deixou muito bem explicitado que esta relação dialética exigia um reconhecimento do terreno nacional. Entretanto, ao analisar as formações sociais pouco desenvolvidas e comparando com as mais desenvolvidas chegou a uma conclusão importante: nas primeiras o Estado é tudo, a sociedade civil é primitiva, gelatinosa, sem consistência; nas segundas há entre o Estado e a sociedade civil uma relação de disputa, pendência e qualquer tremor ou oscilação do Estado, imediatamente, descobre-se uma poderosa estrutura da sociedade civil. O Estado é apenas um posto avançado, por trás do qual se situa uma poderosa rede de proteção blindada.

Dessa leitura reexaminou o conceito leniniano de hegemonia. E, entre os elementos força e consenso, deu ênfase aos ordenadores do sistema de hegemonia: a) as organizações e instituições políticas e culturais, nas quais esse sistema se materializou; b) os sujeitos, forças sociais e instituições que o construiu e se reproduziu. Mas, demonstrou, também, que os sistemas hegemônicos não eram eternos, mas históricos. Bem como, salientou os processos e possibilidades de se construir novas hegemonias político-morais.

Através de uma série de problemas examinados por Gramsci dentro do pensamento filosófico, no inicio da década 30, foi possível antecipar as novas contradições das sociedades modernas, suas complicações, crises econômicas e morais e a passagem do velho individualismo econômico para a economia programática, uma nova hegemonia. Vislumbrou as grandes transformações capitalistas. Com Americanismo e Fordismo ele demonstrou sua enorme capacidade de olhar o mundo além do seu tempo.

A mesma coerência unitária esteve presente na sua visão de partido político. Recusou um tipo de organização oriental, burocrática. Iniciou sua análise partindo do questionamento da necessidade histórica da sua existência e propunha algumas condições, entre elas a possibilidade de seu triunfo ou, pelos menos, em vias de alcançá-lo. Mas, para isso era necessária a unidade de três grupos de elementos: a) um elemento de homens comuns, cuja participação seja oferecida pela disciplina e fidelidade; b) o elemento principal de coesão, que unifique no campo nacional, torne eficiente e poderoso um conjunto de forças. Este grupo é dotado de determinadas premissas como criatividade, perspectiva e unido; c) um elemento médio, que articule o primeiro grupo com o segundo, os colocando em sólido contado intelectual e moral.

Seu pensamento avançava por fragmentos, abandonados logo em seguida e em outros casos aperfeiçoava-o por outros. Não era uma obra sistemática. Por isso, há estudiosos e especialistas de sua obra que tentam diversidades de interpretações: uns com matizes, formas e graus diferentes colocam-na no campo exclusivo do leninismo; outros interessados, fundamentalmente, nas inovações que ele introduziu nas análises das superestruturas; os terceiros que o preferem como o filósofo da sociedade industrial. A controvérsia é natural numa obra inconclusa.

O que é o homem? Era a grande questão para Gramsci. E destacou que esta é a primeira e principal pergunta da filosofia. E questionou: como respondê-la? Sua conclusão foi resumida em ritmo de novas perguntas, mais ou menos assim: o que o homem pode se tornar, se o homem pode controlar seu próprio destino, se ele pode se fazer, se ele pode criar sua própria vida? E, concluiu, portanto, o homem é um processo, exatamente, o processo de seus atos. Em suma, a humanidade se reflete em cada individualidade e é composta de distintos elementos: a) o individuo; b) os outros homens; c) a natureza6. Isto é, em outras palavras, o bloco histórico. Só metodologicamente é possível fragmentá-lo.

Não deixou de polemizar com o pensamento mais rigoroso e mais fecundo que formavam grandes correntes de opinião. Assim o faz quando estudou o conceito de classe política de Gaetano Mosca, relacionando-o com o conceito elite de Vilfredo Pareto. Foi Benedetto Croce seu principal interlocutor. O conjunto dos “Cadernos do Cárcere”, na verdade, é um combate em duas frentes: contra o pensamento especulativo e idealista (Croce) e a chamada ortodoxia vulgar e positivista do marxismo.

E, hoje, as categorias gramscianas são reconhecidas e estudadas, nos meios acadêmicos e políticos como instrumentos de análise da modernização conservadora brasileira e suas complexas superestruturas.

Sua vida pelo modo, lugar e tempo de sua concretização, poderia ser designada como a de um homem derrotado. Na ignorância de uma época fez iluminar a extraordinária força moral e o rigor intelectual do homem que, sem se deixar abater, fez de suas derrotas, novas fontes de energia para recomeçar e avançar. Suportou o seu destino, com coragem e sobriedade intelectual, sem concessões ao vulgar e patético, conservando sempre o controle racional dos sentimentos.

Diante disso como resistir à tentação de falar sobre Gramsci e sua obra tão rica, fecunda, dando-lhe, ao mesmo tempo, o papel de herói, no mundo cheio de vilões teóricos?

Referindo-se a Marx, Noberto Bobbio dizia que para garantir um lugar entre os clássicos, um pensador deve obter reconhecimento nestas três qualidades: a) deve ser considerado como tal intérprete da época em que viveu que não se possa prescindir de sua obra para conhecer o “espírito do tempo”; b) deve ser sempre atual, no sentido de que cada geração sinta necessidade de relê-lo e, relendo-o, de dedicar-lhe uma nova interpretação; c) deve ter elaborado categorias gerais de compreensão histórica das quais não se possa prescindir para interpretar uma realidade mesmo distinta daquela a partir da qual derivou essas categorias e à qual as aplicou7. Esta afirmação caberia, também para Gramsci?

Ninguém, hoje, duvida que deva ser considerado um clássico na história do pensamento.

Finalmente, nessa pequena homenagem, não poderia faltar um trecho de sua carta de 10 de maio de 1928, enviada para a mãe:”... Querida mamãe, gostaria muito de lhe abraçar bem apertado para que sentisse o quanto eu gosto de você e como gostaria de lhe consolar por esse desgosto que lhe dei, mas não podia agir de outro modo.A vida é assim, muito dura, e os filhos algumas vezes tem de dar grandes desgostos às suas mães, se querem conservar a sua honra e a sua dignidade de homens”8

NOTAS

9 Artigo publicado nos Portais Gramsci e o Brasil , La inisignia e na revista Política Democrática, nº 18 da Fundação Astrojildo Pereira/Brasília.
* Gilvan Cavalcanti de Melo (71 anos), membro efetivo dos Diretórios Nacional e Regional/RJ do PPS e do Conselho Editorial da revista Política Democrática.
** Gramsci se referia a Marx. Citado no artigo A reforma Gramsciana da Política de Valentino Gerratana, revista Presença nº 17 – nov.1991/março 1992, Rio de Janeiro.

1 Gramsci, Antonio – Concepção Dialética da História , pág. 173 , 3ª edição 1978 – Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.

2 Idem, pág.40

3 Marx, Karl – Tese sobre Feuerbach - Os Pensadores , pág. 53 , 2ª edição. 1978 – Abril Cultural

4 Marx, Karl – Para a Critica da Economia Polícia , Prefácio – Os Pensadores, pág. 130 2ª edição, 1978 – Abril Cultural

5 Vianna, Luiz Werneck - A Revolução Passiva – Iberismo e americanismo no Brasil , págs. 28/88 - Editora Revan, Rio de Janeiro, 1997

6 Gramsci, Antonio – Concepção Dialética da História, pág. 39 , 3ª edição 1978 - Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.
7 Bobbio, Norberto – Teoria Geral da Política - A filosofia Política e as Lições dos Clássicos, pág. 114 - Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000.

8 Fiori, Giuseppe – A vida de Antonio Gramsci, pág. 360 - Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1979.