sábado, 27 de julho de 2019

Marco Aurélio Nogueira*: Riscos desnecessários

- O Estado de S.Paulo

Acima de tudo e de todos, deve-se evitar que o País degringole e fique sem opções

Falando sem parti pris, o problema político dos brasileiros não é termos um governo de direita ou extrema direita, nem ser Jair Bolsonaro um fundamentalista retrógrado. O problema é que o presidente não conhece o País, não respeita princípios democráticos básicos e não deseja governar. Estamos correndo riscos desnecessários.

Desde sua posse o País depende muito mais do empenho da Câmara dos Deputados que do Poder Executivo. Falam mal dos parlamentares, mas sem eles teríamos tido um semestre trágico, estaríamos mergulhados numa sequência de bravatas, provocações e ofensas promovidas por Bolsonaro e seu entorno, que parecem dispostos a tratar todos como inimigos.

Combater a esquerda e o PT é legítimo e aceitável, mas é uma patifaria quando feito na base de mentiras e agressões. A direita e a esquerda fazem parte da vida, o revezamento delas no governo dos países é normal, saudável e produtivo. Liberais, conservadores e socialistas são famílias políticas essenciais, filhos legítimos da modernidade e de suas transformações no correr do tempo. Querer eliminar um deles com argumentos de autoridade é ir contra a lógica das coisas e os parâmetros democráticos de civilidade.

Debochar de brasileiros do Nordeste, agredir ativistas, professores, artistas, intelectuais e jornalistas, ameaçar a cultura e a educação com a imposição de “filtros” que não passam de censura, tratar a ciência com desprezo, beneficiar o próprio filho – tudo isso, verbalizado com escárnio, faz a Presidência da República evaporar como instância de organização do País e se transforme numa trincheira de combate.

João Domingos: A próxima pizza

- O Estado de S.Paulo

Articulações para a eleição presidencial de 2022 já são intensas

A conversa entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro, num jantar no restaurante Avenida Paulista, às margens do Lago Paranoá, em Brasília, na noite de quarta-feira, traduz o momento político do País. O jantar deles ocorreu um dia depois da prisão de quatro pessoas apontadas pela Polícia Federal como sendo os hackers que invadiram os telefones de autoridades de todos os Poderes. Entre as vítimas do crime cibernético estariam o presidente Jair Bolsonaro e seus dois superministros, que se sentaram num local reservado para comer pizza, acompanhada de vinho para Moro e guaraná para Guedes, segundo relato da repórter Bela Megale, de O Globo, que numa mesa ao lado assistiu a tudo e ouviu cerca de uma hora de papo.

Dada a importância da prisão dos hackers para Guedes e Moro, e para o ministro da Justiça, principalmente, pois o vazamento de supostas mensagens trocadas entre ele, quando juiz, e a força-tarefa da Lava Jato levou ao questionamento sobre sua imparcialidade de magistrado e a outras dúvidas, a lógica seria que os dois centralizassem o assunto na operação da Polícia Federal que prendeu os criminosos. O que se ouviu, no entanto, foi Moro dizer: “Coloquei um Twitter para dar uma cutucada”, um tuíte no qual parabenizou a Polícia Federal, ainda na terça-feira. Seguida de um “fez muito bem” de Guedes.

Adriana Fernandes: Uma reforma para chamar de sua

- O Estado de S.Paulo

Centro da proposta de reforma tributária não vem da equipe econômica

As recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro em apoio à manutenção dos incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus abrem de vez o jogo das negociações da reforma tributária. Com a volta dos trabalhos do Congresso, após o fim do recesso parlamentar, Brasília promete ferver nos próximos meses – até mais do que nas discussões da reforma da Previdência.

Todos os setores ameaçados de perder benefícios com a aprovação de um novo sistema tributário para o País já se movimentam freneticamente no Congresso para impedir mudanças que os prejudiquem – seja retirando suas vantagens competitivas, seja aumentando a carga tributária.

A Zona Franca é só um deles, por enquanto, mas é o mais visível até agora. Ninguém aceita perder. Com tantos projetos de reforma na mesa, cada setor começa a sair da toca se posicionando a favor de um ou de outro.

O empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, passou a semana numa corrente em defesa de um imposto único sobre movimentação financeira – nos moldes da antiga CPMF, que ele agora prefere chamar de E-tax. Ele patrocina o Instituto Brasil 200, que apoia o lançamento do imposto com uma alíquota de 2,5%.

Depois, foi a vez do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, se posicionar pela sua reforma preferida. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o banqueiro disse preferir a reforma patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – apresentada, originalmente, pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).

Demétrio Magnoli*: Perdidos no tempo

- Folha de S. Paulo

O brexit veicula uma nostalgia imperial: o desejo de retroceder à 'idade de ouro'

Donald Trump celebrou a elevação de Boris Johnson à chefia do governo britânico qualificando-o como "um Trump britânico". Seu amigo do peito no Reino Unido é Nigel Farage, o líder da direita nacionalista e o mais fanático entre os arautos do brexit. Johnson prometeu aos conservadores derrotar tanto Farage quanto Jeremy Corbyn, o esquerdista que comanda o Partido Trabalhista. Mas Trump profetiza que Farage "trabalhará bem" com o novo primeiro-ministro. Faz sentido: o Partido Conservador só elegeu Johnson depois de se converter numa seita de fundamentalistas do brexit.

"Pense em Margaret Thatcher com cabelo indomável" —assim, Newt Gingrich, o direitista ex-líder parlamentar do Partido Republicano enalteceu Johnson, oferecendo uma oportunidade inigualável para os caricaturistas. O próprio Johnson exibe-se como um "modernizador do thatcherismo", mas seu heroi é Winston Churchill. De qualquer modo, na carruagem retórica do brexit, os dois mais célebres chefes de governo conservadores do século 20 foram recrutados como ícones da cisão britânica com a União Europeia. É história de cartolina: um conto de fadas para ninar crianças de colo.

Thatcher nunca foi uma europeísta, mas aprendera as lições do passado e, no referendo sobre a adesão britânica à então Comunidade Europeia, em 1975, fez campanha pelo "sim" (enquanto, por sinal, Corbyn empenhava-se pelo "não"). Churchill viveu em outra época, quando a bandeira britânica ainda tremulava sobre colônias espalhadas por todos os continentes. Uma de suas sentenças clássicas —"Se o Reino Unido precisar escolher entre a Europa e o mar aberto, deve sempre escolher o mar aberto"— foi pronunciada em 1944 e, hoje, funciona como uma espécie de hino do brexit. Mas a citação é um recorte esperto: a apropriação política de um estilhaço da história.

Ricardo Della Coletta: O Itamaraty de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Só têm sentido políticas de Ernesto Araújo por ele não distinguir Estado e governo

Ernesto Araújo gosta de recorrer a uma ideia para explicar as mudanças pouco ortodoxas que vem implementando no Itamaraty. A de que os diplomatas viveram por anos a ilusão de que serviam mais ao Estado e menos ao governo da vez.

O chanceler já deixou claro que para ele só existe uma das duas coisas.

“Surgiu esse conceito totalmente pernicioso de políticas de Estado, que tenho ouvido —‘isso aqui não pode mudar, isso aqui é uma política de estado’. Isso não existe. Todas as políticas são de Estado, e o Estado se relaciona com a sociedade por meio do governo”, disse Araújo em março.

Essa declaração e as ações do ministro mostram que o seu projeto vai muito além do mero alinhamento aos EUA ou a Israel. Araújo quer moldar um Itamaraty à imagem e semelhança do bolsonarismo.

E ele tem cumprido à risca a agenda do seu chefe, ao promover verdadeira revolução conservadora nas diretrizes da política externa brasileira.

Em pouco mais de seis meses no cargo, o chanceler alinhou o Brasil ao que há de mais atrasado nos fóruns internacionais em relação a direitos sexuais e reprodutivos.

Hélio Schwartsman: Qual, afinal, é o imposto do futuro?

- Folha de S. Paulo

Novo imposto pode dar empurrão à economia cada vez mais 'uberizada e não linear'

Um grupo de empresários reunido em torno de Flávio Rocha, da Riachuelo, defende que a reforma tributária traga um imposto sobre movimentações financeiras, semelhante à velha CPMF.

Para Rocha, esse é o tributo do futuro, o mais indicado para lidar com uma economia que será cada vez mais “uberizada e não linear”.

A preocupação do empresário com mudanças estruturais na economia faz sentido. Num mundo em que as cadeias de produção tendem a ser cada vez mais descentralizadas e no qual o empreendedorismo e a informalidade deverão crescer, bases de tributação utilizadas no passado deixarão de funcionar bem.

À primeira vista, um imposto sobre movimentação financeira, ao incidir sobre todos aqueles que façam transação bancária, independentemente de seu estatuto jurídico e mesmo de desenvolver ou não uma atividade legal, resolve o problema das bases fugidias. Mas só à primeira vista.

Rodrigo Zeidan*: O mundo binário

- Folha de S. Paulo

Ou se compra a participação de corpo e alma na tribo ou se é considerado traidor

A discussão política no Brasil e em parte no mundo é rasa e carece de nuance. Criticar não significa incapacidade de desenhar propostas alternativas. Mas independência intelectual é artigo raro. Pior, é realmente desdenhada.

Os extremos ganham espaço por gritarem mais alto, aumentando a polarização. Ou se compra a participação de corpo e alma na tribo, de esquerda ou direita, ou se é considerado traidor. E haja preguiça intelectual.

O maior sintoma dessa preguiça é a panfletagem que ressalta somente benefícios quando se apoia uma política ou somente custos quando se é contra. Parte disso é desonestidade intelectual, mas há também muito de viés da confirmação.

Usemos o exemplo dos professores de escolas públicas, em que evidências são claríssimas, mas as implicações para políticas públicas não.

Podemos medir a contribuição de bons professores pelos seus efeitos sobre o aprendizado e a renda futura dos alunos. Alunos de professores que estão no 90º percentil de qualidade assimilam o equivalente a um ano e meio de material, mas os que tiverem o azar de cair numa sala com um professor no 10º percentil aprendem somente o equivalente a seis meses.

Marco Antonio Villa: A crise e os sindicatos

- Revista IstoÉ

O lulismo consagrou o pelego empresarial. Agora, com o desmonte das leis trabalhistas, essa gente não consegue mobilizar mais ninguém

O darwinismo social está em alta no Brasil. A selvageria tomou conta do pensamento econômico. O decoro foi jogado às favas. Agora o que vale é a retirada de direitos trabalhistas. Estes são identificados como a causa principal da estagnação econômica. Repete-se à exaustão de que o emprego vai crescer desde que as relações empregatícias sejam “modernizadas.”

O problema, portanto, seria que no Brasil o excesso de direitos adquiridos pelos trabalhadores é o principal obstáculo à recuperação econômica. A repetição ad nauseam desta falácia adquiriu, entre alguns incautos, um foro de verdade.

E como vivemos um período em que a ausência de debates programáticos é uma triste realidade, logo poderemos assistir a mais uma razia contra conquistas históricas dos trabalhadores. Não custa recordar que grande parte da legislação trabalhista — com erros e acertos — foi produto de um processo iniciado com a Revolução de 1930. E que tudo começou na luta histórica por direitos que hoje são considerados banais — como a limitação da jornada de trabalho, por exemplo.

As célebres greves de 1905, 1906, 1917 e 1919 possibilitaram que uma parte da legislação trabalhista existente na Europa pudesse cruzar o Atlântico e ser adotada por aqui. Algo que teve um alto custo para as lideranças dos operários e acabou caindo no esquecimento popular, o que pode até ser considerado natural, tendo em vista que a história não foi uma qualidade nacional nestes quase 200 anos de Brasil independente.

Marcus Pestana: Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (parte I)

- O Tempo (MG)

No centro do debate contemporâneo, no Brasil e no mundo, está a discussão sobre o papel do Estado e o modelo de intervenção governamental. Por trás disso há elementos teóricos e políticos e evidências históricas. No plano teórico, o liberalismo disseminou a ideia de que o livre movimento das forças de mercados, tendo como sinalizador o sistema de preços relativos, promoveria por si o equilíbrio microeconômico e macroeconômico a partir das flutuações de oferta e demanda de bens e serviços e da moeda. Autores como Walras, Misses, Bohm-Bawerk e, depois, Hayek e Friedman acreditavam que o mercado deveria ser o grande maestro da economia.

Por outro lado, a evolução da economia demonstrou que a concorrência não era perfeita, que haveria grandes assimetrias de informações e posições entre empresas e consumidores, que monopólios e oligopólios nasceram e que o equilíbrio não era uma tendência natural.

A economia capitalista teria uma dinâmica cíclica, com períodos de expansão alternados com crises. Marx, Keynes, Schumpeter, Kontratieff, Kalecki explicaram de diversas maneiras os movimentos cíclicos da economia, exigindo a ação governamental para compensar as imperfeições no funcionamento do mercado.

Essas polêmicas não são meramente teóricas e contaminaram a dinâmica política na evolução do papel do Estado e no jogo de disputa pelo poder. No nascedouro do capitalismo, o papel do Estado era mínimo. Não havia sequer sistemas públicos de educação, saúde e previdência. E a intervenção econômica dos governos se limitava a assegurar a liberdade de mercado e a estabilidade da moeda.

Merval Pereira: “Sigam o dinheiro”

- O Globo

Não parece provável que um que um estelionatário seja movido apenas por movido apenas por ‘fazer justiça, trazendo a verdade para o povo’

A investigação sobre os hackeamentos dos celulares de centenas de autoridades brasileiras parece estar chegando a uma solução, embora a Polícia Federal não creia que Walter Delgatti Neto tenha entregue o material resultante da invasão ao site Intercept Brasil apenas por “amor à causa”, pois não tem nenhuma, aparentemente.

Tudo indica que sua linha de defesa é transformar-se da noite para o dia em um whistleblower, um denunciante de irregularidades que alerta a sociedade com a divulgação de documentos sigilosos.

Como Edward Snowden, que revelou documentos sobre o sistema de vigilância global dos Estados Unidos, que incluiu a então presidente Dilma Rousseff. Ou Chelsea Manning, que divulgou, através do Wikileaks, documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão. Assim como diversos outros casos.

O caso Watergate é um dos mais famosos. O informante dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, era conhecido como Deep Throat. Uma fonte realmente anônima para o grande público, que orientava as investigações jornalísticas, mas não dava documentos. Só pistas quentes.

A revelação da sua identidade só veio quase 30 anos depois dos fatos, que levaram à renúncia de Nixon em 1974. E por decisão do próprio informante, Mark Felt, na época dos acontecimentos vice-diretor da CIA. Só depois que o Deep Throat se revelou é que Woodward e Bernstein revelaram mais detalhes dos acontecimentos.

Ricardo Noblat: E segue o baile das revelações embaraçosas

- Blog do Noblat / Veja

República de Araraquara
De retorno ao que de fato interessa se finalmente restar provado que o hakcher Walter Delgatti Neto, o cabeça da República de Araraquara, disse a verdade no seu primeiro depoimento à Polícia Federal depois de preso. E o que de fato interessa?

Primeiro, o conteúdo das mensagens trocadas entre si pelos procuradores da Lava Jato, e por Deltan Dallagnol com o então juiz Sérgio Moro. Segundo, a irresponsabilidade de autoridades no uso de meios inseguros para tratar de problemas do Estado.

O hacker disse que descobriu acidentalmente como poderia acessar o conteúdo de mensagens de terceiros – e faz sentido o que contou. Disse que ninguém lhe encomendou o serviço e nem pagou por isso. E que foi ele que forneceu o que saiu publicado.

Quando Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro, confessou que agira sozinho e que ninguém lhe mandara fazer nada, os devotos do capitão não acreditaram – nem o capitão. Talvez não acreditem até hoje. Era preciso faturar politicamente o episódio.

Ao empresário Paulo Marinho, Bolsonaro afirmou ainda hospitalizado, que a facada o elegeria, e que nada mais seria necessário. Estava certo. Bolsonaro extraiu da facada tudo o que ela poderia lhe dar mesmo depois de eleito e empossado.

Então após três inquéritos a Polícia Federal concluiu que Adélio, um desequilibrado mental, agira sozinho e por vontade própria. A justiça decidiu que fora assim e mandou arquivar o caso. E Bolsonaro, podendo recorrer da decisão, não o fez. Aceitou-a.

Melhor já irmos nos acostumando com a ideia de que não foi nenhuma organização internacional de criminosos, capaz de mobilizar sofisticadíssimos recursos tecnológicos e uma grande soma de dinheiro, que hackeou Moro & Cia, limitada ou não.

Quanto ao que foi revelado até aqui pelo site The Intercept Brasil em parceria com a Folha de São Paulo e a VEJA, é isso aí mesmo, taokey? E será muito mais pelo que está previsto. Os fracos que segurem o tranco. A vida continua. Segue o baile.

De volta a era das mordomias

Comportamento idiota
Há momentos, e não são poucos,em que o capitão, travestido de presidente da República por acidente, cede aos seus instintos mais primitivos. No caso do acidente, a facada que levou em Juiz de Fora e que o ajudou a se eleger como ele mesmo reconhece.

Juízo afoito: Editorial/ Folha de S. Paulo

Moro confunde público e faz intromissão injustificável na apuração sobre hackers

Causam espanto os movimentos do ministro da Justiça, Sergio Moro, em meio às investigações dos ataques de hackers ao seu telefone celular e aos de outras autoridades.

Na quarta (24), um dia após a prisão de quatro suspeitos de serem os responsáveis pelos crimes, o ministro veio a público para vinculá-los ao vazamento das mensagens de procuradores da Operação Lava Jato que o site The Intercept Brasil começou a publicar em junho.

Como as investigações ainda estão em andamento e são conduzidas oficialmente sob sigilo pela Polícia Federal, as evidências que poderiam sustentar a insinuação de Moro eram desconhecidas.

Em seu primeiro depoimento aos policiais, o principal suspeito, Walter Delgatti Neto, admitiu a invasão das contas do ex-juiz e de outras autoridades no aplicativo Telegram e declarou ter sido a fonte do material obtido pelo site.

Mas a PF ainda está verificando a consistência do depoimento e examinando provas, e por isso a precipitação de Moro soou como tentativa de intimidar o Intercept e outros veículos que têm publicado as mensagens, como esta Folha.

O Intercept afirma ter obtido o material de fonte anônima —cujo sigilo é protegido pela Constituição brasileira— e nega ter participado dos crimes cometidos pelos que copiaram os arquivos fornecidos a seus jornalistas.

Aperfeiçoar, não desfigurar: Editorial / O Estado de S. Paulo

A regra de ouro das finanças públicas – que impede o governo de se endividar para pagar gastos correntes, como salários de servidores e manutenção da máquina administrativa – impôs maior severidade à administração dos recursos públicos e, por isso, precisa ser preservada. Inscrita na Constituição (art. 167, III), a regra de ouro estabelece que o volume das operações de crédito do governo (com emissão de títulos públicos) não pode exceder as despesas de capital (investimentos e amortização da dívida). Por entender, no entanto, que, da forma como está definida, a regra não impõe aos gestores de recursos públicos a obrigatoriedade de adoção de medidas prudenciais e corretivas que evitem o rompimento do limite estabelecido, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) apresentou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 428/2018 que cria os chamados “gatilhos”, providências que precisam ser adotadas sucessivamente depois que as operações de crédito superarem determinada parcela das despesas de capital.

A PEC 428/2018 extingue a punição, por crime comum e de responsabilidade, pelo descumprimento da norma, o que tornaria o presidente da República passível de impeachment. Mas, em contrapartida, estabelece que, se a regra de ouro estiver sendo descumprida no último ano do mandato, o chefe do Poder Executivo se tornará inelegível por oito anos, a contar do término do mandato. Com o apoio do governo, a PEC deverá ter sua tramitação acelerada quando o Congresso retomar suas atividades regulares em agosto. É preciso evitar que, em nome de seu aperfeiçoamento, a regra de ouro seja deturpada, desfigurada ou fragilizada ao longo da tramitação da PEC.

Venda de controle da BR é parte de plano estratégico: Editorial / O Globo

Negócio compõe um projeto de mudança do perfil da Petrobras, com o fim de alguns monopólios

A importância da venda do controle da BR Distribuidora em Bolsa não se resume ao ineditismo de uma operação patrocinada por uma estatal de que surgirá uma empresa privada com ações pulverizadas entre sócios. De 70% do capital da subsidiária, a Petrobras passará a deter 37,5%, depois da venda integral das ações. O plano é fazer-se o mesmo com a Eletrobras, holding do setor elétrico.
Nos dois casos, a Petrobras e o Tesouro levantam recursos sem custo, e as companhias, já de controle privado, podem ganhar eficiência, por meio de reformas e corte de custos impossíveis de serem executados no ambiente estatal — e em qualquer instância de governo, municipal, estadual e federal.

A operação pode ser vista por vários ângulos. Um deles, o do objetivo estratégico de injetar concorrência na distribuição de combustíveis, onde opera um oligopólio formado pela BR e poucos grupos privados. Esta é uma das explicações para a lentidão com que a queda de preços nas refinarias chega às bombas — quando chega.

Tem o mesmo sentido o plano da Petrobras de vender refinarias, o início da cadeia da distribuição. Articular o processamento privado do petróleo com a distribuição também em mãos particulares parece forma eficaz para dar flexibilidade à formação dos preços dos combustíveis. Com o devido cuidado de, na venda de refinarias, não se criarem monopólios privados regionais.

Ascenso Ferreira: "Oropa, França e Bahia"

(Romance)

Para os 3 Manuéis:
Manuel Bandeira
Manuel de Souza Barros
Manuel Gomes Maranhão

Num sobradão arruinado,
Tristonho, mal-assombrado,
Que dava fundos prá terra.
( "para ver marujos,
Ttituliluliu!
ao desembarcar").

...Morava Manuel Furtado,
português apatacado,
com Maria de Alencar!

Maria, era uma cafuza,
cheia de grandes feitiços.
Ah! os seus braços roliços!
Ah! os seus peitos maciços!
Faziam Manuel babar...

A vida de Manuel,
qque louco alguém o dizia,
era vigiar das janelas
toda noite e todo o dia,
as naus que ao longe passavam,
de "Oropa, França e Bahia"!

— Me dá uma nau daquelas,
lhe suplicava Maria.
— Estás idiota , Maria.
Essas naus foram vintena
Que eu herdei da minha tia!
Por todo o ouro do mundo
eu jamais a trocaria!

Dou-te tudo que quiseres:
Dou-te xale de Tonquim!
Dou-te uma saia bordada!
Dou-te leques de marfim!
Queijos da Serra Estrela,
perfumes de benjoim...

Nada.
A mulata só queria
que seu Manuel lhe desse
uma nauzinha daquelas,
inda a mais pichititinha,
prá ela ir ver essas terras
"De Oropa, França e Bahia"...

— Ó Maria, hoje nós temos
vinhos da quinta do Aguirre,
uma queijadas de Sintra,
só prá tu te distraire
desse pensamento ruim...
— Seu Manuel, isso é besteira!
Eu prefiro macaxeira
com galinha de oxinxim!

"Ó lua que alumias
esse mundo de meu Deus,
alumia a mim também
que ando fora dos meus..."
Cantava Seu Manuel
espantando os males seus.

"Eu sou mulata dengosa,
linda, faceira, mimosa,
qual outras brancas não são"...
Cantava forte Maria,
pisando fubá de milho,
lentamente no pilão...

Uma noite de luar,
que estava mesmo taful,
mais de 400 naus,
surgiram vindas do Sul...
— Ah! Seu Manuel, isso chega...
Danou-se de escada abaixo,
se atirou no mar azul.

— "Onde vais mulhé?"
— Vou me daná no carrosé!
— Tu não vais, mulhé,
— mulhé, você não vai lá..."

Maria atirou-se n´água,
Seu Manuel seguiu atrás...
— Quero a mais pichititinha!
— Raios te partam, Maria!
Essas naus são meus tesouros,
ganhou-as matando mouros
o marido da minha tia !
Vêm dos confins do mundo...
De "Oropa, França e Bahia"!

Nadavam de mar em fora...
(Manuel atrás de Maria!)
Passou-se uma hora, outra hora,
e as naus nenhum atingia...
Faz-se um silêncio nas águas,
cadê Manuel e Maria?!

De madrugada, na praia,
dois corpos o mar lambia...
Seu Manuel era um "Boi Morto",
Maria, uma "Cotovia"!

E as naus de Manuel Furtado,
herança de sua tia?

— continuam mar em fora,
navegando noite e dia...
Caminham para "Pasárgada",
para o reino da Poesia!
Herdou-as Manuel Bandeira,
que, ante a minha choradeira,
me deu a menor que havia!

— As eternas naus do Sonho,
de "Oropa, França e Bahia"...

Elizeth Cardoso - Barracão de Zinco