Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2021
Merval Pereira - Isolados no mundo
Míriam Leitão - A democracia prevaleceu
O
governo Joe Biden começou ontem, através do ritual da posse e do tom do
discurso, a restauração dos fundamentos da democracia americana. A fala dele
pedindo união poderia ser apenas protocolar, não fosse o fato de que a divisão
foi levada ao absurdo pelo seu antecessor, que governou aprofundando o fosso
social e político. Por isso, os ritos em Washington foram mais valiosos.
“Aprendemos
de novo que a democracia é preciosa, que a democracia é frágil e, nesta hora, a
democracia prevaleceu”. Poderia ser apenas uma frase bonita de um discurso de
posse, exceto pela realidade de que ali mesmo onde Biden falava, duas semanas
antes, uma horda de radicais insuflados pelo então chefe do governo havia
tentado simplesmente impedir o ato do Congresso de reconhecer a eleição.
Biden
começou ontem mesmo a desfazer a herança recebida. Todos rigorosamente de
máscara durante todo o evento era um recado. Mas eles foram muitos em cada
momento. Os gestos recíprocos entre o governo democrata que começa e
republicanos como o ex-vice-presidente Mike Pence e o senador Mitch McConnell
e, principalmente, o ex-presidente George Bush, deram sentido à frase: “a
política não precisa ser um jogo violento destruindo tudo em seu caminho.”
Um
presidente na sua posse defender a “verdade” seria visto como algo
completamente banal, não fosse o fato de que a mentira é hoje um problema real
da política. Um mentiroso compulsivo ocupou a presidência por quatro anos e
falou mais de 30 mil mentiras, contabilizou o “Washington Post”. Na pior delas,
feriu a base da democracia. O ataque ao Capitólio, disse o senador republicano
Mitch McConnell, foi “alimentado por mentiras” e provocado por Trump.
Exaltar a diversidade da América também é previsível. Mas ganhou um sentido concreto, num governo que quebra um enorme precedente. A primeira mulher vice-presidente da história do país. Kamala Harris chega carregada de simbolismo pela sua origem. A mãe dela veio jovem da Índia para estudar e fazer carreira nos Estados Unidos. Sempre foi subestimada por seu sotaque forte. Casou-se com um jamaicano negro e teve duas filhas. Uma delas hoje está sentada na segunda cadeira mais poderosa do país e ontem à tarde deu posse aos novos senadores.
Ascânio Seleme - O exemplo de Trump
O
caminho que ele percorreu até a derrota para Biden é o mesmo que Bolsonaro
trafega
Trump
seria muito provavelmente reeleito se não houvesse o coronavírus, que o
desmascarou. Suas mentiras, apesar de contadas aos milhares, eram absorvidas
como mais do mesmo. Pareciam uma bobagem. Não eram, como se veria mais tarde.
Seu estado de confrontação permanente também não assustava no princípio. Seus
adversários do Partido Democrata tampouco se entusiasmaram com a campanha que viam
se encaminhar para uma derrota inevitável. Por isso, talvez, Biden tenha sido o
candidato escolhido para a disputa, por ser o mais talhado para o sacrifício.
Embora
seja um político valoroso, de trajetória impecável, Biden era visto como um
homem velho, de outra época. Eleito, seria o mais velho presidente a tomar
posse nos Estados Unidos. Além disso, ou talvez por isso mesmo, seus lapsos de
memória eram considerados até por seus mais fiéis aliados como um problema
político sério. Biden foi gago na juventude. Corrigiu o problema com tempo e
terapia, mas eventualmente tropeça numa palavra ou engasga no meio de uma
frase. Um problemão num debate eleitoral.
E foi assim, atropelando aqui e ali uma palavra que não conseguia pronunciar, esbarrando num detalhe, numa cifra, numa referência de que não podia se lembrar, que Biden foi tocando a campanha até ganhar a eleição com margem folgada. Surpresa? Vista desde janeiro de 2020, imensa surpresa. Mas, como a campanha refletiu a negligência de Trump com a pandemia e o transformou num símbolo do negacionismo, a vantagem substancial do republicano foi aos poucos evaporando.
Luiz Carlos Azedo - O vento das mudanças
Ao mesmo
tempo em que complicou a vida de Bolsonaro, a vitória de Biden deu gás para a
oposição, que aposta no impeachment, principalmente depois do colapso da Saúde
no Amazonas
Caiu
a ficha no Palácio do Planalto de que o vento mudou de rumo, com a posse do
presidente Joe Biden, ontem, já anunciando mudanças fundamentais na política
externa norte-americana e a volta da Casa Branca ao eixo da democracia e do
“sonho americano”. Rapidinho, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma longa carta
ao presidente dos Estados Unidos, sugerindo o seu próprio reposicionamento em
relação ao democrata, para manter a parceria estratégica, enquanto o ministro
da Saúde, Eduardo Pazuello, em videoconferência — a reboque do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)—, pedia ao embaixador da China no Brasil, Yang
Wanming, para interceder em favor da liberação dos insumos de que precisamos
para produzir as vacinas contra a covid-19. Nada como um dia atrás do outro.
A mudança na política externa dos Estados Unidos não acabou com a soberba no Itamaraty. O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, por exemplo, ao comentar a troca de ocupantes da Casa Branca, disse que Biden precisa entender a mudança que houve no Brasil com a eleição de Bolsonaro, um país muito diferente daquele que conhecera quando era vice-presidente de Barack Obama. Ora, o novo presidente dos Estados Unidos sabe muito bem o que aconteceu, pois conhece o nosso país. Bolsonaro, o tempo todo, foi uma espécie de espelho de Donald Trump.
Ricardo Noblat - No que aposta Bolsonaro para completar o mandato e ganhar outro
Quem
mudou? O ex-capitão ou o Exército?
E o governo federal faz de conta que mortes por falta de oxigênio no Norte do país é problema dos governos estaduais, que culpam os municipais, que devolvem a responsabilidade aos estaduais, que suplicam em vão por socorro ao federal. Segue o baile.
O
deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, reuniu-se com o
embaixador da China no Brasil. Pediu pressa na remessa de insumos para a
fabricação da vacina chinesa Coronavac. Foi desautorizado em nota pelo governo
federal.
Diz
a nota que é atribuição do governo federal, e só dele, defender os interesses
do país em conversas com representantes de outros governos. Tanto mais em meio
a uma pandemia que matou quase 213 mil pessoas até ontem, das quais 1.381 nas
últimas 24 horas.
Governo
esquisito, este. O presidente Jair Bolsonaro vive dizendo que o Supremo
Tribunal Federal impediu-o de combater a Covid-19, o que é uma mentira. Mas
quando um membro de outro poder da República combate e tenta ajudá-lo, ele
repele.
Vidas
não importam a Bolsonaro, somente política, e logo ele que se apresentou aos
brasileiros há dois anos como o antipolítico por excelência, embora deputado
federal de sete mandatos. O Brasil nunca esteve em pior situação e, o
presidente, idem.
Como
é incapaz de admitir erros, Bolsonaro reuniu seus ministros e cobrou-lhes duas
coisas em termos duros – o que significa uma explosão de palavrões onde “porra”
é o mais leve. A primeira: que defendam o governo. A segunda, que trabalhem
melhor.
A cobrança por um trabalho melhor foi dirigida, principalmente, ao general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Ora, Pazuello não é médico, não sabia o que era SUS e não se ofereceu para ser ministro. Bolsonaro foi quem o convocou e lhe deu a tarefa.
William Waack - Crianças à solta
Militares
não foram capazes de entender que calar-se para grotescos erros, apegados a
princípios como lealdade ou hierarquia, compromete as instituições
Vamos
simplificar as questões de política externa do governo Jair
Bolsonaro. Supunha-se que os adultos – militares com formação
acadêmica e experiência direta de conflitos internacionais – fossem
supervisionar as crianças. Aconteceu o contrário. As crianças é que emparedaram
os adultos.
Em
alguma medida, é uma repetição do que aconteceu na Casa Branca, onde gente de
excelente formação profissional nas áreas de segurança, estratégia e relações
internacionais foi chutada por um inepto como Donald Trump,
que Bolsonaro escolheu emular. No Brasil, os órgãos de assessoramento da
Presidência da República e o próprio Itamaraty acabaram sendo subordinados à
profunda ignorância em matéria de relações internacionais de um filho do
presidente e suas preferências pessoais.
Os resultados negativos se acumulam. Com o resultado das eleições americanas, o Brasil conseguiu a proeza de se estranhar ao mesmo tempo com as duas principais potências do planeta, pois já se dedicava em provocar a China. Como 11 em 10 analistas de relações internacionais assinalaram, o campo da política externa é, por definição, o campo da impessoalidade, e o alinhamento automático de Bolsonaro ao perdedor Trump é um erro crasso não importa o mérito, postura ideológica ou intenções de qualquer um dos dois.
O mesmo vale em relação à China e à Índia. Somadas, essas duas gigantescas potências asiáticas têm mais ou menos uns 8 mil anos de experiência em política externa e conflitos geopolíticos de enorme amplitude. O Brasil desdenhou da Índia na Organização Mundial do Comércio, e tomou o troco ao ser jogado para o final da fila dos países para os quais os indianos estão exportando vacinas e insumos.
Maria Hermínia Tavares* - Freios políticos em bom estado sustentam a democracia
Com
o mandato a meio caminho só é possível esperar de Bolsonaro mais do mesmo
No
dia em que portadores da Covid-19 em Manaus começaram a morrer asfixiados por falta de
oxigênio, Jair Bolsonaro participou, sem máscara, de uma festinha de
aniversário no Clube Naval de Brasília. Apostou contra a imunização e, quando a
vacina do Butantan, finalmente aprovada, começou a ser produzida, fez pouco de
sua eficácia.
O
país entrou em 2021 com repique da pandemia e nenhuma iniciativa federal para
contê-la ou reduzir seu impacto devastador na vida da população mais pobre e na
atividade das empresas. Em cada área de atuação do governo federal —educação,
ambiente, segurança, economia, política exterior—, incompetência e
irresponsabilidade se deram as mãos.
Nas
suas muitas horas vagas, o presidente se ocupa alimentando suspeitas sobre as
instituições eleitorais e soltando disparates sobre as Forças Armadas e a
democracia. Comprova, dia sim, o outro também, que, além de não ter nem
aptidão, nem ânimo para governar, abomina os valores e as regras do sistema.
Mas, como lembrou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, em entrevista a esta Folha, "o regime democrático é para impedir que um governante subjetivamente autoritário possa emplacar um governo objetivamente autoritário". Desse ponto de vista, as coisas estão funcionando.
Maria Cristina Fernandes - O fósforo de Aras no paiol de Bolsonaro
Pressão
sobre PGR o levará a denunciar autoridades sob risco de perder mandato
O
estado de calamidade é a antessala do Estado de Defesa, assim como este
antecede o Estado de Sítio, que é o prenúncio de um golpe de Estado. Quem faz
esta escalada é um ministro do Supremo Tribunal Federal estarrecido com a nota
em que o procurador-geral da República, Augusto Aras sugere a decretação de um
Estado de Defesa.
O
PGR não se limitou a perder os aliados ocasionais com os quais contava no
Supremo. A autoridade cuja missão constitucional é a defesa do regime
democrático acenou com uma medida que levaria o país, 35 anos depois do fim da
ditadura, a um regime de exceção na véspera de os Estados Unidos se despedirem
da maior ameaça autoritária de sua história. A conspiração do PGR também se deu
24 horas depois de o presidente da República declarar que são as Forças Armadas
que decidem se um povo vive sob democracia ou ditadura.
Aras
ofereceu tapete vermelho para um presidente cercado por livre e espontânea
iniciativa. Jair Bolsonaro amplificou, com a gestão do Itamaraty e da Saúde, a
tragédia da pandemia. Conseguiu brigar com as duas maiores potências do planeta
de uma única vez e colocou, no ministério da Saúde, um titular cuja principal
função é se manter como general da ativa e amarrar as Forças Armadas ao
descalabro da administração federal. Não é com uma carta como aquela que enviou
ao novo presidente americano que Bolsonaro apagará o prontuário de sua política
externa.
A
nota de Aras caiu em Brasília como um gesto desesperado do PGR pela última vaga
que se abrirá no Supremo Tribunal Federal neste mandato de Bolsonaro, a do
ministro Marco Aurélio Mello, em julho. Um outro ministro do Supremo lamenta
que Aras tenha jogado fora todo o esforço de construção de medidas excepcionais
para o enfrentamento da pandemia, como o Orçamento de Guerra, construído por
dentro das instituições, para sugerir, de bandeja, um reforço unilateral dos
poderes do presidente da República. O ministro Dias Toffoli foi o único a lhe
prestar solidariedade (“Tem atuado do ponto de vista a não trazer problemas”).
Na
nota, Aras se limita a prestar contas da investigação criminal sobre o
governador do Amazonas e o prefeito de Manaus mas delega ao Legislativo a
persecução de “eventuais ilícitos” que levem à responsabilização dos Poderes da
República. No afã de se defender, o PGR se omite. Há registro de pelo menos 51
casos de asfixia por falta de oxigênio em Manaus, apesar de documentadas advertências
ao Ministério da Saúde sobre a falta iminente do insumo.
Por mais que o ministro Eduardo Pazuello agora se exima da prescrição de medicamentos sem efeito para a Covid-19, há portarias que a registram e um aplicativo para celular, que o Ministério da Saúde colocou e depois tirou das plataformas, em que o cadastrado também recebe a mesma orientação para uso dos medicamentos. A conclusão de que o PGR prevarica é de um supremo togado: “Omite-se ante homicídio doloso”.
Eliane Cantanhêde - Estado de Defesa, antessala das ditaduras
Aras
teme instabilidade institucional com a pandemia e diz que processo de crime de
responsabilidade é com Legislativo
O mundo jurídico e político considerou extremamente grave a nota em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, acenou com a possibilidade, ou risco, de decretação de Estado de Defesa diante da pandemia e de suas consequências sociais e políticas. Para uns, é um “alerta”. Para outros, uma “ameaça”. Como Aras alertou, o Estado de Calamidade é antessala do Estado de Defesa, mas faltou acrescentar: o Estado de Defesa é a antessala do Estado de Sítio e o Estado de Sítio, antessala das ditaduras.
Pela Constituição, no artigo 136, cabe ao presidente da República decretar o Estado de Defesa para, por exemplo, “restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”. Com a medida, o presidente se autoconcede o poder de determinar pesadas restrições até aos direitos de reunião e aos sigilos de correspondência e de comunicação telefônica e telegráfica.
Aras fala em ‘estado de defesa’ e Poderes reagem
Procurador-geral
cita pandemia para insinuar que Bolsonaro pode decretar estado de defesa;
manifestação sofre fortes críticas de subprocuradores, de parlamentares e na
Corte
Breno
Pires / Pepita Ortega | O Estado de S. Paulo
Em meio a crescente apoio ao impeachment do presidente, nota em que o procurador-geral da República, Augusto Aras, insinua que Jair Bolsonaro pode decretar estado de defesa e afirma que o tempo é de “temperança e prudência” provocou críticas no Congresso, no STF e no próprio MP.
Diante
do crescente apoio à tese de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, uma nota
pública divulgada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, anteontem,
provocou críticas no Congresso e no próprio Ministério Público e foi
considerada um “desastre” por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na
manifestação, Aras citou a pandemia do novo coronavírus para insinuar que
Bolsonaro pode decretar estado de defesa com o objetivo de preservar a
estabilidade institucional e disse que o tempo é de “temperança e prudência”.
Embora o chefe da PGR não tenha citado a palavra impeachment, o tom de sua nota acendeu o sinal de alerta. A leitura política foi a de que o procurador-geral dá sinais no sentido de preservar Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no momento em que cresce a pressão para tirar o presidente do Palácio do Planalto, sob o argumento de negligência na condução da pandemia do coronavírus. No texto, Aras pôs na conta do Congresso a análise de “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República” e acenou com o risco de a crise desembocar na decretação de um estado de defesa.
Mariliz Pereira Jorge - Não teremos vacina
Enquanto
isso, o ministro da Saúde, o general Pesadelo, mente
Não
teremos vacina para todos. Pelo menos não tão cedo. A incompetência e o descaso
de Jair Bolsonaro e dos patetas dos seus assessores colocaram uma nação inteira
na vergonhosa, sem dizer calamitosa, posição de levar um tombo na corrida da
imunização.
Depois de um dia de esperança com o início da vacinação, a realidade. E a realidade é que estamos nas mãos dos chineses, que riem por último do festival de grosserias dos nossos representantes.
O estoque da Coronavac deve durar até o final de janeiro. A AstraZeneca só deve começar a chegar em março. Bolsonaro desdenhou, cancelou compras, pôs em dúvida a eficácia dos imunizantes, seu governo se opôs —e depois voltou atrás— à quebra de patentes proposta pela Índia. E agora não conseguimos matéria-prima para abastecer a Fiocruz e o Instituto Butantan.
Gabriela Prioli - Bolsonaro sequestrou o Brasil
A
minha alucinação é suportar o dia a dia
Como
presente de aniversário, eu gostaria que me dessem de volta a realidade como
pauta. A discussão política foi sequestrada pelo delírio, e estamos todos
exaustos.
Mesmo
quando o dia é de uma rara boa notícia, como foi o último domingo, não temos
chance: a insanidade nos absorve. O nosso ministro da Saúde ficou frustrado,
bravo mesmo, nem sequer comemorou o início da
vacinação. Se isso não é sintoma da alucinação, não sei mais nada.
Respiramos fundo e tentamos fincar de volta os pés na realidade: temos uma vacina, mas para vacinar o nosso povo precisamos de agulhas e seringas. O momento é complexo, o mundo todo busca os mesmos insumos e, por isso, eles se tornam escassos. A realidade bastaria, mas nós temos o nosso desvario. O pai do Eduardo ficou bravo porque o embaixador da China respondeu ao seu filho mal-educado no Twitter e o governo perdeu a capacidade de interlocução. O povo brasileiro, que já enfrenta há anos a crise econômica que se agrava em virtude da pandemia e que enfrentou o negacionismo na saúde, enfrentará agora uma maior dificuldade no seu plano (que plano?) de imunização porque o filho do Jair arrumou briga nas redes sociais.
Bruno Boghossian – Bolsonaro de joelho
Carta de Bolsonaro a Biden só tem valor com outro chanceler ou outro governo
Lista
de princípios elencados pelo brasileiro não casa com as diretrizes da
diplomacia bolsonarista
Jair
Bolsonaro se esforçou para construir a pior relação possível com o novo
presidente dos EUA. Apoiou o candidato errado, alimentou falsas suspeitas de
fraude eleitoral e ameaçou entrar em guerra. Foi preciso que Joe Biden pegasse
as chaves da Casa Branca para que o governo brasileiro caísse de joelhos.
Depois
da teimosia diante da vitória do democrata, Bolsonaro
enviou uma carta em que deseja ao americano a “mais alta estima”.
O presidente foi obrigado a engolir as próprias palavras –ou talvez tenha
assinado o documento sem ler.
No texto, Bolsonaro declara que o país demonstrou “seu compromisso com o Acordo de Paris”. Em 2019, era diferente. O brasileiro copiava as promessas de seu ídolo Donald Trump e afirmava que deixaria a iniciativa global contra as mudanças climáticas. “Se fosse bom, o americano não teria saído”, declarou.
Carlos Alberto Sardenberg - A diplomacia que mata
Articulação
permitiria que Brasil, China, Índia e Rússia se organizassem para produzir
vacinas
Está
certo que Brics, na maior parte do tempo, foi mais uma sigla do que uma aliança
concreta. Originalmente representando Brasil, Rússia, Índia e China, a sigla
foi inventada por um economista britânico, Jim O’Neill, para designar o grupo
de países emergentes com mais chances de se tornarem ricos e influentes.
Que
formassem um grupo, era duvidoso, dadas as notórias divergências entre, por
exemplo, Índia e China, ou Rússia e China, sem contar que o Brasil não parecia
ter qualquer proximidade com aqueles três.
Num
dado momento, entretanto, com o Brasil sob governo petista, surgiu um interesse
comum entre aquelas nações em fazer um contraponto à influência americana,
principalmente, e europeia, em segundo lugar. Seria a voz mais importante do
mundo emergente.
O
grupo se formalizou diplomaticamente, incorporando a África do Sul, para ter um
representante daquele continente. De uma coisa meramente retórica, de mais
discurso e menos ação, evoluiu para algo mais prático, especialmente com a
criação do Novo Banco de Desenvolvimento, chamado banco do Brics, para
financiar projetos em comum. Banco que é hoje presidido por um brasileiro, o
economista Marcos Troyjo, indicado pelo governo Bolsonaro.
Tudo
isso para dizer que as circunstâncias abriram uma enorme possibilidade para o
Brasil — não aproveitada. Dos membros do grupo, um, a China, era não apenas o
principal parceiro comercial do Brasil, como um dos maiores produtores mundiais
de medicamentos e insumos. A Índia, há anos, cravou posição como a maior
produtora de genéricos e também de insumos farmacêuticos. A Rússia, em
reconstrução, não havia perdido a capacidade tecnológica, inclusive nas
ciências biológicas e médicas.
O Brasil tem dois institutos com reconhecimento mundial na produção de vacinas, o Butantan e Manguinhos.
Cora Rónai - O silêncio cúmplice dos generais
Cada
vez que um general na administração pública se revela incompetente ajuda a
destruir a reputação das Forças Armadas
A
Academia Militar das Agulhas Negras é uma escola de ensino superior do Exército
Brasileiro. Copiei essa frase da Wikipédia para não errar na definição. Ensino.
Superior.
Lá
se formam os oficiais de carreira das Armas de Infantaria, Cavalaria,
Artilharia, Engenharia e Comunicações, do Quadro de Material Bélico e do
Serviço de Intendência do Exército. Não é qualquer um que tem acesso à AMAN.
Jovens militares entre 17 e 22 têm que prestar concurso público para a Escola
Preparatória de Cadetes do Exército, onde passam um ano antes de ser admitidos.
O ensino é puxado. Só no primeiro ano, por exemplo, os alunos têm que aprender idiomas estrangeiros, Economia, Estatística, Filosofia, Introdução à Pesquisa Científica, Informática, Língua Portuguesa, Técnicas Militares e Química, entre aulas de tiro e de treinamento físico. Eles têm ainda aulas de Direito e Psicologia no segundo ano e Metodologia do Ensino Superior no terceiro, e concluem os estudos com Direito Administrativo e Relações Internacionais, entre muitas e muitas matérias de cunho especializado.
Executiva nacional do Cidadania aprova defesa de impeachment de Bolsonaro
Camila
Turtelli | O Estado de S. Paulo
20
de janeiro de 2021 | 15h47
BRASÍLIA
– O Cidadania,
que reúne sete deputados e três senadores, decidiu engrossar o coro pelo impeachment do
presidente Jair Bolsonaro. A Executiva Nacional da sigla aprovou na manhã
desta segunda-feira, 20, a defesa do processo no Congresso. Segundo o
presidente da legenda, Roberto
Freire, foram 13 votos favoráveis e 4 contrários.
“Ninguém
se pronunciou contra o impeachment, os quatro votos foram questão de
oportunidade, avaliação de que talvez não seja esse o exato momento”, disse
Freire ao Estadão/Broadcast.
A
defesa da saída de Bolsonaro, no entanto, precisa ainda ser aprovada pelo
Diretório Nacional do partido, com 112 titulares, em uma reunião agendada para
o dia 4 de fevereiro. “O partido está unido na ideia de que esse governo é um
desastre nacional”, disse Freire.
A
sigla já declarou apoio na Câmara à candidatura de Baleia
Rossi (MDB-SP) para sucessão de Rodrigo
Maia (DEM-RJ). No Senado, são três senadores ao lado da
candidatura de Simone Tebet (MDB-MS).
Atualmente
há mais de 60 pedidos de impeachment protocolados na Câmara e caberá
ao próximo presidente da Casa, a ser eleito no dia 1º de fevereiro decidir
sobre o destino desses pedidos.
Nesta quarta-feira, 20, o líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), candidato do Palácio do Planalto na disputa da Câmara, disse que a discussão sobre eventual processo de impeachment de Bolsonaro não é assunto de sua campanha. “Impeachment é tema pertinente ao presidente atual da Casa. Não vou usurpar nem um dia do mandato dele”, declarou Lira, em visita ao Rio. “Se eu me eleger no dia 1°, eu falo dessa questão.”
Na
semana passada, partidos de oposição da Câmara anunciaram um pedido coletivo de
impeachment, sob o argumento de que ele cometeu “crimes de responsabilidade em
série” na condução da pandemia do coronavírus. Assinado por Rede, PSB, PT,
PCdoB e PDT, que reúnem 119 deputados, o pedido cita o colapso da saúde em
Manaus e diz já ter passado a hora de o Congresso reagir.
“O presidente da República deve ser política e criminalmente responsabilizado por deixar sem oxigênio o Amazonas, por sabotar pesquisas e campanhas de vacinação, por desincentivar o uso de máscaras e incentivar o uso de medicamentos ineficazes, por difundir desinformação, além de violar o pacto constitucional entre União, Estados e Municípios”, diz nota conjunta dos partidos, que defendem a volta imediata dos trabalhos do Congresso.
Documentário flagra o desalento do escritor Antonio Callado com o Brasil
Luiz
Zanin Oricchio / O Estado de S. Paulo
Segundo
ano da ditadura militar, novembro de 1965. Está marcada uma reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos) no Rio. Mas, por
estatuto, a OEA só se reúne em países democráticos. O governo de Castello
Branco assegura que o Brasil vive uma democracia plena e, portanto, o evento
pode ser realizado. O próprio marechal faria o discurso de abertura. Um grupo
de intelectuais acha aquilo uma desfaçatez. “Além de darem um golpe, ainda têm
o cinismo de se apresentar como democratas”, diz um deles. Armam um protesto em
frente ao Hotel Glória, para o qual esperam centenas, talvez milhares de
manifestantes. Aparecem oito. Os "Oito do Glória" – entre os
quais, o jornalista e escritor Antonio
Callado (1917-1997), personagem da cinebiografia dirigida
por Emília Silveira, e que estreia nesta quinta, 21.
Os "Oito do Glória" naturalmente foram presos naquele arremedo de democracia que se encenava no País. Houve repercussão mundial. E até cinematográfica. No filme de Jean-Luc Godard Masculino, Feminino, o personagem de Jean-Pierre Léaud firma o abaixo-assinado de solidariedade aos brasileiros presos. São as imagens de Léaud que abrem o documentário Callado.
O
filme começa com esse ato político de Antonio Callado, e a escolha não poderia
ser melhor. Intelectual refinado, jornalista combativo, escritor talentoso e
com lugar garantido na literatura brasileira, Callado foi um homem
politicamente ativo. Um indignado, como convém a todo brasileiro de bem, diante
de uma sociedade de injustiças seculares, escassa tradição democrática e com
uma “elite” predatória e extrativista, incapaz de ceder nem sequer um anel para
preservar os dedos.
A trajetória de Antonio Callado deu-se pelo jornalismo – naquela época, o jornal era o ganha-pão do candidato a escritor, já que publicar livros nunca deu camisa a ninguém no Brasil (exceto para best-sellers como Jorge Amado e Erico Verissimo). Trabalhou no Correio da Manhã, ao lado de cobras como Otto Maria Carpeaux, Antônio Houaiss, José Lino Grünewald, Carlos Heitor Cony e outros. Esteve em Londres durante a 2.ª Guerra Mundial, no serviço radiofônico da BBC. Foi ao Xingu em busca dos ossos do coronel Percy Fawcett, cobriu as Ligas Camponesas do Nordeste em sua luta pela reforma agrária e esteve no Vietnã durante a guerra contra os Estados Unidos. Era homem de ação, e não escriba de gabinete. Em várias entrevistas, transpostas no filme, diz que o intelectual brasileiro e o jornalista não têm desculpas para ignorar a revoltante condição social do País. Não vivemos numa terra da justiça e da abundância e não podemos nos dar ao luxo de produzir uma obra de punhos de renda e amenidades. Assim pensava ele.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
O
mais inepto presidente da história só se segura porque não foram reunidas
condições políticas para afastamento constitucional.
Está claro para um número cada vez maior de cidadãos que Jair Bolsonaro não reúne mais condições de continuar na Presidência e que sua permanência no poder põe em risco a vida de incontáveis brasileiros em meio à pandemia de covid-19, em razão de sua ignominiosa condução da crise. O mais inepto presidente da história pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional.
Essas
condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação
aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que
suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao
projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso
do bolsonarismo.
Nunca
é demais lembrar que o bolsonarismo só triunfou na campanha presidencial de
2018 porque as forças de centro não foram capazes de apresentar uma alternativa
eleitoralmente poderosa ao PT, enquanto Jair Bolsonaro falava abertamente em
“fuzilar” petistas. Depois de tantos anos de empulhação lulopetista, marcados
por corrupção, arrogância e incompetência, o eleitorado se deixou seduzir pela
“autenticidade” de Bolsonaro, que espertamente se apresentou como o único capaz
de derrotar Lula da Silva e impedir a volta do PT ao poder.
Faltou aos partidos tradicionais compreender as aflições de milhões de brasileiros frustrados com a falta de perspectiva de crescimento pessoal e indignados com tantas promessas descumpridas pelos políticos, em especial depois da passagem pelo poder dos mercadores de ilusão liderados pelo demiurgo de Garanhuns. Historicamente, esses cidadãos formam a clientela preferencial dos populistas, com suas soluções fáceis e radicais – muitas vezes em detrimento dos pilares institucionais que sustentam a democracia.
Poesia | Charles Baudelaire - A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! "nunca" talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
- Charles
Baudelaire. As Flores do mal. Edição bilíngüe.
Tradução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985: 361.