terça-feira, 27 de abril de 2010

Marx sem Lenin:: Renato Janine Ribeiro

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não há dúvida de que Marx foi um pensador de esquerda. Isso quer dizer duas coisas: primeiro, ele foi um pensador cujas ideias - como a importância da economia ("condições materiais de existência") na vida social - influenciaram também outras famílias políticas.

Segundo, foi um político cujo nome foi fartamente invocado pelos partidos comunistas e/ou marxistas-leninistas no último século. Mas talvez esses partidos não passassem num exame sobre o pensamento de Marx.

Resumirei esse pensador complexo em três ideias fortes, que estão longe de esgotá-lo, mas são essenciais. A primeira: deve ser extinta a propriedade privada dos meios de produção.

Eles devem pertencer à sociedade, e não a indivíduos. É claro que por meios de produção não se entende a casa, o carro, os móveis, mas bens de impacto maior. É esse o ponto que coloca Marx à esquerda e ainda hoje desperta a ira dos anticomunistas, que receiam perder suas propriedades.

Mas vejamos uma segunda ideia-chave. Geralmente a esquerda se pauta pela defesa de um Estado atuante na economia. Até se distingue esquerda e direita pelo papel do Estado na vida econômica. Ora, Marx não defende o Estado máximo. Nem o Estado mínimo, é óbvio. O que ele defende é o Estado nenhum. A supressão do Estado é um princípio fundamental para ele, que aí se aproxima dos anarquistas. O Estado seria um aparelho repressor. Por isso, Marx não queria um Estado se metendo na vida pessoal ou no que quer que seja. As associações de produtores - isto é, dos trabalhadores tanto produzindo quanto organizando a produção - deveriam assumir as funções que atribuímos ao Estado e que ainda fossem necessárias. Quanto ao controle da vida sexual, da moral etc., nada de Estado, nada de polícia.

Vemos que esse Marx está muito longe do comunismo do século 20! Ficará ainda mais longe dele se lembrarmos uma terceira ideia do pensador alemão. Os modos de produção - o capitalismo e, antes dele, o feudalismo - vivem enquanto são eficazes. Quando um deles não dá mais conta de organizar a produção, é substituído. É um processo traumático, demorado, mas que acontece. O grande exemplo é a vitória do capitalismo sobre o feudalismo. Custou séculos, mas se realizou.

No futuro, esperava Marx que o socialismo (a cada um segundo o seu trabalho) e, depois, o comunismo (de cada um segundo suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidades) se mostrariam mais eficazes que o capitalismo. Quando este esgotasse sua capacidade de organizar a produção, também passaria sua vez. Um exemplo: se o capitalismo, por seu "instinto selvagem", for predatório a ponto de ameaçar a sobrevivência do planeta (esse é um exemplo meu, mas que ilustra como atualizar seu pensamento para os dias de hoje. Fernando Gabeira não concorda e acha que o capitalismo pode se adaptar a uma economia verde e sustentável).

Ora, como fica o comunismo do século 20 - e o pouco que dele resta no 21, talvez apenas Cuba, porque China e Vietnã se abriram à economia de mercado e a Coreia do Norte não passa de uma ditadura de família - no quesito da capacidade de organizar a produção?

Quando Castro reprime até mesmo restaurantes simples mantidos por famílias, porque estariam instilando o veneno do capitalismo no "homem novo" cubano, o que ele nos mostra? Simplesmente que o socialismo lá implantado não é mais eficaz que o capitalismo.

Por isso, o Estado cubano se fortalece, em vez de rumar para sua extinção. E se fortalece no que tem de pior: a polícia, a repressão.

Marx falou de partidos e falou, também, na revolução armada como meio para tomar o poder. Mas esse não é o cerne de seu pensamento. O coautor de vários de seus livros, Friedrich Engels, que sobreviveu a ele por 12 anos, em seus últimos textos cogitava a vitória do socialismo pela via eleitoral, pacífica. Nesse tempo, colaboraram com ele Eduard Bernstein, autor de Socialismo evolucionista, a obra inaugural do "revisionismo" que os comunistas depois tanto condenariam, e Karl Kautsky, que os comunistas chamariam de "renegado" porque não apoiou a Revolução Russa e manteve um projeto social-democrata - que Kautsky, é bom lembrar, considerava marxista.

O que quero dizer com isso? Não fossem a 1.ª Guerra Mundial e a queda do czarismo, o socialismo marxista poderia estar associado hoje a uma opção democrática, que era a dos partidos socialistas francês e alemão. A vitória de Lenin e do partido bolchevista modificou profundamente o que significava o marxismo. Um projeto empenhado na extinção do Estado foi desviado para a construção de um Estado totalitário e policial. "Marxismo-leninismo" deveria ser entendido como uma contradição em termos, não como uma expressão que se use tranquilamente. Talvez o hífen seja, na verdade, uma subtração: marxismo menos leninismo, dá quanto?

Quer isso dizer que os projetos políticos de Marx são atuais e podem dar certo? Há pelo menos um problema: o que significa "propriedade social" dos meios de produção? Nós nos acostumamos, na democracia, a ver o Estado como expressão política da sociedade. Como "a sociedade" será proprietária dos meios de produção, se não houver Estado? Difícil de entender.

Mas é preciso, para quem discute política, lembrar que Lenin mudou muito o que Marx e Engels disseram; que ele não foi seu herdeiro principal ou necessário; e que, se Lenin adulterou o que havia de melhor em Marx - um certo espírito democrático -, não há mal em rever, corrigir e alterar o que, na obra de Marx, está superado.

Não podemos deixar Marx refém do comunismo histórico. Talvez seja bom, um dia, discutir como o leninismo se apropriou, indevidamente, de seu espólio. Mas o fundamental é saber que o leninismo foi um dos usos mais duvidosos que se pôde ter do marxismo.

Professor titular de Ética e Filosofia Política na USP, foi diretor de avaliação da CAPES

Democracia reduzida:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O que menos importa neste momento é o que pensa ou diz o deputado Ciro Gomes. Sua opinião errática sobre as qualidades e defeitos da candidata oficial, Dilma Rousseff, e seus insuspeitos elogios à capacidade e competência do candidato tucano, José Serra, com as conhecidas críticas, podem criar fatos políticos de maior ou menor repercussão, podem influir momentânea ou definitivamente na decisão de eleitores, mas nada disso importa, a não ser para os que estão engajados partidariamente na disputa. Goste-se ou não da maneira como o deputado federal Ciro Gomes faz política, uma coisa é certa: sua desistência forçada à disputa da Presidência da República é um golpe na democracia.

A interferência frontal do presidente Lula para inviabilizar uma candidatura em benefício da que escolheu para suceder-lhe é uma agressão do ponto de vista democrático à livre escolha do eleitor.

Esses conchavos de gabinete que têm o objetivo de transformar em um plebiscito uma eleição em dois turnos, concebida justamente para dar ao candidato eleito a garantia de apoio da maioria do eleitorado, reduzem o sentido da eleição.

Um candidato vencer a eleição no primeiro turno, obtendo 50% mais um dos votos válidos, diante de uma série de candidatos que se apresentaram livremente ao eleitorado, dá ao resultado uma dimensão inequívoca da vontade majoritária do eleitor.

Foi o que aconteceu em 1994 e em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso, o candidato da coligação PSDB-PFL, venceu no primeiro turno.

Na primeira vez, derrotou Lula, candidato por uma coligação de esquerda que unia o PT ao PSB, PPS, PCdoB, mais outros três candidatos de partidos importantes — Orestes Quércia pelo PMDB, Leonel Brizola pelo PDT e Esperidião Amim pelo PPR — e mais uma enxurrada de candidatos de pequenos partidos.

Na reeleição, derrotou novamente Lula e mais Ciro Gomes pelo PPS, Alfredo Sirkis pelo PV e outra série de pequenos partidos, entre os quais se destacava o Prona do Enéas.

Já as vitórias de Lula se deram no segundo turno, sempre contra os candidatos do PSDB, e ele recebeu o apoio de diversos partidos.

Em 2002, do PSB de Garotinho e do PPS de Ciro Gomes, e em 2006, se não oficialmente do partido, dos eleitores do PSOL de Heloisa Helena, e do PDT de Cristovam Buarque.

Havia certa lógica nas coligações, e os acordos políticos no segundo turno faziam sentido.

A ampliação da coalizão governamental no segundo mandato de Lula, numa montagem política que visava não a um projeto de governo, mas à manutenção de um projeto de poder com vistas à permanência de um grupo político no controle das ações por tempo indeterminado, reduzindo ao máximo a possibilidade de alternância no poder, transformou a sucessão presidencial em um jogo de bastidores que fez diversas vítimas até agora.

A primeira foi o próprio PT, que teve que engolir a candidatura de Dilma Rousseff.

Depois os partidos historicamente alinhados ao PT, que foram sendo postos de lado em benefício do PMDB.

Em vez de abrigar facções daquele partido, como tradicionalmente acontecia, o segundo governo Lula conseguiu unir o PMDB, dando a cada facção um punhado do Ministério.

A coalizão do governo Lula mostrou-se instável para levar adiante projetos políticos, mas a maioria que a compõe, partidos de corte tradicional, pragmático, clientelista, sem qualquer afinidade com o projeto político do PT, mostrou-se eficaz para impedir que o governo sofresse qualquer constrangimento das oposições.

Tudo em troca de pedaços autônomos de poder. É essa estranha montagem política que criou a mais heterogênea base parlamentar de um governo nos tempos recentes e lançou a candidatura oficial com uma propaganda eleitoral que terá, em teoria, o dobro do tempo da oposição.

E é ela também que impediu que o PSB lançasse uma candidatura alternativa à escolha oficial, na tentativa de levar o eleitor que gosta de Lula a uma escolha inevitável.

Não está dando certo até agora, o que não quer dizer que não dará.

Por enquanto a política está funcionando mais do que planejavam os arquitetos da escolha inevitável de uma criatura eleitoral tirada do bolso do colete do grande líder.

Um bom exemplo de como uma campanha eleitoral pode dar ao eleitor alternativas que não estão nos planos preconcebidos é a eleição da Inglaterra, onde o liberal Nick Clegg aparece como o azarão que pode forçar uma composição política nova que quebre a dicotomia Trabalhismo (Gordon Brown) x Conservadorismo ( David Cameron).

Entre nós, graças ao esforço inusitado do presidente Lula, muitas vezes passando por cima da legislação, apenas a senadora Marina Silva do PV surge como uma terceira via possível, e mesmo assim porque ela deixou o PT.

Independentemente do que se pense deste ou daquele candidato, usar o poder da Presidência da República para tentar impor ao eleitorado uma escolha plebiscitária que pressupõe que exista apenas um lado bom, é negar um processo virtuoso de evolução do país e reduzir o jogo democrático a uma pelada “nós contra eles”.

Estou em Córdoba, na Espanha, para acompanhar o seminário da Academia da Latinidade, que teve início ontem. A XXI Conferência continua o trabalho de mais de uma década na busca do diálogo entre o mundo islâmico e o Ocidente.

Discute-se aqui nos próximos dias a construção de um ambiente propício à reciprocidade internacional que supere distorções ideológicas e impeça o crescimento do terrorismo e de todas as formas de fundamentalismo.

Uma estranha no espelho::Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dilma Rousseff tem estilo definido adquirido ao longo da vida e características que determinam seu comportamento: modo de falar, maneira de pensar, forma de manifestar o raciocínio e de expressar o gestual. É assim com todo mundo.

Para simplificar, chamemos de personalidade o conjunto de características que faz as pessoas se conduzirem desse ou daquele jeito no convívio externo e as leva a orientar seus mecanismos internos conforme critérios particulares.

Cobra-se de Dilma Rousseff uma "mudança de discurso" nessa fase inicial da pré-campanha, a fim de corrigir falhas que, segundo avaliação do presidente Luiz Inácio da Silva, já esboçadas pelo comando da campanha do PT, deixam em vantagem o pré-candidato do PSDB, José Serra.

Na realidade o que se quer de Dilma é que altere sua personalidade, que seja outra pessoa. De uma hora para outra abandone o palavreado técnico que fazia dormir plateias no Palácio do Planalto e assuma um vocabulário de termos sintéticos, empolgantes.

Que saia dos gabinetes para os palanques a seduzir multidões, cheia de charme; que sorria; que nunca mais chame ninguém de "minha filhinha" ao dirigir-se a jornalistas em entrevista; que não ponha o dedo em riste no rosto do interlocutor; diga frases curtas e, por Deus, complete o raciocínio.

Consta também que Dilma precisa demonstrar segurança e "passar" experiência, não se envolver em tantas polêmicas e, de preferência, deixar de lado esse negócio de ficar comparando os governos Lula e FHC.

A estratégia do plebiscito "nós contra eles" foi inventada por Lula. Não deu certo por erro de cálculo do presidente, que imaginou poder estabelecer a pauta da campanha.

Quanto à reinvenção de Dilma, ela já mudou em relação ao modelo original e provavelmente aí tenha residido o maior equívoco. Não na constatação de que a figura irritadiça não saberia bem ao paladar do eleitor.

Mas na crença irreal de que em questão de meses seria possível incorporar características inteiramente novas em alguém, algumas opostas à natureza da pessoa.

Por que será que Dilma não consegue completar um raciocínio? Muito possivelmente porque não se reconhece na estranha personagem, não tem segurança sobre como se comportar, nunca sabe se está no caminho certo, se o que está dizendo corresponde ou não ao que esperam dela.

Dois exemplos para comparação.

Quando esteve no Congresso e se envolveu num bate-boca com o líder do DEM, senador Agripino Maia, sobre mentiras ditas durante torturas, Dilma foi Dilma.

Dura, antipática, jamais poderia com aquele tom enfrentar uma campanha eleitoral em que teria de abordar outras questões. Mas dominava o tema, levou Agripino às cordas, segura feito rocha.

Quem era a pessoa que na semana passada estava sendo entrevistada pelo apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes? Ninguém. Alguém que saíra de si e ainda vagava feito ectoplasma sem conseguir a incorporação adequada.

Sorria sem espontaneidade, segurava as mãos com receio do dedo em riste escapulir, não dava sentido às respostas. Não sabia era como falar na televisão como candidata, como de resto se viu no governo, não sabe dar entrevista, não sabe lidar com imprensa, não é do ramo dela o público.

Nota-se, Lula e José Serra também mudaram. Mas aproveitaram o que já tinham, não foram artificialmente virados do avesso. Lula deixou de lado o enfezado e assumiu o bem-humorado. Serra agora já não emburra, não se isola e resolveu relaxar, mostrar a face oculta.

Ambos depois de muito errar, de muito apanhar e ao constatar que estavam diante da derradeira chance.

O que se exige de Dilma é que passe a ser aos 62 anos de idade uma pessoa oposta ao que sempre foi e numa atividade nova, diferente da que sempre exerceu.

Sobreviventes. Ao contrário de Ciro Gomes, que morreu na praia afogado na rede da proximidade política, Marina Silva e o PMDB sobreviveram a Lula. Marina, porque foi cuidar da vida rompendo os velhos laços de afinidade.

E o PMDB ao impor sua força sem se conduzir como aliado submisso.

Ou é gol, ou é gol contra:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Enquanto a campanha de Dilma Rousseff tenta dar ordem à bagunça para não ter de desmentir e explicar, dia sim, outro também, os erros da candidata ou da sua assessoria -de internet, de imprensa ou política-, a semana deve ser ocupada pelas complexas posições externas brasileiras.

O nosso velho amigo Hugo Chávez vem a Brasília, e o nosso novo amigo Mahmoud Ahmadinejad recebe no Irã o chanceler Celso Amorim. A reunião de Lula ontem com a Caricom (Comunidade do Caribe, com 14 países) foi só refresco.

Chávez vem pedir socorro ao Brasil, pois está às voltas com racionamento de energia na Venezuela, quinto produtor mundial de petróleo. E Amorim vai oferecer socorro hoje a Ahmadinejad, depois de conversar em Brasília com o resto do Bric e do Ibas (Rússia, Índia, China e África do Sul) e de passar por Moscou e Istambul tratando do explosivo programa nuclear iraniano.

A intenção do chanceler é evitar uma catástrofe ou, no mínimo, um vexame diplomático na ida de Lula ao Irã em maio. Deixando de lado por ora a perseguição de minorias e de opositores políticos no país, o que o Brasil tenta é articular um grande lance internacional, com Ahmadinejad dando garantias de que seu programa nuclear é pacífico e os EUA e demais potências acreditando piamente nisso.

O iraniano estaria formalmente "cedendo", e os americanos, adiando a entrada em vigor de mais uma rodada de sanções ao Irã, dando ao Brasil a bela chance de posar como a potência emergente da paz, da negociação, da conciliação. Pronta, portanto, para assumir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e mudar o mundo.

Falta apenas combinar com os (muitos) adversários e fazer esse gol, ou seja, arrancar o acordo. Senão, o resultado final será que Lula quis dar passos maiores que as pernas, não chegou a lugar nenhum e ainda vestiu a camisa de aliado do Irã e da Venezuela. Além de Cuba...

Norma Rousseff :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Mas pode chamar também de Dilma Bengell. Como assim? Explico: na capa do site oficial de Dilma Rousseff (dilmanaweb.com.br), há uma sequência de três fotos, formando um painel ao lado da inscrição "MINHA VIDA".

A primeira foto à esquerda é da Dilma bebê, com seus dois ou três aninhos, o olhar sério e o cabelo de franjinha. A terceira imagem, à direita, é muito recente, poderia ter sido feita ontem; lá está Dilma tal como a conhecemos, o cabelo curtinho e avermelhado, o mesmíssimo olhar da primeira imagem.

O problema é a foto do meio. Ao fundo, há um cartaz, onde se leem palavras de ordem: "Contra censura pela cultura". Em primeiro plano, há uma mulher de cabelo curto e séria, cujo rosto é bem menor do que o das imagens ao lado. Sim, estamos nos anos 60. Sim, ela está numa passeata. Sim, claro, só pode ser Dilma Rousseff. Claro, mas errado.

A jovem manifestante da foto parece Dilma, mas é a atriz Norma Bengell. Participava da famosa Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1968.

Colocada entre a Dilma bebê e a Dilma madura, a foto da "Dilma jovem" é uma óbvia enganação. Mas ainda pior é a "nota de esclarecimento" que anexaram ao blog da candidata depois que o truque veio à tona: ali se "lamenta" a "interpretação equivocada" e se diz que "jamais houve a intenção de confundir a imagem de Norma Bengell com a de Dilma, o que seria estapafúrdio".

O que essa nota estapafúrdia faz é apenas colocar a cereja do cinismo sobre o bolo da impostura.

A pretexto de "ressaltar" que Dilma participou das "lutas contra a ditadura", seu blog investe na arte de iludir. Lá dentro, informa-se corretamente que a ex-ministra pertenceu a dois grupos adeptos da luta armada -o Colina e a VAR-Palmares. Bom ou mau, isso é diferente de tomar parte numa passeata.

Confundindo Dilma com uma atriz, seu site parece fazer da campanha um tipo de teatro. Faz sentido para uma candidata que, fora do governo, dá a impressão de ainda estar à procura de seu personagem.

Preparados (as) para governar :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O esperneio de Ciro Gomes ao ser defenestrado da corrida sucessória era esperado na campanha da ex-ministra Dilma Rousseff a presidente. O que não estava no roteiro era Ciro declarar que o tucano José Serra, seu arquirrival, é mais preparado para o cargo que a candidata do PT. Dilma e companhia procuram não passar recibo, mas a afirmação do deputado cearense causou mais incômodo do que deixa transparecer a campanha da ex-ministra. Não deveria.

Vereador, prefeito, deputado estadual, governador e duas vezes ministro, o deputado federal Ciro Gomes tem currículo de sobra para reivindicar a Presidência da República. Nem por isso pode-se dizer que está preparado para exercer o cargo. E muito menos comprova o despreparo de Dilma.

Se o preparo pudesse ser medido pelo número de páginas do currículo, em 2002 o tucano José Serra não precisaria ter disputado a eleição. Bastava ser "batizado" por Fernando Henrique Cardoso e entronizado no Palácio do Planalto. Esta é uma discussão que os dois mandatos de Lula tornaram ociosa.

Até vencer José Serra, na eleição de 2002, o único cargo executivo ocupado por Lula fora a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. No entanto, a pouco mais de oito meses do fim de seus dois mandatos, Lula é o presidente mais popular da história do país.

Além da experiência sindical, em 1986 Lula foi eleito deputado constituinte, cumpriu integralmente o mandato, mas não gostou da rotina congressual e não disputou um novo mandato. Mas noves fora não ser um deputado de plenário, Lula foi quem de fato liderou o PT na Assembleia Constituinte.

No começou dos 90, era inimaginável que um sociólogo pusesse fim ao longo processo inflacionário brasileiro, a superinflação que os economistas mais renomados não conseguiram domar. Fernando Henrique Cardoso não era um economista. Seu mérito reside no fato de saber liderar e de criar as condições políticas para viabilizar o sucesso do Plano Real. Coisa (a viabilidade política) em que nem José Serra acreditava, àquela altura.

O que Dilma precisa provar aos eleitores, na prática, é que tem preparo para liderar uma nação complexa e de instituições sofisticadas como é o Brasil.

Os termos da discussão proposta por Ciro são grandiloquentes, como tudo o que o deputado diz, mas não resistem ao contraditório. Parece ressentimento, mas ele não se limitou a dizer que Serra era o mais preparado. Afirmou, na verdade, que Serra é o "mais preparado, mais legítimo e mais capaz".

É provável que, ao falar sobre preparo, Ciro esteja se referindo ao currículo do candidato tucano, no qual brilham passagens na secretaria de Planejamento de São Paulo e no Ministério da Saúde de FHC, um período não tão vistoso assim no Ministério do Planejamento, e duas vezes executivo eleito aos governos da maior cidade e do maior Estado do país.

Difícil é entender o que Ciro quer dizer quando afirma que um candidato é mais legítimo que o outro. Talvez se refira ao fato de Serra ter passado sucessivas vezes pela prova das urnas, enquanto Dilma é uma tecnocrata pinçada por Lula de dentro do PT. Nos termos do próprio Ciro: "Ele (o presidente) está se sentindo o todo-poderoso e acha que vai batizar Dilma presidente da República"

Esse é o desafio de Dilma na campanha: provar que é capaz de chefiar e liderar um governo de continuidade, em vez de ser apenas títere de Lula. É a sombra do padrinho.

É legítimo à ex-ministra ancorar-se na popularidade do presidente, mais até do que a oposição querer confundir-se com um governo que combate. É misturar desordenada e deliberadamente as coisas. A menos que se confirme a sina de que Serra é sempre o melhor candidato na hora errada.

Em 2002 o tucano era governo, mas confundia sua campanha com a da oposição ao governo FHC; agora é oposição, mas foge do embate com o popularíssimo Lula - em 2006 a aprovação de Lula nas pesquisas de opinião era a metade da atual, mas os tucanos preferiram indicar Geraldo Alckmin à disputa.

Ciro tem razões de sobra para estar ressentido. Ele foi fuzilado sem piedade por um integrante do segundo escalão do PSB. Pelos leais serviços prestados a Lula, merecia mais que a missa contratada para esta tarde no PSB.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Tom Jobim - Show Montreal - Chega de Saudade

A candidata Bengell:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Atribuir a confusão fotográfica elaborada no site de Dilma a "interpretação equivocada" é desonestidade e desfaçatez

É difícil saber qual dos dois atos do site de candidata de Dilma Rousseff é mais trapaceiro e repulsivo. Fazer uma foto do rosto de Norma Bengell nos seus bons tempos passar por foto de Dilma Rousseff poderia ser apenas ridículo como feito e perverso com a candidata não fosse, acima de tudo, um golpe sórdido.

Atribuir a confusão fotográfica elaborada, como faz uma nota do site desmascarado, a "interpretação equivocada" de quem quis conhecer as mensagens da candidata, é mistura de desonestidade e desfaçatez.

O propósito da baixeza está evidente no cuidado com que foram escolhidas as duas fotos. A de Norma, com o rosto pequeno, sem atrair atenção minuciosa, sob um pedaço de cartaz em passeata contra a ditadura; a de Dilma, o rosto inteiro, recente, não se sabe quanto. Mas, nas fotos utilizadas, as duas cabeças exatamente na mesma posição, enviesadas. Os cabelos acima da testa com disposição e corte iguais. O tempo explicaria a infidelidade dos traços da Dilma candidata aos da outrora Dilma manifestante. Ainda mais sabendo-se que a jovem Dilma foi participativa contra a ditadura.

A nota do site não foi seguida de alguma forma de pronunciamento de Dilma Rousseff sobre o que foi feito em nome de sua candidatura.

Caso não se conheçam providências respeitosas com o eleitor, o seu recém-nascido site não é dos que mereçam nem um mínimo de confiança para ser ainda visitado. Uma situação interessante para a candidata que ambiciona fazer da internet, a exemplo do feito por Barack Obama, um recurso eleitoral eficaz.

Meia-volta

A retirada formal da candidatura pretendida por Ciro Gomes é esperada para hoje, quando reunida a diretoria deste tantas vezes promissor, antes e depois de 64, e nunca realizado PSB, Partido Socialista Brasileiro. A maioria dos comentários a respeito da retirada de Ciro coincide, em linhas gerais, na conclusão de que assim se "cumpre o roteiro desejado" por Lula para esse seu ex-ministro e, como disse com ênfase mais de uma vez, amigo pessoal.Ainda assim, os fatos até esse final não foram retilíneos. Em sua parte não exposta, houve entendimentos bastante afinados para um jogo em comum, mas de repente desandados. Por uma das partes. Ou seja, o roteiro fez um ângulo para uma guinada. Ou não seria um roteiro dos tempos atuais.

Fora

De volta à equipe de Dilma Rousseff: aqui ela será "candidata a presidenta" quando superintendente, atendente, gerente, e outras obras do sufixo ente, forem chamados por ela de superintendenta, atendenta, gerenta e por aí.

Dilma reduz ritmo, e Serra intensifica agenda

DEU EM O GLOBO

Com problemas entre aliados em 15 estados, petista está com sua agenda limitada a SP até sábado

Maria Lima e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. O resultado das últimas pesquisas, os tropeços políticos e até gafes durante as primeiras visitas aos estados levaram o comando da pré-campanha da petista Dilma Rousseff a um recuo estratégico, reduzindo a agenda de viagens para intensificar a oratória e as aulas com uma fonoaudióloga. Enquanto Dilma recua, o pré-candidato José Serra (PSDB) intensifica as viagens a estados estratégicos como Minas e Bahia, para onde retorna esta semana. Dilma, com problemas entre aliados em 15 estados, está com sua agenda limitada a São Paulo até sábado.

Ontem, Dilma participou de gravação do programa eleitoral do PT que irá ao ar dia 13 de maio. À noite, ela participou de uma reunião mais ampla do comando da campanha. Começou o dia dando entrevista para a Rádio Brasil Sul, do Paraná. Nos últimos dias, foram canceladas viagens da petista ao Paraná e a Goiás, onde os aliados ainda não se acertaram.

A oposição, por seu lado, pretende tirar proveito do momento: a começar pela crise deflagrada no PSB com a retirada forçada da candidatura de Ciro Gomes (PSB-CE). Os tucanos acreditam que isso poderá até resolver o problema da falta de palanque de Serra no Ceará, consolidando a aliança informal entre o PSB e o PSDB em torno da reeleição do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Em contrapartida, Tasso evitaria o lançamento de um candidato de oposição para disputar com o governador Cid Gomes (PSB).

Hoje Serra desembarca, pela segunda vez no mês, na Bahia.

Sua primeira parada será em Alagoinhas. De lá, ele segue para Feira de Santana, onde participará do pré-lançamento da candidatura do ex-prefeito José Ronaldo, do DEM, ao Senado, na chapa do candidato ao governo Paulo Souto.

Ciro agora chama o PMDB de quadrilha

DEU EM O GLOBO

Preterido na corrida presidencial por imposição do presidente Lula, Ciro Gomes (PSB) subiu o tom dos ataques ao PMDB: “Quem manda no PMDB não tem escrúpulo ético nem republicano.

É um ajuntamento de assaltantes.” Sobre Serra, que havia elogiado, disse que é uma personalidade autoritária e tenebrosa.

"Um ajuntamento de assaltantes"

Ciro, que será forçado pelo PSB hoje a desistir das eleições, volta a atacar o PMDB

Leila Suwwan e Gerson Camarotti

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Em sua terceira entrevista às vésperas de ser preterido pelo PSB na corrida presidencial, por imposição do presidente Lula ao partido, o ex-ministro e deputado federal Ciro Gomes (PSB) aumentou o tom dos ataques contra setores do PMDB, que classificou de “ajuntamento de assaltantes”.

Disse que o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), cotado para ser vice na chapa de Dilma Rousseff (PT), é o “chefe da turma de pouco escrúpulo”.

Ciro disse acreditar que Dilma estaria “rendida” se vencer com o apoio de aliados desonestos.

— O PMDB, como partido, não tem problema. O PMDB tem tantas virtudes e defeitos como qualquer outro. O problema é a hegemonia. O problema é que quem manda no PMDB não tem nenhum escrúpulo, nem ético, nem republicano nem compromisso público.

Nada. É um ajuntamento de assaltantes, na minha opinião — disse Ciro Gomes, continuando: — O Michel Temer hoje é o chefe dessa turma, dessa turma de pouco escrúpulo. Sem dúvida.

Sobre o presidenciável tucano, José Serra, a quem tinha elogiado como um candidato mais preparado que Dilma devido à experiência política, o deputado desta vez disse: — É um brasileiro bastante preparado, mas é uma personalidade autoritária e tenebrosa. Com o poder na mão, me parece um perigo para o país — disse Ciro, em entrevista gravada sexta-feira à emissora RedeTV!, que foi ao ar no fim da noite de domingo. Ele afirmou que Serra “sabotou o Real e sabotou Fernando Henrique”.

Em outro momento, fez um ataque gratuito: — Só quem não chora no Brasil é o Serra, que tem o olho de cobra e não se emociona com nada. O resto, quem tem emoção, deve chorar, e isso é para homem muito macho, não é para qualquer homem não.

O deputado repetiu a opinião de que Dilma pode perder as eleições, devido a erros como os que cometeu em sua pré-campanha, mas fez elogios ao caráter dela. O socialista amenizou a crítica que fez ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que estaria “navegando na maionese”.

Agora disse que Lula está com “salto alto” e lhe faltam conselheiros de peso para apontar os erros.

Sobre o PMDB, Ciro disparou uma lista de nomes do que considera ser o “ajuntamento de assaltantes”. Citou os deputados Eduardo Cunha e Nelson Bornier, ambos do PMDB-RJ.

Mais adiante, citou os senadores Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL), para dar exemplos de lideranças que permaneceram no poder nas gestões FH e Lula.

PSB formalizará hoje apoio a Dilma

Apesar dos ataques de Ciro, a Executiva Nacional do PSB irá formalizar hoje o apoio do partido a Dilma, com a garantia de que não haverá rompimento por parte do deputado com o presidente Lula. Ciro já teria mandado recados para o partido de que vai aceitar a derrota de hoje e sair de cena. A aposta, inclusive entre aliados de Ciro, é que ele vai pôr um ponto final nas hostilidades para preservar o futuro político do seu irmão, o governador Cid Gomes (PSB-CE), que disputa a reeleição.

Ontem à noite, a contabilidade indicava que, dos 18 votos da Executiva do PSB, mais de 70% eram contra a candidatura presidencial de Ciro.

Ele, que não deve participar da reunião de hoje do partido, deve tirar uma licença da Câmara dos Deputados e viajar. No regresso, vai se empenhar na campanha de Cid.

Com a formalização do apoio a Dilma, o PSB irá cobrar do presidente Lula o compromisso de avalizar o apoio de partidos aliados a candidaturas do partido aos governos estaduais.

Serra diz que saúde pública estagnou na gestão Lula e defende investimento

DEU EM O GLOBO

Tucano evita comentar crise entre PT e Ciro Gomes: "Sapo de fora não chia"

Sergio Roxo

SÃO PAULO. Contido nas críticas às ações do governo Lula, o pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, mudou o tom ontem, em entrevista ao “Programa Brasil Urgente”, da TV Bandeirantes, e afirmou que a saúde no Brasil estagnou. O tucano foi ministro da Saúde até 2002, no governo Fernando Henrique, quando deixou o cargo para disputar a eleição a presidente daquele ano.

— A saúde estagnou (no governo Lula). Na saúde, ou você anda ou vai para trás, porque a demanda vai crescendo. Acabaram os mutirões, houve menos investimentos, faltam consultas — afirmou Serra ao apresentador José Luiz Datena.

O pré-candidato reafirmou promessas para a área, como a de criar ambulatórios médicos de especialidades.

— Remédio tem que sair de graça. Não tem que vender. Parte da população não tem dinheiro para comprar remédio.

Serra disse que considera o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, decente, e usou seu slogan de campanha.

— A saúde é um típico setor em que o Brasil pode mais.

O ex-governador tentou se manter distante da briga entre Ciro Gomes (PSB) e o PT.

— Sapo de fora não chia.

(...) Sou o sapo. Eles têm uma aliança, não vou dar palpite.

Serra foi questionado sobre a fala de Ciro de que ele é mais preparado do que Dilma Rousseff para ser presidente.

— Prefiro que fale bem de mim do que o contrário.

Em clima descontraído, Serra foi convidado por Datena a cantar e escolheu “Chega de Saudade”, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Disse que Dilma, que havia cantado “El día que me quieras” no programa, escolhera uma música muito difícil.

Serra disse que gosta da música e gosta de Dilma. Perguntado sobre uma característica de que gostava na adversária, afirmou: — Comigo ela sempre foi muito bem na conversa, na franqueza, em tudo, na relação a dois.

Serra promete perenizar incentivos para a Zona Franca de Manaus

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raquel Ulhôa, de Brasília

Se for eleito, o pré-candidato a presidente da República José Serra (PSDB) pretende "fortalecer" a Zona Franca de Manaus (ZFM) e torná-la um pólo industrial "permanente", acabando com a necessidade de aprovação periódica de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para prorrogar a vigência de seus benefícios fiscais. "Estou assumindo. Mais que compromisso, é uma decisão", afirmou.

O anúncio foi feito por Serra em entrevista ao programa "Momento Amazônia", da Rede Amazônica, gravada na sexta-feira e transmitida ontem à noite para Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima. A entrevista de Serra - o primeiro presidenciável a participar do programa, para o qual foram convidadas também Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), para as próximas semanas - foi estratégica para a campanha tucana.

Serra é conhecido no Amazonas como "inimigo da Zona Franca" e defensor dos interesses da indústria paulista. Com a defesa do pólo industrial, luta para conquistar votos dos eleitores da região Norte. "Com essa entrevista, Serra liquida esses preconceitos contra ele aqui", afirma o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado.

"A Zona Franca tem que ser fortalecida. É uma realidade, gera empregos, ajuda a preservar a floresta. Já imaginou se toda essa gente que trabalha lá não tivesse essa opção? Iria para onde? Para a floresta. Quando se analisa a Zona Franca, tem que se pensar também no patrimônio que está sendo preservado", disse Serra.

Sobre as notícias de que seria contra a Zona Franca de Manaus - exploradas no Amazonas pelos adversários contra a candidatura tucana - , Serra disse tratar-se de "coisa de política" e nunca ter feito "nada hostil" em relação ao pólo, que, lembrou, emprega já 100 mil pessoas.

"O Arthur Virgílio (senador do PSDB do Amazonas) tem uma emenda constitucional prorrogando a vigência da Zona Franca. Sou a favor. Mas no governo, vou querer ir mais longe, tornando a Zona Franca perene", afirmou o presidenciável.

A Constituição de 88 mantinha a Zona Franca de Manaus como área livre de comércio, exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de 25 anos. Em 2003, uma PEC foi aprovada prorrogando a ZFM até 2023. E a proposta de Virgílio mantém os benefícios até 2033.

Criada pelo governo brasileiro em 1967, a ZFM, área amazônica beneficiada com incentivos fiscais e isenção alfandegária, é fiscalizada pela Suframa. Até o final da década de 80, sob uma política de economia fechada, a ênfase da ZFM era o polo comercial. Atualmente, o setor industrial é o forte. São mais de 450 indústrias de alta tecnologia, gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos, segundo a página da Suframa na Internet.

Além de negar ser contra o polo industrial, lembrou que, quando ministro do Planejamento (governo Fernando Henrique Cardoso), nomeou Mauro Ricardo para a Superintendência da Zona Franca (Suframa), que "fez tremendo trabalho de saneamento".

Em eventual governo seu, Serra quer "fortalecer" a ZFM e, para isso, defende a implantação de um polo industrial "complementar de produção", para que mais peças e partes sejam produzidas em Manaus e mais empregos sejam gerados. Defende, ainda, um hidroporto para Manaus e o reforço de todo sistema de transporte da Amazônia, principalmente o hidroviário., com embarcações modernas. Sou um fanático desse tipo de transporte", disse.

Para reforçar a ideia de empenho pelo desenvolvimento da região, Serra prometeu ainda que, se eleito, criará um "Conselho de Desenvolvimento da Amazônia", ligado à Presidência da República, para que o presidente acompanhe tudo o que acontece em "60% do nosso território". Defendeu a atração de recursos do exterior para explorar a floresta de tal forma que ela seja preservada e, ao mesmo tempo, possa resultar em benefícios econômicos.

Na entrevista, o presidenciável tucano defendeu outras demandas da região, como a conclusão da BR 319, que ligará Porto Velho a Manaus e é objeto de divergências políticas. Alertou, no entanto, para a necessidade de se levar em conta as "objeções ambientais", para evitar interrupção da obra e futuros questionamentos jurídico. E prometeu que vai "tirar do papel" o Plano Amazônia Sustentável, criado pelo governo Lula em 2008, mas não implementado. O tucano prometeu investimento pesado em biotecnologia.

Serra diz que criará Ministério da Segurança

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em entrevista à TV Bandeirantes, ele diz que pasta teria função de "repressão"; é o segundo ministério prometido pelo tucano

Pré-candidato volta a afirmar que vai manter Bolsa Família: "Eu não sou trouxa, eu sei governar"; ex-governador faz crítica a Aloizio Mercadante

Breno Costa

O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem que criará o Ministério da Segurança Pública, caso se eleja. A promessa havia sido feita na campanha de 2002, mas é novidade na disputa deste ano.

A proposta, que se junta a outra, feita há dez dias, de criação de um ministério extraordinário para pessoas com deficiência, foi feita durante entrevista dada a José Luiz Datena, no programa "Brasil Urgente", da TV Bandeirantes.

O tom policial do programa acabou sendo incorporado pelo pré-candidato, a partir de perguntas de Datena. Além da criação do ministério, que teria entre suas funções a "repressão" e o "enfrentamento" do crime a partir de coordenação do governo federal, Serra defendeu a revisão das regras de progressão de regime e defendeu o "engaiolamento" de "bandidos".

"Eu sou a favor dos direitos humanos, de respeitar todo mundo. Lutei por isso e luto. Agora, bandido tem que ser combatido, enfrentado com dureza. Não tem opção. Você não precisa desrespeitar o ser humano, mas você tem que engaiolar", disse o tucano.

Ao comentar sobre violência contra crianças, Serra se referiu ao homem suspeito de matar e estuprar seis adolescentes em Luziânia (GO) como "pedófilo maldito e assassino".

Nas declarações políticas, ele voltou a poupar a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, e o presidente Lula. Questionado por Datena se considerava Dilma inexperiente, disse que, ao dizer o que fez, "não está acusando o outro por não ter feito" nem "diminuindo ninguém por não ter [experiência]".

Serra voltou a afirmar que manterá o programa Bolsa Família. "Eu não sou trouxa. Eu sei governar. Se você for para o governo fazer picuinha com quem foi antes, você prejudica a população", afirmou.

As críticas ao PT acabaram sendo direcionadas ao pré-candidato do partido ao governo de SP, Aloizio Mercadante. Após pergunta sobre ataques do petista às enchentes no Estado, disse que "responder ao Mercadante é um atraso de vida".

Na entrevista, Serra ainda fez críticas ao presidente venezuelano Hugo Chávez e à política de apoio do governo brasileiro ao Irã. Ao todo, o pré-candidato falou sobre mais de 25 temas em cerca de uma hora.

A participação de Serra no programa ocorreu uma semana depois da ida de Dilma. Foi no mesmo programa, em março, que Serra admitiu pela primeira vez sua pré-candidatura.

Agora, Gabeira diz que aceita ser candidato por coligação com Cesar


DEU EM O GLOBO

Segundo verde, anúncio oficial da decisão sai até o fim da semana

Alessandra Duarte

Após tanta polêmica, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) deve mesmo ser candidato ao governo do Rio pela coligação inicial dos verdes com PSDB, PPS e o DEM de Cesar Maia. Gabeira havia afastado essa opção depois de críticas de aliados, que temem a rejeição que o nome do ex-prefeito do Rio poderia provocar. Segundo Gabeira, a coligação com Cesar “é a proposta que vamos manter”: — A gente encerrou a fase de consultas a diretórios e eleitores pelo Estado do Rio. O que ficou claro é que a única alternativa com mais unanimidade é esta.

Os partidos da coligação do verde haviam consultado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para saber se poderiam apresentar mais de dois candidatos ao Senado. Segundo Gabeira, mesmo sem o TSE ter respondido, será essa a configuração das candidaturas a serem lançadas: — Dois candidatos pela coligação: o Cesar e o do PPS, Marcelo Cerqueira; e, por fora, a Aspásia Camargo (PV). Quando o TSE responder, se não puder haver três ao Senado, a Aspásia sairia — diz o verde. — Temos de valorizar o que nos une, acabar com a dominação do PMDB.

E minimizar o que nos separa, a questão (da rejeição) do Cesar.

Outro motivo para a decisão é a necessidade de palanque no Rio para a candidatura presidencial de José Serra (PSDB).

— Nada no Rio é dissociado da candidatura Serra — diz o deputado Luiz Paulo (PSDB).

— Serra aguarda uma solução — afirma Márcio Fortes (PSDB), cotado para vice de Gabeira.

O anúncio oficial da decisão sai até sexta, após Alfredo Sirkis, presidente do PV-Rio, voltar de Washington

Gabeira retoma ideia da aliança com Cesar Maia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Luciana Nunes Leal / RIO

Após três semanas de impasse, PV, PSDB, DEM e PPS devem anunciar a retomada da coligação em torno da candidatura de Fernando Gabeira (PV) ao governo do Rio, em oposição ao governador Sérgio Cabral (PMDB). Contornados os desentendimento entre verdes e democratas, foi descartada a saída do DEM da chapa de Gabeira.

"A proposta é fazer a aliança dos quatro partidos para governador", afirmou Gabeira ontem. Antes, o deputado dizia que seus eleitores resistiam à presença do ex-prefeito Cesar Maia, candidato ao Senado pelo DEM. Segundo ele, prevaleceu a ideia de que é mais importante uma coligação competitiva para enfrentar o poderio do PMDB no Estado.

O acordo resolve o problema do pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, que corria o risco de ter palanque frágil no terceiro colégio eleitoral do País. Embora Gabeira faça campanha para a senadora Marina Silva (PV) na disputa presidencial, tucanos lutavam pela aliança oposicionista. O candidato a vice de Gabeira será o ex-deputado Márcio Fortes (PSDB).

Ficha limpa. Segundo Gabeira, os partidos vão adotar o critério do projeto ficha limpa. Quem tenha sido condenado por tribunais de segunda instância não poderá ser candidato por nenhuma das legendas da coligação.

Gabeira aceita Maia na chapa

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Após tanta polêmica, o deputado federal Fernando Gabeira (PV) deve mesmo ser candidato ao governo do Rio pela coligação inicial dos verdes com PSDB, PPS e com o DEM de Cesar Maia, opção que Gabeira havia afastado depois de críticas de aliados, que temem a rejeição que o nome de Cesar – candidato ao Senado – poderia provocar.

Segundo Gabeira, a coligação com Cesar “é a proposta que vamos manter”: “A gente encerrou a fase de consultas a diretórios e eleitores pelo Estado do Rio. O que ficou claro é que a única alternativa com mais unanimidade é esta”.

Debate eleitoral brasileiro nos EUA:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mantega e Meirelles tratam de câmbio como se fossem governo e oposição; Serra e Dilma não falam a respeito

Dilma Rousseff foi orientada por Lula a fazer menos comício a fim de treinar a arte de dar entrevistas "pop", em especial na TV, noticiou esta Folha. O presidente acha que sua candidata ainda se expressa de modo técnico e enrolado demais.

José Serra estava ontem na TV a discutir tornozeleiras para controlar eletronicamente criminosos que cumprem pena em regime aberto. Falou também sobre saúde.

Repetiu que não disputa a eleição com Lula, mas com Dilma e Marina Silva. Serra disse que na campanha eleitoral deve-se discutir "o futuro". O tucano foi ao programa "Brasil Urgente", da Band.

A contenção de criminosos e o serviço público de saúde são temas relevantes e, em especial, "pop", que afetam direta, visível e fisicamente a maioria dos cidadãos.

A taxa de câmbio do dólar pelo real, por sua vez, torna-se problema visível quase apenas quando altera o custo de viagens internacionais -e apenas para a minoria dos cidadãos. A minoria da minoria tem noção de que o preço do dólar altera o preço de eletrônicos e bebidas importados, por exemplo.

Mas o câmbio afeta o preço do ferro, do aço, do carro, da geladeira; ou de empregos e empresas.

Mas quem esteve discutindo câmbio por estes dias, entre Washington e Nova York, nos EUA, como se fossem governo e oposição? Guido Mantega, o ministro da Fazenda, e Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central.

Já vai bem longe o tempo em que Mantega e Meirelles, Fazenda e BC, se atritavam mais. Porém, em conversas de corredor e discursos para autoridades, banqueiros e investidores, voltaram à velha discordância sobre câmbio e inflação.

Esses temas básicos da eleição de 2010 eram discutidos nos EUA.

Meirelles falou grosso sobre juros e inflação. E, como propôs José Serra, passou a falar do futuro. Disse que o próximo governo não pode ceder à tentação de desvalorizar artificialmente a moeda, o real. É coisa, aliás, que Meirelles tem dito em reuniões pelo Brasil.

Mantega, por sua vez, voltou a dizer que há ansiedade demais e interessada sobre a inflação. Insinuou que o governo pode tomar mais medidas para evitar a valorização excessiva do real. Como o fez em 2009, quando passou a cobrar imposto (IOF) sobre a entrada de dólares em alguns investimentos.

Serra costumava ter uma opinião parecida com a de Mantega. Mas defendia, além de alguma intervenção no câmbio, uma dura contenção de gastos, de modo a facilitar a tarefa de comprar dólares de modo a evitar o fortalecimento do real, entre outras tarefas. Os verbos estão no passado porque Serra, faz algum tempo, quase se calou sobre política econômica.Dilma também nada diz sobre o assunto. É candidata da continuidade do governo. Mas, no que diz respeito a câmbio, um preço fundamental da economia, é adepta de que lado do muro do governo Lula:

Mantega ou Meirelles?

A campanha não começou oficialmente, decerto. Mas como é possível que não saibamos, desde ontem, o que os principais candidatos pensam sobre um tema central da política econômica?

A farsa:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Difícil discordar do ex-governador José Serra. O Mercosul é uma farsa e, tal como está, é um peso morto para o Brasil.

Há anos que Serra tem manifestado esse ponto de vista. Mas só agora, na condição de candidato da oposição à Presidência com boas possibilidades de vitória nas próximas eleições, sua opinião começa a ser levada em conta.

O Mercosul nasceu como área de livre comércio, o primeiro estágio de uma integração econômica. Uma área de livre comércio é aquela em que não há barreiras alfandegárias para o fluxo de mercadorias. Elas transitam de um sócio do bloco para o outro, como um carregamento de geladeiras cruza as fronteiras entre São Paulo e Minas.

Mas, em 1995, quatro anos depois de ter nascido, foi alçado à condição de união aduaneira. Esse é o estágio seguinte, em que não só há livre circulação de mercadorias, mas há união comercial, o que exige adoção da mesma política comercial entre os membros. Isso significa que as tarifas alfandegárias cobradas na entrada de produtos dos países de fora do bloco têm de ser as mesmas. Consequência inevitável desse princípio é o de que os tratados comerciais são negociados em conjunto.

O problema é que o Mercosul não consegue nem mesmo ser uma área de livre comércio. Não só há tarifas alfandegárias entre os membros, como a todo momento o comércio entre Brasil e Argentina, por imposição da Argentina e, às vezes, do Brasil, está sujeito a travas, proibições e limitações. O principal argumento argentino é de que "não há simetria" de condições econômicas entre os dois países e que, por isso, o produto argentino precisa ser protegido da competição aniquiladora da mercadoria brasileira.

Não compensa sequer questionar a qualidade da argumentação argentina. Se não há condições nem para se ter uma área de livre comércio, menos ainda haverá para que o Mercosul seja uma união aduaneira.

E, no entanto, o Brasil não pode ampliar seu mercado para exportações porque, na condição de integrante de uma união aduaneira formal, não pode negociar isoladamente com outros países. Tem de arrastar consigo Argentina, Uruguai e Paraguai. Tratados comerciais exigem aberturas recíprocas de mercado. Se a Argentina não aceita nem sequer a abertura do seu mercado para o produto brasileiro, muito menos a aceitará para países ainda mais competitivos. Enquanto o resto do mundo negocia bilateralmente, o Brasil fica estrangulado em sua política comercial porque a Argentina veta toda iniciativa de negociação comercial.

Admitida a farsa ou, se não isso, admitida a impotência do Mercosul, é preciso saber o que fazer com ele. Serra não entra em pormenores. Afirma apenas que é preciso flexibilizar os tratados, de maneira a permitir que o Brasil e os demais países que assim o desejarem possam fazer o que tem de ser feito.

Flexibilizar o Mercosul é um eufemismo para não ter de empregar a expressão mais crua. O Mercosul não precisa ser flexibilizado, precisa ser rebaixado. E não basta rebaixá-lo à condição de área de livre comércio. É preciso garantir que a área de livre comércio funcione.

Afora isso, não há futuro numa integração econômica entre países se não houver, ao mesmo tempo, convergência entre as políticas fiscal, monetária e cambial. Sem essa convergência, as tais assimetrias continuarão aumentando e, com elas, também a farsa.

Confira

Aumentou a deterioração das expectativas de inflação em 2010. Pela 14ª semana seguida, o mercado ajustou para cima suas projeções. Na média, passou a 5,41%. A meta é 4,5%.

Aí tem...

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ontem advertiu de que não se deve ler nas entrelinhas da ata do Copom o tamanho da dose dos juros que virá. Foi o suficiente para puxar as apostas para uma alta de até 1 ponto porcentual.


Aí não tem...

Enquanto isso, o ministro Guido Mantega avisa que essa inflação aí não é nem um pouco importante.

Novo ciclo:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Há 14 semanas seguidas, as expectativas de inflação para este ano pioram no Brasil. Somente de janeiro a abril, o IPCA-15 acumulou alta de 2,51%, mais da metade da meta para todo o ano. As projeções para o crescimento do PIB giram em torno de 6%; já não há mais ociosidade na indústria, que deve crescer perto de 10% em 2010. Amanhã, o Banco Central começará a subir a taxa de juros.

O economista e professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha acha que as expectativas de inflação estão se deteriorando porque já começam a ser contaminadas pelo temor de mudança na política econômica no ano que vem: — Os candidatos já disseram que estão comprometidos com o tripé metas de inflação, câmbio flutuante e ajuste fiscal, mas isso não garante que a política monetária será a mesma dos oito anos do governo Lula.

Luiz Roberto Cunha acha que os juros subirão até 11,25% este ano, mas nem por isso está garantido que a inflação ficará nos 4,5% do centro da meta.

Isso certamente vai criar muito ruído. Aliás, ruído é que não falta neste assunto. O mercado acha que o Banco Central não está se comunicando adequadamente. Na última reunião, o Copom não subiu os juros, mas divulgou uma ata tão dura que parecia ser a explicação de uma alta.

O interessante é que quando se compara com a situação internacional, o Brasil sempre fica diferente. Veja no gráfico, na comparação da trajetória de inflação entre os quatro países do Bric. O Brasil parece mais estável. Não caiu muito quando veio a crise, não está subindo tanto agora. Mas os juros, na comparação, estão sempre entre os mais altos.

Mas os indicadores do Brasil, comparados com meses atrás, mostram claramente que a inflação está subindo, num contexto de aquecimento da demanda.

A projeção do economista Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil, é de que o PIB encerrou o 1otrimestre deste ano com crescimento de 2,2% na comparação com o trimestre anterior. Isso daria uma taxa anualizada de 9%, que estaria acima do limite da economia de crescer sem gerar inflação. Ele aposta em aumento dos juros em 0,5 ponto percentual e lembra que além da piora das expectativas, a inflação corrente também está pressionada: — Fala-se muito que a inflação está puxada pelos alimentos, mas temos visto um choque atrás do outro. Primeiro, dos alimentos in natura, depois, do açúcar, e agora, da carne. Mas o fato é que se não houvesse demanda, esses aumentos não iriam se sustentar — explicou.

Desde a última reunião do Copom, o Boletim Focus piorou a projeção para o IPCA deste ano em 0,39 ponto percentual, saindo de 5,02% para 5,41%. O mesmo aconteceu com a inflação de 2011, indo de 4,60% para 4,80%.

— É bastante coisa para 45 dias, principalmente em relação à inflação do ano que vem — disse Leal.

Os economistas estão bastante divididos em relação ao tamanho do aperto.

Uns apostam em alta de 0,5 p.p., outros, de 0,75 p.p. O Bank of America prevê aumento de 0,50 ponto. Essa é a mesma aposta da Tendências Consultoria. A Ativa corretora acha que a alta deveria ser de 0,75 p.p., mas acredita que o Banco Central só subirá a taxa em meio ponto. O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores, prevê o aumento maior, com o Banco Central atuando para compensar o atraso por não ter subido os juros na última reunião.

— Fico com a sensação de que o BC já está atrasado, e se não mostrar firmeza agora pode ficar ainda mais atrás da curva — disse.

Carlos Thadeu de Freitas, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), avalia que seria um erro tentar compensar o tempo perdido.

Uma alta muito forte nos juros poderia trazer mais valorização ao real.

— O Banco Central precisa olhar para a frente e não ficar olhando para o que já aconteceu — defende.

Essa discussão fica ainda mais confusa quando se pensa no contexto eleitoral. O Ministério da Fazenda e outros integrantes do governo são contrários a alta dos juros, mas a inflação desagrada mais o eleitorado do que a alta dos juros. Qual será a decisão do BC? Certamente, vai subir os juros.

Usina de alto risco :: Adriano Pires e Abel Holtz

DEU EM O GLOBO

Nunca antes na história deste país um projeto de interesse da nossa sociedade foi motivo para gerar tanta inspiração para a desordem lógica de sua implantação quanto o programa da hidrelétrica de Belo Monte. Estudado há mais de trinta anos, veio a ser inscrito no PAC para tornar-se a sua “joia da coroa” no âmbito do setor elétrico. Tanta inspiração despertou até no cineasta canadense Cameron, o gênio do “Avatar”, que prima pela visão holística, a vontade de ir ao Xingu, para conhecê-lo.

Além de cineastas, o projeto despertou interesse de construtoras, fornecedores, seguradoras e do sistema financeiro em todo o mundo, porque se situa na Região Amazônica e é alardeado como o terceiro mais importante projeto de geração hidrelétrica no mundo (11.600 MW de capacidade instalada), com escavações que ultrapassam aquelas realizadas no Canal do Panamá, e que deslocará para a região populações que beirariam os 100 mil trabalhadores, com compensações ambientais que ultrapassam os 10% do investimento programado etc...

O que de fato não está sendo levado em conta, e aí talvez resida a razão de desistências de interessados experientes, é que a hidrelétrica terá capacidade instalada de 11.600 MW, mas os seus investidores só poderão comercializar 4.400 MW médios durante cada ano. E a sua construção demandará uma logística especial e única.

Registre-se que a Eletrobrás menciona que as vazões do Xingu, no trecho onde será construída a usina, têm uma média de 19.816 metros cúbicos de água por segundo nos meses de abril a setembro. A partir daí, o fluxo cai para 1.065 metros cúbicos por segundo — uma redução de 94%. O fator de capacidade de Belo Monte é de aproximadamente 0,44 — inferior à média das hidrelétricas atuais, entre 0,50 e 0,60.

No período seco da bacia do rio serão gerados algo como 2.800 MW médios.

Significa dizer que, durante este período, os investidores terão que comprar de outras geradoras 1.600 MW médios, para atender seus contratos de venda de energia. Um custo adicional àqueles necessários ao investimento. É certo que a compra será pelo preço do Mecanismo de Realocação de Energia.

Quando o rio estiver no período de cheia, a hidrelétrica estará operando com todas suas máquinas gerando e entregando ao sistema quase o mesmo montante de MW médios que estará autorizada a comercializar, recebendo pelo mesmo MRE uma receita que não impactará no equilíbrio econômico-financeiro do projeto.

Esta lógica da geração define receitas que devem ser propiciadas pela energia gerada para fazer frente aos custos ambientais, construção de barragens e canais, máquinas, pessoal, seguros, custos financeiros dos empréstimos, operação da usina quando pronta, transmissão da energia produzida ao ponto de conexão e resultados aos seus acionistas. Somente para dar uma dimensão a envergadura dos compromissos do empreendedor: a garantia de fiel cumprimento do contrato será de R$ 1,045 bilhão.

Além disso, a rejeição ao empreendimento, de ambientalistas e populações locais que se acham agredidas, deverá causar obstruções ao bom curso da sua implantação, com custos adicionais imprevisíveis — e possivelmente multas pelo atraso no cronograma de geração.

E, ainda, o que é pior, a compra de energia ao Preço de Mercado de Curto Prazo.

A referência desse preço é impossível de antecipar, mas os especialistas no tema indicam que deverá ser da ordem de R$ 120,00 /MWh, significando para o investidor um prejuízo de mais de 40% em relação ao valor que estará recebendo dos contratos que vier a ter.

Se considerarmos que a Eletrobrás, através de uma das suas empresas, poderá ficar com 40 a 49% do empreendimento, e que cerca de 10% da energia serão destinados a consumidores livres, restará aos investidores não consumidores de 41% a 50% para estabelecer a viabilidade econômicofinanceira da sua participação. Seguramente a tarifa calibrada como referência, de R$ 83,00/MWh, não permite a receita para fazer frente aos custos e as taxas de retorno para um empreendimento de alto risco, incluindo os geológicos, que somente serão amealhadas após 12 a 15 anos de operação da hidrelétrica.

Vamos torcer para que o governo, no afã de proteger e afagar a mãe do PAC, não acabe construindo uma solução penosa ao contribuinte e ao país.

Georges Bizet - Carmen - Habanera

O operário em construção:: Vinicus de Moraes


E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os
reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem
quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

in Novos Poemas (II)