(Fernando Henrique Cardoso, no artigo, ’Eleição sem maquiagem’ em O Estado de S. Paulo, 4/7/2010)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso
(Fernando Henrique Cardoso, no artigo, ’Eleição sem maquiagem’ em O Estado de S. Paulo, 4/7/2010)
Ilusões políticas :: Merval Pereira
A peça "Assim é se lhe parece", de Pirandello, joga com a ideia de que, dependendo de quem observa, há sempre uma versão distinta do mesmo fato. É o que acontece com a situação econômica do Brasil. Na visão otimista e eleitoreira do presidente Lula, passamos por momentos "extraordinários", nunca antes neste país tivemos tamanha prosperidade. "Assim é se lhe parece", mas há maneiras distintas de ver o mesmo quadro.
Em artigo publicado pelo mais influente jornal econômico, o inglês "Financial Times", seu principal comentarista-chefe, Martin Wolf, fez uma comparação nada lisonjeira entre o comportamento da economia do Brasil e o das de Índia e China nesses últimos 15 anos, de 1995 a 2009, governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula.
O crescimento médio anual do país nesse período foi de 2,9%, fazendo com que a elevação da renda tenha sido de apenas 22%, contra 100% na Índia e 226% na China.
O resultado dessa performance medíocre foi que a participação brasileira na produção mundial caiu de 3,1% em 1995 para 2,9% em 2009, enquanto a China saltou de 5,7% para 12,5%, e a Índia, de 3,2% para 5,1%.
Na mesma semana, a repórter Érica Fraga, da "Folha de S. Paulo", mostrou que a diferença de nível de renda entre brasileiros e norte-americanos é hoje maior do que em 1980.
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil medido pela paridade do poder de compra (PPC), que já foi correspondente a 30,5% do dos Estados Unidos em 1980, era equivalente a 22,7% em 2009.
A Coreia do Sul é um exemplo mais próximo de nós. Em 1980, seu PIB per capita em PPC equivalia a 18,8% do norte-americano, quase a nossa situação hoje e 60% menor do que o PIB per capita brasileiro naquela ocasião. Mas nesses 30 anos conseguiu aumentar o percentual para 60,3%.
Esse avanço tem a ver principalmente com o salto de qualidade no ensino que a Coreia do Sul deu nos últimos anos.
O economista Fernando Veloso, da Fundação Getulio Vargas, analisando a situação do ensino brasileiro comparativamente a outros países no livro "Educação básica no Brasil - Construindo o país do futuro", mostra que houve uma evolução na proporção da população com pelo menos o ensino médio completo, mas as deficiências ainda são maiores que os avanços.
No Brasil, entre 25 e 64 anos, a média é de 30% com pelo menos o ensino médio completo, e quando se pega os mais velhos, de 55 a 64, a taxa é de 11%, o que mostra que melhoramos com os mais jovens.
Mas na Coreia do Sul, ressalta Veloso, os cidadãos de 55 a 64 anos têm média de 37% com o médio completo, e os de 25 a 34 já têm 97%.
Nessa faixa, a Coreia universalizou o ensino médio, e o Brasil está com 38%, ainda uma distância enorme, constata o professor.
Embora entre 1980 e 2000 tenha havido aumento expressivo da escolaridade média, de 3,1 para 4,9 anos de estudo, países de renda per capita similar à brasileira experimentaram significativos aumentos de escolaridade, de forma que a diferença entre o Brasil e eles se elevou ao longo do período.
Enquanto em 1960 a Coreia do Sul tinha uma escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, em 2000 essa diferença havia se elevado para quase seis anos.
Essa perda de competitividade brasileira em relação a outros países é também analisada em um estudo do economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, que estuda o desempenho dos governos da República brasileira de 1889 até 2009 baseado em um conjunto de seis indicadores macroeconômicos:
Variação da renda real; hiato de crescimento (diferença relativa entre a variação real anual do PIB brasileiro e a variação real anual do PIB mundial); investimento; inflação; fragilidade financeira (relação percentual entre a dívida pública interna federal e o PIB); e vulnerabilidade externa.
Segundo o estudo, no período 1890-2009 a taxa média de crescimento real do PIB brasileiro é de 4,5%. No conjunto de 29 períodos, o governo Lula (2003-09) tem a 9ª taxa mais baixa de crescimento econômico, de 3,5%.
O hiato de crescimento econômico médio do país é de 1,3% no período 1890-2009, já que a taxa média de crescimento da economia mundial foi de 3,1%.
O governo Lula tem o 9º mais baixo hiato de crescimento no conjunto de 29 governos, ficando negativo em 0,1%, o que significa que o país tem queda de sua participação no PIB mundial.
No período de praticamente meio século, que vai de 1932 até 1980, a participação do país no PIB mundial aumenta de menos de 1% no final dos anos 1920 para 3,6% em 1980.
No governo Lula, a participação do Brasil na economia mundial (PIB) foi de 2,81% em 2002 para 2,79% em 2009, com uma média de 2,74%, próxima da observada quase 40 anos antes, no início dos anos 1970, enquanto no governo FHC (1995-2002) a participação média é de 2,93%.
Pelo estudo, o governo Lula é superior ao de Fernando Henrique em cinco dos seis quesitos analisados - só perde na fragilidade financeira. Mas, neste, a derrota de Lula é total. Nunca antes na história deste país, ou seja, nenhum mandatário desde Pedro II, brinca Gonçalves, teve relação tão alta da dívida pública interna federal com o PIB.
Nos dois mandatos de Lula, essa relação é superior a 42%. A média histórica em 120 anos de História republicana é de 11,6%.
No conjunto de seis indicadores, há dois que expressam diretamente a situação econômica internacional (hiato de crescimento e vulnerabilidade externa). A exclusão destes dois indicadores implica mudanças importantes no Índice de Desempenho Presidencial - IDP, que é a média dos seis quesitos analisados.
O do governo FHC aumenta de 39,2 (28ª posição) para 43,9 (27ª posição) enquanto o do governo Lula cai de 47,8 (23ª posição) para 42,9 (28ª posição), o que demonstra a importância da conjuntura internacional para a performance do governo Lula.
Em ambos os governos, porém, a economia brasileira retrocede em termos de sua participação na economia mundial.
Já é hora, portanto, de os candidatos a presidente tratarem de questões estruturais do país, como a educação, sem o que continuaremos patinando na mediocridade.
Dilma em versões :: Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - O programa de governo entregue anteontem de manhã por Dilma Rousseff à Justiça Eleitoral previa, entre tantas coisas, a taxação das grandes fortunas, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, o controle social dos meios de comunicação, a revogação da lei que torna propriedades invadidas por sem-terra indisponíveis para a reforma agrária.
No final da tarde, o PT voltou ao TSE para trocar o documento original por um resumo bem mais light do que sua candidata pretende fazer no poder. O que parecia "polêmico" sumiu. Em qual dos papéis deve-se acreditar? No matutino ou naquele registrado ao anoitecer? Provavelmente, em nenhum deles.
José Serra, por exemplo, nem se deu ao trabalho de disfarçar: mandou embrulhados ao TSE os dois discursos em que se lançou candidato. Como quem diz: o programa sou eu! E depois ironiza "Luís 14"...
Mas o que incomodou mesmo foi o jogo de esconde de Dilma. A substituição de um programa mais "à esquerda" por outro mais "concessivo" atenderia a conveniências da campanha. Afinal, para que "épater le bourgeois" à toa?
O episódio, no entanto, tem aspectos que vão além do teatro eleitoral. Talvez seja o caso de ver aí um ato falho da campanha petista: a troca de uma peça por outra traz à tona a figura da candidata enigmática, que ninguém sabe exatamente o que fará no poder, ou cuja capacidade de liderança não se conhece.
No caso, o risco -se faz sentido falar assim- reside menos no fantasma de um governo "radical", que venha açular a luta de classes, e, muito mais, na possibilidade real da "sarneyzação" de Dilma.
A sombra de Lula, as pressões do PT, a gula do PMDB, as demandas sociais, a máquina sindical, a turma do dinheiro, enfim... O condomínio do poder que se reorganiza em torno de Dilma é imenso e, à distância, pode lembrar o ambiente da Nova República, quando o presidente estava muito aquém do pacto político e social que deveria liderar.
Gabi, Lula, Dunga, Brasil! :: Luiz Fernando Vianna
RIO DE JANEIRO - É curioso um comercial que vem sendo veiculado na TV.
"Eu sou Marília Gabriela, jornalista. Acredito no Brasil como a Vivo acredita", diz a estrela da campanha.
A mensagem permite digressionar por veredas que se aproximam.
Primeira: por que ressaltar "jornalista"? Talvez porque, apesar de nossos tropeços, a imprensa ainda apareça em pesquisas entre os setores em que a população mais confia. Os principais fatos recentes da história brasileira foram revelados pelos meios de comunicação.
Mas como confiar numa jornalista que faz propaganda de celular, perfume masculino, margarina e software, entre outros produtos? Marília Gabriela parece tão atraente às agências de publicidade porque une seus talentos de apresentadora e atriz à credibilidade geral da imprensa.
Segunda: a empresa de telefonia, no momento disputada por espanhóis e portugueses, é mais uma a ressaltar sua "brasilidade".
Outras companhias têm feito o mesmo em campanhas publicitárias, aproveitando os bons índices econômicos do país. Poucas coisas devem deixar Lula tão feliz quanto ver esses comerciais, alguns de empresas sobre as quais ele fez explícita pressão durante a crise internacional, caso da Vale.
É o mesmo Lula que, com frequência, reclama das notícias que não lê -a se crer no que disse à "Piauí". E cuja candidata a sucedê-lo enviou anteontem ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um programa de governo atacando o "monopólio da mídia" e, diante da repercussão em veículos diversos, correu para retirar a menção. Publicidade é bom, jornalismo nem tanto.
E onde marketing, "brasilidade" e aversão à imprensa se encontram: nos "guerreiros" defendendo as cores de uma cerveja, raivosamente orientados por Dunga, que detesta repórteres. Deu no que deu.
Nem o Barão nem o Chefão:: Rolf Kunts
Dom Vito Corleone jamais cursou uma faculdade e nunca foi diplomata, mas sabia falar com economia e precisão. Dava um recado sério quando usava as palavras "só negócio, nada pessoal". Falta essa clareza à diplomacia brasileira, talvez porque a sua percepção dos interesses e valores seja menos clara que a do chefão criado por Mario Puzo. O chanceler Celso Amorim teve uma educação e uma experiência internacional inacessíveis ao velho mafioso, mas seu discurso é muito menos convincente. "Negócios são negócios", disse o ministro à imprensa brasileira, na Guiné Equatorial, para explicar - e justificar - a boa vontade do governo brasileiro em relação ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.
A Guiné Equatorial foi a segunda escala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à África iniciada no último fim de semana. Foi uma visita de Estado e o presidente africano foi convidado, como era previsível, a retribuí-la. Este convite foi um dos poucos detalhes normais nessa operação diplomática. A maior parte dos outros atos só se explica pela combinação das duas marcas principais da diplomacia petista, a vocação para as trapalhadas e a atração pelo autoritarismo.
O mau uso da palavra "negócio" nas explicações do chanceler brasileiro reflete essa dupla característica da atual política exterior. Para começar, o governo brasileiro pagou certamente mais que o necessário para promover os interesses do País na relação com a Guiné Equatorial. Quase nulo até o ano 2000, o comércio bilateral chegou a US$ 414,22 milhões em 2008 e no ano seguinte, em consequência da crise, recuou para US$ 302,84 milhões. A Guiné tem sido superavitária, exportando hidrocarbonetos e importando alimentos e produtos industriais do Brasil. Só para equilibrar o intercâmbio, os brasileiros deveriam exportar uns US$ 200 milhões a mais.
Há, portanto, boa margem para expansão das trocas. Um bom trabalho de promoção de comércio e investimentos poderia facilitar o aumento dos negócios. Mas o governo brasileiro aceitou pagar um sobrepreço por esse resultado. Comprometeu-se a apoiar o ingresso da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, embora esse idioma não seja o seu idioma corrente. Além disso, o presidente Lula e seu colega Obiang "renovaram", na declaração conjunta, "sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito dos direitos humanos e ao Estado de Direito". Poderia ser uma boa piada, se o presidente Lula não envolvesse nessa jogada o nome do Brasil.
Não houve nesse lance nem a fidelidade a princípios, nem o cálculo estritamente realista. As melhores tradições da diplomacia brasileira foram abandonadas em 2003, quando o presidente Lula recauchutou a velha bandeira do terceiro-mundismo. O distanciamento aumentou quando o governo passou a usar essa bandeira para promover uma ambição irrealista de liderança em relação aos países em desenvolvimento.
Os preços pagos por uma liderança nunca reconhecida de fato fora das fronteiras do Brasil foram sempre muito altos. O governo brasileiro se dispôs a engolir e a justificar desaforos dos parceiros sul-americanos, como se isso bastasse para consolidar sua preeminência regional. Nunca deu certo.
No comércio, a retribuição veio na forma de barreiras contra produtos brasileiros e de aumento de importações da China. No campo dos investimentos, houve ações contra interesses da Petrobrás e tentativas de rompimento de contratos. Na articulação diplomática, o Brasil colecionou derrotas incomuns. Não obteve apoio para eleger candidatos à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) nem à presidência do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID). No caso da OMC, os africanos apresentaram candidato próprio e acabaram, na rodada final, apoiando o nome apresentado pelos europeus.
Na América Latina, os governos das maiores economias têm rejeitado a pretensão brasileira de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quando o presidente Lula resolveu intrometer-se nas discussões sobre o programa nuclear do Irã, ficou falando quase sozinho. Os dois Brics com assento permanente no Conselho de Segurança, Rússia e China, apoiaram as sanções propostas por americanos e europeus.
O Barão do Rio Branco certamente não reconheceria princípios nem interesses nacionais nesse arremedo de estratégia diplomática. Dom Vito Corleone acharia estranhíssimo o uso da palavra "negócio". Mas gente como Teodoro Obiang Nguema Mbasogo deve gostar muito.
Jornalista
A doutrina lúmpen contra o direito do autor :: José Nêumanne
O governo Lula nunca desistiu de controlar e vigiar a cultura e a informação. Em 2004, propôs criar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), mas, obviamente intervencionista, esse projeto gorou. Logo em seguida, veio a lume o tal Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), a pretexto de "combater os excessos provocados pela liberdade de imprensa". Uma vez mais, o canhão errou o alvo. O governo, contudo, persistiu e, em 2009, convocou a Conferência Nacional de Comunicação para disciplinar as concessões precárias de canais de rádio e televisão. Mais um fiasco! Quem pensou que este malogro poderia levá-lo a desistir deu com os burros n"água: no mesmo ano passado, a Conferência Nacional da Cultura sugeriu a modificação de dispositivos que garantem a liberdade de expressão, informação e opinião. Paralelamente, após um parto que durou toda a existência da República lulista, começou a fase de audiências públicas para ser encaminhada ao Congresso uma nova lei para os direitos autorais. Desta vez, junto com o controle burocrático da expressão estética, propõe-se a apropriação patrimonial do bem cultural.
Para entender o que inspira a proposta dos ministros baianos da Cultura das gestões Lula, o cantor Gilberto Gil e seu preposto Juca Ferreira, convém começar a discussão do tema pelas causas, antes de chegar aos defeitos. O direito de autor é uma das conquistas da Revolução Francesa de 1789. Só há 221 anos, portanto, o criador de obras de arte passou a ser considerado proprietário da própria criação, podendo dela dispor de acordo com suas conveniências e convicções e usufruir sua comercialização. O direito moral do autor sobre sua obra é o que permite, por exemplo, a Roberto Carlos impedir regravações de seu primeiro grande sucesso, Quero que tudo vá pro inferno, embora não possa evitar que as gravações já existentes da canção, de sua autoria, em parceria com Erasmo Carlos, sejam executadas em público ou reproduzidas por meios eletrônicos. Do mesmo conceito se valeu o violonista Baden Powell, que renegou seus Afro-sambas (em parceria com Vinicius de Moraes) após se haver tornado evangélico. Mas, da mesma forma, não foi vedado ao público ouvir a obra original nas gravações feitas antes de o músico se converter.
O direito patrimonial torna possível ao autor - compositor, escritor, dramaturgo, cineasta, etc. - cobrar sua parcela financeira (em torno de 10% sobre o preço do produto feito a partir de sua obra) na venda do que criou. Mercê do êxito comercial de seus romances, o baiano Jorge Amado viveu da porcentagem sobre o preço de capa de seus livros, não precisando ter emprego público, como tiveram gênios da literatura brasileira - caso de Machado de Assis e de Guimarães Rosa, que eram funcionários de ofício e escreviam suas obras-primas nas horas vagas. O direito exclusivo do autor sobre sua obra é cláusula pétrea da Constituição brasileira.
Mas a concorrência acirrada pelo barateamento radical do conteúdo das mensagens veiculadas - agora primordialmente na banda larga da rede mundial de computadores - encontrou na doutrina do lumpesinato artístico na periferia da indústria cultural a aliança ideal na guerra contra o pagamento de royalties a autores, artistas e intérpretes. As palavras de ordem que estão por trás do discurso da dupla nada ingênua Gil e Juca são: "Todo o poder ao funk da periferia" e "morte ao imperialismo colonial da indústria cultural." Essa retórica é politicamente corretíssima para os socialistas que se uniram em torno do refrão: "A obra de arte é patrimônio coletivo de quem a consome, e não propriedade de quem a cria."
Este é o estandarte da procissão puxada por Gilberto Gil, artista patrocinado pela Telefônica, grande distribuidora de conteúdo cultural em banda larga, e por Juca Ferreira, burocrata que nunca teve dinheiro a reclamar em nenhuma sociedade arrecadadora. É muito conveniente para os fornecedores gigantes do conteúdo cultural apelar para o argumento de que direitos autorais encarecem o consumo, tornam-no elitista e impedem o acesso dos pobres à cultura. Com base nisso, o projeto reduz a participação do porcentual do direito de criação na arrecadação. A eventual (mas felizmente, ao que parece, improvável) aprovação da nova legislação do direito autoral seria ainda uma sopa no mel para os companheiros que estão no poder federal. Pois as sociedades arrecadadoras constituídas pelos próprios autores, e por isso de direito privado, e não público, seriam fiscalizadas por conselhos paritários em que se juntariam representantes dos poderes públicos e da "sociedade civil" (a "companheirada organizada"). Isso tudo contraria cláusula pétrea da Constituição (artigo 5, inciso XVII), que reza: "A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento." Além disso, o assunto é regulamentado por tratados internacionais que o Brasil se comprometeu a honrar. Até Robin Gibb, dos Bee Gees, presidente de uma associação de autores com 2,5 milhões de associados, já protestou contra o esbulho.
A arrecadação e a distribuição de direitos autorais no Brasil nem sempre contentaram os interessados nelas. Mas agora todos se uniram contra esta nova lei, manifestando seu descontentamento consensual (quase unânime, à exceção de Gil) com o fato de os astros da indústria cultural terem apoiado Lula nas eleições, mas nunca terem sido ouvidos em sete anos e meio de tentativas de lhes impor a "tunga" no direito autoral. Ainda que alguns discordem de detalhes da gestão arrecadadora e distribuidora, todos concordam que a sugerida usurpação dos direitos moral e patrimonial sobre obras de arte, a pretexto de incluir o lumpesinato excluído no mercado, mas, no fundo, a serviço do baronato da banda larga - e com controle ideológico sobre a produção artística -, seria o pior dos mundos.
Jornalista e escritor, é editorialista do "Jornal da Tarde
Sem acaso, ou coincidência:: Rosângela Bittar
O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) encerrou, ontem, com a votação do Código Florestal em Comissão Especial da Câmara, mais um ciclo dramático de tantos da sua biografia parlamentar que tem sido de uma complexidade real. Mas não há, nesse fato, nada de coincidência. No seu sexto mandato - um de vereador em São Paulo, cinco de deputado federal (períodos em que atuou também como ministro do governo Lula e presidente da Câmara) e partindo agora para mais uma campanha de reeleição em busca do sétimo mandato, Rebelo encontra-se sob o bombardeio de corporações que não vacilam em atacá-lo e a quem ele não vacila em desagradar.
É vítima de uma campanha de ambientalistas que tentam atingí-lo, pessoal e eleitoralmente, numa tentativa de barrar sua reeleição. Concretamente, houve uma campanha mais forte, pela Internet, agora suspensa, liderada pelo Greenpeace, a Ong ambientalista internacional mais performática entre as que lutaram contra o Código Florestal conforme concebido na Câmara. Os ataques surgiram de outros lados também e, a integrantes da comissão, chegaram informes sobre atuação forte dessas organizações, especialmente as grandes estrangeiras, contra o deputado comunista.
Confrontado com a informação, Aldo Rebelo, com a voz pausada de sempre e racionalidade em sintonia, mesmo na véspera de votação do Código, definiu seu eleitorado: "Não sou candidato de corporação, nem de base eleitoral definida. Meu eleitorado é um eleitorado que tem o voto de opinião. Opinião democrática, socialista, nacionalista, um eleitorado interessado nos temas gerais, nacionais. Essa campanha das Ongs não tem interferência importante".
O Greenpeace chegou a pedir para seu público escrever a Rebelo com avalanches de apelos para não modificar o Código. Uma tortura.
O deputado reagiu, apontando a reduzida autoridade de uma Ong "que tem sede na Holanda, se envolveu em vários problemas na Europa e nos Estados Unidos, é suspeita de atividades irregulares e, portanto, não tem muita autoridade para se meter em problemas do Brasil".
Nos últimos dias, antes mesmo da votação do relatório que negociou até o fim, ao longo de um ano - de julho de 2009 a julho de 2010 - Aldo Rebelo ainda fez concessões, modificou regras em busca de equilibrio entre as posições conflitantes na questão, os ambientalistas, de um lado, e os agricultores, de outro. Finalizou a missão enquanto dava curso aos preparativos para o périplo eleitoral que deve começar agora. "Converso com as pessoas, frequento sindicatos, ambientes de classe média, todos acham correto o que estou fazendo, a defesa do interesse do país, da agricultura nacional, da economia nacional. Há uma noção muito clara do embate, possivelmente comercial, entre o interesse do Brasil e da Europa e Estados Unidos".
Os argumentos do deputado vão sendo reforçados por fatos internacionais. Na semana passada, por exemplo, a União Nacional dos Agricultores dos Estados Unidos produziu o documento "Farms here, Forests there", que reforça a posição de Aldo: "Foi uma desfaçatez".
"Meu eleitorado nunca foi de Ong, como também nunca foi o agronegócio. É um eleitorado de opinião que está acostumado a esses embates, um eleitorado de caráter democrático e nacionalista".
Não é uma coincidência nem a primeira vez que Aldo Rebelo se vê no olho desse tipo de furacão. Seu eleitorado foi posto à prova quando fez o embate da Lei de Patentes, defendendo abertamente que o Brasil não deveria assinar o acordo Trips da Rodada Uruguai.
Em outro momento, abriu uma guerra em defesa da Língua Portuguesa e conseguiu aprovar um projeto de valorização do idioma que obrigava a propaganda, de visibilidade pública, fazer a tradução dos termos em inglês. Câmara e Senado a aprovaram mas a proposta continua sem aplicação.
Liderou uma longa e densa batalha pelos transgênicos e, como relator do projeto do governo, introduziu no texto a pesquisa de célula tronco.
Mais recentemente, participou da resistência à demarcação continuada da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Batalhas que guardam, entre si, muito coerência. Diante do histórico, Aldo Rebelo aponta que essa é sua linha, a questão da soberania é o tema de seu interesse direto.
"O difícil, o que me preocupa, não é errar nas alianças, é errar nos objetivos". Se os objetivos estão claros, argumenta, as alianças se tornam previsíveis. Numa atitude quase zen, sentencia, em voz pausada: "É como se você escrevesse mentalmente o roteiro do que vai acontecer. As reações dos aliados e adversários passam a ser previsíveis. É uma certa batalha mental, também".
Não se vê, porém como xenófobo. É membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e integra vários grupos parlamentares bilaterais: presidente do Brasil-China e membro do Brasil-Cuba, Brasil-USA, Brasil-França, Brasil-Austrália. A partir de agora, encerrada a votação do Código Florestal, sua próxima ação é a apresentação de uma emenda constitucional ampliando os direitos dos brasileiros naturalizados.
Finalmente, uma contradição? Não. "A emenda visa exatamente a valorização da questão nacional, vou defender o direito de os naturalizados integrarem as forças armadas e a carreira diplomática, porque acho que isso amplia a coesão nacional. E o Brasil precisa de uma coesão interna em torno de alguns objetivos".
O parlamentar fez muitas concessões de conteúdo a ambientalistas e a ruralistas, levando em conta , como integrante da bancada do governo, a maioria das ponderações do Ministério do Meio Ambiente. Mas manteve suas convicções: "É preciso haver a defesa do interesse nacional, sempre, e no caso da agricultura há um interesse nacional evidente. Não se pode ser ingênuo com relação a isso, não se pode, numa disputa comercial com a agricultura dos Estados Unidos, da Europa, ter dúvidas sobre qual a posição que você defende". Um nacionalista como há tempos não se via.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Serra diz que vai duplicar Bolsa Família
Após Dilma acusar oposição de tentar acabar com benefício, tucano promete dobrar investimentos no programa
Segundo especialistas, promessa é possível de ser posta em prática, mas dependeria das prioridades do governo
CURITIBA - No primeiro dia oficial de campanha, o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, prometeu ontem, em Curitiba, mais que duplicar os investimentos no Bolsa Família. Os recursos atenderiam, de acordo com o tucano, outras 15 milhões de famílias que deveriam ser assistidas pelo programa. Sua oponente petista, Dilma Rousseff, acusou a oposição anteontem de ter tentado acabar com o principal programa social da gestão Lula.
"Qual é a nossa meta? É partir para a erradicação da pobreza de todas as famílias abaixo da linha da pobreza", discursou Serra, em encontro organizado pelo PSDB para discutir a expansão da rede de assistência social.
O Bolsa Família atende hoje cerca de 12,6 milhões de famílias e, com a promessa de Serra, chegaria a 27,6. "Temos no Brasil, abaixo da linha da pobreza, 15 milhões de famílias com renda per capita familiar de até meio salário mínimo. O Bolsa Família não cobre isso."
Segundo o candidato tucano, "com crescimento sustentável e política macroeconômica adequada, dá para chegar a isso [ao número de 27,6 milhões de famílias]".
VIABILIDADE
Serra fez uma comparação com o pagamento anual de juros para estabelecer a nova meta de atendimento. "Sabem quanto custa um programa como o Bolsa Família? R$ 12 bilhões. É 5% do que se paga em juros. Dá para duplicar [o investimento no Bolsa Família] e vai para 10%", disse.
A promessa de Serra é "possível e desejável", na opinião do economista Marcelo Neri, do CPS-FGV (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas). Para Neri, o programa poderia tirar da pobreza metade dos 29,5 milhões que ainda vivem no Brasil com renda mensal inferior a R$ 140.
O impacto nas finanças do país seria "relativamente pequeno", na opinião do economista da FGV e dependeria apenas da vontade política do candidato. O economista do Instituto de Ciências Políticas da UnB (Universidade de Brasília) Ricardo Caldas disse que a ampliação do programa dependerá de prioridades. Para ele, teria que se analisar quais pessoas seriam incluídas: se donas de casa que deixaram de trabalhar para cuidar dos filhos, desempregados, ou jovens.
Conforme a Folha revelou em maio, os principais programas sociais de transferência de renda do governo paulista encolheram ao longo da administração Serra. (Dimitri do Valle)
Colaborou Elida Oliveira, de São Paulo
Serra diz que Dilma foge do debate
O candidato tucano à Presidência, José Serra, cobrou a participação da petista Dilma Rousseff em debates eleitorais. "Não sou ventríloquo de marqueteiro nem de partido", afirmou Serra. Em Porto Alegre, Dilma disse que quer ser presidente para continuar mudando o país.
Serra fala em ventríloquo e diz que Dilma foge do debate
Tucano afirma ainda que petista fez "remendo mal feito" em programa de governo
Silvia Amorim* e Ana Paula de Carvalho**
- O que quero é poder debater nem que seja para responder às mesmas perguntas. Se quiserem, ponham até uma gaiola de vidro para estimular a comparecer. Tem que ter debate. Parece que a candidata Dilma não sabe por que quer ser presidente - disse em Curitiba.
Tática do PT beira "exagero da omissão", diz Serra
O tucano citou o fato de Dilma não ter participado de uma reportagem do GLOBO publicada domingo. O jornal pediu a Serra, Dilma e Marina Silva (PV) que declarassem, em cinco minutos, por que querem ser presidente. Serra e Marina gravaram uma declaração, publicada no jornal e no site do GLOBO. Dilma, apesar de convidada com mais de 20 dias de antecedência, se recusou a responder.
Só no domingo, após ver em branco o espaço que seria destinado a Dilma no jornal, assim como no site, a campanha da petista procurou O GLOBO oferecendo-se, então, para gravar. Dilma mandou um vídeo segunda-feira, que foi ao ar ontem - mas foi produzido por sua equipe, que já conhecia as respostas dos concorrentes e utilizou recursos audiovisuais a que Serra e Marina não tiveram acesso.
Para Serra, a estratégia do PT de evitar que Dilma debata beira o "exagero da omissão".
- Eu nunca vi isso em campanha.
Ele atacou o programa de governo do PT, enviado anteontem à Justiça Eleitoral, chamando-o de "remendo mal feito".
- O primeiro programa era a alma daquilo que o PT quer. Lendo os dois, a gente vê que o segundo é um remendo mal feito, tirando questões polêmicas que, na verdade, eles defendem, como facilitar invasão de terras. A gente sabe que é o que acontece na prática. Sempre que pode isso é dito, depois vem e corrige, ou seja, são várias caras. Do nosso lado, ninguém contestará isso. Temos uma cara, que é a minha cara. Goste ou não goste da cara, só tenho uma - disse, referindo-se à troca de última hora feita pela campanha de Dilma no texto anterior, mais radical.
Em Curitiba, promessas na área social
- Não sou ventríloquo de marqueteiro nem de partido, nem de comitês, nem de frações, nem de todas aquelas organizações antigas de natureza bolchevique, que do bolchevismo só ficaram com a curtição pelo poder, porque utopia não ficou nenhuma - discursou Serra para uma plateia de militantes tucanos, num clube de Curitiba.
Serra prometeu levar a todo o país o Mãe Brasileira - programa para gestantes da rede pública de saúde, criado na gestão tucana em Curitiba e replicado em São Paulo, que prevê assistência pré-natal, parto em local pré-definido e enxoval gratuito.
* Enviada especial
** Especial para O GLOBO
Programa não existiria sem os da gestão FH, diz Serra
Serra beija criança em Curitiba: tucano faz discurso em defesa da paternidade do programa
CURITIBA. Com um discurso em defesa da paternidade do PSDB sobre programas que resultaram no Bolsa Família, o candidato tucano a presidente, José Serra, assinou ontem, em Curitiba, uma carta em que se compromete com a manutenção e a ampliação do programa social. Num pronunciamento com ataques duros à condução da área de assistência social pelo governo Lula, Serra afirmou que não haveria Bolsa Família sem as ações implementadas na gestão do ex-presidente Fernando Henrique.
- No Ministério da Saúde, eu criei a Bolsa Alimentação. O Paulo Renato criou o Bolsa Escola, no governo Fernando Henrique, com a Ruth Cardoso. O Bolsa Escola chegou a ter 5 milhões de famílias e havia, além do mais, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Esses foram juntados no Bolsa Família. Sem eles, não teria tido o Bolsa Família - disse Serra, para um público de cerca de mil pessoas no Paraná Clube, a maioria trabalhadores da área de assistência social, concluindo:
- Portanto, nós temos tradição nessa área. Vamos caminhar no aperfeiçoamento para a ação dinâmica, para o desaparelhamento partidário da assistência social no Brasil.
O evento foi organizado por gestores do setor ligados a PSDB e DEM. Eles elaboraram a carta social assinada por Serra, chamada pela campanha tucana de Carta de Curitiba. O texto agora será distribuído a prefeituras numa tentativa de minar os rumores de que Serra, se eleito, acabará com o programa.
Serra defendeu uma maior descentralização das ações no setor.
- Eu fecho com vocês. O Bolsa Família, como diz aqui no documento, não pode ser barriga de aluguel da assistência social. Ele tem que estar plasmado, incorporado a toda a rede de assistência social. Temos que ter um sistema único de assistência social - disse, completando: - Essa carta é preciosa. Ela preconiza a organização da assistência social, que está muito centralizada. A centralização é ineficiente.
O tucano também tentou relativizar um dos principais discursos da campanha da adversária Dilma Rousseff (PT) de que o Bolsa Família é o maior programa social do país.
- Vocês sabem qual é o segundo maior benefício do Brasil, depois da Previdência? É a Lei Orgânica da Assistência Social. Ela foi aprovada na Constituinte. Quem começou a pagar? O governo Fernando Henrique. Sabe quanto é o benefício? São mais de R$16 bilhões para pessoas com deficiência e idosos em situação de abandono. É o maior programa de transferência de renda do Brasil. É incrível que seja ignorado.
Serra prometeu tirar as atuais 15 milhões de famílias que estão abaixo da linha da pobreza dessa situação.
- Outra questão em relação ao Bolsa Família é o seguinte: nós temos no Brasil abaixo da linha de pobreza 15 milhões de famílias com renda per capita familiar de até meio salário mínimo. O Bolsa Família não cobre isso. A nossa meta é partir para erradicar a pobreza de todas as famílias abaixo da linha de pobreza. Todas. É possível fazer isso. Eu posso assegurar.
Sem citar nomes, o presidenciável disse que, ao contrário dos tucanos, "tem gente" que leva vantagem por fazer bem o trabalho de marketing mesmo sem ter o que mostrar.
- Tucano nunca foi bom de comunicação. Tem gente que já nasce com a comunicação no DNA, que cria programas que nunca acontecem, e a comunicação é tão boa que a população aplaude o programa.
Serra ataca plano radical do PT, que Dilma assinou
Segundo o partido, ela não leu o texto, que depois foi substituído; "a gente sabe o que eles pensam", diz tucano
A candidata à Presidência Dilma Rousseff assinou o programa radical de governo apresentado na segunda-feira pelo PT ao Tribunal Superior Eleitoral. Ela também rubricou suas 19 páginas. O texto previa, entre outras coisas, o controle social da mídia, a taxação de grandes fortunas e a revogação do dispositivo que torna áreas invadidas indisponíveis para a reforma agrária. Horas depois, o documento foi substituído por outro, sem as ideias polêmicas. Segundo o PT, Dilma assinou sem ler, por pressa. Ontem, no primeiro dia de campanha, o candidato tucano, José Serra, explorou o caso, dizendo que os adversários mostram que "não são duas caras, são várias caras". Dilma reafirmou que o primeiro texto apresentado era o do 4° Congresso do PT, e que não concorda com a versão. “Tem coisas do PT com as quais nós concordamos, tem coisas com as quais não concordamos", afirmou.
Serra ataca programa de governo do PT, que Dilma havia assinado
Durante campanha em Porto Alegre, petista foi cobrada sobre documento entregue ao TSE e se defendeu argumentando que não concorda com posições radicais expressas no texto sobre controle da mídia, aborto e invasão de terras
Elder Ogliari, Porto Alegre e Evandro Fadel Curitiba
A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, assinou e rubricou todas as 19 páginas do programa radical de governo apresentado pelo partido, na segunda-feira, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - no que foi acompanhada pelo presidente da legenda, José Eduardo Dutra.
A atitude, seguida de um recuo e da entrega de novo texto horas depois, foi ironizada ontem, no primeiro dia de campanha presidencial, por seu rival tucano José Serra. "Lendo o segundo, é um remendo malfeito", disse ele, durante caminhada pelas ruas centrais de Curitiba, ao lado do candidato do PSDB ao governo paranaense, Beto Richa.
Segundo Serra, as diretrizes do programa de governo são "a alma" do que se quer - e alguns pontos que constavam da primeira versão da equipe de Dilma são o que o PT realmente defende, "como a facilitação de invasão de terras". Ele citou, ainda, o controle da imprensa. "É tema em que a gente sabe o que eles pensam. Sempre que podem, isso é dito, depois eles vêm e corrigem." O que os adversários mostram, acrescentou, "não são duas caras, são várias caras". E acrescentou: "Nós temos uma só cara, a minha cara." Garantiu, em seguida, que as diretrizes de seu programa foram "minuciosamente escritas".
Contra-ataque. Em Porto Alegre, também fazendo caminhada pelas ruas centrais - ao lado do candidato petista ao governo do Rio Grande do Sul, Tarso Genro - Dilma foi cobrada pelo episódio e se defendeu. "Nós não concordamos com a posição expressa (sobre controle da mídia, aborto e invasão de terras)", afirmou. "Tem coisas do PT com as quais concordamos, coisas com as quais não concordamos, e assim nos outros partidos também."
Ela também foi ao ataque contra o rival tucano, ironizando suas promessas de manter os programas sociais do governo Lula. "Faz parte de nossa estratégia o que muitos definem como apenas uma tática eleitoral, que é a questão social", disse. O discurso de Serra, prosseguiu, é que pode ser "um artefato eleitoral a ser abandonado na primeira oportunidade".
Nesse bate-boca, que esquentou a campanha logo no início, Serra também cobrou a ausência da rival petista em debates. "Parece que a candidata Dilma não sabe por que quer ser presidente", provocou. Segundo ele, Dilma "está chegando a um exagero em matéria de omissão", o que "não é bom para o Brasil, para os eleitores".
Coincidência ou não, Dilma respondeu no Sul. "Eu quero ser presidente para continuar mudando o País, fazendo com que não só cresça economicamente, mas também do ponto de vista de milhões de brasileiros", disse. Seu objetivo, afirmou, é levar o País progressivamente a ter uma sociedade "no mínimo" de classe média.
Dilma recusou-se a associar a escolha de Porto Alegre para iniciar a campanha ao fato de estar em desvantagem nas pesquisas no Rio Grande do Sul (onde tem 32%, segundo o Ibope, ante 50% de Serra). "Eu tenho uma filha aqui e uma neta para nascer. Virei tantas vezes quanto puder." Serra disse que Curitiba "é a média nacional", para elogiar: "Uma cidade da qual eu gosto, é arrumada." Comentou ainda que "foi uma pena" o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) não ser seu vice.
Candidata rubricou documento sem ler sequer uma linha, diz PT
Displicência teria ocorrido por causa da pressa em assinar "pacotes de papéis" sobre a inscrição da chapa na Justiça Eleitoral
João Domingos / Brasília
De acordo com informações do PT e da assessoria da candidata Dilma Rousseff, tanto ela quanto o presidente do partido e coordenador de sua campanha, José Eduardo Dutra, assinaram a versão radical de programa de governo entregue ao TSE na segunda-feira sem ler nem sequer uma linha do que estava escrito. Na versão da campanha, a displicência teria ocorrido por causa da pressa da candidata em assinar "pacotes de papéis" sobre a inscrição da chapa na Justiça Eleitoral antes de embarcar para São Paulo.
Na correria, em vez de fazer cópia do esboço do programa de governo ? mostrada ao Estado, no domingo ?, a equipe de Dilma entregou a ela e a Dutra a resolução sobre as diretrizes do 4.º Congresso do PT, realizado em fevereiro. A resolução continha teses radicais, entre elas uma que abria brecha para a interpretação de uma suposta defesa da legalização do aborto, e outra já superada ? a que propõe a criação de um vale-cultura aprovado pela Câmara e pelo Senado e dependente apenas de ajustes de texto para virar lei.
Dilma e Dutra rubricaram todas as 19 páginas do programa radical. As propostas incluíam ideias como o controle social da mídia, a taxação de grandes fortunas e a revogação do dispositivo que torna áreas invadidas indisponíveis para a reforma agrária.
"Sabotagem". Dentro da campanha da petista chegou a haver a desconfiança de que algum petista ligado às alas radicais poderia ter sabotado as cópias e trocado a do esboço do programa -que ainda receberá emendas do PMDB e dos demais oito partidos aliados - pela das resoluções do 4.º Congresso.
Essa possibilidade, no entanto, foi descartada porque na coordenação, em Brasília, não há nenhum integrante dos radicais. Toda a direção de campanha é composta pelas alas mais moderadas.
Como depois de assinar a papelada, Dilma viajou para São Paulo e José Eduardo Dutra teve uma crise hipertensiva ? o que o levou a ficar internado no Hospital do Coração até ontem pela manhã ?, a coordenação da campanha só percebeu a troca quando passou a receber ligações de jornalistas que indagavam sobre o sentido daquelas propostas tão radicais.
"Falha nossa". Quem descobriu foi o secretário de Comunicação do PT, deputado André Vargas (PR). "Por volta de 15h30 recebi uma ligação que indagava sobre algo que eu não sabia responder. Fui à página do TSE verificar o que estava ocorrendo e percebi a troca dos programas. Foi uma terrível falha nossa, que certamente vai nos dar dor de cabeça por uns dias, talvez semanas."
Vargas ligou para o coordenador jurídico da campanha, deputado José Eduardo Martins Cardozo (SP), que orientou o advogado Sidney Sá das Neves a substituir os documentos no TSE. Como Dilma não estava mais em Brasília e Dutra se encontrava hospitalizado, eles não puderam rubricar a segunda versão do programa de governo.
O documento foi assinado e rubricado pelos advogados Sidney e Mariana Azevedo Reis de Toledo. "Eles são procuradores do PT e podem assinar pelo partido", afirmou Cardozo, que viajara com Dilma para São Paulo e ontem estava em Porto Alegre.
Mesmo tendo rubricado a documentação radical, Dilma quase teve um ataque ao saber o que estava acontecendo. De acordo com informação de petistas, enfurecida, a candidata chegou a afirmar que alguém do partido deveria estar sabotando a campanha, visto que o documento com as propostas polêmicas apresentado ao TSE era exclusivo do PT.
Programa radical teve aval de Dilma
Há rubrica da petista em cada página de versão polêmica do texto entregue ao TSE e substituído após pressão
Segundo a campanha, em meio a papéis para registrar a candidatura, ela acabou por rubricar sem se dar conta do erro
Ranier Bragon e Márcio Falcão
BRASÍLIA - A candidata do PT, Dilma Rousseff (PT), deu aval por escrito, página a página, ao programa de governo que prevê, entre outros pontos, tributação de grandes fortunas, redução da jornada de trabalho e combate "ao monopólio dos meios eletrônicos" de comunicação.
O documento que embute reivindicações das alas mais à esquerda do PT, aprovado em congresso nacional do partido em fevereiro, foi protocolado anteontem no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e trazia a rubrica de Dilma em todas as suas páginas.
Após repercussão na internet e reação de aliados, o PT retirou o texto radical cerca de sete horas depois, substituindo-o por outro sem os pontos polêmicos.
Oficialmente, a campanha petista argumentou que havia cometido um erro administrativo -teria levado ao TSE um texto desatualizado.
A Folha apurou, porém, que o documento inicial foi enviado ao TSE de forma deliberada e que o recuo se deu devido a reações dentro da própria campanha. Tanto que a nova versão se limitou a suprimir os pontos polêmicos e a fazer uma ou outra modificação de redação.
Entre outros argumentos, os que pressionaram pela alteração disseram que a própria Dilma dera declarações que entram em conflito com algumas das propostas.
Em maio, por exemplo, ela havia se negado a defender a redução da jornada de trabalho, hoje em 44 horas semanais. "Eu não posso apoiar nem não apoiar porque não acho que seja uma matéria governamental."
Questionada sobre o aval por escrito dado pela candidata petista, a campanha de Dilma afirmou que ela recebeu o texto incorreto e, em meio a toda a papelada de registro da candidatura, acabou colocando sua rubrica de forma protocolar, sem se dar conta do erro.
Cabe a Dilma esclarecer programa - Editorial
DEU EM O GLOBO
Ao visitar Nova York em maio, conduzida pelo deputado Antonio Palocci, a candidata Dilma Rousseff cumpriu a agenda correta e falou a plateias indicadas para quem pode vir a presidir uma das dez maiores economias do mundo, destino de grandes investidores externos.
Por certo, foi fundamental para Dilma contar com a experiência e a agenda pessoal do ex-ministro da Fazenda Palocci, seu assessor de campanha, transformado em uma das poucas âncoras da primeira fase do governo Lula junto aos empresariados interno e externo. Em salões nova-iorquinos, Dilma Rousseff adotou um discurso responsável. Chegou a defender, corretamente, a manutenção da autonomia operacional do Banco Central, um aspecto positivo da gestão Lula.
Foi um bom momento de Dilma. Mas a campanha da candidata do PT emite sinais contraditórios. Uma sirene estridente soou segunda-feira, último dia para o registro dos programas dos candidatos a presidente na Justiça Eleitoral, quando a campanha de Dilma protocolou uma proposta radical de governo, na qual reapareceram várias das inaceitáveis ações contra a liberdade de imprensa e a propriedade privada defendidas por grupos de esquerda autoritária existentes no governo.
O projeto ressuscitou parte da terceira versão do "Programa de Defesa de Direitos Humanos" e delírios aprovados na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), biombo criado para corporações sindicais e outros grupos de militantes darem um tintura de encaminhamento democrático a medidas de cerceamento da imprensa, em nome do "controle social" da informação e do combate a "monopólios" inexistentes.
Do programa de "direitos humanos", assessores de Dilma foram resgatar a criação de uma instância para mediar conflitos agrários, tirando da Justiça o poder de julgar invasões de terras tão logo elas ocorram, maneira nada sutil de fragilizar o direito constitucional à propriedade privada.
Também foi retirado da mesma fonte o imposto sobre riquezas, instrumento revogado onde foi instituído, por ser de impossível administração, por desestimular a criação de poupança interna, prejudicar a geração de empregos e instituir fuga de divisas. Trata-se do programa do PT radical, não da coligação PT/PMDB.
O texto terminou substituído por outro, menos virulento, embora o item da asfixia da imprensa independente e profissional tenha sido preservado, de forma dissimulada. Foram, então, reforçadas as perguntas: o que realmente pensa a candidata Dilma Rousseff? Qual é mesmo sua proposta de governo?
Se já não era boa tática a candidata se manter longe do contraditório, não comparecer a sabatinas, recusar-se a dar entrevistas e depoimentos, agora, mais do que nunca, é imperioso Dilma Rousseff participar de debates, expor com clareza, o que pensa sobre questões-chave - como estas e várias outras -, para o eleitorado votar de maneira consciente.
Não ajuda a própria candidata semear incisivos pontos de interrogação sobre seus verdadeiros propósitos num eventual governo.
Se pegar, pegou - Editorial
Não se imagina que diretrizes político-doutrinárias, elaboradas depois de exaustivas discussões entre líderes e integrantes de um partido que ocupa os principais cargos do Executivo federal, e neles pretende continuar, ali fossem introduzidas sem que disso tivessem conhecimento os mais altos dirigentes da campanha da candidata que foi imposta ao partido pelo presidente Lula da Silva.
O que parece claro é que a direção da campanha, tendo já prestado a inevitável homenagem aos radicais das correntes que a apoiam, decidiu reduzir o prejuízo que a divulgação daquele elenco de medidas certamente causaria junto à imensa maioria de eleitores moderados, que repelem com igual vigor a propaganda socializante e as manifestações liberticidas. Assim, os tópicos polêmicos foram suprimidos do programa de governo de Dilma Rousseff, como parte da velha esperteza do "se pegar, pegou".
Entre os pontos suprimidos à última hora, na substituição do documento de proposta de governo à Justiça Eleitoral, estão o controle da mídia, a facilitação da invasão de propriedades pelos sem-terra e a descriminalização do aborto. Nada melhor do que trechos do próprio programa de governo suprimido para que se entenda a ideologia que está por trás da candidatura ? independentemente das escamoteações produzidas com finalidades eleitorais. Então, vamos a eles:
"Continuar, intensificar e aprimorar a reforma agrária, de modo a dar centralidade ao programa na estratégia de desenvolvimento sustentável do País, com a garantia do cumprimento integral da função social da propriedade, da atualização dos índices de produtividade, do controle do acesso à terra por estrangeiros, da revogação dos atos do governo FHC que criminalizaram os movimentos sociais e com eliminação dos juros compensatórios nas desapropriações e das políticas complementares de acesso à terra; entre outras medidas, implementação de medida prevista no PNDH3 (Plano Nacional de Direitos Humanos -3) de realização de audiência pública prévia ao julgamento de liminar de reintegração de posse" (...) "Promover a saúde da mulher, os direitos sexuais e direitos reprodutivos: o Estado brasileiro reafirmará o direito das mulheres de tomarem suas próprias decisões em assuntos que afetam o seu corpo e a sua saúde." Aí está, em linguagem clara, a intenção de permitir a invasão da propriedade (ou o crime de esbulho possessório) como meio legítimo de acesso a terra. E está, da mesma forma, a concessão da liberdade da mulher para a prática indiscriminada do aborto.
Outro tópico: "Medidas que promovam a democratização da comunicação social no País, em particular aquelas voltadas para combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento. Para isso, deve-se levar em conta as resoluções aprovadas pela 1.ª Confecon, promovida por iniciativa do governo federal, e que preveem, entre outras medidas, o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as comunicações no País: a reativação do Conselho Nacional de Comunicação Social." Também aí são claras as intenções de controle dos meios de comunicação ? que, aliás, o governo Lula tentou fazer, ora avançando, ora recuando, por meio de diversos mecanismos e projetos, sempre repudiados pela sociedade brasileira, pois que esta já sabe que o cerceamento à liberdade de expressão, que está no bojo de trais propostas, seria o atestado de óbito da democracia brasileira.
Freire: Dilma não sabe o que quer; troca programas e corre de debates
Para Freire, atitudes mostram que Dilma não é confiável.
"É um momento difícil da candidata (Dilma Roussef), porque isso revela uma grande fragilidade dela. O que se pode esperar de uma pessoa que entrega um programa como o seu e em menos de 24 horas muda questões bastante polêmicas? Ela não sabia o que assinou ou não leu o que entregou?". Assim reagiu o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, sobre a atitude da coordenação da campanha petista de trocar as propostas de governo entregues no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
Para Roberto Freire, o fato é "tremendamente preocupante" porque deixa a dúvida: "como confiar em uma pessoa que, primeiro, não sabe explicar à sociedade por que quer ser presidente da República". Ela se negou a responder essa questão enviada aos presidenciáveis pelo jornal "O Globo". "Se ela está disputando o cargo, a sociedade quer saber quais são suas efetivas intenções, o que ela pretende.."
Programa
A troca de propostas no TSE, diz Freire, é um fato inédito. "Não foi uma correção ortográfica; é uma mudança de conteúdo significativa. O programa foi ela que assinou, deu entrada no tribunal; pior ainda, se ela reconhece que não eram aquelas as propostas, por que deu entrada?" Para Roberto Freire, "é incrível como alguém entrega um compromisso, propostas de governo e, em menos de 24 horas, o recusa, sob o argumento de que não era seu".
Na avaliação de Freire, a troca de programas é tão grave quanto o fato de a candidata se negar a debater. "A gente não sabe o que ela pensa; é gravíssimo ter uma candidata a presidente na qual nós não podemos ter confiança no que ela pensa, porque num dia diz uma coisa, assina uma coisa, entrega uma coisa ao tribunal e logo depois desiste de parte significativa do que está lá!".
Soberba
Freire criticou também a soberba da candidata e de sua coligação, porque ela afirmou que seu grupo era o único capaz de acabar com a pobreza. "Passaram oito anos no poder e não acabaram; diminuíram porque ela vinha diminuindo há muito tempo; se voltasse para traz seria um desastre, o cúmulo do absurdo". Freire lembrou que na educação e na segurança pública, por exemplo, o país tem resultados calamitosos; na saúde, a própria Dilma admitiu a má qualidade do SUS (Sistema Único de Saúde) atualmente.
Humilhação na Guiné
Ao falar sobre sobre a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Guiné Equatorial, Freire lamentou que o país teve "a maior humilhação que um presidente do Brasil já sofreu". O ex-sendor observou que Lula foi "censurado, calado, por um ditador de quinta categoria; e quem reagiu foram os jornalistas brasileiros, os quais quero, inclusive, saudar".
Para Roberto Freire, o Itamaraty cometeu "o maior erro de toda sua história: submeter o presidente da República a essa humilhação". O presidente da Guiné Equatorial, Obiang Nguema Mbsogo está há 31 anos no poder e comanda o país com mãos de ferro. Entretanto, após assinar acordos comerciais, Lula divulgou um acordo no qual garante que a administração da Guiné é comprometida com "a democracia e o respeito aos direitos humanos".
Ao comentar essa declaração, Freire afirmou: "Não é possível; só pode ser insensatez". Mbsogo é acusado por organizações internacionais de perseguir opositores, fraudar eleições e violar os direitos humanos; o presidente é um dos mais ricos do mundo.
"Lula ficou nu diante de ditador", diz Jungmann, ao criticar desprezo do presidente pelos direitos humanos
Da redação
"Lula ficou nu, despido de qualquer respeito aos mandamentos da Constituição brasileira. Trata-se de um gravíssimo desrespeito aos direitos humanos, a democracia e a nossa Carta". Foi assim que reagiu, nesta terça-feira, o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), ao repudiar a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante do ditador Obiang Nguema Mbsogo, há 31 anos no poder na Guiné Equatorial. Não bastasse a visita oficial ao país, o governo brasileiro ainda divulgou nota afirmando que as duas nações "renovaram sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito aos direitos humanos". Mbsogo é acusado por organizações internacionais de perseguir opositores do regime, fraudar eleições e violar direitos humanos.
"O partido do presidente Lula criticou o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, por tirar os sapatos, por questões de segurança, para entrar nos Estados Unidos. Agora, diante de uma ditadura, Lula ficou totalmente nu. O ditador mandou ele ficar calado e não houve reação. Ainda por cima cima divulga uma nota que representa um grande desrespeito à democracia brasileira", disparou Jungmann, que é membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Para o parlamentar, está visível as preferências do governo do PT. "Cada vez mais o nosso governo é aliado preferencial de ditadores e ditaduras ao redor do mundo", criticou Jungnann, ao lembrar a aproximação do Brasil com Cuba e o Irã.
Bom negócio para o ditador - Editorial
"Negócios são negócios", disse o chanceler Celso Amorim para justificar a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente da Guiné Equatorial há 31 anos. Esse longo período, iniciado com um golpe contra seu tio, Francisco Macías Nguema, foi para ele uma fase de grande prosperidade pessoal ? de excelentes negócios, portanto. Tornou-se o oitavo governante mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, graças a métodos não recomendados pelas escolas de administração: violência contra os opositores ? incluindo o assassínio ?, corrupção e estrito controle da vida política de seu país.
O presidente Lula incluiu nos negócios com seu novo amigo o apoio à inclusão da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O comunicado conjunto emitido no final da visita menciona a satisfação do presidente Obiang por esse apoio. Os países da comunidade nada ganharão com o ingresso desse novo sócio. Mas uma ditadura conhecida por sua violência e pela corrupção ganhará mais um foro para se manifestar e mais espaço na cena internacional,
Não se fala português na Guiné Equatorial, mas a diplomacia brasileira não se deixou impressionar por esse detalhe. Apesar de tudo, a língua portuguesa é um dos idiomas oficiais do país, por ato assinado em 2007 pelo ditador. Os portugueses chegaram à região em 1470. Logo depois apareceram espanhóis e ingleses. O controle ficou para a Espanha entre 1778 e 1968, ano da independência.
A Guiné Equatorial já exporta petróleo para o Brasil e empresários brasileiros poderão participar de seus programas de obras. Essas transações correspondem ao sentido mais comum da palavra negócio. Será necessário muito mais que o interesse material para estimular o comércio e o investimento? Certamente não, mas o presidente brasileiro deve pensar o contrário.
Além de usar a CPLP para facilitar seus "negócios" com o ditador da Guiné Equatorial, o presidente Lula emprestou seu nome a uma declaração com a seguinte preciosidade: "Os dois chefes de Estado reconheceram a importância da democracia para o desenvolvimento e renovaram sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e à boa governabilidade política e econômica no marco da formulação de suas políticas nacionais de desenvolvimento." Também isso é parte dos negócios?
Nenhum jornalista pôde formular essa ou qualquer outra pergunta quando foi apresentado o comunicado conjunto. Lula e seu novo amigo, sentados lado a lado, ouviram um funcionário africano ler a declaração. Repórteres apenas assistiram à cerimônia, mas puderam conversar com o chanceler brasileiro, "Não estamos ajudando nem promovendo ditadura", disse o ministro, classificando como "pregação moralista" as críticas à aproximação com o ditador.
Não é o que os fatos mostram nem o que está no comunicado, no qual o governo brasileiro se dispõe a promover os interesses políticos de uma ditadura e a dar respeitabilidade a um governante conhecido por seu desprezo à democracia. Além de assumir o compromisso em relação à CPLP, convertida em objeto de "negócios", o presidente Lula avalizou uma declaração do ditador Obiang a favor da democracia, do respeito aos direitos humanos e do Estado de Direito.
"Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país", acrescentou o ministro. Também essas palavras os fatos desmentem. Brasília interveio nos assuntos internos de Honduras, abrigando em sua embaixada um ex-presidente introduzido ilegalmente no país e permitindo-lhe atuar na política durante quase cinco meses. Pode-se discutir se a deposição de Zelaya foi ou não um golpe, embora determinada pelo Congresso e pela Corte Suprema. Há justificativas legais para os dois lados. Mas sobre a interferência brasileira não há dúvida. Quanto ao povo hondurenho, elegeu no fim do ano passado um novo governo, que o Itamaraty não reconhece enquanto o presidente deposto não for reintegrado à vida política nacional. Não se vê perspectiva semelhante para o povo da Guiné Equatorial nem para os povos comandados por outros ditadores amigos do presidente Lula.
Cartão postal :: Murilo Mendes
Consciências corando ao sol nos bancos,
bebês arquivados em carrinhos alemães
esperam pacientemente o dia em que poderão ler o Guarani.
Passam braços e seios com um jeitão
que se Lenine visse não fazia o Soviete.
Marinheiros americanos bêbedos
fazem pipi na estátua de Barroso,
portugueses de bigode e corrente de relógio
abocanham mulatas.
O sol afunda-se no ocaso
como a cabeça daquela menina sardenta
na almofada de ramagens bordadas por Dona Cocota Pereira.
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959