sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Fernando Abrucio* - Derrotas e legados do bolsonarismo

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Mudar o quadro atual será um processo lento e com várias frentes, necessitando da ajuda de todos os democratas

O bolsonarismo foi derrotado em seu projeto de reeleição, mas não nos abandonou por completo ainda. O fato é que o ex-presidente Bolsonaro acumulou várias derrotas desde outubro do ano passado - e provavelmente terá várias outras na Justiça e na política nos próximos meses -, só que deixou alguns legados que estão afetando negativamente o sistema democrático brasileiro. Há armadilhas que precisam ser desarmadas para que em 2026 não haja mais a preocupação com um golpe de Estado ou com a criação de um cenário de ingovernabilidade.

À primeira vista, o plano autocrático de Bolsonaro fracassou e as tentativas de insurreição autoritária estão piorando as condições jurídicas e políticas das lideranças bolsonaristas. A proposta de usar o artigo 142 da Constituição para dar um golpe de Estado, transferindo o poder às Forças Armadas, feita formalmente no dia 28 de dezembro, foi rejeitada pela cúpula militar. Como fato ou como lenda, ficou para a história a frase do comandante do Exército: “Não vou trocar 20 dias de glória por 20 anos de incômodo”.

A rejeição ao golpe não acabou com as movimentações autoritárias e golpistas, inclusive por parte de integrantes das Forças Armadas. A intentona de 8 de janeiro prova cabalmente que havia articulações, insufladas e comandadas por lideranças bolsonaristas, para tentar inviabilizar o mandato do presidente Lula. Na verdade, mais do que derrubar o governo, o propósito era destruir a ordem democrática do país, pois os terroristas invadiram os palácios que sediam os três Poderes para estabelecer uma autocracia que levaria de roldão petistas, Centrão, PSDB, União Brasil, o STF e todos aqueles que fossem democratas.

José de Souza Martins* - O poder delinquente da multidão

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Agitação direitista transformou o Brasil num perigoso manicômio, intencionalmente para favorecer a sobrevivência e consolidação da tirania derrubada pelo voto

As ocorrências extralegais e paralelas no próprio dia da posse do novo presidente da República e a baderna insurrecional da invasão de Brasília e dos edifícios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em seus desdobramentos e consequências, fazem revelações sociológica e politicamente decisivas para conhecer os inimigos da democracia e do país. Revelam não só o conjunto de uma trama golpista, mas principalmente a estrutura social do movimento e a diferença entre agitadores, protagonistas, promotores e protetores, vários deles secretos. Não se trata de acaso, mas de poder paralelo e organizado.

A identificação dos presos em Brasília, no dia 8, faz revelações da maior importância para definir e compreender o perfil social dos envolvidos. É gente de baixa classe média, não só pelos recursos minguados da maioria visível, mas também pela ignorância sobejamente demonstrada no ataque aos palácios como se fosse ataque ao novo governo. Governo não é um prédio nem uma parede, assim como democracia não é baderna.

Luiz Carlos Azedo - A invenção do malandro e as milícias

Correio Braziliense

Muito do que estamos vivendo na política tem raízes antropológicas. É o caso das milícias, que nunca tiveram uma relação tão promíscua com os órgãos de coerção do Estado como no governo Bolsonaro

Entre os anos de 1852 e 1853, Manoel Antônio de Almeida publicou folhetins que se tornariam, mais tarde, a obra Memórias de um sargento de milícias, um clássico do nosso romantismo. Órfão de pai aos 11 anos, era filho de portugueses: o tenente Antônio de Almeida e Josefina Maria de Almeida. Sua infância muito carente o fez cronista da baixa classe média carioca. Jornalista e escritor, com muitas dificuldades financeiras formou-se em medicina, em 1855, mas nunca exerceu a profissão. Morreu aos 31 anos, no naufrágio do navio Hermes, em 1861. Escreveu apenas mais um livro, Dois amores, além de ensaios, contos e poesias.

Ao ignorar a classe média alta e o maniqueísmo elitista com que era retratada à época, Manoel Antônio de Almeida descreveu a vida real do povo e a figura do malandro — pobre, sem ideal, vivendo da sorte e de oportunidades que surgiam. O cenário do romance é o Rio de Janeiro da corte de Dom João VI, que permaneceu no Brasil de 1808 a 1821. O grande protagonista da história é um anti-herói, Leonardo, filho de imigrantes portugueses — Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça —, que se conheceram no navio que os trouxe ao Brasil “após uma pisadela e um beliscão”.

Vera Magalhães – Três pra lá, um pra cá

O Globo

A diretriz de política econômica do governo começou como um bolero descompassado: três pra lá, um pra cá. Enquanto Fernando Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin tentam coordenar um discurso de responsabilidade fiscal, o presidente Lula insiste em ficar no palanque fazendo falsas contraposições entre o necessário rigor com as contas públicas e sua promessa, também urgente, de promover a reparação da desigualdade social. A pergunta é: o que um governo já acossado pelo extremismo golpista tem a ganhar com esse diversionismo num tema tão sensível? Absolutamente nada.

Lula parece fazer um cálculo semelhante ao que levou Jair Bolsonaro a falar para convertidos durante os quatro anos de seu mandato: que é preciso manter uma base fiel, o lulopetismo raiz, mobilizada e evitar que ela se decepcione com os rumos do governo. Acontece que esse eleitor não deixará de fazer o L se o governo buscar coadunar as promessas de reduzir o fosso social com uma política fiscal que mostre disposição de reduzir a dívida e, consequentemente, os juros futuros, esses que Lula contrapôs de forma equivocada aos investimentos sociais, como se fossem gastos da mesma natureza, ditados apenas pela vontade do governo de turno.

Bernardo Mello Franco - Etchegoyen quer outra anistia

O Globo

Chefe do GSI no governo Temer, general ataca STF, reclama da imprensa e faz ameaça velada a Lula

O general Sérgio Etchegoyen está enfezado. Acha que os golpistas do 8 de Janeiro viraram vítimas de injustiça. Em entrevista à TV Pampa, o ex-ministro esbravejou contra os tribunais, o governo e a imprensa. Ao comentar os ataques à democracia, usou eufemismos como “acidente” e “triste episódio”.

O militar chefiou o Gabinete de Segurança Institucional no governo Temer. De volta à planície, foi contratado por uma agência de comunicação corporativa. Pendurou a farda, mas continuou a ser lido e requisitado como porta-voz da caserna.

Flávia Oliveira - Civilizar o governo

O Globo

Discretamente após a vitória nas urnas, intensamente após a gravíssima tentativa de golpe bolsonarista, o presidente da República vem agindo para civilizar o governo, desmilitarizar a política, despolitizar as Forças Armadas. Tomara seja essa a santíssima trindade do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na missão de fortalecer a democracia, para a qual foi eleito tanto quanto para enfrentar as desigualdades e, mais uma vez, superar a fome, que ora acossa 33 milhões de brasileiros.

Civilizar o governo é, ao mesmo tempo, admitir civis e banir a brutalidade. Seja nas indicações para cargos da administração pública, seja na recomposição das vias de diálogo entre governo e sociedade, é visível a intenção de convidar à mesa um Brasil que o ex-presidente execrou. Já na noite da posse, em 1º de janeiro, Lula assinou resoluções que reaproximam o Executivo federal de organizações da sociedade civil. Num decreto, revogou a extinção de órgãos colegiados determinada por Jair Bolsonaro; noutro, incluiu representantes de ONGs no Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Por Medida Provisória, restabeleceu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), cuja dissolução fora denunciada ao Supremo Tribunal Federal em arguição da OAB a pedido da Ação da Cidadania.

Ruth de Aquino- Montagem de Lula como alvo é fotojornalismo?

O Globo

Admiro a Folha de S Paulo por seu jornalismo combativo. Assino, leio, tenho afeto por seus editores, colunistas, repórteres. Acho ousada e criativa a seleção de imagens nacionais e internacionais. Mas me incomodou a fotomontagem na capa do jornal de hoje. Lula sorrindo, cabeça baixa, ajeitando a gravata, e um vidro estilhaçado na frente, como se um tiro ou um projétil se dirigisse a seu coração.

A legenda explica que a foto foi feita com “múltipla exposição”. Ou seja, uma foto de dois ângulos diferentes, em dois tempos quase simultâneos. Minha primeira reação: foi um equívoco, num Brasil machucado pela violência, assolado por tantas fake news, em texto e imagem. Pode-se dizer, em defesa da Folha, que o jornal quis criar uma narrativa: a de que os golpistas de Bolsonaro miram mesmo em Lula. A foto construída alertaria para o real perigo que a vida de Lula corre. E o sorriso provaria que o presidente, símbolo do Poder maior e da democracia, resistiu. Mas...

Eliane Cantanhêde - Pacto de convivência

O Estado de S. Paulo

Militares prometem agir contra bolsonarização e golpistas; Lula vai estudar reivindicações

Quem é covarde? O presidente Lula, que admite “desconfiança” em relação a militares, depois da tentativa de golpe contra sua eleição, as instituições e a democracia? Ou os civis e militares que participaram, ou não viram, não ouviram e não sabiam da invasão de Planalto, Congresso e Supremo?

Se Lula precisa equilibrar sua justa indignação e a premência de normalização das Forças Armadas, é preciso mais ainda que militares relevantes como o general da reserva Sérgio Etchegoyen não joguem mais lenha na fogueira. Quem lucra? O País, o governo constituído e as Forças Armadas.

Fernando Gabeira -O clima de tensão para os novos governos

O Estado de S. Paulo

A partir de Bolsonaro, o clima ficou tenso e não se abrandará tão cedo. Mas sucesso de Lula pode neutralizar a oposição radical

Tenho escrito artigos sobre a possível trajetória do novo governo, de um lado, e do outro sobre as perspectivas da oposição de extrema direita.

Como os dois temas são entrelaçados – o sucesso do governo pode neutralizar a oposição mais radical –, tentarei abordar tudo num mesmo espaço.

Existem medidas já tomadas pelo governo que são difíceis de combater. Uma delas é a política social, sobretudo a garantia do pagamento do Bolsa Família no valor de R$ 600.

Jair Bolsonaro já pagava, por razões eleitorais, o Auxílio Brasil de R$ 600, além disso, anunciou várias vezes que o manteria, caso eleito.

Vinicius Torres Freire - O trabalho no país dos golpes

Folha de S. Paulo

Apesar do tumulto, indicadores crescem bem, mas desaceleração virá

A vida anda tão apinhada de golpes que a gente se esqueceu de assuntos elementares da existência. Por exemplo, do andamento da economia e, mais essencial de tudo, do trabalho. Tem golpe em Brasília, golpe nas calçadas e nos tuítes dos quarteis, golpe de bilionário na praça, golpe de intrigas na Fiespgolpe na formatura de médicos da USP.

O assunto é mais chato, decerto, mas acabam de sair as estatísticas de emprego do IBGE, as de novembro. Há indícios diversos de que a economia está esfriando, de fato. Mas os números do mundo do trabalho sugerem até agora apenas uma desaceleração ligeira —ou nem isso.

Bruno Boghossian – Lula, os ricos e o mercado

Folha de S. Paulo

Antagonismo não é só resgate ideológico petista e cumpre funções de curto, médio e longo prazo

O mercado não tem coração, os ricos devem pagar mais impostos, e os empresários só ganham dinheiro porque seus empregados trabalharam. As três declarações foram dadas por Lula em eventos e entrevistas nos últimos sete dias. Nenhuma é inédita ou foge à cartilha tradicional do PT, mas a escolha das palavras oferece um termômetro das motivações políticas do presidente.

Lula fez campanha em 2022 com uma plataforma voltada para a população mais pobre. Vitorioso, ele reforçou o compromisso com essa agenda e acentuou em seu discurso uma dose de antagonismo em relação ao empresariado e o mercado financeiro. Agora, ele agrega essa retórica à sua rotina como presidente.

Hélio Schwartsman - Tempero sádico

Folha de S. Paulo

Prisões poderiam ser colônias de férias?

"Não achem esses terroristas [...] que a prisão seja uma colônia de férias", disse o ministro do STF Alexandre de Moraes a respeito de bolsonaristas detidos após o 8 de janeiro que reclamavam das condições do encarceramento. Objetivamente, Moraes tem razão. Prisão é uma coisa, colônia de férias, outra. Nas entrelinhas, porém, penso que o ministro esteja sugerindo que a cadeia deve mesmo ser um lugar pouco agradável ou até terrível. É um convite a uma reflexão sobre a natureza da pena.

Ruy Castro - Opções para me mandar do Brasil

Folha de S. Paulo

O problema de certos lugares é que, agora, estão cheios de malucos que vivem numa realidade paralela

Nos últimos quatro anos, asfixiado pela presença pestífera de Bolsonaro, pensei em me mandar do Brasil. O problema era para onde. Conheço uma quantidade de cidades lá fora e tenho amor por muitas, mas não gostaria de morar nelas. Quando adotamos um país estrangeiro, tendemos a nos envolver com seus problemas como se fôssemos cidadãos. É um erro. Um lugar, para ser perfeito, teria de ser imaginário.

Fernando de la Cuadra* - Los principales escollos del gobierno Lula


No existe una opinión consensual con relación a la respuesta dada por el actual gobierno a los actos de vandalismo y destrucción ocurridos el pasado domingo 8 de enero. Hay quienes sostienen que la reacción de las autoridades ha sido la adecuada, deteniendo a una parte de los invasores de la Plaza de los Tres Poderes, fichando a sus principales líderes y tratando de descubrir la trama de conexiones y articulaciones que fueron montadas hasta desembocar en los actos de barbarie difundidos profusamente por los medios de comunicación y las redes sociales.

Sin embargo, hay quienes plantean que lo realizado hasta el momento por la administración del Presidente Lula da Silva es insuficiente para desmontar el proyecto insurgente de la extrema derecha brasileña, que además ha contado con el apoyo de movimientos con perfil neofascista que existen en otras latitudes del planeta. De hecho, a pesar de algunas diferencias, la ocupación de los edificios públicos de Brasilia, trajeron a la memoria, casi inmediatamente, los luctuosos acontecimientos producidos el 6 de enero de 2021, con el asalto al Capitolio en la capital de los Estados Unidos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula continua a derrapar quando fala de economia

O Globo

Na primeira entrevista depois da posse, o presidente repetiu ideias do manual do populismo de esquerda

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua primeira entrevista após a posse para criticar o sistema de inteligência do governo, incapaz de deter a barbárie do 8 de janeiro, e pedir a punição dos responsáveis. É também o desejo da maioria da população brasileira. Infelizmente, Lula deixou transparecer na entrevista à GloboNews sua visão turva sobre temas cruciais para a economia. Não custa lembrar: o fracasso econômico de seu governo teria como efeito nefasto a realimentação da descrença na democracia e do golpismo.

Questionado se acredita haver antagonismo entre as responsabilidades fiscal e social, Lula respondeu que sim, em razão da “ganância” dos mais ricos, resposta extraída do manual do populismo de esquerda. Os fatos: um governo que gasta mais do que arrecada aumenta a dívida pública; quanto maior ela fica, maior a percepção de risco e mais altos os juros pagos para atrair compradores de títulos da União; quanto mais se gasta com isso, menos dinheiro sobra para programas sociais.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os Pacifistas

Música | Canção Amiga - André Mehmari e Monica Salmaso