quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Dias Toffoli* - 130 anos da 1ª Constituição da República

- Folha de S. Paulo

Suprema Corte tem como guias a segurança jurídica e o federalismo

A primeira Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891, realizou profundas mudanças na estrutura do Estado brasileiro. Inspirada pela experiência norte-americana e pela visão de Rui Barbosa, assumiu o modelo federativo e instituiu o Supremo Tribunal Federal (STF) —denominação adotada na Constituição Provisória de 1890, decreto nº 510—, instalado quatro dias após sua promulgação.

À semelhança da Suprema Corte dos Estados Unidos, concebeu o STF como Tribunal da Federação e última instância para resolução de conflitos públicos e privados, uma espécie de poder moderador, destinado a manter o equilíbrio entre os Poderes e os entes federativos. A Carta adotou ainda a clássica tripartição dos Poderes, separou Estado e igreja e consagrou liberdades (como de reunião, culto e expressão) e garantias (ex. juiz natural, ampla defesa e habeas corpus).

Ao longo de sua história, o Brasil enfrentou desafios na consolidação da cultura política federativa. A ausência de uma elite nacional e o fato de que o Estado nasceu antes da organização da sociedade civil geraram uma lógica pendular entre movimentos de centralização e descentralização de poder —ora disperso entre as elites e entes locais, ora retido pelo governo central.

O amadurecimento da República no Brasil foi forjado nesse movimento pendular, marcado por tensões federativas e alternâncias entre experiências democráticas e autoritárias. O professor e ministro Ricardo Lewandowski ensina que nosso federalismo padece de um “pecado original”: nossa Federação surgiu do desmembramento de um Estado unitário, e não da união de entidades federativas soberanas, como nos Estados Unidos. A permanente tensão entre poder nacional e oligarquias regionais resultou em crises, estados de sítio, intervenções militares e convulsões políticas e sociais.

Após mais de 20 anos de regime militar, a Constituição de 1988 sacramentou o papel originalmente atribuído ao Supremo pela Carta de 1891. Temos um Judiciário fortalecido e independente, garantidor da autoridade da Constituição. Trouxe, também, uma gama de direitos e garantias individuais, albergando minorias e grupos sociais historicamente excluídos.

Entrevista | Raul Jungmann: ‘Armar população fere papel constitucional das Forças Armadas’, diz ex-ministro

Em carta, Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, pede que Supremo barre iniciativas do presidente que flexibilizam acesso de cidadãos a armamento

 - Pedro Venceslau/ O Estado de S. Paulo

Após pedir, em carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), uma reação da Corte à flexibilização da política de armas no Brasil, o ex-ministro da Defesa e Segurança do governo Michel Temer, Raul Jungmann, disse ao Estadão que há preocupação nas Forças Armadas em relação à ofensiva do Palácio do Planalto. “O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência”, afirmou. Afastado da política, o ex-ministro atua no setor privado na área de tecnologia da informação. 

Por que a flexibilização do porte de armas pode significar uma lesão ao sistema democrático?

Até aqui o debate sobre armamento, desarmamento e controles se dava no âmbito da segurança pública. O presidente transpôs esse campo e levou para a política no momento em que defende o armamento dos brasileiros para defesa da liberdade. Não vejo ameaça real ou imaginária. Ao mesmo tempo, ele consubstancia esse seu desejo com mais de 30 regulamentações, seja através de lei, decreto ou portaria. Estamos diante de um fato muito preocupante para todos nós. 

Por quê? 

A certidão de nascimento do Estado nacional é exatamente o monopólio da violência legal. A primeira que preocupa muito é a quebra desse monopólio. Quem dá suporte a esse monopólio, que é fundamental para a sobrevivência do estado democrático, são as Forças Armadas. O armamento da população significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas, o que é da maior gravidade. Cria-se outro polo de violência. Por último, na medida em que não se vê ameaça externa sobre a Nação, isso só pode apontar para um conflito de brasileiros contra brasileiros. Um cenário horripilante de um flagelo maior, até uma guerra civil. Essa é uma preocupação que precisa de uma resposta da parte dos demais poderes, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Caso contrário, pode se repetir aqui o que aconteceu nos Estados Unidos, no Capitólio, lembrando que temos eleições em 2022. Se cada brasileiro é responsável pela própria segurança, então não precisamos de segurança pública e força policial. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

PEC Emergencial desidratada embute riscos – Opinião / O Globo

Apesar do acerto entre Executivo e a cúpula do Congresso na semana passada para a aprovação da PEC Emergencial, com uma cláusula de calamidade a fim de viabilizar o auxílio emergencial, o projeto apresentado ontem ao Senado foi desidratado e embute vários riscos. O relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), já pusera em circulação no final do ano passado uma proposta sem muita capacidade de conter gastos públicos. Foi mal recebido. Em vez de se corrigir, repetiu a dose.

O primeiro grande risco nada tem a ver com o espírito original da PEC. Trata-se da recriação do auxílio emergencial ao largo de todas as âncoras fiscais que zelam pela saúde das contas públicas. No texto de Bittar, o novo auxílio fica não apenas fora do teto de gastos, mas também à margem do cálculo da meta fiscal e da regra de ouro (segundo a qual, o Estado não pode se endividar para gastar em custeio). Pelas contas do Ministério da Economia, se o gasto não passar de R$ 40 bilhões por quatro meses, poderá ser compensado pela extensão do congelamento salarial do funcionalismo para este ano. Mas não há garantia alguma de que o Congresso não queira ser mais generoso. Abre-se uma nova brecha para a explosão fiscal.

Também em 2020, o Orçamento de Guerra liberou dos controles fiscais os recursos para o auxílio. Embora a medida fosse necessária e urgente para lidar com a emergência da pandemia, seu custo ficou além do que era preciso — e ampliou a já exorbitante dívida pública. No campo da bondade, sempre haverá no governo correntes “desenvolvimentistas” prontas a impulsionar a economia por meio de despesas públicas sem qualquer preocupação fiscal. É uma receita desastrosa.

Luiz Carlos Azedo - Avante para o passado

- Correio Braziliense

Há uma evidente contradição entre a retórica do ministro Paulo Guedes e as ideias positivistas e nacionalistas que caracterizam a mentalidade dos militares brasileiros

Onde foi que o Brasil perdeu o rumo? Essa pergunta tem muitas respostas, que variam de acordo com a ideologia do interlocutor. Mas, se olharmos para o passado, veremos na morte do presidente Tancredo, eleito pelo colégio eleitoral em 1985, depois de grandes mobilizações populares em seu apoio, o momento em que um projeto liberal com ampla base política e social foi abortado. O 21 de abril daquele ano, contraditoriamente, foi a morte do projeto liberal. Nunca mais houve no país uma correlação de forças como aquela, que lhe desse sustentação para fazer coincidir a democratização do país com a ultrapassagem do modelo nacional desenvolvimentista, que havia se esgotado.

Vice eleito, José Sarney, oriundo da Arena, ao assumir a Presidência, se viu contingenciado pelo liberalismo social de Ulysses Guimarães e por forças políticas social-democratas, trabalhistas, socialistas e comunistas, à sua esquerda, que derrotaram o Centrão na Constituinte. A sucessão de planos econômicos de seu governo, a começar pelo Plano Cruzado, que resultou na hiperinflação, foi resultado direto do experimentalismo econômico desenvolvimentista, que buscava alternativas para recidiva de um modelo econômico que já tinha dado o que tinha que dar. Em que pese suas críticas ao caráter social da Constituição de 1988, o máximo de liberalismo a que o governo Sarney chegou foi a política “feijão com arroz” do seu último ministro da Fazenda, Maílson da Nobrega.

Outra oportunidade para a agenda liberal foi a eleição de Fernando Collor de Mello, que fez campanha com um programa dessa natureza, mas, tão logo assumiu a Presidência, deu um cavalo de pau e lançou um plano que também naufragou, no qual o confisco da poupança lhe surrupiou o apoio da classe média. Seu legado foi a abertura comercial da economia, que não é pouca coisa, se levarmos em conta a política de reserva de mercado adotada pelo regime militar, desde o chamado “milagre econômico”, na década de 70, do qual herdamos o atual modelo de transporte rodoviário, o atraso tecnológico na área de informática e um sistema de saneamento que não trata o esgoto e multiplica as caixas d’água.

Talvez, a mais engenhosa política econômica de nossa história republicana, desde o Acordo de Taubaté, tenha sido o Plano Real, lançado no governo Itamar Franco, pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que viria a governar o país por dois mandatos. É falsa a ideia de que era um plano neoliberal, disseminada pelo PT até hoje. A própria existência de uma disputa entre social-liberais e desenvolvimentistas no governo tucano é a prova disso. Houve, sim, uma reforma bancária que consolidou nosso sistema financeiro e uma reforma patrimonial que privatizou a maior parte do setor produtivo estatal, em áreas que estavam em obsolescência industrial, como mineração e siderurgia, e de serviços, sobretudo a telefonia, que era um entrave à produtividade da economia. Mesmo se quisesse, não havia como financiar a modernização desses setores.

Ricardo Noblat - Um caso de amor correspondido livra Flávio Bolsonaro do pior

- Blog do Noblat / Veja

Dois anos de suplício e de muita galhardia

Em 29 de abril último, ao dar posse a André Mendonça, o sucessor do ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro assim referiu-se a João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça, presente à cerimônia:

– Prezado Noronha. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência.

Menos de três meses depois, Noronha aproveitou as férias do Judiciário para soltar Fabrício Queiroz. Mandou-o para prisão domiciliar. Para não parecer pouco, estendeu o benefício à mulher de Queiroz, que havia fugido. A ela caberia cuidar do marido.

O caso de amor à primeira vista entre o presidente e o juiz culminou com a decisão tomada pela Quinta Turma do tribunal de anular a quebra do sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro (Patriotas), acusado de desvio de dinheiro público.

Noronha foi o primeiro dos quatro votos favoráveis ao filho mais velho de Bolsonaro. O voto do relator da ação foi contra. Flávio celebrou a decisão ao lado do seu advogado, Frederico Wassef, em cuja casa, no interior de São Paulo, Queiroz fora preso.

Rosângela Bittar - Tome que a culpa é sua

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro só admite a seu lado colaboradores que vão além da subordinação formal

Sempre se disse que só apelando a Freud era possível ter uma explicação sobre quem é Jair Bolsonaro. Principalmente a personalidade no exercício do poder. Traço marcante: só admite a permanência a seu lado de colaboradores que vão além da subordinação formal, curvando-se, invertebrados, aos seus caprichos primários. Ou amortecendo seus triplos carpados. 

Quem diria em que se transformou o ícone da campanha eleitoral, hoje exposto à condição de símbolo das frustrações com que o governo desafia seus eleitores. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tantas vezes já esteve na situação em que se encontra agora, a do tanto faz se sai, tanto faz se fica, que perdeu todos os traços da imagem projetada um dia. 

As justificativas mais constantes são imprecisas: ora ele permanece porque interessa ao mercado financeiro ter um dos seus dentro da engrenagem; ora porque o poder o emociona. Talvez tenham razão os que avaliam o permanente dia do fico com a explicação de que o ministro aprecia um bom sapo. 

Na verdade, a Bolsonaro interessa que fique. Sem Guedes, seria dele a culpa pelo fracasso do plano liberal e mais uma penca de problemas econômicos aprofundados pela crise sanitária da pandemia. Além de não ter, à mão, outro especialista em montagem de gambiarras para conter os efeitos de suas diatribes para destruir reputações e estatais em processo de reconstrução. 

Roberto DaMatta* - O que aprendi sobre o Brasil?

- O Estado de S. Paulo

Tivemos Estados fortes e fracos, mas pouco discutimos que a segmentação entre Estado e sociedade tem como consequência isentar a responsabilidade e o peso da sociedade junto ao Estado

Eis uma pergunta legítima para quem, desde o final dos anos 50, tem se dedicado a tentar enxergar o seu país pela “rua” sem esquecer a “casa” e o “outro mundo”, escapando das sociologias nas quais o óbvio protagonismo da língua e dos costumes é excluído pelo foco no que se entende por “política” (em que partidos viram dinastias e súcias) e “economia” vista apenas como mercado. Um cenário no qual o “cultural” não existe, pois as elites se omitem, atribuindo às leis impessoais da realidade política e do mercado essa nossa impiedosa viagem marcada por uma indigna desigualdade. 

Estudos de economia e política são legião no Brasil. Neles, o País é lido de fora para dentro como se o sistema nacional não tivesse singularidades históricas e sociais. A morada com suas regras e seus costumes, por exemplo; a religião que foi um catolicismo exclusivista; o regime que foi monárquico e um sistema de relacionamentos pessoais indiscutíveis. 

Num ensaio cuja contemporaneidade é patente, pois passamos todo o tempo falando disso, Oliveira Vianna examina “O papel dos governos fortes no regime presidencial” (publicado em 1923, no livro Pequenos Estudos de Psicologia Social) e sugere que um fator essencial de nossa “psicologia política” seria “a incapacidade moral de cada um de nós para resistir às sugestões da amizade e da gratidão, para sobrepor às contingências do personalismo os grandes interesses sociais, que caracterizam a nossa índole cívica e definem as tendências mais íntimas de nossa conduta no poder”.

Conrado Hübner Mendes* - Abusar da liberdade para acabar com ela

- Folha de S. Paulo

Imunidade parlamentar não é passaporte para a delinquência política

Quem pergunta se a liberdade de expressão tem limites ou está mal informado ou mal intencionado. Quem invoca essa liberdade como mantra encantatório que valida moral e juridicamente qualquer estupidez falada não entendeu nada. Ou dissimula.

Se pudesse formular uma pílula de conhecimento cívico para vacinar cidadãos contra a ignorância sobre liberdade de expressão, eu não começaria pela máxima "nenhum direito fundamental é absoluto" ou "a liberdade de expressão tem limites", lugares-comuns que deixam muito a dever. Sugeriria uma pílula alternativa: "Os limites da liberdade de expressão não se referem só a o 'quê' se fala em cada ocasião, mas a 'quem' fala". Daí começamos melhor.

Você pode cometer crime pelo "quê" fala se: caluniar, difamar, injuriar, ameaçar, fazer apologia de crime, incitar, praticar ou induzir discriminação, impedir livre exercício dos Poderes. Estão espalhadas por diversas normas (Constituição, Código Penal, Lei Caó e etc.). E a violação ainda pode gerar o dever de pagar indenização por danos morais.

Mas a vida não é simples assim. A aplicação desses verbos a casos concretos se depara com muitas pedras pelo caminho. Saber, por exemplo, se piada de humorista somente ofendeu ou se cruzou linha proibida a ponto de humilhar e incitar discriminação é das responsabilidades maiores de duas senhoras: a jurisprudência e a doutrina jurídica. Elas não oferecem fórmula matemática nem algoritmo, mas critérios que vão ganhando densidade caso após caso.

Hélio Schwartsman - Vacina e liberdade

- Folha de S. Paulo

Só devemos criar restrições que sejam absolutamente indispensáveis

Se tudo der muito certo, o que é improvável, o Brasil conseguirá vacinar toda a sua população-alvo contra a Covid-19 perto do final deste ano. Países mais organizados e menos populosos podem lograr esse feito em prazos menores, mas, mesmo assim, serão meses.

Não surpreende, portanto, que já haja nações adotando certificados de vacinação como pré-requisito para permitir que cidadãos participem de atividades coletivas não essenciais, como frequentar bares, estádios, cinemas etc.

Não é difícil vislumbrar a injustiça intrínseca da proposta. O governo estaria criando duas classes de cidadãos, uns com mais, outros com menos direitos, com base num critério, a vacinação, à qual nem todos tiveram acesso. Há também dúvidas quanto à eficácia da medida, já que estar vacinado não é garantia de que o indivíduo não transmita a doença, especialmente diante das novas variantes do vírus que estão emergindo.

Bruno Boghossian – A 'rachadinha' já é uma marca

- Folha de S. Paulo

País já conhece depósitos fracionados, dinheiro vivo e cheques na conta da primeira-dama

O clã Bolsonaro fez o diabo para fugir do fantasma da "rachadinha". Flávio foi ao STF para tirar o caso da Justiça do Rio. O Planalto organizou uma reunião com o chefe da Abin em busca de brechas para anular as investigações. E o presidente tentou intimidar investigadores ao lançar suspeitas de tráfico de drogas contra o filho de um promotor.

As apurações que cercavam a família presidencial meteram medo em Jair e companhia. Não à toa, a prisão de Fabrício Queiroz, em junho de 2020, é considerada uma linha divisória: logo depois que o operador do esquema passou um tempo na cadeia, o presidente baixou as armas contra o Supremo e foi ao altar com o centrão, em busca de blindagem.

Bolsonaro está perto de se livrar desse pesadelo no campo judicial. A decisão do Superior Tribunal de Justiça de anular a quebra de sigilo de Flávio e outros 94 investigados, nesta terça (23), obriga a investigação a voltar uma dezena de casas no tabuleiro e pode livrar a família de responder pelas acusações de desvio de dinheiro em seus gabinetes.

Ruy Castro - Cuidado - Bolsonaro à solta

- Folha de S. Paulo

Matar, desmatar, corromper, nada o compromete. Mas agora ele se meteu com as estatais

Há algumas semanas, sugeri que só havia uma maneira de conter Jair Bolsonaro. Mas, sem espaço, não dei detalhes. Seria uma ação conjunta, tipo Swat ou Mossad, em que uma equipe de agentes de elite o imobilizaria de surpresa, enquanto outra lhe aplicaria uma focinheira. A salvo das mordidas e cusparadas de besta-fera, uma terceira equipe o enfiaria numa camisa de força. Por fim, as três equipes, bem treinadas, o levariam pedalando o ar e o meteriam numa jaula.

Leitores protestaram argumentando que até Bolsonaro tem direito a um processo justo, mesmo que sumário, composto de inquérito, investigação, denúncia, oitiva de testemunhas, distribuição para respectiva vara, leitura da ata de reunião do condomínio, pedido de licença para arguição de descumprimento do preceito fundamental, parecer do relator, recursos infringentes, masturbação a céu aberto e outros trâmites legais. Tudo bem. O problema é se a expectativa de vida do brasileiro é suficiente para se chegar ao fim disso.

Vinicius Torres Freire – Guedes e o show da venda da Eletrobras

- Folha de S. Paulo

De concreto, MP apenas permite estudo da privatização, rejeitada no Congresso

Jair Bolsonaro não tinha ideia do tamanho da bobagem que fazia com seu chilique da Petrobras. Depois do grande sururu nos mercados financeiros e da desmoralização adicional de Paulo Guedes, resolveu passar um leite condensado no seu faniquito estatista e no ministro amargo e amargurado. Juntou uma corte de ministros e foi no início da noite desta terça-feira ao Congresso entregar ele mesmo uma medida provisória que prevê a privatização da Eletrobrás.

Um ministro do Planalto diz que Bolsonaro “sentiu a paulada” e resolveu dar “um passo atrás” no caso da Petrobras. O presidente ainda quer que inventem algum modo de dar previsibilidade aos reajustes de preços —disso não abriria mão, pois seria desautorizado. “Não dá para ter um anúncio por semana de reajuste de combustível”, teria dito Bolsonaro. Quer também que a venda da Eletrobras permita a redução de preços de eletricidade. Mas concordou em moderar a patada na petroleira e fazer um “gesto” para prestigiar Guedes, que de “superministro” (de nada) vinha sendo reduzido à condição de meme de redes sociais. A MP da Eletrobras serviu para fazer um show.

Do que trata a MP, entre muitos assuntos complicados de concessões do setor elétrico? Na verdade, trata-se de vender novas ações da “holding”, o suficiente para fazer com que o governo deixe de ser seu controlador, ideia que vem de 2016, de Michel Temer. Obviamente, ninguém vai vender ou comprar ação alguma antes de haver um planejamento financeiro da venda (“modelagem”). Mas a medida provisória (MP) permite que o BNDES comece a “modelar” a venda.

Fernando Exman - Relação de amor e ódio com o mercado

- Valor Econômico

Prerrogativas presidenciais no centro do debate

A reacomodação das relações do Palácio do Planalto com os demais Poderes, depois de fricções institucionais que o fizeram perder tempo e energia nos últimos dois anos, deu mais conforto para o presidente Jair Bolsonaro comprar novas brigas. A missão atual é enfrentar a parte do mercado que vez ou outra decide questionar o que deve e o que não deve fazer um presidente da República ao exercer as suas prerrogativas exclusivas de chefe do Executivo.

Está incluído nesse rol de atividades, na visão governista, as gestões necessárias para que empresas ou órgãos estatais calibrem tarifas e deem mais transparência na formação de preços, a fim de reduzir a insatisfação popular com o aumento dos custos de vida.

Não é pequena a apreensão com a queda da aprovação do governo, a despeito do posicionamento oficial que teima em tentar desqualificar os institutos de pesquisa. A maior preocupação no Planalto e na Esplanada dos Ministérios, contudo, é com o insistente risco de uma nova greve dos caminhoneiros. Uma reedição do movimento que parou o Brasil durante o governo Temer poderia ser o estopim dos temidos distúrbios sociais, que não ocorreram em momento algum durante a pandemia.

Para aliados do presidente, está controlado, neste momento, o risco de abertura de um processo de impeachment ou de instalação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Esse é o saldo da bem-sucedida articulação do governo com a base aliada durante as eleições para as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado.

Por outro lado, a despeito do efeito negativo que iniciativas intervencionistas possam gerar para a imagem da equipe econômica, outros setores do governo acreditam que o ministro Paulo Guedes e seus auxiliares podem ostentar perante a iniciativa privada a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central, dispositivos da PEC Emergencial e o mais recente impulso à privatização da Eletrobras. Este último contou, inclusive, com a presença do próprio Bolsonaro no gesto de entrega da medida provisória ao Congresso, num ato simbólico do respaldo presidencial à agenda de privatizações.

Nilson Teixeira* - Tem hora em que até o otimista cansa

- Valor Econômico

Difícil crer na habilidade do governo quando não se sabe a posição do presidente sobre uma variedade de temas

A curva de juros embutia na última segunda-feira uma alta da taxa Selic de 345 pontos base (pb) em 2021, 250 pb em 2022 e 55 pb em 2023, bem acima do que os modelos econométricos estimam como necessário para manter a inflação próxima ao centro da meta de 3,75% em 2021, 3,50% em 2022 e 3,25% em 2023. A estrutura a termo, portanto, embute um prêmio de risco referente à aceleração inflacionária causada, por exemplo, por uma depreciação cambial advinda da perda de confiança na responsabilidade fiscal.

Até recentemente, membros do Ministério da Economia defendiam que a extensão do Auxílio Emergencial (AE) seria desnecessária, pois a utilização da poupança formada em 2020 e o aumento do número de postos de trabalho seriam suficientes para atenuar a perda de renda com o fim do programa. Segundo essa visão, a extensão representaria um desvio no respeito ao equilíbrio fiscal. A única alternativa seria o corte de gastos ou o aumento de impostos para custear a extensão do programa.

Agora, representantes do governo e congressistas afirmam que uma extensão do AE da ordem de R$ 40 bilhões já era prevista desde o ano passado e, portanto, não seriam necessárias contrapartidas adicionais. Esse argumento é acompanhado pela tese de que a expansão da dívida pública inferior à prevista em meados do ano passado permite a extensão do programa sem maiores problemas.

Cristiano Romero - Desvinculação pode fortalecer democracia

- Valor Econômico

Pandemia não mudou viés liberal da agenda econômica

Em novembro de 2018, definida a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial, Paulo Guedes, escolhido para ser o ministro da Economia do novo governo, foi a Brasília tomar pé da real situação fiscal do país. Foi recebido no Palácio do Planalto pelo então presidente Michel Temer, o ministro Moreira Franco (articulação política), o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR). Temer queria saber de Guedes que plano ele tinha para a então 7 economia do planeta.

Os encontros não se limitaram aos integrantes da cúpula do governo e do Congresso. O atual ministro se reuniu também, na ocasião, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Com o entusiasmo típico de quem chega a Brasília achando que, a bordo de suas (boas) ideias, a Ilha de Vera Cruz finalmente saltará do século XIX para o XXI, Guedes disse a todos, com sinceridade desconcertante, o que discorrera a Temer.

"Olha, vocês têm uma vida muito difícil hoje porque 96% do orçamento está carimbado. Vocês são eleitos, têm que tentar pegar cargos nas estatais para desviar recursos para financiamento de campanha, que é assim que financiamento político é feito no Brasil. Aí, vocês têm que fugir do [juiz] Sérgio Moro por dois, três, quatro anos. Se tudo der certo, vocês são reeleitos. Quando vocês são reeleitos, o jogo político é 'voltem para a casa 1 [do tabuleiro]'. Vocês, então, começam tudo de novo. Mas, aí, no terceiro ou quarto mandato, serão presos", observou Guedes, segundo depoimento de participantes daqueles convescotes.

"Por exemplo, o Aécio Neves, a Dilma Rousseff e o Lula estão acossados. Quase pegaram o senhor, presidente Temer. Os senhores acham que essa é uma forma razoável de viver?", indagou o ministro para, na sequência, expor aos interlocutores seu plano mais ambicioso. "O que nós queremos é devolver os orçamentos e a responsabilidade dos orçamentos para a classe política. Para quê? Para não ter que fazer um financiamento lateral [de campanha], tortuoso, todo equivocado. Vocês têm que ser eleitos porque fizeram boas coisas com suas decisões e não porque desviaram mais recursos [públicos] para seus financiamentos de campanha", prosseguiu Guedes, colhendo dos poucos espectadores um silêncio profundo, "ensurdecedor" para quem não acha palavras nem argumentos racionais que desembaracem o constrangimento generalizado.

Fim do piso para educação significa repetir práticas de duas ditaduras

Criada em 1934, medida só foi suspensa no Estado Novo e no regime militar

Por Hugo Passarelli  - Valor Econômico

SÃO PAULO - Entidades e especialistas em educação criticaram ontem a proposta de eliminar o piso constitucional para investimento em educação e saúde. No caso do ensino, a medida representaria a quebra de uma vinculação criada pela primeira vez em 1934. Desde então, o Brasil viveu dois períodos sem um patamar mínimo de despesa para educação: de 1937 a 1945, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, e na ditadura militar, de 1967 até 1985, quando foi regulamentada a Emenda Calmon.

Os gastos com educação só registraram queda contínua justamente nos períodos em que não houve vinculação mínima constitucional, lembra o professor Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). “Os valores aplicados em educação diminuíram nessas ocasiões. Se o desejo é garantir condições mínimas para a população, o governo deve tentar outros meios, mas não tirando da educação e saúde. A reforma tributária, por exemplo, seria um caminho. É aquele argumento de ocasião e, na verdade, uma agenda que sempre esteve na mesa e voltou agora”, afirma.

O parecer final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, divulgado ontem, confirmou a retirada dos pisos para educação e saúde. Desde a Constituição de 1988, o governo federal é obrigado a destinar 18% da receita para educação, enquanto Estados e municípios devem aplicar 25%. Já para a saúde, o mínimo constitucional é de 12% da receita para Estados e de 15% para os municípios.

“Esse é um filão que o ministro Paulo Guedes já tinha colocado desde o início do governo e aproveitou agora esse momento da pandemia. Ocorre que esse jogo tem um custo bastante complexo e danoso tanto para a educação como para a saúde. Nós sabemos, por exemplo, que há gestores que não entendem a educação como investimento, mas sim custo”, afirma Mozart Neves Ramos, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Zeina Latif - Petrobras e a caixa de Pandora

- O Globo

Bolsonaro não está sozinho na intervenção na Petrobras. Apesar das críticas de analistas e da reação negativa de investidores, há vozes favoráveis à mudança na política de preços de combustíveis, com a visão de que estes deveriam refletir o custo interno corrente de produção (como se não houvesse dívida do investimento feito a ser honrada), e não os preços internacionais.

Com preços artificialmente baixos, a Petrobras teria de elevar sua capacidade de refino, pois o Brasil não é autossuficiente - no diesel, a importação representa 24% do consumo e na gasolina, 12%, na média de 2017-20.

Além disso, investimentos privados, como a aquisição de refinarias da Petrobras, ficariam comprometidos. O pouco interesse nos leilões recentes da empresa já refletiu o temor de intervenção no setor.

Abraçar esse modelo seria a volta a um passado que não deu certo. Os governos petistas combinaram o represamento de reajustes de preços e o investimento em refinarias, dilapidando a empresa.

Elio Gaspari - A radioatividade do capitão

- O Globo / Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada

Quando o senador Tasso Jereissati disse que até a eleição do ano que vem “as instituições precisam ser fortes, trincar os dentes”, ele sabia do que estava falando. Semanas depois dessa advertência, o capitão fritou de forma espalhafatosa o presidente da Petrobras, com as consequências que são conhecidas.

Como escreveu o economista Gustavo Franco: “Boa tarde, Venezuela”. Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada. Ambos foram militares indisciplinados, ambos mantiveram relações agrestes com as instituições e ambos encantaram-se com o apoio de modalidades milicianas. Se Chávez foi para a esquerda, esse oportunismo vem a ser irrelevante. Nos dois casos, a mola propulsora era a busca e a manutenção do poder.

Com a fritura de Roberto Castello Branco, o capitão mostrou sua forma rombuda de governar. Na sua sala de troféus estão as cabeças de Gustavo Bebianno, o advogado que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. (Foi Bebianno quem levou Paulo Guedes ao deputado.) Ao lado dessa cabeça estão as de Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Dispensar colaboradores faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão é um dever do governante. Espalhafato e falta de argumentos racionais nada têm a ver com isso, sobretudo quando se vê o equilíbrio com que Bolsonaro e seus filhos tratam o miliciano Fabrício Queiroz.

Bernardo Mello Franco - A grande obra de Bolsonaro

- O Globo

Depois de muito trabalho, Jair Bolsonaro está perto de concluir a maior obra de seu governo: a blindagem do filho Zero Um. Ontem o Superior Tribunal de Justiça anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal do herdeiro. Com a decisão, o escândalo da rachadinha fica a um passo de ser sepultado.

O capitão pode ser acusado de tudo, menos de ser um pai ausente. Para proteger Flávio, ele interferiu na Polícia Federal, aparelhou a Abin, enquadrou a Receita e tentou extinguir o Coaf. Os outros Poderes também fizeram sua parte. O Legislativo paralisou o Conselho de Ética do Senado, e o Judiciário distribuiu liminares salvadoras.

No Supremo, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux travaram a investigação por cinco meses. Gilmar Mendes, sempre ele, livrou o faz-tudo Fabrício Queiroz da cadeia. No STJ, não houve concorrência. O ministro João Otávio de Noronha, que Bolsonaro já descreveu como um “amor à primeira vista”, assumiu o papel de escudeiro do Zero Um.

Há sete meses, o doutor ofereceu o primeiro habeas corpus a Queiroz. Estendeu a gentileza à mulher do ex-PM, que estava foragida. Ontem ele foi o primeiro a anular as quebras de sigilo. Ao votar, acusou o Coaf de promover “indevida intromissão na intimidade e privacidade” do primeiro-filho.

Para Noronha, o órgão que fiscaliza movimentações atípicas foi indiscreto ao relatar as movimentações atípicas de Flávio. Graças ao Coaf, soube-se que a conta do senador era abastecida com envelopes recheados de dinheiro vivo. As quebras de sigilo revelaram que Queiroz pagava até a escola das netas do presidente.

Ao invalidar as provas contra o Zero Um, o STJ mutilou a denúncia que o acusa de desviar R$ 6 milhões dos cofres da Alerj. Agora a grande obra de Bolsonaro está quase completa. Falta arrumar um jeito de sumir com aqueles R$ 89 mil que Queiroz depositou na conta da primeira-dama.

+ + + 

O líder do capitão na Câmara, Ricardo Barros, resolveu sair em defesa do nepotismo no setor público. “Só porque a pessoa é parente é pior que outra?”, questionou ao “Estadão”. Definitivamente, este é um governo que defende a família.

 

Vera Magalhães - Me dê motivos

- O Globo

Paulo Guedes é hoje um ministro à procura de um propósito. Todo mundo se pergunta por onde anda o titular da Economia desde que Jair Bolsonaro enfiou a mão grande na Petrobras. Memes foram feitos a respeito, e aliados pulam do barco com palavras de decepção, mas o silêncio do ministro está diretamente ligado à procura de uma justificativa para sua permanência no cargo diante de tanta bolsonarice.

Tim Maia cantava para que seu amor lhe desse motivos para ir embora. Nosso ministro parece pedir ao presidente que lhe dê motivo, um que seja, para ficar.

Na falta de algo melhor para se agarrar, Guedes se lembrou da PEC Emergencial, que estava pegando poeira nos escaninhos do Congresso. Neste caso, não se pode negar que a desvinculação de recursos do Orçamento sempre foi um projeto do ministro. Mas cabe, sim, discutir se ela é justificável à luz do que prevê a Constituição e, particularmente, diante do quadro social e econômico agravado pela pandemia prolongada.

O relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) acaba com a vinculação obrigatória de recursos orçamentários para Saúde e Educação. A proposta é especialmente deletéria para a estruturação do financiamento à educação básica, uma vez que o Fundeb, a principal ferramenta para isso, depende da vinculação para existir.

Sob o discurso ligeiro, e sem amparo em dados e evidências, de que governantes precisam ter autonomia para determinar as prioridades de investimentos, o governo e setores do Congresso se preparam para usar a necessidade incontestável de conceder auxílio emergencial durante a pandemia como desculpa para bombardear o financiamento da Educação e da Saúde.

Música | João Bosco - Papel Machê

 

Poesia | Vládimir Maiakóvski - A Sierguéi Iessiênin

 

Você partiu,

                 como se diz,
                                    para o outro mundo.
Vácuo. . .
             Você sobe,
                             entremeado às estrelas.
Nem álcool,
                 nem moedas.
Sóbrio.
           Vôo sem fundo.
Não, lessiênin,
                      não posso
                                     fazer troça, –
Na boca
             uma lasca amarga
                                        não a mofa.
Olho –
          sangue nas mãos frouxas,
você sacode
                  o invólucro
                                 dos ossos.
Sim,
       se você tivesse
                             um patrono no “Posto –

ganharia
            um conteúdo
                               bem diverso:
todo dia
            uma quota
                           de cem versos,
longos
          e lerdos,
                       como Dorônin.
Remédio?
               Para mim,
                               despautério:
mais cedo ainda
                        você estaria nessa corda.
Melhor
           morrer de vodca
que de tédio !
Não revelam
                   as razões
                                 desse impulso
nem o nó,
               nem a navalha aberta.
Pare,
        basta !
                   Você perdeu o senso? –
Deixar
          que a cal
                        mortal
                                  Ihe cubra o rosto?
Você,
         com todo esse talento
para o impossível;
                          hábil
                                  como poucos.
Por quê?
             Para quê?
                            Perplexidade.
– É o vinho!
                 – a crítica esbraveja.
Tese:
         refratário à sociedade.
Corolário: 
                muito vinho e cerveja.

Sim,
       se você trocasse
                                a boêmia
                                             pela classe;
A classe agiria em você,
                                    e Ihe daria um norte.
E a classe
                por acaso
                               mata a sede com xarope?
Ela sabe beber –
                        nada tem de abstêmia.
Talvez,
          se houvesse tinta
                                    no “Inglaterra”;
você
        não cortaria
                          os pulsos.
Os plagiários felizes
                              pedem: bis!
Já todo
           um pelotão
                           em auto-execução.
Para que
              aumentar
                            o rol de suicidas?
Antes
         aumentar
                       a produção de tinta!
Agora
         para sempre
                           tua boca
                                        está cerrada.
Difícil
        e inútil
                  excogitar enigmas.
O povo,
            o inventa-línguas,
perdeu
          o canoro
                       contramestre de noitadas.

E levam
             versos velhos
                                 ao velório,
sucata
          de extintas exéquias.
Rimas gastas
                    empalam
                                  os despojos, –
é assim
            que se honra
                                um poeta?
-Não
        te ergueram ainda um monumento –
onde
        o som do bronze
                                 ou o grave granito? –
E já vão
            empilhando
                             no jazigo
dedicatórias e ex-votos:
                                   excremento.
Teu nome
               escorrido no muco,
teus versos,
                  Sóbinov os babuja,
voz quérula
                 sob bétulas murchas –
“Nem palavra, amigo,
                               nem so-o-luço”.
Ah,
      que eu saberia dar um fim
a esse
          Leonid Loengrim!
Saltaria
            – escândalo estridente:
– Chega
            de tremores de voz!
Assobios
             nos ouvidos
                              dessa gente,
ao diabo
             com suas mães e avós! 
Para que toda
                    essa corja explodisse
inflando
            os escuros
                            redingotes,
e Kógan
               atropelado
                               fugisse,
espetando
                os transeuntes
                                      nos bigodes.
Por enquanto
                    há escória
                                    de sobra.
0 tempo é escasso –
                              mãos à obra.
Primeiro
             é preciso
                           transformar a vida,
para cantá-la –
                      em seguida.
Os tempos estão duros
                                   para o artista:
Mas,
        dizei-me,
                     anêmicos e anões,
os grandes,
                 onde,
                          em que ocasião,
escolheram
                  uma estrada
                                     batida?
General
            da força humana
                                     – Verbo –
marche!
            Que o tempo
                               cuspa balas
                                                 para trás,
e o vento
             no passado
                              só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo
                   o planeta
                                 está imaturo.
É preciso
              arrancar alegria
                                     ao futuro.
Nesta vida
                morrer não é difícil.
O difícil
           é a vida e seu ofício.

 

(Tradução de Haroldo de Campos)