domingo, 31 de julho de 2022

Luiz Werneck Vianna* - Completar a obra da democratização

Para observadores desatentos o apego irracional ao poder por parte de Bolsonaro quando todos e tudo lhe escapam do controle e comunicam em alto e bom som que chegou a hora do seu fim, aparenta sinais de loucura, de falhas cognitivas que escapam a uma percepção normal das circunstâncias a que está exposto, tanto no processo eleitoral que emite sinais irreversíveis de derrota nas urnas, como na rejeição manifesta pela opinião pública entre gregos e troianos, inclusive de largas fatias da elite, ao seu estilo de mando e de governo.

Mas há método nessa loucura, e que não recua do uso de qualquer expediente que evite a sua derrota final, em última instância até o de favorecer enfrentamentos que levem o país à beira de numa guerra civil. Bolsonaro e seu entorno imediato nunca esconderam seus propósitos do que entendiam como uma purificação política do país pela eliminação dos seus adversários, no limite, física (os trinta mil mortos tantas vezes mencionados publicamente), explícita na glorificação de militares torturadores na ditadura militar e na sua obsessão de defesa do regime do AI-5. Nesse sentido, converteu em uma política de Estado a difusão do culto às armas e a massificação da sua posse, e favoreceu a criação de milícias entre seus simpatizantes e sequazes.

Alberto Aggio* - Emerge a frente democrática

Precisamente no momento em que a mídia anuncia que as pré-candidaturas à presidência da República se oficializam nas suas respectivas Convenções, começa uma certa movimentação de alguns candidatos aparentemente em deriva rumo à candidatura Lula. A mídia registrou incomuns elogios de Ciro Gomes a Lula bem como giro ainda mais ostensivo de André Janones em direção ao líder petista e assim os vem interpretando.

Tais movimentações parecem indicar que o panorama eleitoral ainda não está de todo definido, mesmo que se veja nele um cenário pouco afeito a mudanças, com o embate se concentrando em Lula e Bolsonaro. Se alguma coisa se move na atual disputa, tudo indica que não será capaz de alterar os termos em que ela acabou se desenhando.

Mas algo de novo ocorreu nos últimos dias. Há pouca discordância de que o fato novo a se registrar foi a carta Estado de Direito Sempre, redigida por professores de Direito da USP, que causou um enorme impacto. A carta foi imediatamente traduzida como Carta em Defesa da Democracia, movimentou o cenário político e repercutiu na arena eleitoral. A Carta representa efetivamente um divisor de águas porque alterou o centro de gravidade da conjuntura política.

Míriam Leitão - Carta do Direito e a nova aliança

O Globo

Quando formam-se alianças, a democracia se fortalece, e esse é o sentido da Carta contra as ameaças autoritárias que rondam as eleições

Há um momento em que notas de grupos viram manifestos de alianças. Muda a natureza do movimento. Foi o que aconteceu nos últimos dias. A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros remete a um símbolo forte do passado e une pessoas diferentes entre si sob uma bandeira comum. As mesmas arcadas do Direito da USP que ouviram Goffredo da Silva Telles Jr. ouvirão Celso de Mello na defesa da democracia. Empresários, banqueiros, intelectuais, profissionais de diversas áreas se uniram num manifesto que na sexta-feira já ultrapassava 400 mil assinaturas. Outros documentos estão sendo preparados. A sociedade civil fez muito pelo fim da ditadura militar com atos como esses.

Só subestima o que está acontecendo quem não conhece a História ou não valoriza a força da democracia. Jair Bolsonaro diz que não entendeu as cartas pró-democracia e emendou: “Estão com medo do quê?” É difícil para o presidente entender o que seja um movimento de defesa da democracia. Ele não entende disso. E não é exatamente medo o que move os subscritores, é a certeza de que Bolsonaro representa um risco para as instituições do país.

Elio Gaspari - Em 1977, o SNI não entendeu a Carta

O Globo

O negócio daquela Carta, como a de hoje, era a democracia

Jair Bolsonaro e o doutor Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil da Presidência, disseram que o manifesto da Carta em Defesa da Democracia era coisa de banqueiros ressentidos pela popularização do Pix.

Seria ingenuidade supor que eles não entendem de banqueiros ou de política. Bolsonaro e Nogueira estão num palácio onde algum efeito sobrenatural tem a capacidade de distorcer a percepção da realidade.

No palácio, nada é o que é. Se cai um meteorito no Pará, isso pode ter sido jogada de alguma ONG.

A Carta de 2022 procura replicar o que teria sido o efeito da Carta ao Brasileiros que o professor Goffredo da Silva Telles leu numa noite de agosto de 1977, há 45 anos.

Valeria a pena que Nogueira e seus colegas palacianos relessem o que escreveu o falecido Serviço Nacional de Informações, analisando a cena do largo de São Francisco:

“A Carta aos Brasileiros

A leitura da “Carta aos Brasileiros” feita pelo Professor Goffredo da Silva Telles, dia 8 de agosto de 1977, no pátio interno da Faculdade de Direito da USP, como parte dos festejos comemorativos do sesqüicentenário da implantação dos cursos jurídicos no BRASIL deu a impressão, à primeira vista, de que se tratava de um ato oficial organizado pela Direção da Faculdade, em comemoração a mais um aniversário de sua fundação.

Na verdade, o documento em apreço, de mera conotação política, não teve apoio maciço da Congregação da referida Academia de Direito, senão de minoria inexpressiva, conquanto ativa.

É da entrevista do Diretor da Faculdade a afirmação: ‘A leitura (da Carta) era um ato político e pessoal do Professor Goffredo e, por isso, a permissão para uso do salão só poderia ser dada pela Congregação, mas o pedido não foi feito’.

A ‘Carta aos Brasileiros’ está recebendo a adesão de professores de outras escolas de Direito e de muitos advogados de São Paulo e de outros estados. No entanto, ela não está merecendo a adesão irrestrita nem sensibilizou a opinião pública, como esperavam seus autores. Alguns políticos de conhecida formação liberal se recusaram a assiná-la, sob os mais variados argumentos. (...) O presidente seccional da OAB em São Paulo deixou de assinar a ‘Carta’ por considerá-la um documento elaborado por iniciativa isolada.”

O SNI não havia entendido nada. O negócio daquela Carta, como a de hoje, era a democracia.

Como ensinou Mark Twain, a história não se repete, mas rima.

Bernardo Mello Franco - Discurso vencido

O Globo

Na contramão dos fatos, Bolsonaro insiste em dizer que acabou com a corrupção. Para 73%, esse discurso já estourou o prazo de validade

No último dia da campanha de 2018, Jair Bolsonaro não saiu de casa. Limitou-se a fazer uma aparição nas redes sociais. Com a vitória garantida, o capitão repetiu seu número preferido: prometeu combater a corrupção e acabar com o loteamento de ministérios e estatais.

“O que está em jogo não é a democracia, não. O que está em jogo é a perpetuação dessa máquina podre que nós temos aí, que vive da corrupção”, pontificou. “O que está em jogo é a corrupção, são os grupos que não querem sair de lá porque vivem mamando nas tetas do Estado”.

O discurso de Bolsonaro estava amparado em pesquisas. Depois de quatro anos de Lava-Jato, a corrupção aparecia no topo das preocupações dos brasileiros. No sétimo mandato de deputado, o capitão conseguiu fazer mágica e se vender como um outsider. A aliança com o juiz Sergio Moro, que aceitou abandonar a magistratura para virar ministro, deu o toque final no personagem.

Alessandra Ribeiro e Rafael Cortez* - É a política e a economia, estúpido!

O Globo

A melhor situação econômica não basta para evitar riscos democráticos

‘É a economia, estúpido’. O uso da frase do estrategista de campanha do Partido Democrata, James Carville, no início de 1992 tornou-se comum nas análises eleitorais mundo afora.

A racionalidade por trás da afirmação é razoavelmente simples: cenário econômico tem peso relevante no comportamento dos eleitores, tornando a disputa presidencial uma avaliação do desempenho do governo na condução da economia. Uma economia que cresce significaria vitória do candidato à reeleição, independentemente das variáveis políticas, tais como natureza do sistema de partidos, perfil dos candidatos ou estrutura de campanha. Seria tão poderosa que, no limite, ela também produziria estabilidade política.

Os últimos anos, porém, foram marcados pela “redescoberta da política”, invertendo a relação entre economia e política. A análise das regras do jogo e das escolhas dos tomadores de decisão passou a ter impacto decisivo no comportamento das economias. A crise política nos países avançados, decorrente da crise sistêmica de legitimidade das organizações partidárias tradicionais, mostrou que o risco político não era apenas problema de países periféricos. A melhor situação econômica não basta para evitar riscos democráticos e episódios de violência política.

Dorrit Harazim – Penitências

O Globo

Pedidos oficiais de desculpas são registros civilizatórios essenciais para o conhecimento de quem somos

A História está coalhada de memoráveis pedidos de desculpas públicas, moldadas por graus variáveis de sinceridade e intento de reparação. Pena que só vez por outra essas penitências oficiais por atos cometidos por (a)gentes do passado conseguem ser confrontadas com situações presentes. No âmbito de nossas relações pessoais, é fácil: a sinceridade de uma jura de não repetição do erro é perfeitamente auditável por quem sofre o abuso. Basta aguardar os dias seguintes. Mais difíceis e complexos de avaliar são os pedidos oficiais de desculpas por crimes deliberadamente enterrados na História por uma instituição, governo ou nação. Ainda assim, são registros civilizatórios essenciais para o conhecimento de quem somos.

Janio de Freitas – O medo que ameaça

Folha de S. Paulo

Presidente apela ao golpismo diante da derrota que se anuncia

Bolsonaro já está convencido de que não se reelege, e tem medo. Há dois meses até a eleição, tempo que não levaria um candidato esperançoso a providências de desespero.

Paulo Guedes e outros estão acionados em duas linhas avançadas. Uns têm feito sondagens nos tribunais superiores sobre possível contenção dos processos criminais de Bolsonaro.

Outros são portadores de propostas em que atitudes positivas de Bolsonaro e o encerramento dos processos se compensariam.

Mesmo que parte do Supremo Tribunal Federal argumente com a conveniência de instituições pacificadas e eleições tranquilas, não há sinal de maioria aberta a acordo.

Muniz Sodré* - Ditaduras moleculares

Folha de S. Paulo

A realidade de 2 milhões de pessoas no Rio de Janeiro é dependência das milícias

Como a imagem num holograma, que tem a informação do todo em cada uma de suas partes, pequenos relatos individuais não raramente expõem problemas de grande magnitude social. Assim é que um jovem universitário, morador de uma das grandes favelas cariocas, embora exultante pela oportunidade que lhe oferece o sistema público, me faz saber de seus percalços para cumprir tarefas. Há primeiro a distância e a precariedade do transporte.

Há, sim, as vantagens híbridas do online. E aí se revela outra ordem de dificuldades, pois a rede não funciona bem onde ele mora, e não há reclamação ou alternativa possíveis: o serviço é controlado por traficantes.

Hélio Schwartsman - Na Covid, Deus dá lição de biologia

Folha de S. Paulo

O vírus nos mostra o poder da seleção natural mediante variação

Não acho que Deus exista, mas admitamos, para fins de argumentação, que ele seja real e interfira no mundo. Existem vários modos de fazê-lo. Há desde o superativismo divino, no qual nem uma pedra rola sem autorização do criador, até o deísmo, pelo qual o demiurgo criou o universo com suas leis naturais e foi descansar num longo "shabbat", que já dura 14 bilhões de anos.

pandemia de Covid-19 traz dificuldades para os partidários da primeira concepção, já que nos obrigaria a ver Deus como um cara malvado. Se tudo depende de decisão do criador, então ele é o culpado pelos 6 milhões de óbitos até aqui registrados. Não daria nem para condenar Bolsonaro por suas omissões, já que elas seriam parte do plano divino.

Vinicius Torres Freire – Salário a preço de liquidação

Folha de S. Paulo

Inflação e desemprego caem até outubro, mas emprego precário é problema para governismo

índice de infelicidade é uma medida muito simplesinha de mal-estar econômico, mas diz alguma coisinha sobre o prestígio dos governantes. É a soma da taxa de inflação com a taxa de desemprego, uma ideia do economista americano Arthur Okun (1928-1980).

Em geral, também a popularidade de presidentes brasileiros varia com esse índice de infelicidade ou sofrimento ("misery index").

O índice de sofrimento econômico começou a cair por volta de março e deve baixar ainda mais. Parece plausível que a popularidade de Jair Bolsonaro (PL) tenha saído do fundo do poço, a partir do início do ano, por causa do aumento do número de pessoas com algum trabalho.

Como qualquer outra explicação simplesinha, o recurso apenas ao índice de sofrimento dá em besteira grande. Mas não convém desprezar as manhas e os efeitos da inflação e do emprego na conversa política.

Eliane Cantanhêde - Cobertor curto

O Estado de S. Paulo

Lula foca no voto útil, Bolsonaro sobe daqui, cai dali e fica no elas por elas, ou no eles por elas

O presidente Jair Bolsonaro sofre da síndrome do cobertor curto na eleição: quando melhora daqui, piora dali e essa soma zero é a favor do ex-presidente Lula, que atravessa toda a campanha numa dianteira confortável e está com 14 pontos de vantagem, segundo o Agregador de Pesquisas do Estadão, com a possibilidade, difícil, não impossível, de vitória em primeiro turno.

Bolsonaro foi de 19% para 24% entre os nordestinos, pelo Datafolha, mas está 35 pontos atrás de Lula no Nordeste e 15 pontos no Sudeste e as duas regiões reúnem 70% do eleitorado brasileiro. Ele também ganhou seis pontos entre as mulheres, mas perdeu quatro entre os homens. Ficou elas por elas, ou eles por elas.

Se o presidente melhorou um tantinho entre os de menor renda, Lula compensou entre os mais ricos. E, se Bolsonaro é o preferido dos evangélicos (43% a 33%), Lula é o dos católicos, com margem bem maior (52% a 25%), e tem 51% dos espíritas.

Luiz Carlos Azedo - Lula explora favoritismo para ampliar alianças

Correio Braziliense / Estado de Minas

Não há relação direta do descolamento do establishment empresarial e jurídico em relação a Bolsonaro com o apoio desses segmentos a Lula, mas manifestos abrem espaços para o petista

Os manifestos em defesa da democracia, das urnas eletrônicas, da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal (STF) — um deles articulado por ministros aposentados da Corte, professores e alunos da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP); o outro, pela poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), com apoio da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) e da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) — sinalizam um grande movimento de placas tectônicas na política brasileira.

Representam a reação da sociedade civil à narrativa golpista de Jair Bolsonaro (PL), principalmente depois da reunião com diplomatas de cerca de 70 países, na qual levantou suspeitas sobre o sistema eleitoral e atacou os ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, Édson Fachin e Alexandre de Moraes. O fato de o presidente ter anunciado a intenção de convocar uma manifestação para o 7 de setembro, dia do Bicentenário da Independência, com o propósito de confrontar o Supremo, no domingo passado, na convenção eleitoral do PL, deu mais repercussão aos manifestos, que podem chegar a um milhão de assinaturas de personalidades dos mundos jurídico, empresarial, acadêmico, científico e artístico.

A 63 dias do primeiro turno das eleições, os dois manifestos sinalizam um realinhamento de forças políticas e sociais de muita envergadura, cujas consequências eleitorais não estão ainda definidas, mas revelam o profundo isolamento político de Bolsonaro, dos generais que o cercam e dos políticos do Centrão que controlam o Orçamento do governo. O inegável prestígio popular, que mantém uma base eleitoral bastante resiliente, e o peso da utilização da máquina governamental para desequilibrar a eleição a seu favor, por meio da aprovação da PEC da Eleição, não vêm sendo suficientes para reduzir os índices de rejeição de Bolsonaro, o que mantém a polarização e a radicalização políticas, mas não a sua expectativa de poder.

Cristovam Buarque* - Um Ministro da Educação de Base

Blog do Noblat / Metrópoles

O governo federal como o responsável pela educação de base das crianças brasileiras

A ideia de o governo federal adotar responsabilidade sobre a educação de base das crianças brasileiras, está explicitada no programa de governo do Ciro Gomes. Em sua entrevista à Globo News, a Senadora Simone Tebet também levantou a possibilidade de a educação de base ser uma função de todo o Brasil. 

Desde a eleição de 2006, os candidatos à presidência não explicitavam estratégias neste sentido, e aparentemente apenas estes candidatos demonstram esta concepção; os demais parecem aceitar a ideia de que o atual sistema municipal é capaz de permitir o salto na educação de base; ou consideram que este salto é desnecessário e basta facilitar o ingresso no ensino superior, mesmo com a educação de base sem qualidade. 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Democracia sempre

Folha de S. Paulo

Sociedade reage e expressa adesão incondicional aos valores democráticos e repúdio ao golpismo

Os manifestos em articulação na cidadania e entre associações da iniciativa privada contra as ameaças golpistas do presidente da República reforçam e renovam, na sua origem, os compromissos fundadores do pacto democrático nacional.

A carta organizada por ex-alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, endossada a esta altura por centenas de milhares de subscritores, aciona o vínculo primordial do regime das liberdades, inscrito na Carta de 1988.

"Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." As eleições periódicas, porque cruciais para essa transferência condicionada de poder, não podem ser objeto de alteração na lei fundamental.

O texto menciona a trajetória de respeito aos resultados eleitorais e de transições ordeiras que já avança pela quarta década. Enfatiza o ganho de confiabilidade representado pela votação eletrônica, sobre a qual jamais foi comprovada fraude em mais de 25 anos de emprego.

Ao reduzir drasticamente os votos inválidos, a urna digital cumpriu na prática a promessa da Nova República de incluir no exercício rotineiro da soberania popular os brasileiros menos instruídos.

confiança no sistema de votação, segundo pesquisa do Datafolha concluída nesta quinta (28), abrange 79% dos eleitores, sendo francamente majoritária (69%) entre os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que vilipendia as urnas e a Justiça diariamente.

Convite | Lançamento do livro - O mundo é uma escola ( Cristovam Buarque)

 


Poesia | Ascenso Ferreira - Trem de Alagoas / Noturno / Cabra Cabriola

Música | Teresa Cristina & Zezé Gonzaga - Barracão (Luiz Antônio e Oldemar Teixeira Magalhães)

 

sábado, 30 de julho de 2022

Bolívar Lamounier* - Bolsonaro é blefe ou ameaça séria?

O Estado de S. Paulo

Podemos ser arrastados para um desastre, mas não por desatenção ou por grave erro de avaliação, como aconteceu na Alemanha

É voz corrente que Jair Bolsonaro tenta aliciar uma parte dos militares e das polícias estaduais para um golpe de Estado, mas desatinar é uma coisa, levar o desatino à prática é outra.

Tal desvario é levado a sério por muitas pessoas lúcidas, e antes isso, pois, como sabemos, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Comparar o Brasil de hoje com a Alemanha da primeira metade do século passado não faz muito sentido, mas vale a pena registrar que a revista Foreign Affairs, numa recente edição retrospectiva, mostrou que vários jornalistas de primeira grandeza ainda se recusavam a crer que Hitler fosse mesmo levar suas alucinações à prática quando seu regime totalitário já estava praticamente implantado. 

No final de 1944, cerca de 100 mil opositores do nacional-socialismo, entre os quais comunistas, social-democratas e liberais, além de judeus e homossexuais, começavam a ser amontoados em campos de concentração. A pseudociência da “eugenia” começava a ser posta em prática mediante assassinatos e castração de indivíduos pertencentes a “raças inferiores”, como os ciganos. Contudo, em que pese aquele monstruoso precedente, não creio que Bolsonaro ponha em prática suas elucubrações golpistas, ou que permaneça sequer um mês no poder, caso o faça.

Oscar Vilhena Vieira* - A reconstrução do tecido democrático

Folha de S. Paulo

Desafios a serem enfrentados é o que não falta

Ao difamar o processo eleitoral brasileiro para uma audiência composta de embaixadores estrangeiros, num claro ato de deslealdade institucional, Bolsonaro desencadeou a formação de um inesperado e amplo arco de forças na defesa do Estado democrático de Direito.

Desta vez não foram apenas os setores tradicionalmente sensíveis e vigilantes aos sucessivos ataques aos direitos fundamentais e à democracia, como a imprensa, as organizações da sociedade civil, juristas, artistas e intelectuais que se levantaram.

A gravidade das investidas contra as urnas eletrônicas, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral despertou também entidades como a Fiesp, a Febraban, a Fecomercio, e mesmo entidades do Agro, como a Abiove, para a necessidade de assumirem uma postura mais clara sobre a defesa da democracia.

João Gabriel de Lima* - Em defesa de nossa maior conquista

O Estado de S. Paulo

Os disparates que nos envergonharam serviram de estopim para que a sociedade civil se levantasse

A redemocratização brasileira, grande conquista de uma geração, era considerada um caso exemplar na ciência política. Os estudiosos se impressionavam com as instituições que se fortaleciam, as eleições regulares e as transições civilizadas. Usadas pela primeira vez em 1996, as urnas eletrônicas – seguras, rápidas, confiáveis – sempre foram vistas mundo afora como símbolo do sucesso.

Esse símbolo vem sendo atacado sistematicamente pelo presidente Jair Bolsonaro – que há duas semanas reuniu embaixadores para espalhar “fake news” sobre as urnas eletrônicas. A sociedade civil reagiu ao disparate que nos envergonhou no plano internacional. “O processo de apuração no Brasil tem servido de exemplo ao mundo com respeito aos resultados e transição republicana de governo”, diz a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”. O manifesto, elaborado na tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, explodiu em adesões ao longo da semana.

Ascânio Seleme - É fácil criticar Lula

O Globo

Para recuperar a simpatia que um dia teve de camadas maiores da população brasileira, o partido precisa fazer um mea-culpa correto e amplo

Foram cometidos inúmeros erros, equívocos e alguns crimes nos oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. É muito fácil criticar o ex-presidente. Pelo mensalão, por exemplo, crime pelo qual quase foi cassado e que começou a ser gestado ainda antes da sua posse. Quando o escândalo eclodiu, Lula alegou nada saber e demitiu o então ministro José Dirceu, articulador da troca de votos no Congresso por mesadas a parlamentares e partidos políticos. Pode-se criticá-lo também por ter sido em seu governo que o petrolão germinou, com a lotação de diretorias da Petrobras entre os partidos aliados.

No plano pessoal, Lula também pode ser desaprovado pelo tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia. Da mesma forma é condenável ter permitido que seu filho Fábio Luís assinasse um contrato com a Telemar, empresa na qual o governo tinha participação acionária. Pode-se também censurar Lula por algumas das escolhas políticas que fez. A pior delas talvez seja a aliança com o Centrão. Um líder de partido de esquerda, que assumira o governo prometendo mudar a forma de fazer política, cometeu o mesmo erro de seus antecessores e dos que viriam depois dele. A escolha solitária de Dilma para sucedê-lo também provou-se um equívoco.

Pablo Ortellado - André Janones

O Globo

Candidato aceitou convite de Lula para conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno

Esta coluna inaugura uma série analisando os candidatos a presidente com maior intenção de voto.

Muita gente se surpreendeu quando uma pesquisa do Ipec em dezembro de 2021 deu 2% de intenção de voto para a Presidência a André Janones (Avante), à frente do então pré-candidato João Doria, do PSDB. Quem acompanha a dinâmica das mídias sociais, porém, sabia que Janones era uma potência. Era o único político do país que poderia competir em influência digital com Bolsonaro e Lula. Analisei sua trajetória numa coluna no GLOBO em 20 de fevereiro de 2021. Janones aceitou ontem convite de Lula para conversar sobre uma possível união ainda no primeiro turno e admitiu que poderia desistir da candidatura. Mas nada ainda está certo.

Eduardo Affonso - De lobo@mau para jair@glp

O Globo

"Os porquinhos 01, 02 e 03, meus companheiros de fábula, poderiam ter lhe contado que, bufando, se consegue muita coisa, não tudo"

Sr. presidente (ou candidato — nunca sei ao certo),

Invadi o provedor que o Elio Gaspari usa para fazer chegar aos vivos (principalmente aos muito vivos) certas mensagens do Além e valho-me dessa tecnologia de ponta para me dirigir ao colega, daqui do mundo das fábulas, onde bichos falam, e toda história tem uma moral.

Permita que me apresente e justifique a intimidade de tratá-lo de igual para igual: sou o Lobo Mau, aquele que contribuiu para o aumento do déficit habitacional entre os porquinhos, fez disparar a taxa de mortalidade de cordeiros e vovozinhas e lançou mão de feiquenius para tentar devorar Chapeuzinho Vermelho.

Tenho percebido, de sua parte, a apropriação de muitas das minhas estratégias — e não posso me furtar a lhe lembrar que elas nem sempre deram certo.

Carlos Alberto Sardenberg - 'Carta aos Brasileiros' omite mal que corrupção faz à democracia

O Globo

Apontar o dedo para essa prática danosa não é embaraçoso apenas para o PT. Atinge um amplo espectro de lideranças

Num de seus últimos votos antes de se aposentar do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello escreveu:

— O fato inquestionável é que a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do país, além de vulnerar o princípio democrático.

Entretanto não há uma palavra sequer sobre corrupção na nova “Carta aos Brasileiros”, a ser lida no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Celso de Mello, que se formou naquela escola, deverá ser o porta-voz do documento.

Carlos Góes - 'Bolsochavismo'

O Globo

As similaridades entre Hugo Chávez e Jair Bolsonaro vão além do estilo populista e nacionalista demonstrado por ambos

Você provavelmente já ouviu o termo “bolsochavismo” antes. Mas, antes que você feche as portas para essa ideia, eu peço alguns minutos de sua atenção. Esta coluna busca entender se o silogismo faz sentido.

À primeira vista, uma comparação entre Hugo Chávez e Jair Bolsonaro pode parecer esdrúxula. Chávez entrou para história como um líder de esquerda, que se dizia marxista e levou adiante o “socialismo do Século XXI”. Já Bolsonaro parece ser o oposto de tudo isso: alguém de direita e antissocialista.

Claramente, Bolsonaro e Chávez não são iguais em seus ideários. Contudo, há consonâncias em seus métodos de governo, histórias pessoais e estilo de fazer política.

Hélio Schwartsman - Plano macabro

Folha de S. Paulo

Fazer de Bolsonaro senador vitalício não garante impunidade

O plano da direita para poupar Jair Bolsonaro de uma temporada na prisão é aprovar a PEC que cria o cargo de senador vitalício para ex-presidentes. Não acho que daria certo. O que efetivamente blinda Bolsonaro de problemas com a Justiça é o artigo 86 da Constituição, que lhe confere dupla proteção.

Ele estabelece que o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Na interpretação que lhe é dada, o dispositivo assegura que Bolsonaro não seria processado mesmo se emboscasse um desafeto na praça dos Três Poderes e o estripasse diante das câmeras de TV. Esse seria um ato estranho a suas funções, pelo qual ele só responderia ao término do mandato. Se o ato não for estranho a suas funções —corrupção ou prevaricação por exemplo—, a situação melhora, mas não muito. Nesse caso, o mandatário pode ser responsabilizado, mas só se a Câmara autorizar a abertura de processo por maioria de 2/3.

Alvaro Costa e Silva - PGR vira cabo eleitoral de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Enterro da CPI da Covid municia discurso negacionista

Com senso de oportunidade, como se fizessem parte do mesmo time, a PGR e Bolsonaro anteciparam-se aos debates sobre a atuação do governo durante a pandemia. Respaldado pela decisão da vice-procuradora-geral, Lindôra Araújo, de arquivar as principais frentes de investigação da CPI da Covid, o presidente partiu para o ataque antes de ser atacado.

Demétrio Magnoli - Tem importância, sim, Celso!

Folha de S. Paulo

Posição sobre Ucrânia só não terá importância se Brasil decidir tornar-se irrelevante

"Não tem nenhuma importância", decretou o ex-chanceler Celso Amorim, referindo-se à inclusão de Lula numa lista ucraniana de "oradores que promovem narrativas de propaganda russa". A lista, em si, talvez não tenha. A postura do provável futuro presidente sobre a guerra na Ucrânia tem.

Segundo Amorim, Lula "tem condenado sempre a invasão da Ucrânia pela Rússia". A afirmação reduz a verdade a mero jogo de palavras. O ex-presidente declarou que o ucraniano Zelenski "é tão responsável pela guerra quanto Putin". Ou seja: agressor e vítima dividem a culpa ao meio. Daí decorre a posição de neutralidade formal advogada pelo PT diante de uma guerra de conquista.

Fernando Schüler* - A teoria do ponto X

Revista Veja

“Estudo do Banco Mundial mostrou que 75% do gasto social no Brasil é “pró-ricos”

“Precisamos de mais desigualdade, não menos”, disse o empresário Winston Ling, dias atrás. A frase deu o que falar e soa muito estranha em um país marcado pela miséria e pelo capitalismo de compadrio. O que imagino que ele tenha tentado dizer é que, em uma economia aberta de mercado, com forte proteção a direitos, a chance de ganhar mais funciona como um prêmio para o trabalho e a inovação. E mais: que o mercado não é um jogo de soma zero, mas um jogo cooperativo. Steve Jobs ficou bilionário porque inventou um computador pessoal, naquela garagem em Palo Alto, e foi capaz de melhorar a vida de milhões de pessoas. Elon Musk só aparece na capa da Forbes porque uma montanha de gente acha que melhora de vida comprando um Tesla ou ações de suas empresas. William Nordhaus, analisando avanços tecnológicos na segunda metade do século XX, estimou que o empresário inovador captura pouco mais de 2% do valor que gera na sociedade. Podemos resmungar por aí achando que tem uma bruxa má, tipo Robin Hood às avessas, distribuindo o dinheiro das pessoas a um punhado de bilionários inúteis. Mas não é assim, ao menos em um mercado aberto, que as coisas funcionam.

George Gurgel de Oliveira* - O Brasil dos Negos Fujidos: os desafios históricos continuam atuais

A nossa ida ao Acupe de Santo Amaro, neste mês de julho, vivenciar e estar com “os Negos Fugidos”, rememorando as lutas do passado colonial, a memória das populações negras e celebrando a vida, nos ajuda a entender o que fomos, o que somos e o que queremos ser como sociedade. 

Devemos aproveitar esta nossa reflexão sobre a comunidade do Acupe de Santo Amaro e a manifestação dos Negos Fujidos para entender melhor como a sociedade brasileira foi e continua sendo construída e os desafios de preservação da nossa memória histórica e cultural. 

Assim, saber mais dos Negos Fujidos é saber como se desenvolveu e se consolidou a escravidão brasileira, o processo de libertação da escravatura até a atualidade, na perspectiva de superarmos a difícil realidade que vive, ainda hoje, a população negra da Bahia e do Brasil.

Fernando Carvalho* - Açúcar explosivo perigoso

Dedico este artigo aos médicos, nutricionistas e dentistas; três profissionais cuja maioria pensa que açúcar é um alimento. Mostro aqui que na verdade açúcar é um explosivo perigoso.

O açúcar tem uma incrível propriedade geradora de energia. Por definição, explosivo é toda substância capaz de gerar, por meio de uma reação química brusca, um grande volume de gases, que são elevados a alta temperatura pelo calor desprendido na reação. A expansão dos gases produz a explosão. 

Na Enciclopédia Delta Larousse, consta que a decomposição de um explosivo nada mais é que uma combustão muito viva. Entre os combustíveis estão o carbono, o hidrogênio e o enxofre. O comburente é o oxigênio, geralmente fornecido por compostos químicos muito oxigenados: nitratos, cloratos e percloratos. Um explosivo pode deflagrar ou detonar. Deflagra quando a produção de gases é progressiva, com velocidade de decomposição compreendida entre alguns milímetros e algumas centenas de metros por segundo; e detona quando a velocidade varia de 2 a 7 quilômetros por segundo em uma onda explosiva. Exemplos de altos explosivos brisantes, ou rompedores, são o TNT, a dinamite e o algodão–pólvora. Os principais explosivos deflagrantes ou propulsores são a pólvora negra, as pólvoras sem fumaça e a “pólvora branca”. Falarei apenas sobre as pólvoras negra e branca.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Riscos da letargia

Folha de S. Paulo

Memória da tragédia da Covid faz temer a inação do governo diante da varíola dos macacos

O mundo está às voltas com uma nova ameaça, a varíola dos macacos. Nada que se compare com a Covid-19, decerto, porém o retrospecto desastroso do Brasil no enfrentamento do coronavírus suscita certa preocupação.

A doença, similar àquela erradicada na década de 1970 com vacinação em massa, não chamava tanta atenção enquanto foi endêmica na África. O vírus conhecido pelo nome em inglês da moléstia, monkeypox, ganhou manchetes ao se espalhar em países ricos, ainda que de maneira lenta e limitada.

Foram registrados até agora cerca de 17 mil casos globalmente. O país mais afetado, Espanha, ultrapassa 3.000 infecções, seguido pelos EUA e por outras três nações europeias, Alemanha, Reino Unido e França.

O Brasil figura em sexto lugar, com mais de 1.000 diagnósticos, 70% deles no estado de São Paulo. Entre o primeiro caso confirmado e essa cifra transcorreram apenas seis semanas, permitindo supor que a transmissão já seja comunitária e provavelmente haja subnotificação. A primeira morte foi anunciada nesta sexta (29).

Poesia | Bertolt Brecht - Quem se defende

 

Música | Geraldo Azevedo - Ela e Eu (Geraldo Azevedo e Fausto Nilo)

 

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Fernando Luiz Abrucio* - A sociedade civil pela democracia

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

É preciso dar um apoio social às instituições de Justiça e aos políticos que querem proteger a democracia dos ataques bolsonaristas

Todo o poder emana do povo, diz a Constituição brasileira logo em seu início. Mas nem sempre os cidadãos, tomados de forma fragmentada, são capazes de resistir a ações autoritárias de líderes políticos e forças militares. A oposição e outros políticos eleitos podem tentar resguardar o regime democrático, porém parte deles pode aderir ao golpismo e inviabilizar a resistência política. Há ainda as instituições de controle como instrumentos para limitar o poder dos governantes. Só que por vezes elas sucumbem diante do populismo autoritário. Ao final, quando o próprio presidente jura de morte a democracia, o último bastião da liberdade é a sociedade civil organizada.

A democracia brasileira chegou ao seu limite quando o presidente Bolsonaro chamou embaixadores de outros países para deslegitimar o processo eleitoral, dizendo, no fundo, que como candidato à reeleição ele não necessariamente obedecerá às regras do jogo. Assim, ele avisou ao mundo que o voto poderá não ser a forma de definir o próximo governante do país. O sinal do golpe final contra o regime democrático foi dado.

O recado foi entendido pelos países democráticos presentes na fatídica reunião, que disseram duas coisas importantíssimas. Primeira, se o Brasil caminhar para algum tipo de autoritarismo, haverá rechaço internacional em todos os campos (militar, político, econômico etc.), de modo que passaremos de isolados a boicotados. Mas a segunda observação é tão importante quanto a inicial: cabe aos brasileiros definir o seu caminho e defender a sua democracia.