sábado, 20 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Só fim de sigilo afastará ideia de que STF fez censura

O Globo

Comissão de deputados ligados a Trump acusa Supremo de cercear liberdade de expressão no Brasil

O longo segredo imposto pelo Supremo Tribunal Federal a inquéritos abertos em nome da defesa da democracia e das instituições tem contribuído para afetar a credibilidade da Corte e alimentar acusações de que ela instituiu censura prévia a centenas de cidadãos. Coube agora à Comissão de Justiça da Câmara dos Estados Unidos, liderada por trumpistas, divulgar informações sobre processos movidos no Brasil contra plataformas digitais.

Um relatório de 541 páginas tornado público na última quarta-feira exibe cópias de 49 decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de 39 da Justiça Eleitoral, a maior parte sigilosa, ordenando suspensão de postagens e contas em redes sociais. A maioria é assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator de inquéritos sobre desinformação, atos antidemocráticos, milícias digitais e casos correlatos.

Oscar Vilhena Vieira - A retórica da reação

Folha de S. Paulo

Ações afirmativas têm transformado o país, e por isso há vozes contrárias

À medida que se aproxima o prazo para a revisão da lei de cotas no serviço público ressurgem os ataques às políticas de ação afirmativa. Em "Retórica da Intransigência", com enorme perspicácia e fina ironia, o economista Albert Hirschman descreveu três tipos de argumentos comumente formulados pelo pensamento conservador contra as sucessivas ondas progressistas de expansão dos direitos.

Como é difícil negar validade a determinadas reivindicações de liberdade, igualdade e justiça, muitos dos beneficiários de privilégios e das estruturas de subordinação social empenham-se em desqualificar políticas progressistas, sob argumento de que, embora louváveis, são invariavelmente perversas, fúteis e/ou ameaçadoras de outros valores, produzindo resultados inversos aos pretendidos. Logo, melhor deixar que as mudanças sociais sigam o curso natural da história. Afinal, de boas intenções o inferno está cheio.

Hélio Schwartsman - Prodígios da polarização

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas e Musk dizem defender liberdade de expressão, mas suas ações contradizem o princípio; CFM padece de moléstia semelhante

É possível estar objetivamente errado numa questão qualquer, mas conservar coerência lógica ao sustentar essa posição. Também é possível estar materialmente errado e ainda por cima naufragar no quesito consistência.

Bolsonaro e seus simpatizantes, por exemplo, dizem ser amplamente favoráveis à liberdade de expressão e acusam o STF de cerceá-la. Estou entre os primeiros a reconhecer que o Supremo em mais de uma ocasião avançou o sinal, mas é preciso ter perdido o juízo para acreditar que a direita bolsonarista é realmente favorável à liberdade de expressão. Para início de conversa, eles são entusiastas do regime militar, que não hesitou nem por um instante em censurar as opiniões que não lhe agradavam e chegou a matar muitos dos que as exprimiam.

Mais recentemente, quando eu externei meu pensamento de que torcia para que a Covid matasse Bolsonaro, em vez de apenas dizer "esse é um assunto em que discrepamos", como conviria a reais defensores da liberdade de expressão, os bolsonaristas puseram a Polícia Federal em meu encalço.

Alvaro Costa e Silva - Macaco não olha o rabo

Folha de S. Paulo

Gestão de Lewandowski é ruim, mas estados também agem pouco

O veto ao fim das saidinhas, mantendo-se o benefício em datas comemorativas, tem poucas chances de ser aprovado no Congresso. A decisão presidencial favorece a oposição e aumenta o desconforto do governo em temas relacionados à criminalidade. Tarcísio de Freitas e seu braço direito Guilherme Derrite, o autor do projeto, estão esfregando as mãos, antevendo nova derrota e mais desgaste para Lula.

No Ministério de Justiça, Ricardo Lewandowski se comporta como se gozasse o descanso dos aposentados. Sua gestão é morna, quando é preciso um choque para conter a violência desatada, não só a dos bandidos como a policial. O antecessor na pasta, Flávio Dino, ao menos tentou federalizar ações de combate ao crime organizado nos estados.

Dora Kramer - O falso dilema da reeleição

Folha de S. Paulo

O problema não é o formato, mas o mau uso que os governantes fazem dele

Quando não se quer ou não se sabe como lidar com um problema, cria-se um falso dilema. É nesse lugar e nessa circunstância que se situa agora a volta à cena da proposta de se acabar com a reeleição, ora em tramitação no Congresso.

Pesquisa Datafolha contraria as pretensões dos parlamentares, ao que se vê bastante inclinados a dar por extinto um instrumento cujo uso tem pouco menos de 25 anos. A maioria, 58% dos consultados, prefere que as coisas sigam como estão.

O problema do qual fogem os parlamentares é a óbvia e urgente necessidade de uma reforma profunda no arcaico sistema político-eleitoral. Não se fala em voto distrital nem voto facultativo.

Demétrio Magnoli - Haddad vai para o céu

Folha de S. Paulo

Ministro é o santo que tenta persuadir presidente a curvar-se à realidade econômica

Não existe almoço grátis. Lula sonha ter, ao mesmo tempo, aumento real de gastos públicos, inflação dentro da meta e juros baixos. Mas a economia é implacável: o Brasil só pode obter duas dessas três coisas. Fernando Haddad é o santo que, sob implacável "fogo amigo", tenta persuadir o presidente a curvar-se à realidade econômica.

No início do governo, a expansão fiscal da PEC da Transição e a persistência de pressões inflacionárias exigiam uma política monetária apertada. O BC cumpriu sua missão, impondo a renúncia a juros baixos. Roberto Campos Neto tornou-se o bode expiatório perfeito para o Planalto e o PT, que tendem a identificar as leis econômicas à vontade de perversos especuladores "da Faria Lima".

Foi então que entrou em cena Haddad, o prestidigitador, com seu arcabouço fiscal: a promessa de contenção dos gastos públicos. No fundo, a complexa geringonça não garantia equilíbrio fiscal nem, menos ainda, uma trajetória de redução da dívida pública. Entretanto, no horizonte de curto prazo, alterou as expectativas, propiciando a redução dos juros com controle inflacionário.

Fernando Canzian - Extrema pobreza cai a nível recorde; dúvida é se isso se sustenta

Folha de S. Paulo

Melhora na renda foi impulsionada por mais gastos públicos, que estão se exaurindo

A expressiva alta da renda em 2023 reduziu a pobreza extrema no Brasil ao seu nível mais baixo da série histórica, a 8,3% da população. O país terminou o ano passado com 16,8 milhões de pessoas vivendo com rendimentos médios mensais abaixo de R$ 300. Apesar da queda, isso equivale praticamente a um Chile.

O cálculo é do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, a partir da PnadC do IBGE. Os dados mais antigos sobre o tema são de 1976.

Em relação a 2022, 2,5 milhões de indivíduos ultrapassaram a linha dos R$ 300, numa combinação de mais transferências pelo Bolsa Família, aumento da renda do trabalho e queda do desemprego. A grande dúvida é se o movimento —e mesmo o novo patamar— seja sustentável.

Carlos Alberto Sardenberg - Não pode ser normal

O Globo

Só uma possibilidade: não se trata mais de questão jurídica, mas de política

Divergências entre juízes de Cortes superiores são normais, isso no campo das interpretações jurídicas. Por isso não foi normal a divergência verificada na semana passada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os ministros Luis Felipe Salomão, do STJ, e Luís Roberto Barroso, do STF. Passou longe do âmbito jurídico.

Tratava-se do caso de Gabriela Hardt, juíza que, em fevereiro de 2019, condenou Lula a 12 anos e 11 meses de reclusão, por corrupção, no caso do sítio de Atibaia. Foi o momento mais importante da Lava-Jato. O CNJ julgava o comportamento profissional de Hardt, mas não pelo processo de Lula. E sim pela acusação de envolvimento dela na criação de uma fundação para administrar recursos provenientes de pagamento de multas por empresas apanhadas na Lava-Jato.

Pablo Ortellado - O espectro da guerra civil

O Globo

Novo filme de Alex Garland nos lembra que a violência, consequência lógica de uma polarização crescente, é a própria falência do espírito humano

Uma pesquisa do instituto YouGov para a revista britânica The Economist em 2022 mostrou que 14% dos americanos consideram “muito provável” e 29% consideram “um pouco provável” que os Estados Unidos enfrentem uma guerra civil na próxima década. Sessenta e seis por cento dos entrevistados acreditam que, depois do 6 de janeiro de 2021 (quando houve a invasão do Congresso americano), o país ficou ainda “mais dividido”, e 65% creem que a violência política “aumentou”. No Brasil, a situação não é muito diferente.

Levantamento do instituto Quaest, publicado aqui no GLOBO, mostrou, na véspera das eleições de 2022, que 12% dos brasileiros consideravam “muito justificado” e 9% “um pouco justificado” o uso de violência se o outro lado vencesse as eleições. Três meses e meio depois, tivemos o 8 de Janeiro. É num futuro próximo, derivado dessas tensões políticas, que se passa o novo filme de Alex Garland, “Guerra civil”, que entrou em cartaz neste fim de semana.

Carlos Góes - A economia da guerra às drogas

O Globo

O Senado aprovou na terça-feira a PEC sobre drogas. O projeto emenda o artigo 5º da Constituição (aquele dos direitos individuais, que é cláusula pétrea) e determina que a “posse ou porte” de qualquer quantidade de droga é crime, salvo explícita autorização legal. A PEC se contrapõe à regulamentação do porte e produção da maconha para uso pessoal, em discussão no Supremo Tribunal Federal.

Não há dúvida de que essa discussão é de extrema relevância para o país. O alto nível de violência no Brasil tem custos humanos, sociais e econômicos. Em um estudo da Presidência da República de alguns anos atrás, estimou-se que os custos da criminalidade para o país chegam a 4,4% do PIB ao ano.

Bolívar Lamounier - A necessidade de exclamar por ‘farol alto’

O Estado de S. Paulo

Se cada cidadão dotado de recursos se dispuser a participar mais e substituir nossos amebianos partidos, o futuro quiçá nos seja relativamente ameno

O fato que narro a seguir ocorreu no segundo semestre de 1983, no Rio de Janeiro, numa sala espaçosa do terceiro andar do Hotel Ouro Verde.

Um grupo de amigos – literatos, políticos, jornalistas – convidou Franco Montoro, governador de São Paulo, para um bate-papo. Com seu insuperável bom humor, Montoro cumprimentou-os um por um e se propôs a fazer uma exposição sobre seu governo. Começou pelas valiosas contribuições que recebia de Dona Lucy, sua esposa, e prosseguiu discorrendo sobre seus projetos: hortas comunitárias, a até então esquecida área das estradas vicinais e por aí afora. A certa altura, foi interpelado pelo saudoso Otto Lara Resende: “Farol alto, governador, farol alto”. Durante a risadinha que se seguiu, coisa de um minuto, Montoro não deixou a bola cair: engatou a terceira nos grandes problemas do País, no moribundo arbítrio militar, nos projetos “faraônicos” da era Geisel, que haviam aberto as portas do País para a “década perdida” – e, claro, foi efusivamente aplaudido.

Extrema pobreza atinge menor nível já registrado, estima FGV

Por Vinicius Neder / O Globo               

Cálculos do economista Marcelo Neri mostram que 2,6 milhões de brasileiros deixaram a condição no ano passado, mas 16,9 milhões de pessoas ainda vivem na miséria

O avanço generalizado nos rendimentos médios dos brasileiros em 2023, que foi mais forte entre os mais pobres, levou a miséria ao menor nível da História, apontam cálculos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social).

Ano passado, 8,3% da população, ou 16,9 milhões de pessoas, estavam abaixo da linha de extrema pobreza. Em 2022, 9,6% da população estava na condição de extrema pobreza, o equivalente a 19,5 milhões de brasileiros, segundo cálculos feitos a partir de dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua (Pnad-C), divulgados nesta sexta-feira, dia 19, pelo IBGE.

Greve é mantida: com novas propostas, docentes e técnicos vão decidir fim das paralisações na próxima semana

Por Bruno Alfano / O Globo

Reajuste idêntico às duas categorias gerou insatisfação entre técnicos, que têm salários mais baixos; previsão é de uma resposta até o final da próxima semana

As categorias dos técnicos administrativos da educação e dos docentes receberam nesta sexta-feira novas propostas do governo para o fim das greves nas universidades e institutos federais. Os trabalhadores informaram que uma decisão será tomada na semana que vem e, até lá, as paralisações estão mantidas.

Neste momento, pelo menos 52 universidades, 79 institutos federais (IFs) e 14 campus do Colégio Pedro II estão em greve. Parte pela mobilização dos docentes, parte pela dos técnicos e outra parte pelas duas categorias.

Nesta sexta-feira, o governo federal apresentou uma proposta idêntica aos dois sindicatos: 9% em janeiro de 2025 e mais 3,5% em maio de 2026. A reivindicação dos técnicos administrativos é de 37% de reajuste em três anos. O impacto dessa medida é de R$ 8 bilhões. Já o dos professores é de 22%, ainda sem impacto divulgado. Nos dois casos, com aumentos já em 2024.

De acordo com Daniel Farias, da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), a proposta gerou revolta na categoria. Isso porque ela ficou aquém do esperado pelos grevistas e especialmente pela outra categoria, a dos docentes, receber um percentual idêntico.

Daniel Cerqueira* - Herança maldita

CartaCapital

A ditadura impôs a ideologia da guerra na segurança pública

Por ocasião dos 60 anos do golpe que implantou a ditadura no Brasil, os protofascistas de plantão aproveitaram para lembrar o cenário idílico que reinava na segurança pública. Nada mais falso, no entanto.

No período militar, não apenas se observou o recorde de crescimento nas taxas de crimes no País, em particular dos homicídios, como se contratou a crise e o esgarçamento da segurança pública nas décadas seguintes. De fato, enquanto o aumento da taxa de homicídios na década de 1980 foi de 90%, nas duas décadas posteriores tal variação foi de 18% e 6%. Ou seja, nos anos 80, o crescimento da taxa de homicídios foi 751% maior do que na média das duas décadas posteriores. O que ocorreu?

A escalada de crimes violentos que se deu de forma mais intensiva na década de 80 e se prolongou nas décadas posteriores é resultado de decisões equivocadas dos militares, não apenas no plano socioeconômico, mas no que diz respeito ao funcionamento das instituições do sistema de segurança pública.

Luiz Gonzaga Belluzzo* -Ditadura tecnológica

CartaCapital

A instantaneidade que impera em nossos tempos apagou rapidamente na mídia e nas redes o episódio que envolveu o bilionário Elon Musk e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Devo acentuar a palavra instantaneidade. Ela significa os modos linguísticos que se apresentam na sociabilidade […]

A instantaneidade que impera em nossos tempos apagou rapidamente na mídia e nas redes o episódio que envolveu o bilionário Elon Musk e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

Devo acentuar a palavra instantaneidade. Ela significa os modos linguísticos que se apresentam na sociabilidade das redes sociais construídas no interior das plataformas. Assim funcionam as comunicações e as opiniões que circulam no Facebook, Instagram, WhatsApp, X (outrora Twitter).

Musk e seus sicários bolsonaristas invocaram a liberdade de expressão para atacar o STF na pessoa do ministro Alexandre de Moraes. A propósito dessa reivindicação libertária muskiana e bolsonarista, vou cometer a ousadia de perpetrar algumas considerações inspiradas em autores que trataram do mundo das plataformas.

Franco “Bifo” Berardi esclarece as diferenças estruturais entre as funções institucionais de Moraes e o modo de operação das plataformas na defesa da liberdade de expressão.

Marcus Pestana* - Redes sociais: mitos e riscos

É impressionante como a revolução tecnológica mudou radicalmente o comportamento humano. Se observarmos uma sala de espera em um hospital ou aeroporto, pessoas no parque ou no pátio de uma escola, no ponto de ônibus ou no shopping, encontraremos certamente algo em comum, a maioria absoluta das pessoas estará agarrada a seu celular, trocando mensagens, ouvindo músicas, assistindo vídeos, jogando eletrônicos. A hiper-conectividade, às vezes irritante, outras doentia, veio para ficar. 

Minha geração já achou um salto incrível termos, aos 36, 40 anos, os tijolões da Nokia ou da Ericsson, que nos livraram da telefonia fixa. Mas a ruptura definitiva veio em 2007, com Steve Jobs e sua Apple, que nos apresentaram a revolução dos iPhones. Uma estação móvel pessoal multifuncional.

Poesia | Poética, de Vinicius de Moraes

 

Música | Mariana Aydar e Jazz Sinfônica - Espumas ao Vento