sábado, 31 de outubro de 2009

Ecologia, saída ou escape?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


No Cairo, a cidade mais poluída do mundo, o tema seria inevitável, assim como as divergências. Durante a XX Conferência da Academia da Latinidade, a questão da ecologia entrou de contrabando na discussão sobre o conflito de civilizações, ainda que como consequência do debate sobre o relacionamento dos países desenvolvidos com os emergentes

Ecoando o debate que se desenvolve dentro do governo, para a definição da proposta brasileira de redução de emissão de CO2 na reunião de Copenhague, em dezembro, houve uma acalorada discussão sobre a importância da questão ecológica na agenda dos partidos de esquerda na América Latina, a partir também do caso brasileiro, em que a dissidência verde da senadora Marina da Silva coloca em xeque a candidatura oficial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, justamente a representante da ala “desenvolvimentista” do governo na definição do compromisso brasileiro.

O seminário aconteceu durante dias em que a poluição podia ser “vista”, e não apenas sentida, com a chamada “nuvem asiática” cobrindo a cidade, responsável por doenças respiratórias e cardiovasculares que provocam a morte de cerca de cinco mil pessoas na região do Cairo todos os anos, segundo estudo atribuído ao Serviço de Toxicologia do Centro Hospitalar Universitário de Kasr el Aïni.

Formada por partículas decorrentes de várias fontes de poluição, urbana e industrial, essa nuvem é um fenômeno recorrente no Cairo nesta época do ano devido ao crescente fluxo de automóveis, grande parte deles de modelos antigos e poluidores, e à falta de normas industriais.

O nome reflete um problema que atinge megacidades asiáticas como Shangai, a segunda cidade mais poluída do mundo, segundo o Centro de Informações e Pesquisa Atmosférica de Londres, Dhaka (Bangladesh), e Karachi (Paquistão).

Regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões — a grande Cairo tem hoje cerca de 18 milhões de habitantes — passaram de apenas três em 1975 para cerca de 20 hoje.

O sociólogo Candido Mendes, secretário-geral da Academia da Latinidade, começou sua crítica à atuação da esquerda pelo governo de Hugo Chávez na Venezuela, que classificou como um ditador que tenta controlar os demais poderes e a imprensa para impor sua vontade.

Candido Mendes criticou o estímulo à delação instituído pelo governo de Chávez, e classificou o modelo chavista como uma esquerda ultrapassada.

Ele já havia chamado a atenção, em sua palestra, para o perigo de “paradas sutis” e até mesmo regressões no processo democrático com o “conflito crescente entre a democracia representativa e a plebiscitária”.

No entanto, assumiu também a crítica à ecologia, como sendo uma fuga de certa parte da esquerda, que teria transformado o tema em um fetiche, sem levar em conta a necessidade de desenvolvimento dos países emergentes.

Para Candido Mendes, não há dados cientificamente comprovados em que se basear para a definição de políticas que entravem o desenvolvimento de países como o Brasil, que precisam crescer economicamente e produzir empregos.

As contestações partiram de um uruguaio radicado no Brasil, Enrique Larreta, que preside o Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, e do venezuelano radicado nos Estados Unidos Fernando Coromil, professor de antropologia, presidente do Centro de Graduação da City University de Nova York.

Larreta, que está fazendo pesquisas sobre o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e tem passado períodos na China, relatou os avanços chineses nesse setor, demonstrando que não é incompatível com o crescimento econômico a preocupação com a ecologia, e Coronil, a partir da experiência venezuelana, chamou a atenção para a falta de entendimento da esquerda latinoamericana do que seja a preocupação com a preservação da natureza.

Para ele, a ecologia deveria ser um tema importante para a esquerda da América Latina, mas lamenta que seja um tema importante apenas para grupos minoritários.

“Há grupos que têm uma visão puramente econômica da ecologia, e não a vinculam com o social e o político”, analisa Coronil, para quem o que mais preocupa é que esse não seja um tema para governos progressistas, “ou que se dizem progressistas”, e que “as ações” não sejam “coerentes com as proclamações”.

Coronil diz que a visão deveria ser “não apenas de proteger a natureza, mas de proteger a sociedade dos danos à natureza. Se trata de relacionar o ecológico com o social”, esclarece, na mesma linha de melhorar o nível de bem-estar da população.

Dada a situação da economia, Coronil avalia, quase todos os governos sentem a necessidade de promover o desenvolvimento econômico para resolver problemas sociais. “A vantagem comparativa que a América Latina tem sobre os demais países emergentes como a China não é a mão de obra barata, mas os recursos naturais”, mas os governos, mesmo que tenham boa vontade, “acabam promovendo políticas econômicas que de alguma forma ficam dependentes desses produtos, seja gás, petróleo, cobre, ou os agrícolas”.

Coronil defende que o dinheiro desses recursos naturais, especialmente no caso do petróleo em abundância na Venezuela e no Brasil, deveria ser investido na modernização das políticas energéticas, com a integração dos setores produtivos.

Mas, na sua análise, uma “lógica per versa” acaba aprofundando os danos ecológicos.

Para Fernando Coronil, “o petróleo é um caso típico”.

Ele escreveu um livro, “O Estado Mágico”, em 1997 onde relata os equívocos que foram cometidos devido à abundância do petróleo em seu país.

(Amanhã, o gato verde chinês)

No meio do caminho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Político a gente deve analisar assim: uma coisa é o que dizem em público, outra bem diferente é o que fazem nos bastidores.

Os governadores José Serra e Aécio Neves, ambos pré-candidatos à Presidência da República pelo PSDB, não fogem à regra que nada tem de espúria quando guardados os limites da legalidade e da boa ética na operação da estratégia político-eleitoral de cada um.

Oficialmente, Aécio exige que o partido defina se fará ou não prévias para a escolha do candidato até dezembro. Depois disso, anunciou nesta semana em Brasília, cuidará de "Minas" e da própria candidatura ao Senado.

Na véspera, já na capital, durante um compromisso social apresentara o vice-governador de Minas, Antônio Anastásia, aos convidados como candidato a governador. "E o Hélio Costa?", quis saber uma curiosa em alusão às negociações com o ministro das Comunicações, que é do PMDB.

"Será candidato a senador." E o Itamar Franco? "Também", informou o governador. Uma de três: ou dissimulava ou posava de candidato a presidente ou admitia a candidatura a vice, já que só haverá duas vagas de senador em disputa.

Serra, por sua vez, para todos os efeitos externos mantém inamovível a posição de só anunciar uma decisão em março. Na verdade, se pudesse, adiaria para junho. Quiçá julho, para ficar o menos tempo possível exposto à luz do sol e às consequências do sereno. Vale dizer, ao contra-ataque do presidente Luiz Inácio da Silva.

Mas, como entre querências e poderências, há uma distância amazônica, a nação tucana trabalha com o meio-termo e considera o mês de janeiro o marco ideal para o início das tratativas públicas dentro de parâmetros mais próximos da realidade.

Isso não quer dizer que não se movimentem nos bastidores. Cada qual faz o jogo que lhe parece mais conveniente no momento.

Serra organiza seu efetivo, Aécio administra a desvantagem procurando tirar dela as vantagens possíveis, ambos seguram os respectivos radicais e o partido cuida da "infra" - treina 2.500 militantes até dezembro e prepara a abertura de novas "turmas" a fim de chegar em julho com 10 mil cabos eleitorais qualificados -, trabalha o mapa das alianças regionais e apaga incêndios, a maioria produto da ansiedade geral pela definição da candidatura.

"Como Lula antecipou o calendário eleitoral, todo mundo quer entrar na briga logo", diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, um entusiasta da tese do nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Mas e por que não agora, uma vez que a antecipação contribuiria para apaziguar todos os entornos e não falta tanto tempo assim para a data marcada?

Oficialmente, porque é preciso haver um entendimento entre os governadores de São Paulo e Minas construído da maneira mais competente possível a fim de que não haja divisões fatais. Afinal de contas, atrás do cenário da disputa estão os dois maiores colégios eleitorais do País.

Se sem São Paulo não se ganha eleição, São Paulo sozinho - tendo o Nordeste todo como contraponto a favor do adversário - também não. E sem a adesão de Minas muito menos.

Essa versão peca por um detalhe: Serra e Aécio não precisam esperar janeiro para fazer o que podem fazer a qualquer tempo, sentar e acertar os termos do acordo.

O complicador crucial é que, diferentemente de Aécio Neves, que está no fim do segundo mandato, o governador de São Paulo ainda não cumpriu nem o primeiro e ainda carrega o passivo de ter rompido a promessa de não deixar a Prefeitura de São Paulo para concorrer ao governo do Estado.

Se sair de novo com antecedência para fazer campanha eleitoral, teme que a reação do paulista seja ruim, o que prejudicaria o projeto nacional.

Mas, sendo candidato, não sairá de qualquer jeito? Sim, mas se o fizer no prazo legal para representar São Paulo na eleição presidencial terá cumprido a regra do jogo com o eleitorado, que desde o início sabia de suas pretensões nacionais.

Daí a decisão de começar o ensaio geral aberto ao público em janeiro, mas só estrear mesmo o espetáculo em março, último mês antes do prazo final para governantes candidatos deixarem seus cargos.

Chapa puro-sangue? É o que 11 entre dez oposicionistas esperam e 12 entre dez governistas receiam e, por ora, parece a única peça "de trabalho" do PSDB, já que nem nas conversas mais reservadas se cogita uma alternativa.

Mas, e se não der, se Aécio se mantiver mesmo irredutível, qual será a saída?

Caso o DEM não esteja jogando com as mesmas cartas, pode haver confusão à vista, pois o tucanato acha que a dobradinha no modelo dos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, já deu o que tinha que dar.

Espelho

Falando aos catadores de lixo, o presidente Lula disse que a elite discrimina as pessoas por suas profissões.

Muita gente faz isso. Inclusive presidentes da República que elevam o presidente do Senado à condição de "pessoa "incomum".

A Conjuntura Nacional

Sessão Especial da ANPOSCS
DEU NO BOLETIM DO ENCONTRO

Antecipação da campanha eleitoral de 2010, uma nova maioria política para levar avante o desenvolvimento brasileiro e a repetição dos erros do passado marcaram a primeira sessão especial, realizada na manhã de hoje, do 33º Encontro Anual da ANPOCS, que se realiza até o dia 30 de outubro, em Caxambu.

Com foco na conjuntura nacional, a discussão envolveu visões muito diferentes sobre o momento atual do Brasil. Para Antonio Lavareda, do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), falar em conjuntura exige falar das eleições de 2010, porque a campanha à presidência da República foi antecipada com a inauguração de obras.

Com sua experiência de 30 anos em eleições, inclusive, participação em 76 campanhas majoritárias, ele afirmou que é cedo para se saber se a eleição, no próximo ano, será bipolarizada como quer o presidente Lula, entre o PT e o PSDB, ou se será fragmentada. “Um pequeno erro em campanhas fragmentadas pode fazer com o que o candidato perca a eleição.”

Lavareda apontou fatores importantes no processo eleitoral, entre eles, o desempenho da economia, a popularidade dos candidatos, o tempo dos partidos na propaganda de televisão e o grau de judicialização do processo eleitoral. “Além disso, há o uso das máquinas das instituições, de todas as esferas, no processo eleitoral, que é mais importante que a inauguração de obras”.

Segundo ele, se as coligações entre partidos se confirmarem, a candidata Marina Silva (PV) terá 43 segundos no horário eleitoral; Ciro Gomes (PSB), 1 minuto e 11 segundos; José Serra (PSDB) 5 minutos e 54 segundos e Dilma Rousseff (PT) 12 minutos e 59 segundos. As novas mídias, segundo ele, deverão ter um papel importante na arrecadação e mobilização na campanha de 2010, lembrando que 60 milhões de pessoas têm acesso à internet no Brasil e existem 160 milhões de celulares no País

A construção recente de uma maioria política, comandada pelo PT, poderá levar avante o desenvolvimento brasileiro, afirmou Marcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), depois de três décadas de estagnação. De acordo com ele, essa maioria em construção interrompeu o ciclo neoliberal, que incluía no máximo 40% da população brasileira. E também reduziu a dependência das exportações para países ricos de 85% para 50%, bem como fez a transição do ciclo de “financiarização” para investimentos produtivos.

Na sua avaliação, há necessidade de avançar com reformas como a tributária e do sistema financeiro, que é muito concentrado e com pouca concorrência. Segundo Pochmann, é preciso um projeto de longo prazo para o País, que não será eminentemente nacional, mas também de liderança sul-americana. “Temos uma janela aberta com o Brasil voltando a ter influência na América Latina e África.”

Pochmann apontou, no entanto, a existência de algumas fragilidades: o sindicalismo está se recuperando depois de uma queda dramática na década de 90; há grandes mudanças demográficas com o envelhecimento da população e redução no índice de fertilidade; a maioria das ocupações está à margem da legislação e a necessidade de refundação do Estado para liderar o desenvolvimento.

“Eu sou marxista”, afirmou Luiz Werneck Vianna, do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) quase no final de sua palestra, com uma crítica demolidora ao atual momento brasileiro. Ao analisar a nova escalada para o desenvolvimento, ele perguntou: “vamos quem cara pálida? O sistema financeiro, o parque industrial moderno e o agronegócio? O pré-sal, os caças franceses, o submarino nuclear?” De acordo com ele, é uma recuperação da história dos anos 50 e 60, da chamada “burguesia nacional”, que agora também está encastelada nos ministérios.

“O capitalismo brasileiro é muito bem sucedido”, disse ele, inclusive para enfrentar a crise que mexeu com o mundo. “Podemos ter uma presença saliente no Continente e na África. É o Brasil grande potência, da implantação da ordem burguesa”. Não há nada para comemorar, destacou. Segundo ele, a esquerda, referindo-se ao PT, hoje “se encaminhou para o interior do Estado”, passando a ser representante de todos e não mais da “comunidade fraterna.”

“Por isso, é difícil pensar em situação ou oposição. Por isso, é difícil pensar em eleição. Nosso passado foi reaberto para nos governar”, afirmou Werneck Vianna.

A guerra às drogas fracassou

Luiz Eduardo Soares
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


PERMITIR O acesso às drogas: essa hipótese assusta qualquer pessoa de bom senso. Melhor que não haja acesso. Melhor ainda seria que nem sequer houvesse drogas. Mas não é essa a realidade.

A proibição prevista em lei não vigora. Drogas são vendidas em toda parte em que há demanda, independentemente da qualidade das polícias e dos gastos investidos na repressão. A guerra às drogas fracassou.

Como os EUA demonstraram ao vencer a Guerra Fria, nenhuma força detém o mercado. Pode-se apenas submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a erradicação das drogas ilícitas.

Eis o resultado do proibicionismo: crescem o tráfico, a corrupção e o consumo.

Estigmatizados, os usuários padecem da ignorância sobre as substâncias que ingerem, escondem-se, em vez de buscar ajuda, e, mesmo quando não passam de consumidores eventuais, involuntariamente alimentam a dinâmica da violência armada e do crime que se organiza, penetrando instituições públicas.

Além disso, o Estado impõe aos escolhidos e classificados como "traficantes" -pelo filtro seletivo de nosso aparato de segurança e Justiça criminal- o futuro que pretende evitar: a carreira criminal. Digo "escolhidos" porque se sabe que a mesma quantidade de droga pode ser avaliada como provisão para consumo (quando o "réu" é branco de classe média) ou evidência de tráfico (quando o "preso" é pobre e negro).

Retornemos à primeira evidência: o acesso às drogas -não o impedimento- é a realidade.

Ora, se essa é a realidade e nenhum fator manejável, no campo da Justiça criminal, pode incidir sobre sua existência para alterá-la, a pergunta pertinente deixa de ser: "Deveríamos proibir o acesso às drogas?". Trata-se de indagar: "Em que ambiente institucional legal o acesso provocaria menos danos? Que política de drogas e qual repertório normativo seriam mais efetivos para reduzir custos agregados, sofrimento humano e violência?".

Há ainda uma dimensão não pragmática a considerar. Não considero legítimo que o Estado intervenha na liberdade individual e reprima o uso privado de substâncias -álcool, tabaco ou maconha.

A ausência do álcool no debate -droga cujos efeitos têm sido os mais devastadores- revela a artificialidade (alguns diriam a hipocrisia) das abordagens predominantes.

Se o atual modelo foi derrotado pelos fatos, qual seria a alternativa? Proponho a legalização das drogas, e não apenas a flexibilização na abordagem do consumidor. O tráfico deveria passar a ser legal e regulado.

Isso resolve o problema das drogas? Não, mas o situa no campo em que pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça -e menos violência, ainda que esse seja só mais um argumento, e não a única ou principal justificativa para a legalização.

Há quem considere que uma eventual legalização não exerceria impacto sobre a violência, uma vez que os criminosos migrariam para outras práticas. Discordo.

Acho que o efeito da legalização não seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia vigor, pois outros crimes envolvem outras modalidades organizativas e outras linguagens simbólicas, muito menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia força e capacidade de reprodução.

Opiniões respeitáveis aprovam esses argumentos, mas alertam: nada podemos fazer antes que o mundo se ponha de acordo e decida avançar rumo à legalização das drogas. Discordo.

Se não nos movermos, não ajudaremos o mundo a se mover. Com prudência, mas também com audácia, temos de nos rebelar contra esse perverso relicário de iniquidades.

Luiz Eduardo Soares é professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da Universidade Estácio de Sá. Foi secretário nacional de Segurança Pública (2003).

Debates: sem Jesus

Wilson Diniz
Professor e economista
DEU EM O DIA

Rio - O mapa eleitoral das eleições, desde 2002 mostra que o Brasil é o país dos grotões e o eleitorado dos pequenos municípios decide eleições presidenciais. Este mercado tem dono. É reduto de caciques políticos representantes das oligarquias regionais e é território fértil para perpetuar as desigualdades e a injustiça social.

Os partidos que loteiam o Congresso Nacional são propriedade de poucos políticos que se mantêm na rotatividade do poder, ampliando a dinastia de suas famílias na política local há anos, e mantendo o tecido social dos mais pobres, reféns da ausência de renovação de quadros políticos.

O município de Bacuri, no Maranhão, governado pelo clã dos Sarney, é a fotografia exata da perpetuação da miséria e da manutenção das oligarquias. A cidade está entre as 10 piores no ranking dos índices de pobreza, concentração de renda (72%) e de desenvolvimento humano (0.59). Com esses indicadores, até os ricos são considerados pobres.

Na eleição de 2010, todos os candidatos vão ter que mostrar projetos alternativos de médio e longo prazo para o País, e debater como manter a governabilidade sem fazer alianças espúrias e com limites de concessões. Os pré-candidatos não precisam fazer pacto com Satanás para se viabilizarem, nem colocar Jesus Cristo e Judas no rol dos debates.

Na próxima eleição, o Sudeste volta a decidir as eleições. A grande maioria dos votos dos paulistas e dos mineiros é dos tucanos. No Rio de Janeiro, pode acontecer uma insurreição quase surda do eleitorado no segundo turno, e o Nordeste vem rachado, com ou sem Ciro Gomes e os caciques.

Massacre na TV

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Daqui a um ano, em 31 de outubro de 2010, um domingo, será realizado o segundo turno da eleição presidencial -caso nenhum candidato tenha obtido pelo menos 50% mais um dos votos válidos na primeira rodada.

Com tanto tempo pela frente, é impossível e uma irresponsabilidade prever resultados. Em todas as eleições presidenciais brasileiras recentes só havia incógnitas 12 meses antes do pleito.

Feita a ressalva, vale registrar a consolidação crescente do condomínio lulo-petista a favor de Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, vai ficando emparedada a oposição com a trinca PSDB, Democratas e PPS.

No terceiro pelotão das composições eleitorais estão as candidaturas isoladas de Ciro Gomes (PSB) e de Marina Silva (PV). Hoje, Dilma teria a seu favor PT, PMDB, PDT, PR, PRB e PC do B.

Com essa configuração, a candidatura petista ao Planalto já garante 50% a mais de tempo de rádio e de TV do que o seu opositor direto, seja ele José Serra ou Aécio Neves.

O eleitor brasileiro ainda se informa de maneira geral pela TV ou rádio. A mídia impressa é para a elite. A internet permanece em fase de crescimento. Em resumo, ter mais tempo no horário eleitoral não garante vitória a ninguém. Mas é um obstáculo grande ficar sem um espaço confortável nessa janela de comunicação direta com os cidadãos.

Esse é o ponto principal a nortear toda a estratégia de alianças comandada por Lula e pelo PT.

Em eleições anteriores, sempre algum candidato presidencial teve prevalência em relação aos demais no tempo de TV. A diferença em 2010 é que a superioridade de um dos lados tende a ser avassaladora como nunca se viu.

Nas contas do PT, Dilma Rousseff terá de 60% a 70% do horário eleitoral. É um rolo compressor, embora não se saiba como a candidata de Lula usará tanto tempo assim na frente dos brasileiros.

Catadores de papel e formadores de opinião

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Passei algumas horas no Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e ocupada pela Assembleia Legislativa, para prestar um depoimento para a TV Câmara sobre a reportagem política do meu tempo e os hábitos e costumes dos deputados federais.

Por uma hora e meia, esperamos que fosse encontrada a chave para abrir a porta para o plenário. E cutucado pela saudade perambulei pelos corredores e gabinetes, com as muitas modificações de meio século, em que o mundo parece que virou de cabeça para baixo.

No texto impecável do saudoso e brilhante deputado Oscar Dias Corrêa, aqui relembrado no dia 18, a diferença entre o velho Congresso e o da mudança para Brasília deve ter surpreendido e vexado os senadores atolados na série de escândalos e os deputados de uma Câmara que gira em torno de vantagens, regalias, passagens para os fins de semana nas bases eleitorais e assessores de gabinetes individuais para coisa nenhuma.

A cobertura do Congresso acompanhou a mudança para o Legislativo da bagunça. Da reabertura do Congresso, depois da ditadura do Estado Novo, até a recaída na ditadura militar dos 21 anos do rodízio dos cinco generais-presidentes, a democracia viveu a época de ouro, acompanhada pelo interesse da população, que estava farta de ditadura. As galerias lotavam todos os dias da semana de sessões de segunda a sexta-feira, e às vezes aos sábados, atraídas pelos debates entre os grandes oradores de todos os partidos: Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Gustavo Capanema, Flores da Cunha, Milton Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Oscar Dias Corrêa, Vieira de Melo, Nereu Ramos, Leonel Brizola, para ficar em alguns exemplos.

E a reportagem política ajustou-se ao novo tempo e à cobrança da população, que tinha à escolha os matutinos Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal, Diário Carioca, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, além dos vespertinos, para leitura no bonde e no ônibus na volta para casa, Globo, Notícia, Diário da Noite.

A cobertura do plenário da Câmara e do Senado tinha seu espaço cativo nos matutinos, com repórteres que acompanhavam as sessões da tribuna de imprensa da Câmara, localizada abaixo da Mesa Diretora e com acesso à terra de ninguém, espaço entre a mesa e as bancadas. Outra equipe cobria as comissões, com destaque para a de Constituição e Justiça e a de Finanças.

E, afinal, os repórteres políticos que acompanhavam o jogo do poder, com a cobertura de uma área sem fronteiras, dos plenários, gabinetes do Senado e da Câmara, os gabinetes de ministros, especialmente o da Justiça, as reuniões partidárias, as crises, intrigas e acertos. A turma que me acolheu, repórter deslumbrado e chucro, com seis meses de aprendizado na escola de A Notícia, de Silva Ramos, tinha o seu líder natural no maior repórter político de todos os tempos, o Castelinho, Carlos Castelo Branco, além de Odylo Costa Filho, Heráclio Salles, Benedito Coutinho, Murilo Marroquim, Doutel de Andrade, Otacílio Lopes, o Cara de Onça, Osvaldo Costa, Murilo Mello Filho, Haroldo e Tarcísio Holanda, Carlos Chagas, Fernando Pedreira.

Muitos mudaram para Brasília, e uma nova geração tenta remontar um modelo para a cobertura de um Congresso caricato e desmoralizado.

Sem conhecer nada deste enredo resumido, o presidente Lula, entre as muitas atividades e viagens da campanha antecipada da candidatura da ministra Dilma Rousseff, sem outro assunto para o improviso para 1.500 catadores de papel reciclável, que confundiu com papel de jornal, na abertura do Expocatador pediu aos repórteres presentes que esquecessem “a pauta dos seus editores” e entrevistassem os catadores de papel. E deu a sua aula de leitor bissexto aos embasbacados repórteres: “Vocês vão compreender por que a figura do formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É que o povo não quer mais intermediários”.

Lula embarcou à tarde para a Venezuela. E os que seguirem os sábios conselhos do presidente esqueçam os jornais e tratem de fazer amizade com um catador de papel.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

Pacifista às avessas

Carlos Vereza
DEU EM O GLOBO


Há poucos meses, Lula foi agraciado com um prêmio, por seus esforços a favor da paz.

Vejamos uma sucinta biografia deste bravo “pacifista”. Na campanha presidencial de 2002, Luiz Inácio, em encontro com militares, declarou ser contra o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

Imediatamente após sua eleição, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, obviamente avalizado pelo presidente da República, declarou ser urgente a fabricação de uma bomba atômica.

José Dirceu, à época chefe da Casa Civil, propôs a criação de uma força armada latinoamericana. É evidente que não falou sem uma superior autorização.

Lula, muito antes do ditador Hugo Chávez, organizou com outros objetivos sua tropa de choque, o MST — as SS dos trópicos, financiadas pelo governo federal.

Esses facínoras depredaram o Congresso Nacional, invadem propriedades privadas, cometem assassinatos, sempre sob a leniência do Grande Timoneiro.

Quando da campanha pela reeleição, o PCC, “coincidentemente”, promoveu verdadeiros atos de terrorismo em São Paulo, com a finalidade de desmoralizar Geraldo Alkmim, que disputava com Lula a presidência da República. Dossiês apócrifos foram fartamente distribuídos, afirmando que, no caso de uma vitória de Alkmim, seria dissolvido o Bolsa Família.

Ainda sobre o PCC: seus membros, anteriormente, ordenaram a seus parentes que votassem em José Genoíno para deputado.

Esclarecedor, não? Agora, recentemente, o vice-presidente, José Alencar, retomou o tema da fabricação da bomba atômica, sob o pretexto de defender o présal, que começará, ou não, a produzir resultados daqui a quinze ou vinte anos, quando, com certeza, combustíveis alternativos substituirão, em grande escala, o petróleo.

Desnecessário frisar que José Alencar não se pronunciou de moto próprio.

Lula não consegue disfarçar sua simpatia por esbirros autoritários, como o já citado Chávez, Morales, Lugo, Zelaya, Ahmadinejad, Kadafi, Ortega e outros menos votados.

Eis aí a grotesca geopolítica bolivariana, que mal consegue disfarçar o ressentimento antiamericano.

E pensar que existe um lobby para que esse “pacifista” receba o Prêmio Nobel da Paz... Socorro!

Carlos Vereza é ator.

Serra viaja para exterior e Munhoz assume cargo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), passará a próxima semana em viagem ao exterior. Ele participará, na quinta-feira, da Urban Age, em Istambul, na Turquia, uma conferência mundial que discute o futuro das megacidades. O governador vai integrar uma das mesas de debate no primeiro dia do evento. O deputado Barros Munhoz (PSDB) assume a cadeira do governo por três dias, já que o vice de Serra, Alberto Goldman, também estará ausente do País.

Polarização entre petistas e tucanos chega a cidades médias

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO


Estudo mostra que tanto PSDB como PT aparecem como "organizadores explícitos" em São José dos Campos, Carapicuíba, Franca e Jundiaí

A polarização entre PT e PSDB que vem guiando as últimas eleições presidenciais começa a tomar forma também na esfera municipal, aponta um estudo realizado por uma equipe do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), integrada pelo cientista político Fernando Limongi. Ao se contrapor à tese de que a estrutura federativa do Brasil dificulta a consolidação dos partidos, o texto mostra que, na maioria das 20 cidades paulistas com mais de 200 mil eleitores, as duas siglas são protagonistas nas disputas eleitorais, a exemplo do que ocorre nas corridas presidencial e estadual.

A força política dos dois partidos se dá de maneira explícita ou pela influência que exercem na organização partidária, defendem os pesquisadores. O levantamento detectou quatro grupos de cidades em que as duas siglas se destacam no jogo eleitoral municipal.

No primeiro grupo - em que aparecem os municípios de São José dos Campos, Carapicuíba, Franca e Jundiaí - esses partidos aparecem como "organizadores explícitos" do processo eleitoral. Em São José dos Campos, diz o texto, tucanos e petistas praticamente não enfrentam outros adversários desde 2000. Em 2008, por exemplo, Eduardo Cury (PSDB) venceu no primeiro turno o deputado Carlinhos Almeida (PT), com 57,2% dos votos contra 31,3%.

Num segundo grupo estão as cidades em que PT e PSDB lideram o processo eleitoral, porém com a presença de uma terceira força. É o caso de Ribeirão Preto e Sorocaba, onde o estudo detectou um papel relevante do DEM, ou ainda de Piracicaba e Campinas, onde têm peso PPS e PDT, respectivamente.

Um terceiro grupo inclui cidades em que o bloco de esquerda liderado pelo PT conseguiu se estruturar, graças ao fato de esses municípios terem servido como berço político para forças trabalhistas. Aparecem Santo André, Guarulhos, Osasco, Diadema e São Bernardo do Campo. No quarto grupo, estão municípios em que um dos dois partidos se apresenta como uma "força organizadora da disputa eleitoral", mas o outro tem um "comportamento instável", como Santos e Mogi das Cruzes.

O estudo analisou separadamente casos como o de Mauá,em que nenhuma sigla chegou mais de uma vez à prefeitura de 1996 a 2008. O quadro é semelhante em São José do Rio Preto, a não ser pelo fato de o PPS ter vencido em 2000 e 2004. Também no Guarujá predominam outras forças políticas, aponta o texto.

Para os pesquisadores, nas cidades onde não lideram as eleições, PT e PSDB muitas vezes "ditam o comportamento dos demais atores". "Encontramos fortes indícios de que o mercado eleitoral paulista está se fechando em torno de dois blocos que se enfrentam sistematicamente", diz o texto. "Não parece ser um mero acaso que sejam exatamente essas mesmas forças políticas a liderarem esse movimento nas principais cidades do Estado, antes o contrário. Esse movimento faz parte de uma estratégia das elites políticas de consolidação da força partidária." Ainda assim, aparece como exceção o caso de São Vicente, em que o PSB rouba a cena e chegou a atrair apoio de tucanos e petistas na última eleição.

TRECHOS DO ESTUDO

PT e PSDB se enfrentam e estruturam o jogo político nas eleições estaduais, nacionais e na disputa pela prefeitura da capital. Encontramos fortes indícios de que o mercado eleitoral paulista está se fechando em torno de dois blocos que se enfrentam e se alinham com os blocos políticos

Parece-nos que encontramos evidências empíricas para questionar a tese de que a estrutura federativa do País seria um obstáculo a mais para a consolidação de uma estrutura partidária mais organizada e homogênea

Aécio diz a aliados que vai disputar indicação

Ivana Moreira, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), garantiu a 49 deputados de sua base no Estado que segue disposto a ser candidato à Presidência em 2010. "Não estou dando para trás", disse Aécio, segundo fontes que ouviram o discurso.

No coquetel que ofereceu no Palácio da Liberdade, anteontem à noite, ele explicou os motivos para pressionar o partido por uma decisão até dezembro. Segundo ele, a chance de atrair apoio de outras legendas em torno de sua candidatura ficará comprometida se não houver decisão do PSDB ainda este ano.

Aécio afirmou que tem um compromisso com Minas. Não sendo candidato à Presidência, precisa preparar, no tempo oportuno, sua sucessão no Estado. O vice-governador Antônio Anastásia, nome cotado para essa missão, estava presente ao coquetel. Aécio elogiou o vice, mas não fez discurso a favor de sua candidatura.

Estavam no Palácio da Liberdade deputados dos 11 partidos da base aliada. O PMDB, que até recentemente se definia como "independente", agora integra o bloco de oposição ao lado do PT.

De acordo com a assessoria de Aécio, o motivo do coquetel era fazer um balanço de 2009. O encontro foi realizado no mesmo dia em que o governador contou à imprensa que, depois de um telefonema de quase uma hora, ele o governador de São Paulo, José Serra, não conseguiram chegar a um consenso.

O paulista segue determinado a só definir em março se será ou não candidato à Presidência. O mineiro deixou claro que não estará mais à disposição do partido para essa missão a partir de janeiro. Disse que respeita a posição de Serra, mas o PSDB também terá de respeitar a sua.

Menos forte. E indispensável

Clovis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Era precipitada a notícia do declínio dos Estados Unidos, como mostram recuperação econômica e caso Honduras

PARA UM país que a sabedoria convencional (ou apenas apressada) condenava a um irremediável declínio, os Estados Unidos emitem contínuos sinais de insuspeitada vitalidade.

Não estou dizendo que Washington deixou de perder força, alguma força ao menos. Mas nem por isso é menos indispensável, olhe-se para onde se olhe.

Comecemos pela economia: bastou os Estados Unidos saírem da recessão para o mundo todo festejar com certo estrépito, o que dá claro testemunho de sua indispensabilidade.

Fiquemos apenas no caso da Ásia, o continente que a sabedoria convencional (ou de novo talvez apressada) aponta como o novo centro do mundo em um futuro não muito distante.

As Bolsas asiáticas recuperaram-se ontem de sua pior queda em dois meses. Causa, segundo o "Financial Times": "Os investidores aqueceram seus corações com o retorno dos EUA ao crescimento econômico" (não acredito muito que investidores tenham coração, mas esse é outro assunto). É claro que os Estados Unidos ainda têm "um longo caminho a percorrer até que a economia esteja plenamente recuperada", como disse seu presidente.

Mas a subida das Bolsas -e não foram apenas as asiáticas- ante a notícia de que a recessão acabou nos Estados Unidos indica claramente o quanto o país mantém seu papel de dínamo.

Quer outra demonstração? Apesar de toda a onda em torno da substituição do dólar como moeda global de reserva, um coro em que a China desempenha papel relevante, o fato é que as autoridades chinesas acumularam mais ativos denominados em dólares do que outros ativos externos nos 12 meses terminados em julho. Ou seja, no auge de uma crise que levaria supostamente a um declínio inexorável dos EUA e, por extensão, de sua moeda.

Passemos agora da economia para a política, do global para o regional.

Falemos de Honduras, a mais espetacular crise da América Latina nos últimos anos. Digo espetacular para não dizer grave, porque é discutível que um país tão pequeno e tão marginal geograficamente possa ser o epicentro de uma crise regional realmente grave.

Foram quatro meses de tentativas de resolver o impasse por meio de iniciativas autóctones. Primeiro, a do presidente da Costa Rica, Óscar Arias, aureolado com o Nobel da Paz. Depois, veio a intermediação da Organização dos Estados Americanos. Nada.

Aí, chegou o sétimo de cavalaria, mais conhecido pelo nome de Thomas Shannon, responsável pela região no Departamento de Estado, enquanto aguarda que cesse a birrinha de um representante republicano e ele seja confirmado como novo embaixador no Brasil. Em dois dias, o nó foi desfeito. É verdade que a base do acordo é o plano Arias, mas foi necessária a intervenção de Shannon, ao vivo e em cores, para que o plano fosse aceito.

Toda a conversa em torno da nova liderança do Brasil, todo o teatro que são sempre as falas de Hugo Chávez, a emergência dos bolivarianos -nada disso impediu que o velho império se revelasse de novo indispensável. E, o que é melhor, desta vez para o bem.

Lobão sacia PMDB com troca no Real Grandeza

Gerson Camarotti e Maria Lima
DEU EM O GLOBO


Líder do partido afirma que bancada está satisfeita e, agora, não vai mais pedir cargos neste mandato de Lula

BRASÍLIA. Satisfeitos por conquistar a última jóia da coroa, o controle do bilionário fundo Real Grandeza, que movimenta patrimônio superior a R$ 6 bilhões, integrantes da cúpula do PMDB juram que essa foi a última reivindicação do partido neste mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No inicio do ano, diante da forte reação dos beneficiários e dirigentes do fundo de pensão de Furnas, o presidente Lula conseguiu contornar a agressiva pressão feita pelo grupo do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Foi apenas uma questão de tempo e oportunidade.

A única pendência da fatura apresentada pelo PMDB era o Real Grandeza, fundo de pensão dos funcionários de Furnas e Eletronuclear. Foram confirmadas ontem as nomeações de Aristides Leite França, para presidente, e de Eduardo Henrique Garcia, para diretor de Investimentos.

Eles substituem Sérgio Wilson Fontes, atual presidente, e Ricardo Nogueira.

A troca ocorre uma semana após o partido selar um préacordo com o PT para apoiar a candidatura presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

No comando de seis ministérios, o PMDB administra um orçamento de R$ 145,1 bilhões, sem contar cargos de segundo e terceiro escalões nas estatais.

Para petista, troca é inaceitável Parlamentares da bancada do PT do Rio, os maiores opositores da proposta de dar ao PMDB o controle do fundo, disseram considerar a negociação inaceitável.

— Não estão respeitando mais nenhum limite de governabilidade ou alianças. É inaceitável que isso tenha ocorrido em troca de um apoio político ao governo ou à candidatura da ministra Dilma — protestou Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ).

Avaliação de peemedebistas é que o partido está satisfeito com o loteamento feito no governo e que esse último impasse já poderia estar resolvido se, em fevereiro deste ano, o presidente Lula tivesse dado sinal verde à substituição de Sérgio Wilson Fontes e de Ricardo Nogueira.

Para Henrique Alves, o partido não deve mais cobrar novos espaços para negociar apoio a Dilma Rousseff: — O PMDB está satisfeito com o que tem. Temos o espaço que o partido merece. Não vamos mais ficar pedindo cargos.

O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), constatou: — O PMDB tem tudo no governo.

Cunha chegou a propor CPI para fundos de pensão A bancada do PMDB do Rio tentava mudar o comando do Real Grandeza desde 2007, já que havia uma disputa com o ex-presidente de Furnas Luiz Paulo Conde. A queda-de-braço foi mantida com o sucessor de Conde, Carlos Nadalutti Filho, também indicado pelo PMDB.

Em fevereiro deste ano, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, chegou a confirmar a substituição da diretoria, mas voltou atrás depois que o presidente Lula vetou a mudança.

Na ocasião, Eduardo Cunha, contrariado, chegou a propor uma CPI para investigar os fundos de pensão, o que foi avaliado como chantagem no Planalto.

Ao GLOBO, Lobão chegou a classificar de “bandidagem” a pressão da diretoria do Real Grandeza para permanecer no comando do fundo. De lá para cá, Lobão decidiu esperar e, só agora, recebeu sinal verde para a troca.

— O ministro Lobão conseguiu tirar o atual comando do Real Grandeza. Os diretores que saem queriam permanecer. Mas não podiam continuar, até porque estavam em atrito com Furnas.

Lobão articulou com os sindicatos.

Por isso, foi uma substituição sem problemas. A mudança conseguiu agradar a gregos e troianos. Foi uma indicação do Lobão — disse Alves

Chávez pede 3º mandato de Lula ou eleição de Dilma

Denise Chrispim Marin, Enviada Especial, El Tigre
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Confrontado com a hipótese de vitória oposicionista, diz que não se mete em questões internas de outros países

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, lamentou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha de deixar o governo do Brasil em 1º janeiro de 2011 e defendeu sua candidatura a um terceiro mandato. Declarou, no entanto, ter certeza de que, em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, será eleita sucessora de Lula.

"Eu lamento que Lula saia do governo. Por que ele tem de sair? Se um presidente governa bem e tem 80% (de aprovação popular), por que ele tem de sair?", perguntou Chávez, em entrevista a jornalistas brasileiros, enquanto esperava o desembarque de Lula em uma pista de pouso de El Tigre. Apesar de apoiar Chávez e achar que a Venezuela é uma "democracia plena", Lula já disse, mais de uma vez, que considera a "alternância de poder essencial para a democracia".

Ontem, o próprio Lula, num ato falho, ao assinar o acordo final para construir a refinaria Abreu e Lima - uma associação entre as estatais brasileira e venezuelana de petróleo, Petrobrás e PDVSA -, disse esperar que ele e Chávez inaugurem a obra num prazo de "cerca de dois anos ou um pouco mais". Nesse período, ele já estará fora do Planalto.

Chávez acrescentou que não entende por que a presidente do Chile, Michele Bachelet, também terá de deixar o cargo ao fim de seu mandato no próximo ano, se conta com índice de aprovação de 60%. "Só deixo a pergunta no ar." Ao ressaltar sua "certeza" de que Dilma será eleita para suceder a Lula, o presidente venezuelano disse que ela "tem peso, é uma grande mulher e tem a cabeça bem ordenada". E decretou: "Ela será a próxima presidente do Brasil. Podem escrever."

Confrontado com a hipótese de vitória de um candidato da oposição, Chávez apelou para o princípio da não-interferência em assuntos de outros países. "Não me meto em questões internas. Vocês são soberanos e podem fazer o que queiram. Eu não me meto."

Diante da notícia de que a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovara a entrada da Venezuela no Mercosul, Chávez disse que em seu país há "plena democracia" e "plena liberdade de expressão". "Que ninguém acredite nesses pontos sobre o ditador Chávez e sobre a perseguição a jornalistas", afirmou. "Em Honduras, sim, há ditadura e fecharam canais. Aqui, não. Vocês podem dizer o que queiram."

COLHEITA

O presidente venezuelano e Lula acompanharam a primeira colheita de soja em um projeto agrário que também leva o nome de José Inácio de Abreu e Lima (1794-1869), militar brasileiro que combateu na Venezuela com as tropas de Simón Bolívar. O projeto, que o governo chavista classifica de "agrário integral socialista", fica nas proximidades de El Tigre e foi realizado com parceria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Depois de observar a colheita da soja, Lula e Chávez se reuniram em uma tenda improvisada. Ao sair em direção ao local onde seriam assinados 15 acordos bilaterais, foram surpreendidos por uma forte chuva e pela ventania, que destruiu toda a estrutura de apoio ao evento. Apesar do temporal, Chávez insistiu em carregar Lula na chuva, para inaugurar uma estátua de Abreu e Lima.

AVIÃO RESERVA

Lula embarcou de volta ao Brasil no avião reserva da Presidência. O Air Bus usado pelo presidente, o chamado Aero Lula, sofreu uma pane logo depois de aterrissar. A alternativa foi utilizar o Boeing 737, que havia trazido parte de sua comitiva e a imprensa.

Sinais de Honduras

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O acordo em Honduras ainda precisa enfrentar o teste da verdade: a volta de Zelaya ao governo e o respeito dele aos compromissos. Ele não é o vencedor; teve que desistir do ponto do conflito, a consulta popular sobre reeleição do presidente. Mas Micheletti é o derrotado. Os EUA inauguram uma nova era na relação com a América Latina. O uso político de nossa embaixada foi um erro.

Honduras é um caso emblemático por vários motivos.

Mostrou a reação mundial contra um golpe de estado na AL. Exibiu a nova face da diplomacia americana.

Explicitou mais um caso de tentativa de mudanças das regras do governante no poder. Estará tudo bem, se terminar tudo bem: com a volta de Manuel Zelaya para concluir seu mandato, com a submissão dele à Constituição do país, com eleições livres e alternância de poder.

O enviado especial do Departamento de Estado americano para resolver o problema, Thomas Shannon, fala português e espanhol e conhece a região. Sua ação, ao contrário de outros tempos, foi para restabelecer a ordem democrática e não para apoiar os golpistas. A ação firme americana em nada lembra o triste período em que os Estados Unidos patrocinaram ditaduras na América Latina.

Se tudo acabar bem, e tomara que sim, nem por isso estará legitimada a atabalhoada ação do Brasil. A diplomacia brasileira fez certo em ser tão irredutível a favor do presidente eleito.

Se foi mesmo apanhada de surpresa com a “materialização” do presidente deposto, em frente à embaixada, tinha sim que o abrigá-lo, do contrário, ele estaria com a vida em risco, naquele momento de radicalização. Mas nada justifica o uso da embaixada como centro de agitação política. Negociar de lá com os governantes está correto; promover manifestações, fazer os discursos que fez, e falar até em morte a partir da embaixada brasileira é inaceitável. E sempre será. O fim não legitima o que foi feito no meio desse processo.

Desde o dia 24 de março, quando Manuel Zelaya convocou — para junho — um referendo sobre a reforma constitucional que poderia levar a um novo mandato para ele, Honduras começou a seguir o caminho que poderia levar a um novo caso de chavismo na região. A consulta, como todos já sabem a essa altura, era inconstitucional.

O Supremo não autorizou.

O Congresso ficou contra. O general Romeo Vasquez se recusou a cumprir a ordem de levar adiante a execução do plebiscito e foi preso por Zelaya.

Nada disso torna aceitável o que aconteceu na madrugada de 28 de junho, quando soldados entraram na casa do presidente e o mandaram de pijamas para a Costa Rica. Fala-se muito do pijama, mas mesmo que estivesse em seu melhor terno — e chapéu — seria golpe despachar um presidente para outro país.

Já no dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU pediu aos seus 192 membros que só reconhecessem o governo de Zelaya. No dia primeiro de julho, a OEA deu 72 horas para o governo interino devolver o poder a Zelaya. Não foi atendida.

Mas o que ficou claro foi que as instituições multilaterais não estavam mais dispostas a conviver com ditaduras feitas à velha moda na América Latina. Falta agora saber como a OEA reage às novas ditaduras.

O método chavista é o de implodir a democracia — atuar por dentro, corroer as instituições, revestir tudo com um discurso supostamente progressista, dizer que fala em nome dos pobres, atacar a imprensa e disseminar o conflito interno.

Contra a morte lenta da democracia, mascarada com a manutenção do ritual das eleições periódicas, os organismos multilaterais não sabem o que fazer. O final de tudo isso não será bonito. Isso ficou mais claro depois da decisão de armar as milícias.

Ontem, ao defender o terceiro mandato para o presidente Lula, Chávez fez uma pergunta: por que um presidente popular tem que sair do governo? Ora, porque a democracia pressupõe alternância de poder.

Ele não entende isso. Lula entende, tanto que não levou adiante as tentativas de mais um mandato. Mas o presidente brasileiro frequentemente repete gestos e palavras de Chávez, coisa que deveria evitar. Na quintafeira mesmo, em São Paulo, numa cerimônia com três mil catadores de lixo, Lula criticou a imprensa, falando diretamente aos jornalistas, que foram vaiados pelos presentes. Esta é uma típica cena venezuelana que ele deveria evitar. Lá terminou mal.

A volta de Zelaya terá que passar pelo Congresso e pelo Supremo, exatamente os poderes que ele subestimou no episódio que levou ao conflito institucional. Essa volta não será simples, mas de qualquer maneira, o grande derrotado foi Roberto Micheletti.

Ele era presidente do Congresso, assumiu um governo que foi reconhecido por apenas meia dúzia de governos ao redor do mundo, enfrentou uma unanimidade contra no continente, tentou provar que o que comandara não era golpe, mas acabou tendo que ceder e negociar.

O país de pouco mais de sete milhões de habitantes mobilizou todo o continente e continuará prendendo a atenção. As eleições estão marcadas para daqui a menos de um mês, e, se voltar ao poder, Zelaya terá que deixar a presidência em 29 de janeiro do ano que vem.

Micheletti cede sob pressão dos EUA

Ricardo Galhardo* São Paulo* e Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO


Congresso hondurenho decidirá sobre volta de Zelaya à Presidência na próxima semana

O mesmo Congresso que respaldou a destituição de Manuel Zelaya e designou Roberto Micheletti para liderar o governo interino decidirá novamente o destino de Honduras. Após forte pressão dos Estados Unidos, o governo interino cedeu na madrugada de ontem no ponto mais controverso do acordo para o fim da crise política e aceitou deixar nas mãos do Congresso a decisão sobre a volta ou não de Zelaya ao poder. Uma decisão recebida com alívio pela comunidade internacional.

Representantes das comissões negociadoras de Zelaya e Micheletti levaram o Pacto de Tegucigalpa-San José ao Congresso. Além de deixar os deputados decidirem sobre a volta de Zelaya após consulta à Suprema Corte — como defendia o deposto — o acordo prevê a instalação de um governo de conciliação nacional até 5 de novembro; descarta a anistia para delitos de Zelaya ou do grupo que o destituiu; e inclui a criação de uma comissão verificadora para acompanhar sua implantação, entre outros pontos.

Na embaixada brasileira em Tegucigalpa, Zelaya comemorou o acordo, dizendo que esse é o primeiro passo para a sua volta ao cargo. Mas disse que não sairá da embaixada até que o Congresso resolva sua situação.

— Este acordo é um símbolo da paz. Peço que o povo hondurenho mantenha a calma.

Micheletti, por sua vez, pediu que o Congresso tome uma decisão baseada “na verdade e na lei”: — Aceitar essa proposta representa uma concessão significativa. Sempre defendemos que a Corte Suprema deveria decidir a restituição, mas entendemos que o nosso povo quer virar a página destes momentos difíceis.

Partidos tendem a aprovar restituição

Diante do Congresso, centenas de simpatizantes de Zelaya comemoraram.

Os líderes dos partidos Nacional e Liberal, que juntos têm 90% das 128 cadeiras no Congresso, disseram que vão estudar o documento antes de decidir qual será a orientação das bancadas, mas em conversas reservadas os dois partidos admitem a inclinação para aprovar a restituição de Zelaya.

— Estamos satisfeitos. O que mais esperamos é que todo mundo respalde as eleições — disse Rodolfo Irias Navas, líder da bancada do Partido Nacional, que tem como candidato à Presidência Porfírio “Pepe” Lobo, líder nas pesquisas de opinião.

Dirigentes do Partido Liberal — do segundo colocado nas pesquisas, Elvin Santos, além de Zelaya e Micheletti — também admitiram que devem votar a favor da restituição. Nos dois casos, os parlamentares têm interesse na volta à normalidade, pois mais da metade vai disputar a reeleição.

O clima também é de otimismo na embaixada, onde Zelaya e outras 60 pessoas estão há mais de um mês.

— O clima melhorou muito. Todos estão felizes com a perspectiva de sair daqui — disse o diplomata brasileiro Lineu Pupo de Paula.

O acordo foi alcançado após os EUA enviarem Thomas Shannon, o secretário adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, a Honduras. O principal parceiro comercial levou uma mensagem: as eleições não seriam reconhecidas sem um acordo.

Shannon afirmou ontem que não acredita que o Congresso componha um governo de coalizão sem restituir ao menos parte dos poderes a Zelaya.

— Ainda que o Congresso possa fazer consultas à Corte Suprema, este é um problema eminentemente político e assim deve ser resolvido — disse.

Zelaya foi deposto por militares em 28 de junho, após ignorar a determinação da Suprema Corte para suspender a consulta popular sobre a reforma da Constituição. Segundo rivais, sua intenção era incluir a reeleição.

A OEA já está organizando duas missões ao país — uma de verificação do acordo, outra para acompanhar a eleição — e deve revogar a suspensão de Honduras assim que a situação se normalizar. Além da OEA, a ONU e vários países elogiaram o acordo

Samba pra Vinicius - Toquinho, Quarteto em Cy, Chico Buarque

Bom dia!
Vale a pena ver o vídeo
Clique o link abaixo