terça-feira, 20 de agosto de 2019

Opinião do dia || Montesquieu*

É preciso observar que o que chamo de virtude na república é o amor à pátria, isto é, o amor à igualdade. Não é absolutamente virtude moral, nem virtude cristã, é virtude política; e essa é a mola que faz mover o governo republicano. Chamei, portanto, de virtude política o amor a pátria e à igualdade.


* Montesquieu (1689-1755), ‘Do espirito das leis’, p.31, Editora Nova Cultura, 2005

Joel Pinheiro da Fonseca || A longa noite do meio ambiente

- Folha de S. Paulo

Queimar nosso patrimônio ambiental parece ser projeto do governo

O dia virou noite em São Paulo na tarde desta segunda (19). Meteorologistas explicam: além de nuvens carregadas, a terra da garoa recebeu a “pluma de fumaça” de queimadas e incêndios que ocorrem no Centro-Oeste, Paraguai e Bolívia. Sem recorrer a nenhuma revelação mística, esse breu em pleno dia é o presságio do que a política ambiental do governo nos reserva.

O incêndio que devastou 21 mil hectares no Paraguai é algo de proporções dantescas, mas as queimadas estão em alta acelerada inclusive no Brasil. Há um aumento de 70% nos núcleos de queimadas em comparação com 2018. Sinal de que a política do governo nessa área vem falhando?

Infelizmente não. Queimar nosso patrimônio ambiental parece ser projeto. O ministro Ricardo Salles segue firme no desmonte da estrutura nacional de fiscalização —Ibama, ICMBio— do desmatamento. A população não deixa de corresponder ao discurso que vem de cima. No dia 10, fazendeiros e grileiros do sul do Pará promoveram um “dia do fogo”, produzindo queimadas em nível recorde. Um novo festejo cívico para uma nova era. Em Rondônia, o fogo que deixou Porto Velho imersa em fumaça já matou pessoas e obrigou aviões a desviar para Manaus.

Quando o governo é alertado da piora no desmatamento, faz o quê? Insinua que o Inpe está a serviço de “ONGs” (esse bicho-papão genérico que encerra discussões) e exonera o diretor do órgão.

Pablo Ortellado || Justiça tributária

- Folha de S. Paulo

Argumento contra regressividade utilizado para a Previdência desapareceu agora que se discutem os impostos

No debate sobre a reforma da Previdência, o argumento de que o nosso sistema é regressivo deve ter sido o mais utilizado, logo depois do argumento de que é deficitário.

Agora que a aprovação da reforma da Previdência no Senado é iminente e a reforma tributária entra na agenda legislativa é a hora de ver se os aguerridos defensores da progressividade do lado da despesa vão demonstrar o mesmo entusiasmo para defender a progressividade do lado da receita.

Em especial, é hora de ver se o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tem mesmo sensibilidade social ou se suas recentes declarações neste sentido não passam de retórica.

Hélio Schwartsman || Vamos vender a Amazônia?

- Folha de S. Paulo

Exercício intelectual pode testar se nossos impulsos nacionalistas estão devidamente calibrados

Que Groenlândia que nada, vamos vender é a Amazônia mesmo. Sei que essa proposta tende a ser recebida com um pé atrás e que, por uma série de razões práticas, políticas e constitucionais, não há a menor chance de ela se tornar realidade. Ainda assim, penso que vale a pena explorá-la como exercício intelectual.

Já que estamos lidando com um experimento mental, somos livres para estipular condições. O ponto de partida é que seria um negócio em que todas as partes sairiam ganhando. A população local obteria cidadania de país rico e experimentaria um longo ciclo de desenvolvimento. O resto dos brasileiros receberíamos uma bolada pela cessão da "soberania", que usaríamos com sabedoria, rasgando as amarras que ainda nos prendem ao grupo das nações de renda média.

Mais importante, o planeta seria enormemente favorecido com a preservação total da floresta, que exerce importante papel na regulação do regime de chuvas e do clima. Também ganhariam espécies biológicas que ainda nem identificamos mas já estão sendo dizimadas com a derrubada de partes da floresta.

Ranier Bragon || Moralismo de palanque

- Folha de S. Paulo

Eventual êxito do presidente representará abalo a instituições e à própria democracia

O bolsonarismo sempre prometeu acabar com a mamata, a corrupção, o desvio, o malfeito e todo tipo de sinônimo de bandalheira que talvez nem a falecida UDN tenha conseguido catalogar.

Do discurso à realidade, porém, há todo um Grand Canyon que só quem habita a Mitolândia parece ignorar. Faltasse ainda algum comprovação disso, a novela para a indicação do novo procurador-geral da República estaria aí para completar a lacuna.

Por que, ó Jesus, o presidente procura emplacar uma mão amiga na chefia do Ministério Público Federal?

Até o PT, o maior batedor de carteiras das galáxias, na visão do bolsonarismo, sempre escolheu o mais votado pelos procuradores, que integram uma das instituições mais sérias e basilares da nossa democracia.

Jair Bolsonaro, por sua vez, dá sinais de que pode ignorar a lista tríplice. Não em nome de currículos mais robustos ou coisa parecida. Quer, na verdade, buscar quem aceite ao máximo vestir o figurino medievalista e, talvez mais importante, dê sinais de que atuará para que os paladinos da moralidade de palanque não sejam importunados por questõezinhas como laranjas podres, Queirozgate e outras histórias mal contadas.

E muita gente se esforçou no beija-mão palaciano para assim parecer.

Luiz Carlos Azedo || De Versalhes a Brasília

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

A capital federal se transformou numa grande metrópole, onde o povo se mobiliza para protestar quando deseja. Entretanto, aprisiona seus governantes numa “jaula de cristal”

O Palácio de Versalhes tornou-se o símbolo do absolutismo francês a partir do momento em que Luís XIV, em 1661, resolveu transformar a residência de caça de seu falecido pai, Luís XIII, na sede da Corte francesa, logo após a morte do famoso cardeal Mazarin, até então a eminência parda do seu governo no Louvre. A reforma projetada pelo arquiteto Louis Le Vau resultou no gigantesco e luxuoso palácio que sediou a administração da França e abrigou as festas da nobreza de 1682 a 1789, ou seja, até a Revolução Francesa.

A Galeria dos Espelhos, o Grande Trianon, as alas norte e sul do palácio, a Capela Real, e o imenso jardim de autoria do paisagista André Le Notre, com seu Grande Canal, foram projetados para demonstrar o poder do autodenominado “Rei Sol”. É de Luís XIV a máxima que sintetiza o absolutismo: “L’Etat c’est moi” (O Estado sou eu). A construção de Versalhes influenciou a arquitetura da época, levando outros monarcas a construírem também grandes palácios. O Palácio de Inverno, em São Petersburgo, de Catarina, a Grande, projetado por Bartolomeo Rastrelli, com suas paredes em verde e branco, estilo rococó, possui 1786 portas e 1945 janelas.

Os palácios de Brasília não se parecem nem um pouco com o de Versalhes ou o de Inverno, embora o traçado de Brasília, com suas grandes avenidas, tenha a ver com a construção de São Petersburgo, a primeira grande cidade planejada do mundo, por Pedro, o Grande, e a reforma urbana de Paris, do barão Georges-Eugène Haussmann, prefeito da cidade durante o governo de Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte. Ambas são símbolos da modernidade e tiveram o objetivo de melhorar as condições sanitárias, facilitar o deslocamento, aumentar a segurança e manter o povo à distância do poder. Também influenciaram as reformas urbanas das cidades brasileiras no começo do século passado, sobretudo as de São Paulo e do Rio de Janeiro, e o traçado do Plano Piloto de Brasília.

Sede administrativa do governo federal, Brasília se transformou numa grande metrópole, onde o povo se mobiliza para protestar quando deseja. Entretanto, também aprisiona seus governantes numa “jaula de cristal”, na qual o presidente da República se vê cercado de colaboradores que filtram todas as informações, enquanto do lado de fora a sociedade acompanha o que acontece atrás dos vidros de seus palácios. A imprensa torna-se incômoda por causa disso, porque seu esporte favorito é revelar o que os governantes não querem que a sociedade fique sabendo. Mesmo com o advento das redes sociais, o enclausuramento do governante persiste, porque a forma como as pessoas se articulam na internet é por afinidades.

Almir Pazzianotto Pinto* || Os onze – poder e soberba

- O Estado de S.Paulo

Não é esse o Supremo Tribunal Federal a que a Nação aspira e a Constituição prescreve

“No Supremo, não se faz justiça quando se quer, se faz justiça quando se pode”, Ministro Moreira Alves

“De todas as nossas paixões e apetites, o amor ao poder é o de natureza mais imperiosa e insociável, pois a soberba de um homem exige a submissão da multidão.” A frase é do historiador Edward Gibbon (1737-1794), autor da monumental obra Declínio e Queda do Império Romano (Ed. Companhia das Letras, SP, pág. 93). Na doutrina da Igreja Católica, soberba, ira, luxúria, gula, avareza, inveja e preguiça são pecados capitais, manifestações de revolta contra Deus que provocam a destruição moral do homem e a condenação ao inferno. Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis, por soberba entende-se a manifestação ridícula e arrogante de orgulho ilegítimo, que tem como sinônimos perfeitos orgulho, presunção.

Conquanto presente na vida privada, na qual se manifesta em ridículas demonstrações de vaidade combinadas com mediocridade, a soberba é encontrada mais frequentemente na vida pública, quando se projeta de forma agressiva, sem disfarces, sob a proteção do espírito de corpo, da vitaliciedade, do mandato, da toga.

A Praça dos Três Poderes é cenário ideal para manifestações de soberba. Poucos que a habitam conseguem escapar à atração do pecado. Por lá também passaram homens e mulheres despidos de vaidade. No período em que residi em Brasília, conheci exemplos de humildade e modéstia no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Não eram muitos. A fútil sensação de estar investido do exercício do poder, e de que este é infinito no tempo e no espaço, põe a perder boas vocações para a vida pública, esquecidas de que do êxito ao exílio a distância é diminuta.

Eliane Cantanhêde || Um filé mignon e tanto

- O Estado de S.Paulo

Presidente tenta escolher PGR com os filhos e as redes sociais bolsonaristas. É temerário

O presidente Jair Bolsonaro já disse que, se pudesse dar filé mignon ao filho, ele daria. E não é que ele está distribuindo os filés da República à filharada? O caçula entre os três mais velhos, todos políticos, manda no Itamaraty e quer ser embaixador em Washington, o do meio loteou a equipe de comunicação com amigos que vivem às turras com o resto do Planalto, o mais velho agora quer indicar o procurador-geral da República. E todos tentam controlar a PF, a Receita, o Coaf, o Moro. O governador Witzel que se cuide no Rio.

Só quem compete com Flávio, o “01”, Carlos, o “02”, e Eduardo, o “03”, é um ser difuso, sem nome, cara, alma e coração que responde pela alcunha de “redes sociais”. Trancado no closet do Alvorada, longe de ruídos e interferências, o presidente ouve os filhos e vai se alimentando pelo Twitter, Facebook, Instagram e, assim, tomando as decisões públicas.

O ministro Sérgio Moro costuma brincar que todo jornalista pergunta a mesma coisa: “E a Ilona Szabó?” Para quem não se lembra, essa foi a primeira derrota de Moronum governo em que deveria ser superministro (aliás, com toda justiça, sem trocadilho). Ele convidou Szabó para uma mera suplência de um mero conselho, os bolsonaristas de internet reclamaram e o presidente mandou desconvidar. E tem sido sempre assim, como se o estardalhaço das redes fosse igual à “voz das ruas”. Não é.

Segundo ministros que entram, como o general Luiz Eduardo Ramos, e que saem, como Gustavo Bebianno, Bolsonaro não é tutelado por ninguém. Em outras palavras, essas barbaridades todas que ele vem dizendo num ritmo de metralhadora são coisas de um tripé: ele próprio, os filhos e as redes bolsonaristas. Um tripé do barulho.

Gilles Lapouge || A arte do ministro italiano Matteo Salvini

- O Estado de S.Paulo

Ministro do Interior da Itália sabe como transformar defeitos em vitórias

Dirigentes da União Europeia (UE) examinam com lupa os últimos desdobramentos da batalha que o homem forte de Roma, o ministro do Interior Matteo Salvini, desfecha contra os imigrantes, proibindo barcos humanitários de atracar em portos da península para desembarcar cargas de refugiados caçados na Síria ou na África Subsaariana.

Mas poucos comentários oficiais são feitos. Os chefes da UE sabem que o ministro italiano tem um caráter forte e vingativo e não hesitará em lançar suas flechas embebidas em fel e veneno sobre os funcionários de Bruxelas que ousarem lhe dar lições de moral. A angústia maior da UE é que esse ministro, muito popular, venha a instalar-se, em parte graças a sua luta contra os imigrantes, na cadeira de primeiro-ministro.

A eventual subida de Salvini ao poder seria como uma telha solta sobre a UE. E, nos dias de hoje, telhas soltas têm despencado sobre a cabeça da infeliz União Europeia. Lembremos algumas: o desaquecimento econômico da zona do euro; as tensões comerciais internacionais criadas pela guerra entre Donald Trump e Xi Jinping; e o Brexit. A isso tudo se soma a entrada em função em Bruxelas de uma nova e inexperiente Comissão Europeia.

Matteo Salvini nunca ocultou sua hostilidade, às vezes desprezo, pela UE e a zona do euro. Se ele vier a se tornar o chefe de governo de Roma, isso será uma séria fratura. A Itália não é um país descartável. Com a França, a Alemanha e os países do Benelux, ela foi um dos fundadores da UE. É a terceira potência econômica da zona do euro.

O diretor da Fundação Jean Jeurès, um centro de estudos, Gilles Finchelstein, pinta em cores negras a hipótese de Salvini chegar ao poder em Roma: “Ninguém duvide de que Salvini, como primeiro-ministro, porá na mesa seu projeto de romper, no mínimo, com o euro”, disse Finchelstein. “Ele poderá, então, liderar uma família de países que pretendem quebrar o consenso europeu.”

Merval Pereira || Sinuca de bico

- O Globo

Crises tendem a agravar-se caso corporações se sintam cerceadas pelas novas regras da lei de abuso de autoridade

A pressão sobre o presidente Bolsonaro devido à lei de abuso de autoridade, que está na sua mesa para sanção ou veto, total ou parcial, resume a “sinuca de bico” em que as circunstâncias políticas o meteram.

Há uma ameaça de derrubar o veto caso ele seja integral. A deputada federal Bia Kicis, umas das lideranças políticas mais próximas a Bolsonaro, já anunciou que será apresentada outra lei sobre o tema, “sem os absurdos dessa”. O que insinua um veto total, considerado improvável pela maioria.

Se não vetar pelo menos pontos importantes da lei, Bolsonaro estará indo contra as corporações que se consideram prejudicadas. Associações de policiais, juízes, integrantes do Ministério Público e da Receita Federal foram convocadas pelo líder do governo, Major Vitor Hugo, para discutir como pressionar o presidente a vetar a lei de abuso de autoridade.

As crises em que o próprio presidente Bolsonaro se envolveu com a Polícia Federal e a Receita Federal, ao pressionar para substituir funcionários em postos-chave no Rio por interesse pessoal e de seus filhos, tendem a agravar-se se essas corporações se sentirem cerceadas pelas novas regras da lei de abuso de autoridade.

Por exemplo, uma análise das associações representativas dessas corporações teme que, a partir da nova lei, surjam discussões sobre a possibilidade de se instaurar investigação com base em notícia anônima ou apócrifa, em notícia de jornal ou em informações de inteligência.

Alegam que isso é muito comum não só em casos de tráfico de drogas, mas de crimes de colarinho branco e corrupção. Fica o promotor ou procurador sujeito a responder a representações, investigações ou ações. Esse é um exemplo de crime novo trazido pela lei, que deveria ser uma infração administrativa.

Carlos Andreazza || A lógica do fusível

- O Globo

Em 21 de junho, Jair Bolsonaro se referiu a um ministro — era Onyx Lorenzoni — como fusível. Um dispositivo cuja existência consiste em ser uma proteção condenada a queimar para que queimado não seja o sistema; para que preservado seja o presidente. Era Lorenzoni, mas poderia ser Sergio Moro — e (não se iludam, liberais) até Paulo Guedes.

Já alguns fusíveis fundiram no curso da ainda breve jornada que vai dando caráter a esta República do Curto.

A imagem é preciosa porque expressa um importante fundamento da mentalidade bolsonarista: a forma utilitária, fritadora de outros protagonistas, como dispõe de colaboradores e mesmo de estruturas, a depender dos interesses circunstanciais da nova corte. Era Lorenzoni. Poderia —poderá —ser Moro ou Guedes. Já foram Bebianno e Santos Cruz. Logo será o PSL. Talvez mesmo a Lava-Jato, operação sem a qual Bolsonaro não teria vencido; isto porque a República do Curto também é da Caça, aquela que não hesita em degolar antigos sócios-predadores.

Duas notas constitutivas da persona de Bolsonaro foram realçadas desde que, sentindo o peso imperial da caneta de presidente, mediu que haveria tinta para testar limites: o inconformismo ante o que (quem) não pode controlar e a incompreensão de que um órgão do corpo federal possa ser de Estado e não de (seu) governo. A Polícia Federal, por exemplo; aquela — a das operações espetaculares — que tanto o ajudou e com a qual, vê-se, já estão deflagradas crises. Bolsonaro, ser interferente, quer submissão — e tem sido bem-sucedido em seus arreganhos. Ele foi convidado.

Bernardo Mello Franco || Um engavetador para o Zero Um

- O Globo

É escancarada a influência de Flávio Bolsonaro na escolha do novo PGR. Enrolado no caso Queiroz, ele tem interesse direto na sucessão de Raquel Dodge

É escancarada a influência de Flávio Bolsonaro na escolha do novo procurador-geral da República. No fim de semana, a disputa ganhou um novo favorito:
o subprocurador Antônio Carlos Simões Martins Soares. Ele é pouco conhecido no Ministério Público, mas conta com o apoio do Zero Um.

Ontem pipocaram os primeiros esqueletos no armário do candidato. Ele já foi réu por falsificação de assinatura e teve a aposentadoria cancelada por “possíveis irregularidades”. Não conseguiu comprovar o tempo de serviço, de acordo com decisão do TCU.

Além desses rolos, Soares enfrenta a desconfiança dos colegas. Ele nunca foi procurador-chefe, nunca coordenou uma câmara temática e nunca disputou a eleição para a lista tríplice. Se for mesmo o escolhido, terá dificuldades para controlar a instituição.

O currículo do subprocurador impressiona, mas não chega a ser mais espantoso que a força do primeiro-filho na sucessão. Suspeito de embolsar o salário de assessores, Flávio tem interesse direto na definição do próximo PGR. Ele é investigado no Rio, mas aposta nos tribunais superiores para evitar uma condenação.

Míriam Leitão || Risco global e erros internos

- O Globo

No meio de uma crise externa, o país pode enfrentar barreiras ao agronegócio por erros do governo na área ambiental

O risco do Brasil é viver uma tempestade perfeita. De um lado, a crise internacional afugenta o capital externo do país e o medo de uma recessão global assombra o mundo. De outro, a política ambiental insensata está criando mais riscos. O Brasil exporta US$ 17,8 bilhões de produtos agrícolas para a Europa, só do complexo soja são U$ 5,4 bi, e isso começa a ficar em perigo. Ontem a imprensa alemã pediu o que já se fala entre consumidores europeus: o boicote aos produtos brasileiros. A ideia de que ninguém nos substitui na produção de alimentos é arrogante.

Os próximos meses serão de muita incerteza na economia internacional. Os conflitos entre a China e os Estados Unidos oscilam ao sabor das instabilidades de Donald Trump ou de seus interesses de criar o inimigo externo para espantar suas dificuldades locais em ano pré-eleitoral. A economia de inúmeros países está mostrando desaceleração. E isso afugenta o capital dos países emergentes.

Para se ter ideia do que já aconteceu. Os investidores estrangeiros sacaram R$ 19,1 bilhões da bolsa brasileira este ano. Somente em agosto foram R$ 8,7 bilhões. O minério de ferro perdeu 20% do valor no mês, apesar de acumular alta no ano, e o petróleo caiu 8%. O dólar ontem bateu o maior valor desde 20 de maio. No mês, a alta é de 6,46%. Há problemas em várias áreas.

Os próximos meses serão quentes no meio ambiente e não falo das queimadas que agora se espalham, animados que estão os incendiários pelos sinais que chegam de Brasília. O governo tem mandado os estímulos errados e não quer ouvir as vozes que alertam para os riscos.

Aos ambientalistas e cientistas se juntaram líderes do agronegócio. O governo continua em seu delírio ideológico contra o meio ambiente. Nos países consumidores aumentam as pressões para que sanções sejam impostas ao Brasil pelo desmatamento da Amazônia.

O presidente Jair Bolsonaro trata tudo com a displicência de sempre, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cumpre a pauta dele. E ela não é a do meio ambiente. Nem mesmo do agronegócio. Na última semana, os ex-ministros Blairo Maggi e Kátia Abreu alertaram para os riscos de aumentar o desmatamento.

Ricardo Noblat || Família que opera unida pode enterrar seu chefe

- Blog do Noblat / Veja

O capitão vacila
Há limites para tudo – até mesmo para quem se elegeu presidente prometendo combater a corrupção e agora teme ser alcançado pelo que defendia antes. Esse é o dilema que enfrenta Jair Bolsonaro desde que dois dos seus filhos tiveram os sigilos quebrados sob a suspeita de se beneficiaram de dinheiro público.

O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, saiu em socorro dos garotos – e ao fazê-lo, socorreu-se e socorreu colegas e outras autoridades dos três poderes da República investigadas pelo Ministério Público com base em informações fiscais obtidas sem prévia autorização judicial.

A bandeira do combate à corrupção decorava o gabinete de Bolsonaro no terceiro andar do Palácio do Planalto desde que ele entrara ali para ficar pelos próximos quatro anos. Sumiu. Como exibi-la sem prejudicar os garotos, sem parecer desleal com os que o ajudam a safar-se da enrascada familiar e sem ser contraditório?

Se ela ainda ocupasse um lugar de honra em sua agenda, Bolsonaro não teria enfraquecido Sérgio Moro, líder inconteste do Partido da Lava Jato. Não teria atacado a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Nem peitado a Polícia Federal como ainda não desistiu de fazer.

Esses são os órgãos de Estado, não de governo, mais empenhados no combate à corrupção. É da natureza deles. E sempre foram respeitados pelos presidentes que antecederam o capitão. A Procuradoria Geral da República poderá ser o próximo alvo de Bolsonaro, a depender de quem ele escolha para assumi-la.

Ou Bolsonaro não se dá conta do perigo que corre de vir a ser acusado por obstrução de Justiça ou está seguro de que conta com aliados confiáveis em tribunais superiores capazes de protegê-lo. Se uma parte dos seus devotos se convencer de que ele fraquejou no trato de assunto tão sensível, Bolsonaro pagará muito caro.

Se não agora, mais adiante quando tentar se reeleger.

Crescem as chances de Zero Três virar embaixador

Fernando Exman || O complexo processo decisório presidencial

- Valor Econômico

Tratamento a ministro francês terá consequências

O presidente Jair Bolsonaro exerce há cerca de oito meses a função mais poderosa da República, mas até hoje interlocutores fundamentais de qualquer governo ainda têm dificuldades de compreender como funciona o seu processo decisório. A incógnita existe entre parlamentares, diplomatas estrangeiros e investidores, fato que por si só deveria provocar uma reflexão, dentro do governo, sobre como esse fator é capaz de influenciar o ambiente de negócios e as relações externas do Brasil.

Bolsonaro está na vida pública há décadas, mas de sua atuação parlamentar é muito mais possível extrair a fórmula que adotou para barrar propostas e atacar adversários do que um modelo de como pretendia governar o país.

Seu método de tomada de decisão é de conhecimento restrito. Se é que existe de fato um método para a identificação de problemas, fixação de objetivos, reunião de informações úteis, listagem de alternativas, análise dessas opções com seus respectivos custos e benefícios, escolha da alternativa que maximiza a chance de sucesso, a implementação da decisão e, por fim, o monitoramento e a adoção de procedimentos de avaliação de resultados.

A preocupação com o estilo presidencial não é novidade e se renova a cada eleição. Esses mesmos interlocutores tiveram o trabalho de se debruçar sobre o comportamento dos antecessores de Bolsonaro. Afinal, a postura e a forma de atuação do presidente são fatores diretamente relacionados às complexidades a serem encaradas em Brasília por empresários e representantes de governos estrangeiros.

Robinson Borges || O mal ronda a Terra

- Valor Econômico

Muitos olham o futuro com temor e tremor

Há poucos dias, o embaixador no Brasil de uma das maiores economias do mundo abandonou sua língua materna para expressar, ao fim de um discurso contundente, o que considerava ser um voto de esperança: ler a frase "Make the planet great again" nas páginas de um jornal. Bem-humorado, mas sem perder de vista a gravidade do momento, o comentário traduzia o mal-estar deste fim de década, quando chefes de Estado de nações democráticas atacam o ambiente, as instituições, a ciência e a liberdade de imprensa, apenas para citar os alvos mais frequentes.

O contraponto ao slogan "make America great again", da campanha de Donald Trump, é evidente. Enquanto o embaixador mira o futuro de um planeta sustentável, o presidente americano parece nostálgico de um país menos diverso, mais branco, com menos imigrantes, menos mulheres em posição de poder, mais poluente e com comércio internacional mais modesto. "Parte do desejo de Trump de recriar um passado grandioso leva o país a lugares extremamente obscuros", já disse Alan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve.

Mas qual é o futuro apontado pelo progresso? Apesar de estarem mais ricas, mais saudáveis e mais seguras do que em qualquer outro momento, como revela o professor de Harvard Steven Pinker, as pessoas parecem mais infelizes e mais pessimistas sobre o amanhã, especialmente nos países desenvolvidos. De onde vem tanto ódio manifesto no populismo, no terrorismo e na piora do bem-estar? Por que, mesmo com todo o ganho material, essas pessoas se sentem mais inseguras?

Esses questionamentos foram feitos por Minouche Shafik, diretora da London School of Economics (LSE), no Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), em São Paulo, no primeiro semestre. Para ela, as populocracias não têm as respostas para as grandes questões que se apresentam. "Voltar ao passado nunca é possível", disse. A afirmação é óbvia, mas o cenário tem exigido reforçar o básico.

Egípcia com carreira acadêmica nos Estados Unidos e na Inglaterra, Shafik observou que algumas explicações são recorrentes para o desconforto atual: o aumento da desigualdade, as questões de identidade nacional e o temor com o futuro das nações em virtude das mudanças radicais provocadas pela tecnologia e pela demografia.

O que pensa a mídia || Editoriais

O bebê e a água || Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro se choca com a institucionalidade ao intervir em Receita, PF e Coaf

Agências incumbidas de fiscalizar o cumprimento das leis e de inibir nos poderosos a tendência ao abuso de suas prerrogativas atravessam um período crítico no Brasil. Tornaram-se alvo de questionamento e pressão motivados por um misto de boas e más intenções.

No centro do debate, o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) passaram por notável processo de profissionalização e modernização nas últimas décadas e têm exercido protagonismo no cerco aos crimes de colarinho branco.

A ascensão dessas burocracias não ocorreu sem custos. Fortaleceu-se nelas o corporativismo, que amiúde se expressa como autoproteção excessiva, ensimesmamento e repulsa à autocrítica. A margem e a tentação para cometer abusos em procedimentos investigativos também parecem ter crescido.

A agenda de ajustes sensata para essas agências pauta-se, portanto, na diretriz de mitigar danos colaterais do seu soerguimento sem feri-las na capacidade de investigar com autonomia e eficácia. Trata-se, em termos coloquiais, de não jogar a criança fora com a água do banho.

Enquadra-se nesse esforço bem intencionado de dar mais equilíbrio à atuação das instituições fiscalizadoras a discussão em curso sobre a lei de abuso de autoridade.

Também nessa linha, amadurece em Brasília o debate sobre uma reforma da Receita Federal que, além de esclarecer os seus protocolos de vigilância e autuação, diminua a brutal incerteza que a movimentação errática e ubíqua da máquina do fisco federal impõe sobre os negócios e os empregos no Brasil.

Poesia || Carlos Drummond de Andrade - Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.

Música || Chico Buarque - Todo o Sentimento