terça-feira, 5 de agosto de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU EM O GLOBO


O VÍCIO DO PETRÓLEO
Merval Pereira


NOVA YORK. A dependência dos Estados Unidos do petróleo está mexendo com o bolso e a cabeça do americano médio e tendo reflexos imediatos no resultado das pesquisas eleitorais. Depois de ver sua vantagem diante do republicano McCain sair de quase 15 pontos percentuais em junho para um empate neste início de agosto, com a tendência se invertendo ligeiramente a favor de seu adversário, o democrata Barack Obama partiu para o ataque em duas frentes: usando a mesma tática da propaganda agressiva na televisão, acusou McCain de estar "no bolso" das grandes companhias petrolíferas e, ao mesmo tempo, apresentou um plano de energia de longo prazo, recheado de medidas demagógicas imediatas.

A proposta de McCain de liberar a exploração de petróleo na costa do país e no Alasca, proibida devido aos danos ao meio ambiente, não tem, segundo os técnicos, nenhuma chance de reduzir o preço do barril do petróleo a curto prazo, mas caiu no gosto do eleitor americano, o que fez Obama abandonar a oposição ao projeto.

Mas ele foi além na venda de esperanças para o cidadão comum, que está tendo que deixar de usar seu automóvel devido ao preço da gasolina, e sugeriu que o governo utilizasse as reservas estratégicas de petróleo para aliviar o consumidor nas bombas.

Nos primeiros cinco meses do ano, o número de quilômetros percorridos pelos motoristas norte-americanos atingiu o seu nível mais baixo desde 2003. Os americanos reduziram o número de milhas dirigidas em 9,6 bilhões na comparação de maio de 2008 contra maio de 2007. Na comparação dos primeiros quatro meses de 2008 com o mesmo período do ano passado, a redução já é de 40 bilhões de milhas, em torno de 65 bilhões de quilômetros.

A proposta de usar 10% das reservas estratégicas de petróleo do país, atualmente um pouco acima de 700 milhões de barris, para aliviar o que chamou de "sofrimento" dos americanos, representa mais uma mudança na posição do democrata, que recentemente havia dito que não considerava possível usá-las "desta maneira".

A proposta de Obama seria politizar o uso dessas reservas, o que já foi feito anteriormente em algumas ocasiões e é criticado pelos especialistas. As reservas estratégicas de petróleo dos Estados Unidos, as maiores do mundo, começaram a ser montadas a partir de 1970, no embargo do produto dos países árabes, e estão mantidas em reservatórios no subsolo ao longo da costa do Texas e da Louisiana.

O presidente Bush recebeu recentemente autorização para chegar a um bilhão de barris. As reservas têm funções estratégicas econômicas e políticas para países que, como os Estados Unidos, importam cerca de 70% do petróleo que consomem. Permitem aos governos abastecer o mercado no caso de uma interrupção inesperada de suprimento, como também reduzem a dependência de fornecedores que estejam dispostos a usar o petróleo como arma política, como pode ser o caso da Venezuela, responsável pelo fornecimento de cerca de 20% do produto consumido nos Estados Unidos.

Os especialistas alegam que o preço de petróleo no mundo hoje, no entanto, se orienta pelo mercado privado de commodities e não é mais controlado por países exportadores e um pequeno número de empresas petrolíferas, como em épocas passadas. Portanto, usar os estoques estratégicos para tentar reduzir o preço interno da gasolina seria uma medida praticamente inócua.

O certo seria usá-los estrategicamente no mercado internacional, de preferência em combinação com outros países importadores, a fim de influenciar no preço internacional do barril.

Outra demagogia anunciada por Obama é o aumento de taxação das grandes empresas petrolíferas para poder dar um desconto de US$1 mil para cada família com dificuldade de enfrentar os custos da energia.

Mas o programa de energia do democrata tem pontos importantes de longo prazo, como estimular a produção de carros mais eficientes no consumo de energia. Ele coloca, porém, sua prioridade nos automóveis híbridos com baterias recarregáveis. Nem ele nem McCain dão destaque a programas de combustíveis renováveis, especialmente de etanol, cuja importação continua sendo taxada pelo governo americano.

Brasil e Estados Unidos detêm cerca de 70% da produção mundial de álcool. Tanto os Estados Unidos quanto a França, o quinto maior produtor mundial de etanol, fazem seu combustível com outros produtos que não a cana-de-açúcar - os EUA do trigo e milho e a França, da beterraba -, e ambos têm que dar fortes subsídios para tornar economicamente viável o produto.

Na recentemente fracassada Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio, a União Européia chegou a oferecer uma redução na taxação para permitir uma cota maior de exportação do etanol brasileiro, mas os Estados Unidos não chegaram a fazer uma proposta. A sugestão européia era de um corte de tarifas na importação anual do equivalente a 1,4 milhão de toneladas de etanol até 2020, o que geraria uma receita anual de US$1 bilhão, de acordo com autoridades da UE.

Embora John McCain já tenha criticado os subsídios ao milho para a produção de etanol e votado contra no Senado, Obama defende o subsídio, e nada indica que o forte lobby dos produtores americanos será superado para pôr fim à taxa que os Estados Unidos cobram sobre o etanol importado.

Um acordo assinado entre os presidentes Bush e Lula, que incentiva a pesquisa do etanol e sua produção em países do Caribe e América Central, é muito criticado pelos produtores americanos. O temor é que o acordo permita que o Brasil se utilize dos países do Caribe, que estão isentos das taxas de importação pelo acordo de livre comércio, para exportar etanol para os Estados Unidos.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


SHOW DE TALENTO
Dora Kramer


Não é a primeira e provavelmente não será a última vez que o ministro da Justiça, Tarso Genro, diz ou faz alguma coisa errada sem a menor necessidade. Há exemplos de sobra em sua trajetória passada e presente.

Mas agora com essa história de tornar urgentes as punições de militares que cometeram crimes na ditadura ele se superou.

Por carência de percepção ou afã de abraçar uma causa de destaque, acabou dando a oficiais da reserva sem outra ocupação senão a de vocalizar recalques da corporação uma oportunidade de ouro para se imiscuir na vida política do País.

A conversa do ministro com a Comissão de Anistia, na semana passada, tenderia a ficar restrita ao campo da equivocada inversão de prioridades, dada a aflição dos cidadãos com a incapacidade do poder público de lidar com os crimes comuns cometidos aqui e agora.

A veemência do ministro obrigou seu colega da Defesa, Nelson Jobim, a desmenti-lo como precaução. Em vão, pois o Clube Militar está sempre ávido por uma agenda.

E que agenda! Se não for uma bravata, a convocação de seminário para discutir o “passado terrorista” de autoridades do governo Lula e a hipótese de puni-las por participação em atos de violência tem potencial altamente constrangedor.

A reação militar foi desproporcional. Anônima até agora, descompromissada e, por isso mesmo, perigosa. Parte de quem não tem nada a perder. Divulgaram uma lista de todos os “terroristas” passíveis de punição e, na base do olho por olho, trataram-nos como meliantes.

E isso para quê? Para absolutamente nada, pois daqui até a prometida reunião haverá o deixa disso regulamentar. Se não houver, pior para todos. O Brasil discutirá algo não prioritário para a geração atual, terá de entrar no debate sobre a abertura dos arquivos da ditadura e daí para uma saia-justa geral é um pulo.

Ou alguém acha que todas as indenizações milionárias já pagas resistirão à luz da verdade? Gente que levou milhões de repente poderá ter revelada uma atuação de combate bem menos valiosa. Essas coisas são como aquele lugar comum sobre CPIs: nunca se sabe o que vem pela frente.

Como ministro da Justiça já se viu que o gaúcho Tarso Genro não influi nem contribui. Em algum momento falou ligeiramente a respeito de um plano nacional de segurança pública, mas não desenvolveu o tema, muito menos executou qualquer ação.

Nunca funcionou ao molde do antecessor como advogado do governo nas causas periclitantes e, como colaborador na articulação com os outros Poderes, já mostrou preferência pelo atrito.

Que não se despreze, porém, o talento de Tarso Genro porque não há na República ninguém capaz de embarcar numa canoa furada com tanta convicção.

Zarpou para Mônaco assim que Salvatore Cacciola foi preso. Na maior seriedade, mas para nada, além de proporcionar à autoridade do principado momentos de ironia.

Defendeu dossiês contra adversários políticos como algo corriqueiro e, antes, quando na oposição, capitaneava a campanha “Fora FHC” enquanto a cúpula do PT fazia o caminho inverso, ciente de que a madeira um dia bate em Chico e no outro em Francisco.

Se a motivação de Tarso Genro é, como dizem seus colegas petistas, ganhar espaço para vir a ser candidato, o caso é mais grave que a possível crise.

Maquinário

O prefeito Gilberto Kassab parece ter resolvido que vale a pena dar um pouco de sorte para o azar. Primeiro, registrou em e-mail uma tentativa de produzir boas avaliações em pesquisas usando o instrumental da prefeitura.

Depois, reuniu assessores para organizar mutirão eleitoral. Uma conduta, no mínimo, descuidada em relação aos limites do uso do cargo.

Se o prefeito se espelha no exemplo federal, que usa, abusa e não sofre conseqüência alguma, conviria notar que o salvo-conduto tácito à transgressão conferido ao presidente Lula e companhia não necessariamente se estende a todas as excelências.

Ademais, em São Paulo o PT é oposição, não brinca em serviço nem é tão gentil quanto seus oponentes no plano federal.

Piloto automático

É fato que a largada de Gilberto Kassab frustrou expectativas de tucanos aliados ao governador José Serra. Mas não é isso que mantém Serra distante das atividades da campanha.Pouco antes das convenções que oficializaram as duas candidaturas Serra havia avisado que faria uma declaração formal de simpatia a ambos e depois desapareceria dos palanques.

A intenção de Serra é ficar longe da confusão. Tenha ela caráter de derrota ou mesmo de vitória. Se Kassab estivesse bem e Geraldo Alckmin mal, ainda assim o governador não poderia circular ao lado do prefeito.

A explicitação da preferência em plena campanha só faria da conturbação na já suficientemente conturbada nação tucana o assunto da estação. Bilhete premiado para o PT.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


BAGUNÇA INSTITUCIONAL
Raymundo Costa


A autorização para grampear telefones que o juiz federal Fausto De Sanctis deu ao delegado Protógenes Queiróz é inédita. Desconcertante. De uma penada só, o magistrado paulista deu ao delegado acesso a todos os telefones do país. On line. A todos os números do banqueiro Daniel Dantas, o alvo principal da operação Satiagraha, mas também aos do presidente da República e os do vendedor de churrasquinho de gato apanhado na escuta da PF e pelo "rapa" paulista.

Uma autorização que deixou intrigados o Congresso e os chamados meios jurídicos. Há os mais desconfiados, que desde já apostam no superaquecimento da campanha eleitoral de 2010. O mercado negro dos grampos é que dirá se eles estão certos ou se tudo não passa de mera paranóia. Mas existe também quem observe apenas "uma fase de uma certa bagunça institucional", como o deputado Arnaldo Madeira, tucano paulista com experiência e conhecimento dos desvãos do governo. Bagunça que, segundo ele, começa pela Presidência.

Os exemplos estão por toda parte. Um que passou em branco: a manifestação de delegados pela autonomia da Polícia Federal. É fato que há um grau de impunidade muito alto no país e um sentimento de justiça muito alto na sociedade, mas isso não justifica a ação de justiceiros e paladinos, que só ameaçam as bases nas quais se assentam o estado de direito. É outra a delegação democrática.

A bagunça institucional seria visível quando o juiz De Sanctis, por mais bem intencionado e sintonizado com o sentimento da sociedade que esteja, revela uma visão um tanto messiânica da sua função, como alguém que deve dar satisfação diretamente ao povo. E quando a PF passa a imagem de que prende porque quer arrumar o pais. É o bem combatendo o mal.

Em uma das suas entrevistas, o delegado Protógenes adverte que ficará de olho na criação do Fundo Soberano, uma proposta do Ministério da Fazenda, atento para ir atrás de quem tentar malversar o dinheiro público. Como diz Arnaldo Madeira: "É um pouco essa questão de super-homens que vão resolver a questão, porque as instituições estão fragilizadas", diz.

As manifestações de juízes federais em relação a decisões do Supremo Tribunal Federal se colocam no mesmo nível. A primeira instância tem de ter autonomia, mas há também as instâncias superiores. É a lei. Outro exemplo: o ministro das Relações Exteriores representa o país na rodada Doha, mas o ministro da Agricultura diz que essa reunião é uma bobagem. O outro pensa o quê? "O que é que eu estou fazendo aqui, turismo"?

"Os ministros do presidente Lula se estapeiam em público e nada acontece", diz Madeira. "Estamos numa situação preocupante não porque a PF vai fazer mais isso e mais aquilo, mas porque a própria ação da PF revela a bagunça institucional que nós estamos vivendo".

A força da democracia nos dias de hoje é que o conceito de democracia se generalizou no mundo. Mas para o deputado Arnaldo Madeira, "as sociedades precisam ter instituições sólidas, porque o que dá segurança à democracia não é o homem genial, não é o homem providencial: é o funcionamento das instituições". Mas o que se vê é "que as instituições estão muito fragilizadas, a hierarquia está quebrada em todos os níveis. É isso o que ocorre quando um delegado faz uma representação ao Ministério Público porque não estaria sendo atendido por seus superior na Polícia Federal".

Democracia prescinde de justiceiros e paladinos

Madeira tem um diagnóstico para o que chama de bagunça institucional da atual conjuntura: "É a contradição entre a complexidade da sociedade e dos segmentos modernos da sociedade, que tocam a atividade econômica, e o atraso do Estado e das instituições. Esse é o centro do problema", diz.

Na opinião do tucano, o Brasil se tornou uma sociedade mais complexa, tem setores econômicos dinâmicos, que são competitivos em nível mundial (agronegócio, siderurgia, minério de ferro, fabricação de aviões, entre outros). "Estamos competindo com empresários e agentes privados que têm capacidade de atuar numa economia competitiva muito grande", argumenta. Modernidade que por outro lado convive com "instituições que ficaram para trás, que não estão conseguindo se modernizar para enfrentar essa nova circunstância da moderna sociedade brasileira".

O que ocorre então é a contradição de uma sociedade arcaica, com instituições com a cabeça da década de 1950, e segmentos da economia ultra-sofisticados. Um exemplo é o sistema financeiro. Basta ver que à abertura do mercado quem "deu show" foram os brasileiros Bradesco, o Itaú e Unibanco. O Banco do Brasil, apesar de estatal, é bem gerenciado. Os outros se deram mal".

Para Madeira o quadro se resume a isso: uma sociedade bastante complexa e a política com a cabeça na década de 50, atrasada e uma estrutura de Estado obsoleta. "Poucos economistas conhecem o funcionamento do mercado financeiro, que é sofisticado, internacional. Imagina se um juiz um ou um delegado vão entender isso. Aí o cara fica vendo minhoca".

Segundas intenções

O ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, acha que a coordenação da área social está em muito boas mãos com Miriam Belchior, assessora especial da Casa Civil, o que dispensa a designação de um ministro específico para a tarefa. A unificação foi sugerida pelo ministro Fernando Haddad (Educação) durante reunião de 17 ministros realizada no último 21 de julho.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não chegou a se comprometer com a idéia, disse que ia pensar. Mas tratou de advertir eventuais interessados que a adoção da proposta não significaria mais salário, apenas mais trabalho.

Segundo fontes credenciadas do Planalto, o próprio Patrus e Luiz Dulci (Secretário Geral) estariam cotados para a função. Mas no próprio PT há quem vislumbre por trás da idéia um projeto presidencial paulista para se contrapor a Dilma Rousseff e a vontade de empregar a área social nas eleições.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

DEU EM O GLOBO

FORA DA REALIDADE
Editorial/ O Globo

Por alguma razão - oportunismo político condicionado pela luta interna no PT é uma possibilidade -, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, ministro Paulo Vanucchi, decidiram tentar contrabandear para a agenda de debates políticos a revisão da Lei de Anistia, com o objetivo de levar ao banco dos réus militares acusados de homicídio e/ou tortura.

É gritante a extemporaneidade da iniciativa, mais um "fogo amigo" disparado no governo Lula, este dirigido diretamente contra o gabinete presidencial. Aos menos avisados, caso a União incorresse na sandice de assumir a proposta, apenas estaria repetindo o exemplo de Argentina, Uruguai e Chile, onde houve ditaduras militares, e leis de anistia revistas para permitir a punição de algozes do regime. A diferença fundamental entre o caso brasileiro e o de outros países no continente, como bem chamou a atenção o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal, é que a anistia no país não foi decretada por quem quebrou a ordem constituída para, com isso, proteger-se na volta à democracia.

A análise do magistrado: "No caso brasileiro, os destinatários (da anistia) foram todos aqueles que se enquadrassem nos requisitos estabelecidos pela lei, e não se direcionou nesse ou naquele sentido, com a finalidade de beneficiar esse ou aquele grupo, muito menos o de privilegiar os que usurparam o poder com o golpe de Estado de 1964." Aliás, se privilegiados há, tem sido um grupo de egressos da militância de esquerda daqueles tempos que conseguiram ser beneficiados por generosas indenizações, a tal da Bolsa Ditadura, que converte o passado oposicionista de alguns em rentável investimento. A característica de legitimidade da lei de anistia brasileira, redigida ainda no regime militar, no governo Figueiredo, e aprovada pelo Congresso em 1979, fez com que ela não fosse contestada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao contrário do perdão concedido em outros países latino-americanos. A lei, assim como o processo de distensão política que desembocou na redemocratização em 1985, foi uma obra de que participaram representantes do regime e da oposição. Portanto, investir contra atos legais daquela época é tentar reabrir um capítulo da História que foi encerrado com sucesso, sem rupturas institucionais, como era e é desejo da sociedade.

A audiência pública que Tarso Genro e Paulo Vannuchi fizeram no Ministério da Justiça para debater a revisão da anistia causou inevitável irritação entre militares. Que, como sempre acontece nessas horas, falarão por meio de oficiais da reserva, reunidos ainda esta semana no Clube Militar. Cria-se, assim, um clima contraproducente em todos os sentidos. É o momento, portanto, de o presidente Lula intervir para que projetos pessoais de auxiliares seus não prejudiquem o próprio governo e permitam o repeteco de um vozerio, à direita e à esquerda, que nada tem a ver com a realidade brasileira.


DEU EM O GLOBO

'LEI DA ANISTIA DEU PERDÃO PARA OS DOIS LADOS'

Ex-ministro do STF, Velloso diz que assunto está superado, numa crítica indireta aos ministros Tarso e Vannuchi

BRASÍLIA. A punição de torturadores que atuaram durante o regime militar, defendida pelos ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e criticada duramente pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não é consenso entre juristas e cientistas políticos. No centro da polêmica, está a interpretação da Lei da Anistia, que perdoou todos os crimes políticos ou que foram cometidos com motivação política desde 1961. Aprovado em 1979, durante a negociação da abertura, o texto permitiu o retorno dos exilados e beneficiou igualmente militantes de esquerda e militares. Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o jurista Carlos Velloso é contrário a uma revisão da lei.

- É um assunto superado. A Lei de Anistia é peremptória, e estabelece um esquecimento, um perdão para os dois lados. Foi uma pedra colocada sobre o ocorrido. Também houve crimes do lado dos opositores ao regime. Mexer com uma coisa dessas pode gerar uma bola de neve - afirma.
"Sob o ponto de vista político, é desastroso"
Velloso diz temer os efeitos da reabertura da discussão:

- Isso não seria bom para a democracia brasileira. Sob o ponto de vista político, é desastroso. Sob o ponto de vista jurídico, é difícil imaginar uma mudança na lei.

O debate é acirrado no governo e no Judiciário. Ex-presidente do STF, Nelson Jobim, disse na semana passada que a Lei da Anistia já atingiu seus objetivos, sendo o principal a pacificação nacional após o fim da ditadura. Para ele, "mudar essa legislação seria o mesmo que revogar aquilo que já foi decidido anteriormente".

O entendimento é compartilhado pelo atual decano do STF, Celso de Mello. Ele já disse que a legislação nacional não permite a punição de crimes cometidos durante o regime militar e que a Lei da Anistia foi equânime, sem privilegiar qualquer um dos lados.

Para Luiz Werneck Vianna, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), os defensores da punição aos torturadores fazem sua análise apenas sob a ótica dos direitos humanos. Ele pondera que a sociedade terá mais ganho se não mexer em feridas do passado.

- Reabrir o debate pode ser uma caixa de surpresas. Não se sabe o que vai se retirar dela, o bem ou o mal. A sociedade pode correr este risco sem saber o que tem dentro da caixa - explica o professor.

Biógrafa de Ernesto Geisel, o general que começou o processo de abertura, a cientista política Maria Celina D"Araujo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que o perdão aos torturadores foi negociado pelos militares durante a transição democrática. Ao devolver o poder a um governo civil, diz ela, as Forças Armadas queriam evitar qualquer clima de revanchismo. Por isso, teria prevalecido a interpretação de que a Lei de Anistia beneficiaria inclusive quem torturou.
- Por que aqui este assunto ficou intacto? Porque na transição brasileira isso foi um acordo feito com os políticos da época, Tancredo, Sarney e Forças Armadas, no sentido de que a anistia seria assim - afirma Maria Celina.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

CONTRA A REVISÃO NA LEI DA ANISTIA
Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio

Proposta de integrantes do governo de mudar regras para punir militares que torturaram presos políticos é qualificada como inoportuna por ex-guerrilheiros


Um dos poucos remanescentes da “turma da pesada” da antiga Aliança Libertadora Nacional (ALN) — a organização guerrilheira comandada pelo ex-deputado Carlos Marighella, morto pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury durante a chamada Operação Bandeirantes —, o ex-guerrilheiro Takao Amano considera inoportuna a discussão sobre a revisão da anistia para punir os militares que torturaram presos políticos. Segundo ele, “há uma polêmica jurídica sobre o assunto, porque a tortura é considerada crime hediondo pela Constituição e, para alguns autores, estaria fora do abrigo da Lei de Anistia”.

Para Amano, porém, a questão é política: “O passado sempre volta à tona, esse assunto inevitavelmente será debatido um dia, por causa da abertura dos arquivos da repressão e da questão dos desaparecidos, mas não há condições políticas para a revisão da Lei de Anistia. Essa polêmica é até um teste para a nossa democracia, precisa ser encarada sem revanchismo”, avalia.

Discreto e modesto advogado trabalhista, que aos 61 anos divide o tempo entre os departamentos jurídicos dos sindicatos dos médicos e dos padeiros de São Paulo, Amano é um ex-banido pelo regime militar. Foi trocado pelo embaixador suiço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado em dezembro de 1970, numa operação comandada pelo ex-capitão Carlos Lamarca, juntamente com outros 69 presos políticos que foram embarcados de avião para o Chile. Exilado em Cuba, fez autocrítica da luta armada e voltou para o PCB. Durante quase 10 anos, Amano vagou pelo mundo como Francisco Mendes, o “El Chino”, um funcionário da Federação Mundial da Juventude Democrática.

Seqüestro

Exímio atirador, Amano foi um dos dois subcomandantes do Grupo Tático Armado, o GTA, da ALN, chefiado por Virgílio Gomes da Silva, o “Jonas”, que comandou o seqüestro de Elbrick. Os integrantes do GTA tinham por características resistir à prisão a tiros. Num tiroteio em Suzano, durante um assalto a banco, Amano foi baleado, mas conseguiu fugir e foi operado clandestinamente. Em outro, na Alameda Campinas, acabou baleado e preso pelos órgãos de segurança, juntamente com Luís Augusto Fogaça Balboni, que morreu no hospital, e Carlos Lichtszejn, também ferido. Durante aquele ano de 1979, o GTA e seu grupo de apoio logístico da ANL foram desbaratados. “Jonas”, Marighella e, depois, Joaquim Câmara Ferreira, o “Velho”, todos dissidentes do antigo PCB, acabaram mortos.

A opinião de Amano coincide com a do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que fez treinamento de guerrilha em Cuba, mas não participou de ações armadas. No seu blog, o ex-ministro qualificou de “erro grosseiro” de membros do governo, particularmente do ministro da Justiça, Tarso Genro, a reabertura da discussão sobre a Lei da Anistia. Para Amano, o debate sobre o assunto pode ter sido precipitado por causa da luta interna no governo, já que a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, ex-guerrilheira da Var-Palmares, é a preferida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sucedê-lo em 2010.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!


O QUE PENSA A CHINA?
REVOLUÇÃO SILENCIOSA
Marcos Flamínio Peres

Editor do MAIS!

Combinando ajuda econômica e política autoritária, China se torna novo modelo para países em desenvol-vimento na Ásia e África e ameaça expansão da democracia ocidentalO "soft power" chinês prega uma escalada silenciosa do país em direção a uma maior presença global, mas sem confrontar os EUA

A China não quer assombrar o mundo apenas com seu crescimento econômico exorbitante ou com um número inédito de medalhas, que pode fazê-la derrotar os EUA nos Jogos Olímpicos que têm início nesta sexta-feira.

Ela quer mais: quer dominar as mentes e formar a opinião de boa parte das pessoas. Sua principal arma é uma intelligentsia cultivada nas melhores universidades do Ocidente e que agora desenvolve novas estratégias políticas e econômicas nas centenas de centros de pesquisa espalhados pelo leste do país, de Pequim a Xangai.

No cerne desse "projeto de dominação" reside o conceito de "mundo muralhado", que combina ajuda econômica a países em desenvolvimento -baseado em um capitalismo de Estado- com um regime de partido único.

A conseqüência mais temível disso é que a China está se impondo às populações de Burma, Zimbábue, Sudão, Argélia, Angola etc. como um modelo econômico e político a ser louvado e seguido.

Essa tese desconcertante, que bate de frente com as hipóteses de que a China adotaria a democracia liberal à medida que crescesse economicamente, é tratada no livro "What Does China Think?" ["O Que Pensa a China?", ed. Fourth Estate, 224 págs., 8,99, R$ 28], que tem sido destaque em publicações prestigiosas como as inglesas "Prospect" e "Financial Times".

Escrita por Mark Leonard, diretor-executivo do Conselho Europeu de Relações Exteriores -um "think tank" com sede em Londres e bancado pelo megainvestidor George Soros-, a obra reúne sua experiência em visitas ao país como professor convidado da Academia Chinesa de Ciências Sociais (leia texto ao lado).Localizada em Pequim, a ACCS sozinha concentra 50 centros de produção acadêmica, com 4.000 pesquisadores trabalhando em tempo integral em cerca de 260 disciplinas.

Em instituições como essas foi formulado o que Leonard chama de "soft power" [poder suave] -uma escalada silenciosa do país em direção a uma maior presença global, mas cuidando para não confrontar a única superpotência que restou da Guerra Fria.

Polarização ideológica

Assim, abdica de investir maciçamente em suas Forças Armadas -como fizeram os EUA- e constrói a imagem de país amistoso e interessado na paz mundial. E, paralelamente, usando toda a força de seu PIB, constrói relações diplomáticas e econômicas privilegiadas com regimes autoritários.

Esse imperialismo "suave" que a China pratica nas relações externas decorre diretamente do embate de duas linhas ideológicas cada vez mais presentes no debate interno do Partido Comunista -as quais Leonard chama de Nova Direita e Nova Esquerda.

Para ele, essa divisão reproduz fielmente no campo intelectual a polarização econômica entre as Províncias interiores do oeste -empobrecidas- e as Províncias costeiras do leste -consideradas as vitrinas do capitalismo chinês.

A primeira linha defende a radicalização dos experimentos neoliberais dos últimos 30 anos, como aumento da participação de capital privado nas estatais e desapropriação de vastas áreas particulares para instalação de plantas industriais.Seus principais nomes, os "neocons" Zhang Weiying ou Yan Xuetong (leia entrevista nesta pág.), temem tanto o fantasma da Revolução Cultural de Mao Tsé-tung quanto o caos que se instalou na União Soviética após a abertura realizada por Mikhail Gorbatchov nos anos 1980.

Clamam também por uma maior militarização do país, de modo a evitar um aumento da tendência separatista de Taiwan. As cidades de Xangai e, sobretudo, Shenzen -uma vila de pescadores que se tornou em poucas décadas umas das metrópoles do país (veja mapa na pág. 6)- despontam como símbolos da Nova Direita.

A segunda vertente ideológica, formada por nomes como Cui Zhiyuan e Wang Shaoguang, é mais crítica das desigualdades sociais e da devastação ambiental provocadas pelo crescimento desenfreado.

Novo modelo

Os experimentos "democráticos" propostos pelos membros da Nova Esquerda -chamados de "ditadura deliberativa"- se baseiam em consultas públicas sobre a eleição de delegados para o PC ou ainda a destinação de verbas municipais. Suas cidades laboratórios, como Pingchang e Chongqing, estão esvaziadas de capital e população devido à atraente exuberância do leste do país.

Se a primeira linha foi absolutamente hegemônica durante as gestões de Deng Xiaoping (artífice da reforma econômica a partir de 1978) e Jiang Zemin (1993-2003) -quando a China se tornou a potência que é hoje-, a Nova Esquerda obtém cada vez mais espaço dentro do governo do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao.

Contrastes sociais gritantes, devastação ambiental e pressão da opinião pública internacional têm levado o governo, influenciado pelas estrelas da Nova Esquerda, a considerar alterações moderadas.

De qualquer modo, é essa rica e multifacetada estatura intelectual da China de hoje que lhe permite conceber a ambiciosa estratégia do "soft power". Como lembra Mark Leonard, é inevitável a expansão do grande Império do Centro em direção às fontes energéticas e alimentares de África e Ásia.

E, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, haverá um modelo alternativo aos da Europa e dos EUA -e, provavelmente, não nos padrões daquilo que o Ocidente costuma entender por democracia.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!

"CRESCIMENTO PRECISA SER DIVIDIDO"
Raul Juste Lores



Expoente da Nova Esquerda, Wang Shaoguang diz que país aprendeu com as dores do capitalismo

Seus estudos sobre desigualdade social e políticas públicas são leitura do presidente Hu Jintao e de vários membros da atual geração que comanda o Partido Comunista.Isso demonstra o atual prestígio de Wang Shaoguang, 54, professor de ciência política na Universidade Chinesa de Hong Kong e de políticas públicas na Universidade Tsinghua -a segunda mais importante do país-, em Pequim.Ele é um dos líderes da Nova Esquerda.Como a maior parte do establishment acadêmico chinês, ele estudou nos EUA, é PhD em Cornell e lecionou na Universidade Yale entre 1990 e 2000, quando voltou à China.Ele diz que o país "mudou de rumo" nos últimos cinco anos, após "sofrer as dores do capitalismo" em 30 anos de abertura.Aos 12 anos, foi guarda vermelho, tendo participado da Revolução Cultural que expurgava dissidentes e burgueses. "Foram tempos violentos, mas excitantes", diz.Ele recebeu a Folha em seu escritório na Tsinghua.

Nova insegurança

Há 30 anos, vivíamos com menos conforto, mas com mais segurança. Todos éramos iguais, a desigualdade era mínima, você trabalhava em uma empresa estatal, com estabilidade, tinha saúde e educação garantidas por essa empresa.As necessidades básicas estavam cobertas e seu salário era o mesmo, independentemente de sua performance.Hoje você não sabe quando será demitido, quando será desnecessário. O crescimento econômico a qualquer preço criou muita insegurança. Sem saúde e educação públicas. Até 1999, o governo só tinha política econômica, não social.

Estado forte

Nos anos 1980, o bolo estava crescendo, mas ninguém queria dividi-lo. Nos últimos seis, sete anos, houve uma mudança de curso histórica. Depois de 20 anos de neoliberalismo, os chineses começaram a sentir as dores do capitalismo. Hoje o Estado chinês está mais forte.

Sociedade harmoniosa

O discurso de construir uma Sociedade Harmoniosa, do governo do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao, é verdadeiro, e assume as perigosas desigualdades que estavam sendo construídas, principalmente entre a cidade e o campo, e entre o leste e o centro e oeste do país.Essa mensagem está se disseminando. Na escala Gini, que vai de zero para as sociedades mais igualitárias, a um, na desigualdade absoluta, a China era 0,28 em 1978, uma das mais igualitárias do mundo.Hoje ela está em 0,46. Ainda não é desigual como a América Latina, mas não vai mudar da noite para o dia.

Nova direção

A opinião pública chinesa tem marcado a agenda, há pressão na internet, melhores comunicações, as pessoas se expressam. Há poucos anos, todos falavam da crise na saúde -cara, inacessível, impossível de pagar para famílias humildes. As escolas, mesmo as mais simples, cobram mensalidade.Isso começa a mudar. Em 2002, começou a se criar um sistema de saúde rural em que o governo central contribuía mensalmente com 10 yuans [R$ 2,30], o governo local com outros 10 yuans e o cidadão com mais 30 yuans.Atualmente, Pequim coloca 40 yuans, os locais, outros 40 yuans, e o indivíduo, 20 yuans. Isso está longe de ser perfeito, mas mostra uma nova direção. A saúde e a educação nas cidades ainda recebem mais dinheiro que as rurais, mas há mudanças.Lei trabalhista

Sou a favor da nova lei trabalhista. Os salários têm aumentado de 10 a 15% ao ano, mas o trabalhador precisa de mais proteção, de horas extras, de contratos, direitos.Afinal, para quem é o crescimento da China? Ele precisa ser dividido.

Legado socialista

Cerca de 85% da população urbana chinesa mora em casa própria -um legado socialista.Mas, com o êxodo rural, certamente novas medidas precisarão ser implementadas. Acho que precisamos fazer como Cingapura ou Hong Kong e investir em imóveis para alugar que sejam razoáveis.

Mídia de direita

Se você faz uma busca na internet, certamente haverá mais histórias sobre a Nova Direita chinesa, sobre o neoliberalismo, aqui. Mas em termos de espaço acadêmico, de citações, debate, a Nova Esquerda tem um peso muito maior.Há mais restrições entre os intelectuais e as universidades que do governo. Nunca me senti censurado nos últimos anos.A Nova Esquerda agora é popular, mas, nos anos 80 e 90, ninguém queria saber dela, era irrelevante.

Desigualdades

Eu previa que seriam necessários de 30 a 50 anos para começar a diminuir as desigualdades entre a cidade e o campo, e na verdade elas já começaram a encolher. Há transferências de impostos em massa para o interior. Na prática, há uma descentralização.

Otimismo

Vivemos em um clima de grande otimismo. Li uma pesquisa do Pew Center segundo a qual 90% dos chineses aprovam o rumo do país. A educação será gratuita no ensino básico no interior a partir deste ano. A China está aprendendo a traçar seu caminho, buscando aprender com quem quer que seja.Ainda está formando sua identidade. Acho que o Estado chinês é muito mais descentralizado do que se imagina no exterior. O capitalismo também está mudando. O governo dos EUA está atuando no resgate de mercados, intervindo na economia. Nada é como era antes.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!

"NEM FREUD SE APLICA AQUI"
DE PEQUIM


Líder da Nova Direita, o cientista político Yan Xuetong diz que China é mais liberal que os EUA

Defensor da "moralização" do capitalismo chinês e de mais investimentos na área social, o cientista político Yan Xuetong, 55, é líder da Nova Direita chinesa, que chama de "reformista". "Até os EUA têm uma rede de proteção social maior que a da China, que é comunista", diz.
Diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Tsinghua. É PhD em ciência política pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e dirige o "Jornal Chinês de Política Internacional". Alguns de seus livros são adotados pelo Ministério da Educação.
Em sua página na internet, a principal foto é dele ao lado de Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos EUA. Leia trechos da entrevista que concedeu à Folha. (RJL)

Direita-esquerda

Ainda que economicamente a esquerda seja conservadora e a direita, progressista, na China tudo se embaralha.Política externa multilateral, nacionalismo, defesa de democracia com vários partidos podem estar na direita ou na esquerda, sem diferenças. Mas o país cresceu graças às reformas liberais introduzidas em 1978.A economia de mercado desenvolveu a China.

Mais reformas

Muitas reformas são necessárias na China, principalmente a política, que é a que não deve acontecer tão cedo. As mais urgentes são as que moralizem nosso capitalismo e promovam mais igualdade entre pobres e ricos, que promovam uma proteção social dos mais pobres.Nos últimos 30 anos, a China priorizou o crescimento econômico e ignorou os conflitos sociais. Não podemos parar as mudanças só porque o país está crescendo.Estados Unidos

Os EUA têm um dos piores sistemas de saúde e previdência social entre os países ricos, mas já seria um sonho a China ter algo parecido. Somos piores que os EUA! Não dá para ser como a Europa, que gasta demais e cresce de menos.Os EUA são bem liberais, mas o Estado ainda é mais presente lá que aqui.Moralizar o capitalismo

Defendo uma economia de mercado com moralidade. Trapacear é errado, ser corrupto é errado, fazer dinheiro com tráfico de drogas, prostituição e contrabando é errado.Apoiar os mais pobres não é apoiar os preguiçosos, como alguns pensam.Acho que a política de Hu Jintao e Wen Jiabao é de corrigir esse modelo do enriquecimento custe o que custar.Lei trabalhista

Sou contra a nova lei trabalhista. Ela joga em cima dos patrões toda a culpa pelo descaso social da China em décadas.Ao dar estabilidade a funcionários após o segundo contrato ou para quem já tem dez anos de trabalho, faz com que vários patrões demitam funcionários mais antigos ou torna cara a manutenção destes.Transforma em fardo os empregados mais velhos para as pequenas empresas. É prejudicial para patrões e empregados, engessa as relações -na prática, não funciona.Novas prioridades

As prioridades precisam mudar. Prefeituras, Condados, governos provinciais gastam fortunas em suas sedes de luxo, enquanto as escolas são feitas com materiais baratos.Veja o que se gastou para fazer o novo teatro nacional de Pequim, as instalações olímpicas -é um gasto imenso que não é para o povo.A arrecadação de impostos na China cresceu 35% no ano passado, enquanto o PIB cresceu 11%. O governo poderia ter outras prioridades. Na época da Revolução Cultural, não havia dinheiro, mas havia um sistema de saúde.

Privatizações

Apóio as privatizações. Ainda há muitas empresas gigantescas nas mãos do Estado, quando sabemos que as particulares têm resultados melhores.Compare o socialismo chinês ao capitalismo americano. Tirando o poder do Partido Comunista, não há muitas diferenças. Mas não usamos o termo capitalismo na China porque é muito malvisto, é tão negativo como o terrorismo.

Burocracia

É imprescindível reformarmos o funcionalismo público.Professores e enfermeiras podem ser facilmente demitidos, mas não autoridades e burocratas públicos. Eles são promovidos por tempo de serviço, não por mérito. Veja os EUA: estão sempre convidando gente de fora para trabalhar e reformular sua política externa.Na China, os diplomatas são promovidos a cada dois anos, trabalhem ou não, sejam produtivos ou não. Há muita gente incapaz no governo.China modelo?

O modelo chinês só serve para a China. É um alerta, quem quiser segui-lo vai fracassar.Tirando o Vietnã, com quem compartilhamos uma história comum, não se aplica a outros países. Nem marxismo nem capitalismo são iguais aqui e no Ocidente. A China é diferente, nem Freud se aplica aqui.Nosso animal-símbolo é o dragão, que não é real. Somos ave, somos cavalo, somos peixe, pode ser o que você quiser, mas é só chinês.

Rico, mas fraco

Sou otimista. Em cinco anos, a China será a segunda economia mais importante do mundo, e a influência política do país só irá crescer. Mas levará muito tempo para ser uma superpotência. Seremos mais ricos, mas militarmente somos cada vez mais fracos.Não combatemos em nenhuma guerra desde 1984 [quando houve conflitos de fronteira com o Vietnã]. Somos como o Japão -temos um Exército com equipamentos modernos, mas ninguém sabe exatamente como usá-los.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!

ACCS RELÊ MARX E ORIENTA O GOVERNO
Da Redação

Criada em 1977, a partir da Academia Chinesa de Ciências, a Academia Chinesa de Ciências Sociais representa o topo da hierarquia acadêmica no pensamento social do país. A ACCS tem como metas estudar tanto a reforma econômica quanto a doutrina marxista-leninista.Os pesquisadores municiam o governo com análises, como a divulgada na semana passada, segundo a qual a economia do país deverá resistir bem caso especuladores financeiros internacionais decidam retirar seus investimentos do país.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /+MAIS!

REVISTA "DUSHU" É MARCO INTELECTUAL
Da Redação

A revista mensal "Dushu" (Leitura) começou a ser publicada em 1979 e se tornou um dos principais veículos da intelectualidade chinesa, especialmente da Nova Esquerda. Sediada em Pequim, tem tradição de discussão política aberta desde a primeira edição, com o lema "Não há zona proibida na leitura".Sua circulação chegou a cerca de 100 mil exemplares por mês em 2007. Ainda no ano passado, causou polêmica a demissão de seus dois editores, Wang Hui e Huang Ping, sem justificativa.