quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Câmara deveria afastar deputado Daniel Silveira – Opinião / O Globo

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na terça-feira serviu para transmitir um recado aos bolsonaristas que, como ele, fazem pouco da democracia, se comportam como valentões ginasianos diante das instituições e defendem abertamente uma ditadura. Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a prisão decretada na véspera pelo ministro Alexandre de Moraes. Foi uma forte demonstração de unidade num momento de divisões na mais alta Corte do país.

A Procuradoria-Geral da República imediatamente denunciou Silveira pelo conteúdo do vídeo em que instiga agressões físicas a ministros do Supremo, xinga e desqualifica a instituição, além de defender o AI-5, ato da ditadura que permitiu a cassação de juízes e parlamentares, prisões, tortura e mortes. Cabe agora à Câmara tomar uma decisão sobre o destino do deputado. Ele precisa ser afastado do mandato.

Não há a menor condição de alguém com o pensamento antidemocrático e defensor da violência continuar a ocupar assento num Parlamento democrático. Silveira, expoente das falanges radicais do bolsonarismo, já é investigado em inquéritos conduzidos por Moraes sobre manifestações antidemocráticas e desinformação. Na iminência de ser preso, repetiu as agressões em seu perfil no Twitter, reforçando a justificativa da prisão em “flagrante delito”, sem direito a fiança.

Decisões como a de Moraes costumam ser criticadas com base no direito à liberdade de expressão e na imunidade parlamentar. Em seu voto, porém, o ministro demonstrou que são inconstitucionais tanto manifestações que tentam “aniquilar a força do pensamento crítico” quanto as que procuram destruir o regime democrático e as “instituições republicanas”.

Além de acusar Silveira por desrespeitar a Carta, difundir ideias contra a ordem constitucional e o Estado de direito, Moraes também o enquadrou, por ironia, na Lei de Segurança Nacional, herdada da ditadura tão defendida por ele. Tal lei não poderia ser mais clara ao definir os crimes. “Atentar contra a democracia, contra o estado de direito, não configura exercício da imunidade parlamentar”, afirmou Moraes. “Em nenhum país se confunde imunidade com impunidade.”

Merval Pereira - A que ponto chegamos

- O Globo

Nossa mais recente crise institucional, não a derradeira, é consequência da leniência com que as instituições vêm tratando os frequentes abusos autoritários do presidente Bolsonaro e de seus radicais seguidores. Chegamos a essa situação, e não é a primeira desse tipo, porque o Congresso aceitou que deputados bolsonaristas e milícias digitais promovessem, como continuam a fazer depois da prisão do deputado federal (ainda?) Daniel Silveira, ataques às instituições, e que as Forças Armadas aderissem acriticamente ao governo Bolsonaro e aceitassem, algumas vezes com o endosso tácito até mesmo do ministro da Defesa, diversas tentativas de transpor as linhas da legalidade, contra a democracia.

O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo encarregado das negociações com os parlamentares, quase nunca fundadas em bases republicanas, declarou que não se envergonha dessas negociações. Deveria, pois assumiu, na sua faceta civil, a parte apodrecida das relações políticas, a mesma tática que o leva, e a outros generais, a repudiar o lulopetismo e, anteriormente, o próprio Centrão. Lembram-se do general Heleno cantando na campanha eleitoral “se gritar pega ladrão, não sobra um no Centrão?”.

A revelação do general Villas Bôas de que a nota de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera do julgamento de um habeas corpus a favor do ex-presidente Lula foi feita não em caráter pessoal, mas pelo Alto-Comando do Exército, é muito mais grave do que já parecia há três anos. Não importa se você gosta do Lula ou não, se acha que ele merecia o habeas corpus ou não. É um absurdo que o Alto-Comando do Exército respalde uma declaração daquelas às vésperas de um julgamento do STF.

Joaquim Falcão* - A favor do Supremo

- O Globo

No incerto começo, o governo Bolsonaro tentou. Pregaram: “Bastam um soldado e um cabo para fechar o STF”. Incitaram os quartéis proclamando na sua frente: “Eu sou, realmente, a Constituição”. Hackers ameaçaram a privacidade dos ministros e seus parentes. Estimularam protestos na Praça dos Três Poderes. Pegou o país desprevenido. Assustou a democracia. Mas não deu certo.

Em compensação, revelou parte importante do projeto de poder. Que foi e está sendo construído. Às vezes, na noite das redes. Em vez de Supremo independente, pretende-se Supremo dependente. Apenas aparente. Existe, mas não vive. Quando vive, respira o ar que lhe sopra o Planalto.

Esse projeto é permanente. Só vai parar nas próximas eleições. Vai se agravar enquanto as pesquisas eleitorais, seja da “Folha” ou do Ipespe, mostrarem que Sergio Moro o vence. Moro é sua assombração diurna. Nesse contexto, inserem-se a violência do deputado Daniel Silveira e suas consequências.

De imediato, muda a pauta do Brasil. Ainda que instantaneamente. Antes voltada para vacinas e a incapacidade do governo em lidar com o problema. E a tentativa no Supremo de criminalizar o presidente e seu ministro da Saúde pelas mortes ocorridas. Por algum tempo, a pauta será um possível conflito entre Supremo e Congresso. E violência de militantes extremistas.

Líder não é apenas o que tem mais coragem. Mais força física. Ou é mais inteligente. Líder no século digital é quem cria e comanda o clima. No caso, a pauta do país. O presidente Bolsonaro é obcecado por estar na mídia. Pautá-la e controlá-la.

Bertrand Russell, Prêmio Nobel de Literatura, explica essa obsessão de maneira quase psicanalítica. A vaidade do poder cresce com aquilo que a alimenta. Quanto mais falado for, mais o presidente desejará sê-lo. Mais vaidoso será. Maior o indicador de sua importância.

É quase como criança que precisa de permanente atenção. “Olhem, eu estou aqui!”, “Não se esqueçam de mim!”, “Lembrem-se!”. Seria uma espécie de excitação permanente com o poder. Sempre necessitando da demonstração de potência. Segundo Russell.

Maria Cristina Fernandes - Bolsonaro ganha circo e Lira perde o pão

- Valor Econômico

Daniel Silveira ajuda o presidente da República com pauta diversionista que tira o foco da pandemia

Se o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pretendia encabeçar uma manobra diversionista com o vídeo em que afrontou o Supremo Tribunal Federal, foi bem-sucedido. E não apenas por ter dividido as atenções da plateia em relação às responsabilidades do presidente da República numa quarta-feira de cinzas que amanheceu sem vacinas em várias cidades do país. Também tirou o foco de outro personagem-chave da conjuntura, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Ao contrário de Bolsonaro, porém, o diversionismo atuou em prejuízo das pautas que alimentam Lira.

O presidente da Câmara tem como prioridade zero de sua gestão a consolidação do desmonte lavajatista com a desidratação das instituições de controle. Basta ver o grupo de trabalho por ele instalado na semana passada que tem por objetivo promover mudanças na legislação eleitoral. Quinze entidades de combate à corrupção lideradas pela “Transparência Partidária” se insurgiram em carta contra o procedimento por entenderem que a discussão seria mais condizente com os ritos de uma comissão especial, como prevê o regimento, do que com um grupo de trabalho.

Nas entrelinhas da carta está o temor de que a gestão de um presidente da Casa que é réu no Supremo e exerce seu mandato com base numa liminar, tenha como resultado um afrouxamento da Lei da Ficha Limpa, da improbidade administrativa e nas prerrogativas da Justiça Eleitoral. Paradoxalmente, Daniel Silveira só não se encaixa na mesma condição de Lira porque, como mostrou Sérgio Ramalho, do “The Intercept”, o deputado acumulou licenças na Polícia Militar para não responder a processo cujo resultado o tornaria inelegível.

O plenário da Câmara que se debruçará sobre a decisão unânime do Supremo de confirmar a prisão de Daniel Silveira ainda é caudatário da folgada eleição de Lira por 302 votos. O presidente da Casa é o maior eleitor desta decisão sobre o deputado do PSL, mas a enfrenta emparedado. Se acatar a decisão do Supremo, afrontará suas convicções e de seus aliados que temem abrir a porteira para a prisão em flagrante de parlamentares. Se for na direção contrária, afrontará a Corte em que é réu e com a qual pretende construir pontes para o desmonte do que resta de lajavatismo.

Luiz Carlos Azedo - O que está em jogo?

- Correio Braziliense

A revogação da prisão do deputado Daniel Silveira ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual se opõe

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que na campanha eleitoral destruiu uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada por milicianos do Rio de Janeiro. Na terça-feira, o parlamentar, em live de quase 20 minutos, fez ameaças ao STF e a diversos ministros da Corte, com afirmações caluniosas e atentatórias ao Estado de direito democrático. À noite, foi preso pela Polícia Federal, que cumpriu mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ex-policial militar, várias vezes punido por mau comportamento, Silveira deixou a corporação ao se eleger deputados federal na onda bolsonarista, em 2018. Está sendo investigado nos inquéritos que apuram as fake news contra o Supremo e os responsáveis pelas manifestações em favor de uma intervenção militar, sob responsabilidade do ministro Moraes. É suspeito de supostas ligações com as milícias do Rio de Janeiro e de ser um dos líderes dos grupos de extrema-direta que pregam a volta do regime militar.

O pretexto para gravação do vídeo por Silveira foram as declarações do ministro Édson Fachin a propósito do depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas, ao Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual o general afirma que o texto de seu Twitter sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2018, fora discutido no Alto-Comando do Exército. No vídeo, Silveira também defende a volta do Ato Institucional nº 5, que levou à fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964 , que destituiu o presidente João Goulart.

O vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros, ontem mesmo, denunciou Silveira por instigar a ruptura institucional e a animosidade entre o Supremo e as Forças Armadas. A decisão unânime do Supremo cria também jurisprudência sobre esse tipo de manifestação, nas redes sociais, que prega a ruptura da democracia e a violência contra seus poderes constituídos. Hoje, haverá audiência de custódia de Daniel Silveira, mas dificilmente sua prisão em flagrante será revogada por Moraes.

Ricardo Noblat - Acordão para salvar o mandato de Silveira será testado hoje

- Blog do Noblat / Veja

Silêncio de Bolsonaro não significa indiferença

A princípio, Jair Bolsonaro pouco estaria se lixando para o destino do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal depois de atentar contra o Estado de Direito. Faz parte do DNA do presidente largar no campo de batalha aliados que se tornam incômodos. Para os filhos, suspeitos de crimes, a regra não vale. Por eles, mata e é capaz de morrer.

Mas Silveira, a essa altura, por tudo que já disse e fez, espelha melhor do que ninguém a extrema direita que apoia Bolsonaro desde que ele se elegeu vereador pelo Rio e passou quase 30 anos como deputado federal. Bolsonaro teme perder parte desse apoio se nada fizer em favor de Silveira, e, pior: se sua turma mais radical, por medo, deixar de se opor com estridência ao Supremo.

Bolsonaro nada disse ainda sobre a prisão de Silveira, mas por interpostas pessoas, agiu em sua defesa. Aprovou a iniciativa de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, de acionar o desativado Conselho de Ética da Casa para aplicar algum tipo de punição a ele que não seja a cassação do seu mandato. Quem sabe assim o Supremo não se daria por satisfeito e relaxaria a prisão?

Aprovou também a iniciativa da Procuradoria-Geral da República de denunciar Silveira por quatro crimes: praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros do Supremo em direito próprio; incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário; e incitar a animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo.

O diabo, porém, mora nos detalhes: a Procuradoria não pediu a prisão preventiva de Silveira apesar das pesadas acusações que lhe fez. Pediu que ele seja monitorado por meio de uma tornozeleira, que se recolha em seu domicílio à noite e que seja proibido de frequentar as dependências do Supremo. Que tal? É uma isca para que haja um acordo entre o tribunal e a Câmara.

Quando o ex-ministro Sérgio Moro acusou Bolsonaro de intervenção na Polícia Federal, a Procuradoria requereu ao Supremo a abertura de inquérito contra o presidente. O ministro Celso de Mello autorizou. As investigações se arrastam há meses. É pule de 10 que a Procuradoria concluirá pela inocência de Bolsonaro e arquivará o inquérito. Assunto encerrado.

William Waack - Divisor de águas?

- O Estado de S. Paulo

É tudo muito diferente daquela vez quando a Câmara proibiu que um deputado fosse processado pelo regime militar

A história que se repete para nós não é uma farsa, tragédia, nem sequer uma rima tem. Em 1968, o AI-5 foi decretado para punir uma Câmara dos Deputados que impedira que fosse processado um deputado que defendia liberdades cerceadas pelos militares no poder. A atual Câmara dos Deputados – depois de uma ditadura, uma redemocratização e uma Constituição – vai se ocupar da situação de um deputado que usa das liberdades reconquistadas por gerações de brasileiros para propor acabar com essas liberdades. 

Do ponto de vista do estado de direito e do funcionamento de suas instituições era mais fácil então identificar onde estava o “bem” e o “mal”. Não, não é a questão da “liberdade de expressão” consagrada na imunidade parlamentar: essa proteção não é absoluta nem existe para a prática de delitos penais e o incitamento do golpe e destruição da ordem democrática. O pano de fundo muito mais preocupante é o da legitimidade das instituições envolvidas. 

Começa pelo STF. Uma parte relevante da “insegurança jurídica” que caracteriza as relações na sociedade brasileira se deve à atuação política desse órgão. E do entendimento, entre seus integrantes, de qual seria o melhor efeito político ao tomarem decisões que fizeram da Constituição (que cabe ao STF zelar) uma questão de interpretação dependendo das circunstâncias do momento. Com ministros dando rasteiras em ministros. 

Roberto Macedo* - Sistema político passou ao incentivado presidencialismo de cooptação

- O Estado de S. Paulo

Parlamentares ficam soltíssimos para defender interesses pessoais e grupais

Há o presidencialismo de coalização, descrito como uma combinação do presidencialismo com o apoio de uma coalizão multipartidária no Legislativo. Segundo o cientista político Sérgio Abranches, que criou esse conceito, “... é um requisito imprescindível da governabilidade no modelo brasileiro. Nem todos os regimes presidenciais multipartidários dependem tanto de uma coalizão majoritária. No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”.

E há o presidencialismo de cooptação. Nele o presidente busca o apoio de parlamentares por meio do toma lá verbas e cargos e o dá cá apoio parlamentar. Outra diferença relativamente ao de coalização é que essa troca se dá com parlamentares específicos, ou um grupos deles, e pode ser feita mesmo contrariando a orientação das lideranças e dos programas partidários.

A recente eleição para a presidência da Câmara e a do Senado foi bem mais na linha da cooptação do que da coalizão. Meu artigo anterior neste espaço destacou a reportagem deste jornal Por eleição, Planalto libera R$ 3 bi a parlamentares, publicada em 29 de janeiro. Nela, o que chamou a atenção foi a grande dimensão desse valor, a coincidência dos entendimentos com o período pré-eleitoral nas duas Casas e o amplo alcance de negociações individuais. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, que tentou articular uma candidatura em oposição à apoiada pelo Executivo, até reclamou quanto à cooptação praticada.

O senador Tasso Jereissati, em entrevista ao jornal O Globo digital no domingo passado, afirmou: “... esse período agora é diferente, (...) todos os partidos, todos, foram triturados (...) pelo processo eleitoral de Senado e Câmara. (...) Sempre teve isso, mas os partidos também tinham um grande peso. Agora os partidos foram ignorados como se não existissem. (...) o processo (...) nas duas Casas do Congresso foi na base da captação de votos individual”.

Maria Hermínia Tavares* - Acolhida assegurada

- Folha de S. Paulo

O jornal registrou com destaque a grande manifestação coletiva da comunidade acadêmica contra o regime militar

"Com 6 mil inscritos, SBPC abre sua reunião", foi a chamada de primeira página da edição de 6 de julho de 1977 desta Folha, anunciando a 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O destaque se explica por não ser aquele mais um evento como os que a organização promovia para discutir, com reduzido grupo de iniciados, trabalhos geralmente ininteligíveis para os leigos.

Proibido de se realizar na Universidade Federal do Ceará, o encontro foi transferido para a PUC de São Paulo, onde se tornaria a primeira grande manifestação coletiva de repúdio da comunidade acadêmica ao regime militar, dando assim a partida ao seu engajamento aberto na luta pela democracia.

Durante uma semana, nenhum tema relevante para o país foi esquecido: do acordo nuclear entre o Brasil e a Alemanha, alvo de críticas da Sociedade Brasileira de Física, à desigualdade de renda produzida pela política de arrocho salarial da ditadura; do papel do Estado na economia ao modelo político autoritário; das mudanças demográficas ao surgimento de novos movimentos e demandas sociais. Ao longo desse período, os principais debates foram registrados por este jornal. Podem ser lidos no seu arquivo digital.

Bruno Boghossian – Máquina golpista

- Folha de S. Paulo

Extremismo bolsonarista é alimentado e protegido pelo Planalto

Quando ainda frequentava manifestações que defendiam o fechamento do Congresso e do STF, Jair Bolsonaro trabalhou para proteger os golpistas de seu grupo político. Em abril do ano passado, ele indicou que era preciso mudar o comando da Polícia Federal para frear uma investigação contra deputados que atacavam outros Poderes.

A tentativa de blindagem foi registrada numa mensagem enviada pelo presidente ao então ministro Sergio Moro. Bolsonaro reagiu a uma notícia sobre o inquérito contra seus aliados e escreveu: "Mais um motivo para a troca". Agora preso, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) era um dos integrantes daquele time.

O presidente forçou a troca na PF e produziu uma crise com a demissão de Moro. O governo não conseguiu segurar as investigações, mas o episódio mostrou que Silveira e os demais integrantes daquela tropa de choque não eram um apêndice insignificante do grupo que chegou ao poder depois de 2018.

Gabriela Prioli - A democracia sob ataque

- Folha de S. Paulo

Deputados devem agir para proteger a casa que representam

Curioso o nosso golpista. Quando se percebe na iminência de ser preso, invoca a Constituição que despreza em todas as suas falas. Brada pela prerrogativa que, não fosse o Estado democrático de Direito que pretende destruir, não teria. Não duvido nada de que, já já, vejamos a impetração de um habeas corpus. AI-5 para quem? A Constituição sim, mas só quando eu quero. Só o tanto que me basta para que, a instrumentalizando, possa destruí-la.

Da decisão do Supremo Tribunal Federal, que sob vários aspectos pode ser questionada —começando pelo próprio inquérito na qual foi proferida, passando pela decisão de ofício, até chegarmos à discussão sobre o flagrante—, o que fica mais evidente é a passividade do Congresso. Acostumaram-se ao conforto das notas de repúdio ou ao silêncio conveniente que espera o ataque de amanhã para que esqueçamos o de hoje. Não se percebem em risco.

De quanto desgaste seríamos poupados se nossos deputados honrassem as cadeiras que ocupam e preservassem a dignidade da instituição que representam. As falas do deputado que se orgulha dos dias de prisão que amargou quando era PM atentam, sim, contra o STF e seus ministros, mas não só: ao atacar a democracia, atacam o Parlamento.

Vinicius Torres Freire - O Bolsonarismo custa caro

- Folha de S. Paulo

Brucutus causam crises políticas que emperram decisões de governo e Congresso

O bolsonarismo custa caro até para Jair Bolsonaro, embora este governo não seja lá muito capaz de fazer certos cálculos pragmáticos a respeito de sua sobrevivência.

O sururu sórdido causado por esse deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é um exemplo menor, em termos práticos. Afora imprevistos, essa crise não deve paralisar o Congresso por mais que um par de dias. É pouco, mas o tempo já era escasso para aprovar a emenda constitucional que deve abrigar o novo auxílio emergencial e o Orçamento —é preciso fazê-lo até março. Outras bolsonarices ou suas sequelas podem causar mais tumultos políticos e parlamentares que afetariam até as perspectivas abaixo de medíocres da economia para este 2021.

Dezembro e também janeiro foram meses abaixo das expectativas já limitadas de atividade econômica. A julgar pelo valor das vendas por meio de cartões, janeiro foi parecido com dezembro, mês em que, pela estatística do IBGE, as vendas no varejo caíram 6,1% em relação a novembro de 2020. A confiança do consumidor e das empresas continuou baixando no início do ano. É um efeito óbvio de piora da epidemia e do fim do auxílio emergencial e do benefício de complementação de salários reduzidos pelas empresas.

Ribamar Oliveira - A preocupação já é com o próximo ano

- Valor Econômico

A nova “cláusula de calamidade” será usada em 2022

O governo ainda não explicitou a sua proposta para o “novo marco fiscal”, que negocia com os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). As fontes consultadas pelo Valor informaram, no entanto, que a preocupação das autoridades é aprovar um marco legal que permita ajustar as contas públicas do próximo ano, principalmente na eventualidade de que a pandemia da covid-19 se prolongue por mais alguns meses.

Algumas notícias desencontradas dificultam a compreensão do que está acontecendo. Em primeiro lugar, a prorrogação do auxílio emergencial, com benefício mensal em valor substancialmente inferior ao concedido no ano passado, não depende de novos cortes de despesas ou de medidas fiscais adicionais. Simplesmente porque elas já foram adotadas para este ano e constam da proposta orçamentária para 2021, que ainda está em análise pelo Congresso Nacional.

A lei complementar 173/2020 proibiu, até 31 de dezembro de 2021, que a União, Estados e municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia concedam aumento, reajuste ou qualquer vantagem salarial aos membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos. A LC abriu exceção para aqueles aumentos que já tinham sido aprovados pelo Congresso anteriormente, como foi o caso do reajuste para os militares.

Adriana Fernandes – waiver para o auxílio

- O Estado de S. Paulo

Nova rodada do benefício é queda de braço entre gastar e gastar com contrapartidas de corte de despesas

Para a concessão de uma nova rodada de auxílio emergencial, com valor das parcelas limitado a R$ 250,00 e custo total de até R$ 30 bilhões, a equipe econômica calcula que a medida de contrapartida já foi dada com o congelamento dos salários dos servidores até o fim deste ano para União, Estados e municípios.

A nova versão da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de orçamento de guerra, que está sendo negociada pelo ministro da EconomiaPaulo Guedes, e lideranças do Congresso, deve prever uma espécie de “waiver” (dispensa) extraordinário para concessão do auxílio durante o vácuo jurídico deixado pelo fim do estado de calamidade em 31 de dezembro do ano passado.

Para acionar o “botão” de um protocolo de guerra e combater o recrudescimento da pandemia, o que exigiria gastos maiores de R$ 30 bilhões, a proposta também vai prever mecanismos que garantam contrapartidas mais duras de ajuste fiscal, como o congelamento de salários dos servidores por mais dois anos. São medidas para serem acionadas no futuro, junto com o arcabouço de um novo marco fiscal para uma cláusula de calamidade pública.

Pedro Cavalcanti Ferreira, Renato Fragelli Cardoso* - Efeitos permanentes da crise

- Valor Econômico

O choque da covid-19 terá um efeito deletério permanente no ritmo de expansão da economia

Recessões são eventos recorrentes. Por diferentes razões, de tempos em tempos, a atividade econômica cai e com ela o investimento, consumo e emprego. Em algum momento, observa-se uma recuperação e a vida volta ao normal. Esta pode ser rápida - em V, como dizem os economistas - ou lenta, mas os efeitos das crises costumam ser transitórios. A crise atual, entretanto, a mais grave das últimas décadas, deverá ter efeitos de médio e longo prazo que vão muito além do roteiro acima. O país tende a ficar mais pobre, mais desigual, e o crescimento pode se tornar permanentemente mais lento. O impacto duradouro se dará principalmente através da educação.

Embora os indicadores educacionais tenham melhorado, a educação no Brasil permanece, em geral, de baixa qualidade. O problema atinge particularmente crianças e jovens mais pobres. Vindos de um ambiente doméstico menos escolarizado, eles já iniciam a vida estudantil em desvantagem, pois a evidência revela que a educação dos pais é fundamental na educação dos filhos. O problema poderia ser parcialmente sanado na escola, mas os indicadores de qualidade do ensino mostram que escolas públicas, onde os pobres estudam, são piores que as privadas frequentadas pelas crianças mais ricas.

Míriam Leitão - STF mira defensor radical do governo

- O Globo

A força dos eventos em torno da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) vai muito além do personagem. O Supremo consagrou duas teses. Primeiro, que a imunidade parlamentar não cobre ataques e ameaças à democracia. Segundo, que a internet alarga o conceito de prisão em flagrante porque nela se pratica crime continuado. O que era no começo do dia uma decisão do ministro Alexandre de Moraes virou de todo o STF após a aprovação por unanimidade. A cúpula da Câmara tentava encontrar formas de amenizar a punição.

Daniel Silveira é reincidente. É investigado no inquérito das fake news e das manifestações antidemocráticas. É um defensor da violência como arma política. Em um dos seus vídeos mais conhecidos, ele ameaça de morte manifestantes antifascistas. Mais importante, ele é um bolsonarista raiz, da ala radical. Ao atacar o Supremo ele estava tentando escalar a crise iniciada pela declaração do general Villas Bôas de que o Alto Comando do Exército participou da redação da postagem que fez em 2018 ameaçando o STF. Três dos integrantes do Alto Comando da época são ministros de Bolsonaro, e o então ministro da Defesa é diretor-geral de Itaipu. Era nessa crise que Daniel Silveira tentava surfar.

Ex-policial militar, defensor da disseminação das armas, propagandista da ditadura e do AI-5, o deputado é fruto também do perigoso fenômeno da politização das polícias militares, uma das bases do atual presidente. O ex-ministro da Segurança Raul Jungmann explica melhor.

— A hiperpolitização das polícias militares acontece pela permissão de que eles saiam, se candidatem e, se perderem a eleição, possam voltar e retomar o serviço ativo. Ganhando ou perdendo pode-se voltar. A possibilidade de ir e vir da política para a PM tem sido um estímulo a que indivíduos liderem rebeliões e motins para depois se candidatarem. A greve é proibida, mas eles entram em greve e depois são anistiados — diz Raul.

Cora Rónai - Não entendo quem busca aglomerações em plena pandemia

- O Globo

Não entendo a vontade de comemorar o quer que seja quando há tanta gente asfixiada nos hospitais, tanta gente morrendo

Não sei mais sair de casa. Não é nem por medo — eu já tive Covid-19 e, em tese, ainda estou relativamente imunizada contra o coronavírus. É que perdi a habilidade.

Sair envolve uma série de pequenos gestos e atenções. Não reparamos neles porque sair é o nosso normal desde que o primeiro hominídeo se mudou para a primeira caverna e, uma vez lá dentro, descobriu que a vida era lá fora.

Tudo está lá fora: o comércio, a natureza, os amigos.

Mas eu olho pela janela, vejo a vista mais deslumbrante do Rio de Janeiro e... sinto zero vontade de ir até lá. Sair deixou de ser automático. Preciso me concentrar na roupa e no sapato, preciso conferir se tudo o que preciso está na bolsa.

Antes eu sabia a minha bolsa de cor.

Antes eu abria o armário, assoviava, e duas ou três blusas vinham comer na minha mão: sempre as mesmas, apesar da quantidade de colegas. Hoje eu abro o armário, fico pensando e desisto.

Antes os meus pés encontravam as sandálias sozinhos, no escuro.

Já estive na rua algumas vezes desde o começo da pandemia, mas não consegui normalizar o mundo de máscaras, de álcool gel e de distanciamento social. Tenho uma dificuldade enorme de ficar alerta. Da última vez que saí, o elevador veio com dois vizinhos do andar de cima e eu já ia entrando. Fui à dentista, precisei calçar coberturas protetoras sobre os sapatos e só me lembrei que estava com aqueles paninhos nos pés dois quarteirões antes de chegar em casa, a própria louca do EPI.

Vera Magalhães - Acordo entre STF e Câmara é difícil

- O Globo

Nos momentos que antecediam a reunião da Mesa da Câmara para decidir sobre a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pela Polícia Federal, atendendo determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deputados e ministros da Corte conversavam nos bastidores sobre a possibilidade de um acordo de procedimentos que evitasse desgaste para os dois Poderes.

Por esse desenho, a Mesa da Câmara faria um aceno ao STF na reunião prevista para começar agora, às 13h, reconhecendo a gravidade dos ataques que o deputado desferiu contra o STF e repudiando os vídeos com ameaças a integrantes da Corte e ao funcionamento do Judiciário. Ao mesmo tempo, encaminharia imediatamente ao Conselho de Ética da Câmara os vídeos com a recomendação de análise, a partir da semana que vem, da possibilidade de abertura de investigação por quebra de decoro parlamentar.

Essas iniciativas viriam juntamente com a manifestação da Mesa contra a prisão em flagrante por crime inafiançável, que, segundo conversei com deputados, é unanimemente condenada por eles, uma vez que, pela justificativa do ministro, segundo eles, qualquer um pode vir a ser preso por vídeos gravados anos atrás, uma vez que o flagrante não se encerra no tempo, no entendimento exarado por Alexandre de Moraes.

A expectativa de deputados é a de que, com esse gesto em reconhecimento ao caráter inaceitável da postura de Daniel Silveira, seria mais fácil obter o relaxamento da prisão do deputado não ainda nesta tarde, quando se espera que o STF referende por unanimidade a decisão de Moraes, mas na audiência de custódia.

Música | Último regresso - Getúlio Cavalcanti

 

Poesia | Mario Quintana - O auto-retrato

No retrato que me faço

- traço a traço -

às vezes me pinto nuvem,

às vezes me pinto árvore...


às vezes me pinto coisas

de que nem há mais lembrança...

ou coisas que não existem

mas que um dia existirão...


e, desta lida, em que busco

- pouco a pouco -

minha eterna semelhança,


no final, que restará?

Um desenho de criança...

Corrigido por um louco!

- Mario Quintana, in: Apontamentos de História Sobrenatural, 1976.