domingo, 9 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – José de Souza Martins

Um ex-presidente tem que fazer esforços para voltar a ser o que era. E nunca o conseguirá plenamente. Em entrevista à revista Piauí, Fernando Henrique Cardoso referiu-se a isso: ter que fazer o próprio check-in nos aeroportos, carregar as próprias malas, procurar ele mesmo o táxi, enfrentar filas. No curtíssimo espaço de um mandato, muita coisa muda; de dois mandatos, muda muito mais. É preciso reaprender a movimentar-se. Quem depender de emprego para sobreviver terá que aprender muito mais. Lula, se tivesse que voltar para a fábrica, teria que aprender uma nova profissão, pois a sua, a de torneiro mecânico, praticamente não existe mais, substituída por computadores.


MARTINS, José de Souza. Rei morto, rei posto, O Estado de S. Paulo/Aliás, 9/1/2011

Gambiarra jurídica:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O caso da extradição do ex-terrorista italiano Cesare Battisti, que foi um dos chefes da organização de extrema-esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) e é condenado à prisão perpétua na Itália por quatro assassinatos, pode gerar uma crise institucional entre o Judiciário e o Executivo, mas também colocar o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, em situação de desmoralização diante da opinião pública, pois existe a possibilidade de haver novamente um empate entre seus membros.

O julgamento da extradição, no fim de 2009, terminou com um placar de cinco a quatro, com o Supremo acatando o pedido do governo italiano, aceitando a tese de que Battisti deveria ser extraditado porque fora condenado por crimes comuns, e não políticos.

Mas, também por cinco votos a quatro, os ministros decidiram que caberia ao presidente da República a decisão final, embora a discricionariedade de seu ato tivesse que se restringir aos termos do tratado de extradição existente entre Brasil e Itália.

Dos cinco ministros que votaram assim, Eros Grau se aposentou recentemente, restando em plenário os ministros Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello.

Se nenhum deles mudar de posição, e do mesmo modo agirem os outro quatro ministros que votaram entendendo que a decisão do Supremo era terminativa, teremos novamente um empate, como aconteceu com relação à Lei da Ficha Limpa.

Os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello se consideraram impedidos de participar do julgamento, e o 11ºmembro da Corte ainda não foi nomeado pelo presidente e dificilmente o será até que o caso seja julgado, a partir da volta do recesso, em 1 de fevereiro.

Será, sem dúvida, uma situação caricata, que tornará ainda mais confuso o quadro atual, onde o Executivo faz todo tipo de manobra para tentar manter o ex-terrorista protegido pelas leis brasileiras.

Depois que o presidente Lula autorizou a permanência no país de Battisti, utilizando-se de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, indeferiu o requerimento da defesa do italiano para a expedição de alvará de soltura. O processo foi remetido ao relator ministro Gilmar Mendes, que oficialmente só tomará conhecimento dele em fevereiro, ao fim do recesso.

O caso é mais complexo porque o Supremo já declarara nulo o ato do Ministério da Justiça dando refúgio a Battisti. Foi aprovado o voto do relator Cezar Peluso, que considerou o refúgio ilegal, por entender que os crimes atribuídos a Battisti são "comuns, hediondos e não políticos".

O fato é que o governo agora, ao negar a extradição, acabou renovando os argumentos do refúgio, alegando a possibilidade de perseguição política que o Supremo não reconheceu no primeiro julgamento.

Baseando-se no tratado de extradição, como determinou o Supremo, a AGU utilizou, para sustentar a decisão de manter Battisti no país, o seu artigo 3º, que diz que é suficiente o presidente ter "razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados".

Resta ainda a discussão de fundo: se a decisão do Supremo tem caráter terminativo ou não.

Sem dúvida, é contraditório que uma Suprema Corte seja consultada sobre uma extradição, faça o exame do assunto de maneira aprofundada, e depois decida que o ato é meramente autorizativo.

Além do mais, não se pode desqualificar o refúgio, dizer que não havia perseguição política nem outra justificativa para sua concessão, e depois deferi-lo nos termos do tratado, que foi como Presidência da República interpretou a decisão do Supremo.

Se o Executivo tiver que assumir uma posição meramente política, deve fazê-lo quando encaminha (ou não) o pedido de extradição.

A polêmica começou logo no dia seguinte à votação, quando o relator, o mesmo Cezar Peluso, disse que não tinha condições intelectuais para redigir a ementa com a decisão do Supremo, ressaltando, com ironia, o que considerava incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.

A palavra-chave na votação foi "discricionário". Os ministros que votaram a favor de que cabia ao presidente da República a decisão final sobre a extradição consideraram que ele tinha poderes "discricionários" para decidir, e o ministro Eros Grau se recusou, na ocasião, mesmo instado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a incluir em seu voto a decisão de que o presidente deveria seguir o tratado de extradição firmado com o governo italiano.

Dias depois, questionado pelo governo italiano por uma questão de ordem, Eros Grau admitiu que seu voto não dava poderes "discricionários" ao presidente da República, mas limitava sua decisão ao tratado de extradição existente.

Tudo indica que há um consenso na Itália sobre as medidas adotadas durante o período de combate ao terrorismo, dentro de um sistema democrático que o terrorismo queria destruir - medidas aprovadas pelo Congresso.

Como já escrevi aqui, não corresponde à "soberania brasileira" avaliar decisões do Poder Judiciário de um país democrático.

Que simbolismo há por trás desse personagem para que o governo tente fazer uma gambiarra jurídica, deixando para o último dia do mandato a decisão, e legando para a sucessora um rastro de crise institucional?

Questão de estilo:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"O que vocês estão achando?" Por "vocês" entenda-se a imprensa como sujeito da indagação recorrente de ministros do governo Dilma Rousseff e que traduz a preocupação com a receptividade à presidente nestes primeiros dias.

Há entre eles uma evidente expectativa quanto à distensão do ambiente animoso que permeava as relações do antecessor com os meios de comunicação, notadamente os mais críticos, e uma inquietação a respeito do tempo de duração daquilo que auxiliares de Dilma chamam de "lua de mel".

Constatam que a presidente tem provocado boa impressão e reconhecem que isso decorre dos excessos verbais do ex-presidente Luiz Inácio da Silva. Em público, Lula só recebe elogios da equipe da nova presidente, como se pôde constatar em todos os discursos de posse (incluído o de Dilma) dedicados, com raras exceções, a celebrar a figura do antecessor.

Reservadamente, porém, revela-se a avaliação interna de que, a despeito de todas as vitórias conquistadas, o estilo do ex-presidente cansou. "Ninguém aguentava mais", admitem dois novos frequentadores do Palácio do Planalto.

Note-se que isso não significa que Lula seja deixado de lado. Ele continua a ser personagem central do projeto de poder do PT e a atuação dele é considerada imprescindível no embate político com a oposição, especialmente em épocas de disputas eleitorais. Seja como candidato, articulador ou animador.

Mas para o bom andamento dos trabalhos governamentais considera-se essencial que o ex-presidente prolongue ao máximo a quarentena. A presença de Lula no noticiário atrapalha Dilma.

Prova é a notícia da concessão de passaportes diplomáticos a dois filhos e a um neto do ex-presidente, sob a alegação de que isso atende aos "interesses do País", obrigando o governo a começar sob a égide da improbidade cometida pelo antecessor.

Obviamente interessa apenas à família da Silva, mas, assim como vários outros episódios demonstraram ao longo de oito anos, é do estilo de Lula considerar irrelevante o preceito da impessoalidade consagrado na Constituição como exigência para o exercício das funções públicas.

Dizem os auxiliares que com Dilma não há risco desse tipo. Até porque há a consciência de que, diferentemente de Lula, ela não conta com o anteparo da trajetória histórica, da capacidade de mobilizar emoções e da habilidade em usar a origem humilde para transformar as críticas aos seus atos em "preconceito", para sair sempre ilesa das situações difíceis.

Sendo assim, será muito mais cobrada por resultados, não poderá mascarar a falta deles com lances de natureza emocional. Inclusive por uma questão de personalidade.

Entre suas características sua equipe inclui a discrição pessoal, formalidade, disciplina, racionalidade, pontualidade, vocação para detalhes, gosto por assuntos administrativos e cobrança de metas.

O oposto do antecessor. Na primeira semana, por exemplo, a agenda presidencial divulgada foi cumprida à risca e os compromissos todos mantidos nos horários.
No quesito aparições externas, dizem os auxiliares que Dilma fará discursos apenas quando for necessário e nunca de improviso. Suas falas serão elaboradas sob a supervisão do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci.

Entrevistas coletivas, só raramente. A presidente pretende estreitar suas relações com a imprensa por meio de encontros com grupos de jornalistas e até conversas informais em que as declarações não necessariamente são utilizadas de maneira oficial.

A relação com os partidos também será mais "litúrgica". Do chamado varejo (as demandas de parlamentares) cuida o ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio. Da "grande política", Palocci.

Uma peculiaridade: o argumento partidário não sensibiliza a presidente. Isso inclui PT e aliados. Traduzindo: Lula às vezes não gostava de algum ministro, estava insatisfeito com o desempenho ou mesmo aborrecido com condutas erráticas, mas relevava por causa de conveniência partidária.

Com Dilma Rousseff, asseguram assessores, prevalece a qualidade do serviço, e por isso é que se diz que o atual ministério é "datado" em um ano de tolerância.
A conferir.

A novíssima elite:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tem toda a razão Fernanda Torres ao dizer que "ser considerado parte da elite virou ofensa das mais graves" e em seguida perguntar: "Mas quem é a elite?".

Os bancos, que nunca lucraram tanto, as empreiteiras, eternamente gratas a Lula, a oligarquia, recheada de ministérios? Ou as levas de petistas em todos os escalões?

Há inclusive a elite enxovalhada por Lula e pelos lulistas radicais sempre que lhes falta explicação para alguma peraltice tipo mensalão. Aí, a elite somos nós, que damos um duro danado, ganhamos a vida honestamente, temos apreço aos princípios e exigimos moralidade e exemplo dos governantes.

Hoje, nada encarna melhor a neoelite que o time de Ronaldinhos de Lula -os Lulinhas. Os meninos são uns craques. Entraram pobres em 2003 e saem com seis empresas em 2011, um deles vivendo em apartamento de R$ 12 mil mensais pagos por empresário com contratos, ora, ora, com o governo do pai.

Não se pode discordar de Nelson Jobim quando ele diz que é "ridícula" a crítica a Lula por usar dependências militares para veraneio depois da Presidência. Também não é totalmente absurda a fala de Marco Aurélio Garcia de que um passaportezinho diplomático a mais ou a menos não faz mal a ninguém, referindo-se ao passaporte exclusivo de autoridades que Lulinhas sacaram no último dia do governo.

São, sim, coisas menores. O problema é a cultura, a soma do veraneio, dos passaportes, da Gamecorp, dos padrinhos, dos atos assinados à sombra, das empresas, do aluguel pago pelo amigo. O resultado é que Lula se sente dono do Brasil, acha que os filhos têm de aproveitar a "oportunidade" e desconsidera o exemplo que ele dá à nação como mito, como ídolo que é.

Se o presidente pode, a ministra da Casa Civil pode, o amigão Sarney pode, todo mundo pode. É educativo. Ou melhor, deseducativo.

Nunca antes neste país se viu uma herança tão maldita.

O tempo e a hora::Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Na primeira semana da presidente Dilma, o cenário político ficou confuso, a economia mandou sinais de prudência e ajuste, alguns ministros tiveram ideias e fizeram escolhas animadoras, a presidente marcou seu estilo. O país se viu poupado de ouvir declarações torrenciais diárias do chefe da nação. O tom diferente mostra as vantagens dos rituais democráticos, como a alternância do poder.

A posse da presidente Dilma significou um ineditismo: pela primeira vez desde 1930 três presidentes eleitos tomaram posse sucessivamente, sem interrupções e anormalidades. Tudo foi como tem que ser. É, enfim, a normalidade numa república tão cheia de sustos e sobressaltos.

Na área política, o governo pareceu à deriva, impotente diante das quedas de braço entre os dois grandes partidos da coalizão, na guerra pelos cargos do segundo escalão, que a prudência mandaria ter mais técnicos do que indicados pelos partidos. Ajudaria se o PT não tivesse se mostrado tão voraz na ocupação de ministérios e postos; ajudaria se o PMDB entendesse a proposta da presidente de ter técnicos em posições-chave. A repetição do padrão da repartição, envolvendo as mesmas pessoas, a mesma estranha lógica, fez o governo parecer velho logo nas primeiras horas. Os impasses criados pela incapacidade do ministro cuja função é fazer a articulação política passaram uma mensagem de fraqueza num momento em que o governo deveria estar no auge da sua força, logo nos primeiros dias. É uma luz amarela acesa no painel. Pode ser superado, mas produziu na largada uma assustadora paralisia e exibiu feios sinais da luta intestina pelo poder.

A inflação fechada do ano não deixa dúvidas de que ela continuará sendo um ponto de desconforto e limites neste começo de governo. Vai incomodar um pouco mais. Há incertezas que continuarão também presentes tornando a conjuntura mais difícil de manejar até pelos descuidos fiscais do ano passado. O governo anunciou possíveis cortes no orçamento. Será preciso saber onde será cortado porque a ministra do Planejamento acha que não se pode "demonizar" o gasto de custeio, a ministra do Desenvolvimento Social vai gastar mais com o Bolsa Família, a briga política pode resultar num gasto previdenciário maior com o salário mínimo, e algumas boas ideias que surgiram elevam gastos.

Na educação, a boa ideia é ampliar o ensino médio para um turno integral que some o ensino das disciplinas tradicionais desse período escolar com aulas de cursos profissionalizantes. Isso seria o ideal: uma educação universalista e ao mesmo tempo incluindo uma qualificação técnica. Não se disse como fazer, nem quanto custa, mas mais tempo na escola só pode ser bom para jovens no momento mais decisivo da formação. Ainda não se sabe como resolver o elementar no ensino médio que é combater a evasão.

A ministra Maria do Rosário tocou de novo na velha ferida da necessidade de o Brasil buscar as informações sobre os desaparecidos. A reação do general José Elito, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi um espanto. Disse que a ditadura teve seus prós e contras e, como a guerra do Paraguai, é parte da História. Faltou explicar qual é o "pró" de uma ditadura e por que não se divulgam os dados, documentos, fatos, principalmente relacionados aos mortos. Não faz sentido algum que o Brasil seja o único país incapaz de olhar seu passado com sinceridade e sem vetos dos militares. O país acaba de passar pelo vexame de ser condenado pela OEA por não ter feito isso. As Forças Armadas são uma instituição da República, não são aquilo que alguns fizeram em seu nome. Hoje, democráticas e respeitosas dos limites institucionais, não podem encobrir os crimes cometidos em seu nome e nas suas dependências. Se o fizerem, confirmam hoje os erros de ontem. Se o general acha que os desaparecidos são parte da História, que os brasileiros tenham os registros dessa História. É isso que a ministra Maria do Rosário está pedindo. A presidente Dilma não gostou das declarações do general, cobrou, e ele disse que foi mal interpretado. É, pode ser. Mas as declarações do general pareceram claríssimas. Em uma de suas frases, ele disse que as Forças Armadas não têm do que se envergonhar nem do que se vangloriar. Isso é só 50% verdade: não têm mesmo do que se vangloriar naqueles episódios.

Os novos ministros apresentaram algumas boas ideias, ou bons movimentos. Nomeações do ministro Aluizio Mercadante foram animadoras, como a do cientista Carlos Nobre. O anúncio da ministra Tereza Campelo de que o Bolsa Família terá metas, métodos de gestão, prestação de contas é indicação de que se busca o caminho da manutenção da política, com atualização e correção de rumo. Mas se o modelo de gestão é o mesmo do PAC, melhor ter um pé atrás: no PAC, quando uma meta não era atingida, adiava-se a meta para maquiar a prestação de contas. Se for assim, esquece. A preocupação do ministro Paulo Bernardo de que haja mais informatização, internet disseminada está também na direção certa, mas não basta acusar empresas quando se tem, como já disse aqui, fundos cheios de recursos e o poder da regulação.

Mas o velho permanece presente no novo governo: o BNDES estuda a possibilidade de conceder garantias fracas para empréstimos à petrolífera de Hugo Chávez; no governo persiste a ideia de ocupar a presidência da Vale com indicação política; o irrelevante secretário internacional Marco Aurélio Garcia continua com suas declarações fora de propósito. Alguns dos ministros conseguem ficar no governo, mas renovar-se; outros, no entanto, dos que foram herdados da administração anterior, já assumiram com a validade vencida.

‘Irrelevante’ e ‘ridículo’: Gilvan Cavalcanti de Melo

O que é realmente relevante? Segundo os dicionários, o conceito diz respeito àquilo que tem importância, é pertinente e merece ser levado em conta. A ordem jurídica estabelece normas para que autoridades possam circular com os passaportes diplomáticos. Toda regra tem lá sua exceção. No Decreto 5.978, de 2006 abre essa brecha. Lá afirma que: “Mediante autorização do Ministro de Estado das Relações Exteriores, conceder-se-á passaporte diplomático às pessoas que, embora não relacionadas nos incisos deste artigo, devam portá-lo em função do interesse do país", diz o dispositivo, sem explicar que tipo de interesse deve ser levado em conta para a concessão do benefício.

Segundo os noticiários da imprensa o passaporte diplomático foi renovado para dois filhos e um neto do presidente a dois dias do fim do mandato. Um bispo da Igreja Universal também recebeu o passaporte. Em outras palavras, Isso atinge os princípios da improbidade administrativa, a moralidade pública e fere a própria lei. Portanto, é um fato grave. E passa a ser relevante e muito importante.

Já o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marcos Aurélio Garcia tem outra visão do fato. Sua declaração para os jornais é de um cinismo patológico. Ele afirma com todas as letras que o tema é de uma “irrelevância absoluta”. Mais adiante, usando um tema sério faz ironia fora do ponto principal. “Eu imagino que possa agradar muito àqueles 3% ou 4% que consideram o governo Lula ruim ou péssimo”, afirmou em tom debochado à imprensa.

Ora, na verdade o assessor não levou em conta que a pesquisa real ocorreu nas últimas eleições: 44% dos votos válidos foram para a oposição, sem contar os votos brancos, nulos e abstenções, ou seja, totalizando no bruto, ultrapassa um pouquinho os 3% ou 4% que se refere o escarnecedor palaciano.

Na mesma linha de raciocínio vem o Ministro da Defesa, Nelson Jobim com outro fato relevante: Um ex- presidente fazer turismo se hospedando com a família em uma base militar, com despesas por conta do contribuinte. Para ele isso é normal. Alega, ainda, que o cidadão Lula está lá a seu convite. Não acha que o fato é imoral. “A decisão foi correta. Acho as críticas e análises absolutamente ridículas e sem fundamentação” disse o Ministro.

São duas situações exemplares em que não há como não se sustentar que elas merecem a configuração de usurpação e tratamento privilegiados a um ex-presidente e seus familiares. Além, de ferir as leis estabelecidas, os dois fatos demonstram no mínimo uma frouxidão ética e uma manifesta indiferença com as justas reações da opinião pública.

Rei morto, rei posto:: José de Souza Martins

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Na cessação do mandato, o que resta a um ex-presidente é a memória do povo, mas poucos se tornam memoráveis

Essa história de “rei morto, rei posto”, ditado presente na boca de Lula nas semanas finais de seu governo, esconde um bocado de coisas. Raramente prestamos atenção ao dia seguinte do ex-governante após o rito de passagem em que um presidente entrega o poder a outro e se despe dos atributos de instituição, como pessoa que personifica o poder e a nação. O dia seguinte inaugura na biografia dos ex-governantes a híbrida condição de “ex”. Ele já não é a instituição da Presidência da República, mas continua sendo: teve acesso a segredos de Estado, a informações privilegiadas que não estão ao alcance dos mortais comuns, vê coisas que os outros não enxergam. Não terá condições de se livrar da roupagem de símbolo. Não poderá andar nas ruas sem ser notado. Nem sequer poderá comer um proletário pastel de feira sem o risco de virar notícia. O que na vida da pessoa comum é mera transgressão alimentar, na de um ex-presidente é comida politicamente incorreta. O que na rua é comida de esquerda, na vida dos ex-poderosos é comida de direita.

A passagem de presidente a ex-presidente se dá em questão de minutos. É metamorfose visível nas reportagens de transmissão de poder. Na posse de Dilma, foi possível ver a súbita mudança de interesse e orientação dos acólitos do poder. Literalmente, viram as costas para o ex, deixam de sorrir-lhe, não lhe estendem a mão. É uma forma simbólica de despojamento da coroa, do cetro e do manto. Simbólica e mal-educada.

Um ex-presidente tem que fazer esforços para voltar a ser o que era. E nunca o conseguirá plenamente. Em entrevista à revista Piauí, Fernando Henrique Cardoso referiu-se a isso: ter que fazer o próprio check-in nos aeroportos, carregar as próprias malas, procurar ele mesmo o táxi, enfrentar filas. No curtíssimo espaço de um mandato, muita coisa muda; de dois mandatos, muda muito mais. É preciso reaprender a movimentar-se. Quem depender de emprego para sobreviver terá que aprender muito mais. Lula, se tivesse que voltar para a fábrica, teria que aprender uma nova profissão, pois a sua, a de torneiro mecânico, praticamente não existe mais, substituída por computadores.

Getúlio personificou um modelo híbrido de ex-presidente, combinando o recolhimento com o retorno posterior à política. Destituído da Presidência, recolheu-se ao exílio em sua fazenda de São Borja. Seu refúgio se tornou lugar de romaria dos políticos, o caso mais emblemático de que o ex, de certo modo, continua sendo. Voltaria ao poder em 1950. Sua opção pelo suicídio, em 1954, foi mais do que expressão de um beco sem saída de circunstância. Em seu diário, relativo ao primeiro longo mandato de presidente, suas anotações falam do poder como um lugar de solidão e desamparo. A solidão do Palácio do Catete, no entanto, era sua companheira, amiga e refúgio. A proximidade do fim do mandato tornou insuportável a ideia de um novo exílio, de uma separação definitiva, do fim da solidão, de ter que voltar ao assédio de muitos e enfrentar-lhes a hipocrisia.

Já no fim do governo FHC, perguntei a Ruth Cardoso se o casal tinha planos de passar um tempo fora do Brasil. Com seu fino humor, ela me respondeu que não. Ao contrário, pretendia retornar ao Brasil. Um lugar fora do Brasil era o Palácio da Alvorada.

Ex-presidentes correm o risco de se tornar prisioneiros do passado. O general Garrastazu Médici, após o poder, voltou para sua terra, o Rio Grande do Sul. Ficava no portão de casa puxando conversa com os passantes para falar sobre as excelências de seu governo, como este País nunca antes tivera. As pessoas, que mal o conheciam ou nem o conheciam, achavam que estava delirando. Um indício de que a descontextualização do ex-governante envolve o risco de que ele seja lançado no que se pode chamar de lugar nenhum e se torne irreconhecível. Isso mostra que seu retorno ao mundo do homem comum é praticamente impossível.

Na cessação do mandato que engendra o ex-presidente, o único que lhe resta é a memória do povo. Mas nem todos se tornam memoráveis. De todos os homens que passaram pela Presidência da República apenas três receberam o galardão, por diferentes motivos e de diferentes modos. Getúlio, JK e FHC. A memória de Getúlio é imperecível, gravada numa definição do tempo histórico: o “tempo de Getúlio”; JK, porque se confunde com sua obra, especialmente Brasília; e Fernando Henrique descobre seus méritos de governante nos aplausos espontâneos que recebe nos lugares a que vai e por onde passa.

Algo parecido deve acontecer com Lula. A multidão que foi à Praça dos Três Poderes para a posse foi para aplaudi-lo e não para aplaudir Dilma. Foi para resgatar Lula do poder que o fizera refém, trazê-lo de volta para o povo. Depoimentos e manifestações de populares mostram isso claramente: o boteco, o grupo de futebol, os restaurantes de comida gordurosa, tudo afetuosamente a sua espera. Lugares e pessoas que não mudaram à espera do homem que já não pode ser o mesmo.

José de Souza Martins, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor de A aparição do demônio na fábrica (Editora 34)

Morrer na praia:: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A ameaça ao futuro do Brasil decorre do preço pago por Lula pela ilusória apoteose final e a vitória

A sorte do governo Dilma será decidida nos primeiros meses porque no Brasil o curto prazo é muito mais problemático do que o longo. As perspectivas das próximas décadas são mais propícias do que jamais foram no passado, tanto no cenário internacional como nas mudanças estruturais internas. O desafio é chegar lá e não se afogar na praia.

Quatro tendências profundas mudaram para melhor o futuro brasileiro: o fim da explosão demográfica, o término do crescimento selvagem das cidades, a passagem de situação de escassez para abundância de energia (pré-sal, bioenergia) e a consolidação como exportador de peso em mais de doze commodities importantes.

A deriva do eixo econômico mundial em direção à China e à Ásia assegura, por sua vez, demanda forte em volume e preço para a energia e as matérias primas que o país tiver para exportar, sem ter de depender da provável saída da crise por parte dos Estados Unidos, da Europa e industrializados.

O que ameaça esse futuro não vem de fora, mas de dentro: o preço pago por Lula pela ilusória apoteose final e a conquista da sua vitória eleitoral.

Esse custo se expressa em quatro números fatídicos: inflação de mais de 6%; dólar a R$ 1,60; deficit em conta corrente de mais de R$ 50 bilhões (2,5% do PIB); superavit primário de menos de 1% do PIB (descartando a contabilidade criativa).

A inflação é inaceitável, afirma a presidente, como se falasse de uma hipótese. De que forma qualificar então o que os índices revelam? Os preços em elevação não só de alimentos, mas de serviços pressionados por mercado de trabalho apertado, a falta de mão de obra, aumentos salariais acima da inflação, consumo e crédito superaquecidos, corrosão do salário real pelo encarecimento da vida configuram o quadro clássico de inflação em alta em qualquer texto de economia.

A fim de completar os sintomas de curto prazo perigoso, os números indicam a deterioração acentuada da taxa cambial, do rombo das contas externas e do deficit do orçamento.

O discurso oficial demonstra consciência da ameaça. Como o governo atual é em boa parte a continuação do anterior, até nas mesmas pessoas, é natural certo constrangimento em admitir excessos passados nos gastos de custeio e erros na calibragem do estímulo ao consumo e ao crédito.

O país não levou a mal esse pecado venial. Tanto assim que as palavras da presidente cumpriram a primeira tarefa de qualquer governo iniciante: dissiparam os medos e geraram um sentimento geral de boa vontade.

A segunda tarefa, construir a confiança, é mais árdua, pois depende de ações acertadas.

Dessas ações que definirão o destino do governo, a principal se refere não só à melhoria na qualidade dos gastos governamentais, mas à sua efetiva redução: corte não na água (despesas postas no orçamento para serem riscadas), mas para valer.

É ela a chave de tudo o mais: do equilíbrio do orçamento, da diminuição da dívida bruta, da redução do juro real e, por consequência, de retorno a câmbio e contas externas saudáveis.

Se passar nesse teste, a presidente Dilma terá tudo para levar o país mais perto de seu futuro, como desejamos a ela e a nós neste início de ano e de governo.

O correr da vida... :: Pedro S. Malan

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não pude assistir, mas li com atenção o importante discurso de posse de nossa nova presidente. Importante porque foi o primeiro desde o discurso lido na noite de sua vitória nas urnas. Importante porque a presidente assumiu compromissos para os próximos quatro anos. Importante porque a presidente disse ali coisas que não dissera tão explicitamente durante a campanha eleitoral.

Acho que o discurso deve ser levado a sério. Afinal, não é mais um dos milhares de improvisos, "sueltos y salidas" do ex-presidente, que nos acostumamos a ouvir com talvez excessiva condescendência e bonomia ao longo dos últimos oito anos. A nova presidente apresentou-se não como chefe de facção política (afinal, cerca de 50 milhões de pessoas ou nela não votaram, ou votaram em branco, ou anularam seus votos), mas como presidente de todos os brasileiros.

E anunciou compromissos firmes para o futuro, alguns dos quais merecem ser lidos, relidos e cobrados, ao longo dos próximos quatro anos (alguns mencionados abaixo). E há alguns parágrafos importantes explicitando algo que não poderia ser dito dessa forma na campanha e de profundas implicações para nosso futuro. Disse a presidente: ""O Brasil optou, ao longo de sua História, por construir um Estado provedor de serviços básicos e de Previdência Social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade."" Preço a pagar pela ""garantia do alento da aposentadoria para todos e de serviços de saúde e educação universais"".

A propósito, vale a pena acompanhar mais de perto a crucial discussão do momento em muitos países europeus. Como notou Ken Rogoff: ""Nenhum fator de risco é mais perigoso para uma moeda do que a recusa a enfrentar a realidades fiscais."" A nossa presidente dá a entender que não pretende recusar-se a enfrentar as nossas flagrantes realidades e irrealidades fiscais ao falar em fazer mais - e melhor - com os recursos existentes, controlar a velocidade de crescimento dos gastos governamentais e mudar sua composição em favor do investimento.

Desejo boa sorte à nossa presidente ao lidar com a voracidade de sua "base de sustentação política" - tanto no Congresso como na sociedade, à luz das expectativas geradas desde o início de 2006, quando teria ocorrido uma inflexão "histórica" na direção do "novo desenvolvimentismo". O que um importante ministro de Estado à época (hoje governador) chamou publicamente de ""o fim da era Palocci na economia"". O ex-presidente Lula pediu-lhe que maneirasse, mas o fato é que essa é a visão de parte importante do seu partido, que acha que a atual presidente recebeu das urnas um mandato para dar continuidade à política econômica pós-2006 na área fiscal e no papel de um "Estado provedor" redefinido. (Ver o interessante artigo de Amir Khair Mudanças na política econômica, publicado neste jornal em 28/11/2010.)

Mas a presidente eleita não deixou margem a nenhuma dúvida em seu discurso de posse: "Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta prática volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres."

Implícito nesse parágrafo está o reconhecimento de que a "nossa cultura recente" é uma cultura que só foi possível graças ao Real. Um programa de estabilização, vale lembrar (quando se lê um parágrafo como o acima), ao qual o PT se opôs à época, considerando-o um pesadelo, algo que não duraria mais que alguns meses, uma simples tentativa de "estelionato eleitoral".

Pois bem, em 1.º de março de 2011 teremos 17 anos de inflação sob controle. Tem razão, pois, a nossa presidente ao afirmar ainda em seu discurso de posse: "Um governo se alicerça no acúmulo de conquistas realizadas ao longo da História. Ele sempre será, ao seu tempo, mudança e continuidade. Por isso, ao saudar os extraordinários avanços recentes, é justo lembrar que muitos, a seu tempo e a seu modo, deram grandes contribuições às conquistas do Brasil de hoje."

Um reconhecimento que seu antecessor no cargo nunca teve a generosidade política de fazer, ao contrário, preferindo sempre a ladainha do "nunca antes" - de um país que teria começado a ser construído a partir de 2003, com sua chegada ao poder. Na verdade, Lula jamais reconheceu tampouco o fato irretorquível de que o Brasil, durante os anos de seu governo, se beneficiou enormemente de uma situação econômica internacional que, para nós, foi extraordinariamente favorável, exceto por um breve período de fins de 2008-início de 2009.

A nossa presidente, pelo menos, reconhece que fatos não deixam de existir porque são ignorados, ou que é muito difícil a um político, porque popular, reescrever a História de um país complexo como o Brasil à luz de seus interesse eleitorais: "É importante lembrar que o destino de um país não se resume à ação de seu governo."

Mas o que importa agora é o olhar à frente. O discurso de posse da nova presidente - se levado à sério, como, obviamente, deve ser - contém compromissos importantes a serem cobrados. Menciono dois, em particular: "Eu e meu vice Michel Temer fomos eleitos por uma ampla coligação partidária. Estamos construindo com eles um governo onde capacidade profissional, liderança e a disposição de servir ao País serão os critérios fundamentais." E "serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para aturem com firmeza e autonomia".

Mas, como escreveu mestre Guimarães Rosa no início da belíssima citação com a qual a nova presidente conclui seu discurso: "O correr da vida embrulha tudo..."

Economista, foi Ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso

Quando dois e dois são cinco:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Olho para ela e pergunto: essa senhora é a presidente do Brasil ou se trata de personagem de novela?

Faz tempo que não toco, aqui, em assuntos políticos e, se volto ao tema hoje, é para refletir, junto com você, leitor, sobre um fato para mim inusitado. Certamente nem todos concordarão comigo ou simplesmente preferirão desconsiderar esse tipo de perplexidade. De qualquer modo, se eu estiver equivocado, peço-lhe desculpas, mas, sinceramente, neste caso, não opino, constato e com espanto. Constato o seguinte: a eleição de Dilma Rousseff à Presidência da República não me parece real.

Talvez não seja eu o único a pensar assim e que não só a mim a eleição dela pareça inusitada. Tendo a admitir que não. Pode ter ocorrido que, na tropelia da disputa política, meses de propaganda, declarações, acusações, desmentidos, as pessoas se deixaram levar pela paixão e não pararam para refletir sobre o que acontecia. Disputa seja na política seja no futebol, tende a nos cegar, a nos impedir de refletir e ponderar.

Não me excluo disso, tanto que só depois que a coisa se consumou, que os discursos cessaram, os debates acabaram e a Justiça Eleitoral a proclamou presidente eleita do Brasil é que me dei conta de quão surpreendente era tudo aquilo -isto é, de quão surpreendente é termos Dilma Rousseff como presidente do Brasil e que irá nos governar pelos próximos quatro anos.

Se quiser entender meu espanto, siga este raciocínio: Dilma Rousseff nunca pretendeu candidatar-se a nenhum cargo eletivo. Embora tenha entrado para a política muito jovem, na época da ditadura, e continuado sua militância após a volta da democracia, jamais disputou eleição alguma.

Isso não teria importância em alguém que sempre se manteve à margem da política, o que não é o caso dela; daí a conclusão de que, se nunca se candidatou, foi porque essa não era a sua praia. Em vez disso, estudou economia e se contentou em ocupar cargos oficiais na área de sua especialização, chegando a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Mas, de repente, essa pessoa que nunca disputou eleição nem para vereadora é lançada candidata à presidência da República. Acredita você que foi por vontade dela? Que um dia acordou e disse a si mesma: "Sabe de uma coisa, vou me candidatar a presidente do Brasil!". Você não acredita nisso, claro, nem eu tampouco. O que aconteceu então?

Todo mundo sabe o que aconteceu: foi Lula quem decidiu isso e impôs a ela a decisão. Como acha você que terá reagido Dilma, ao ouvir de Lula a ideia de candidatar-se ao mais alto cargo eletivo do país, ela, que nunca se candidatou a cargo algum? Estou certo de que pediu um tempo para pensar e mal conseguiu dormir aquela noite. "Lula pirou", terá dito ela a si mesma, imóvel na cama, olhando para o teto. "Eu, presidente do Brasil? É maluquice!"

Claro, estava perplexa, mas, certamente, fascinada pela ideia, como Cinderela ao ver que o sapato da princesa buscada poderia caber em seu pé. Mas tinha dúvida: "Caberá mesmo?". Aquilo mais parecia sonho que realidade.

O mesmo espanto senti eu e muita gente mais quando a coisa se revelou. Lula veio a público dizer que Dilma seria a candidata sua e do PT à Presidência da República. Não dava para acreditar. O PT também reagiu, tentou convencer Lula de que aquilo era um disparate, mas não conseguiu. Como sempre, prevaleceu a vontade do líder absoluto e incontestável.

Tudo isso se sabe, claro, mas pretendo é que avalie bem o que ocorreu. Vamos adiante: porque nunca disputara eleições, era natural que não tivesse eleitores, muito menos para ganhar um pleito presidencial -ou seja, conquistar os votos de mais da metade de 130 milhões de eleitores. E chegou lá graças a Lula, que, para elegê-la, usou toda a máquina estatal e desconsiderou a lei eleitoral.

O resultado é que temos, diante de nós, agora, uma presidente da República que é uma surpresa até para si mesma. Eleita sem ter votos! É quase como um suplente de senador.

Olho para ela e me pergunto: essa senhora é de fato a presidente do Brasil ou se trata de uma personagem de novela? Acredito até que ela, às vezes, se belisca para ver se é mesmo verdade. O que não significa que fatalmente fará um mau governo, já que tudo é possível neste mundo surrealista latino-americano. Desejo-lhe boa sorte.

Erro de cálculo não volta atrás:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Por enquanto, não há como admitir que nos dois mandatos e, de modo contundente no segundo, exercido por Luiz Inácio Lula da Silva, possa ter sido semeada a ideia de uma época pela qual boa parte dos brasileiros espera em vão. A popularidade do ex-presidente Lula independe do cargo e da condição de ex, com o qual vai demorar a se acostumar. Ele está solto e sem pressa de encontrar o que fazer. Para passar tempo já tem o estilo à vontade que se firmou no segundo mandato e lhe facilitou enrolar o que estivesse à mão. Candidaturas têm prazo fixo, e erro de cálculo em política não volta atrás. Lula mira 2014 sem perder de vista o resto. Primeiro, não ser esquecido. Segundo, ser lembrado sem exagero. E, terceiro, não deixar passar oportunidades ocasionais. É encontrar o que fazer para passar o tempo, e boa sorte.

Que fazer, no entanto, para não dissipar os 87% de popularidade? Fora do governo é temeridade insistir por aí. O próprio Lula deve ter se assustado com a hipótese de vir a ter mais de cem por cento de brasileiros dispostos a aprová-lo. Que houvesse, vá lá. Que a pesquisa revelasse, no entanto, não cairia bem numa democracia que já resistiu a seis eleições presidenciais sem correr qualquer risco. O ex-presidente se sente em plena forma e se dispõe a procurar uma atividade ocupacional maneira. Quem sabe, fundar um clube de ex-presidentes, com a inclusão dos vices que não encontram o que fazer, nem durante o mandato, nem depois. Principalmente, vice que não tenha se destacado no que não fazia.

É natural aos eleitores entenderem as razões pelas quais o ex-presidente Lula terá de caprichar no gênero Chacrinha, quando proclamava que não veio ao mundo senão para confundir. A democracia resistiu a ambos porque soube fazer concessões na hora em que foram necessárias. Temos então de entender que a iniciativa continua com Lula, mas as possibilidades só na aparência tendem à facilidade que encontrou depois que o mensalão, em vez de servir à oposição, caiu no seu colo e beneficiou quem percebeu a tempo perigo entre os que vinham com ele e se entendiam em torno de oportunidades consideradas históricas para o PT.

Se a popularidade chegasse mais perto dos cem por cento, o que fosse de Lula estaria com ele, e ele estaria longe do que tivesse de acontecer. Ao desistir do terceiro mandato, Lula estava abrindo uma porta a outro personagem que não tinha a ver com a sucessão, e optando por ficar do lado de fora para voltar na oportunidade seguinte. Estava se sacrificando à causa da democracia, que não teve oportunidade de agradecer a gentileza e poupar- lhe a crise que se desenhava. Fez como o PSDB, que, no auge do mensalão, concluiu que Lula poderia cair por força apenas da gravidade, e lavou as mãos. A democracia agradeceu, mas não se sentiu obrigada a corresponder. A reciprocidade não funciona em política. A candidatura Dilma Rousseff pegou de muda, mas a ponte para Lula passar não figura no PAC.

Não perguntem ao próprio Lula para não ouvirem o que não querem. Ele deixou de falar como presidente. Na condição de ex, ainda não. Tudo indica que vai se apresentar como o único ex-presidente em atividade e intimidar a concorrência. Do jeito como vinham se equilibrando um presidente para sair sem passar recibo e uma presidente para entrar com elegância, deu o que pensar a quem é dado a esse vício.

Em boa hora, porém, a situação se resolveu com a passagem do poder. Dissipou-se a nuvem doméstica e ficou claro que, descontando a expectativa, o governo Luiz Inácio Lula da Silva pode vir a ser considerado, sem favor de qualquer natureza, o último da série que comprovou não saber o brasileiro, até hoje, onde começa a esquerda e onde termina a direita. Ou vice-versa.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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O cortejo do atraso::Marco Nobre

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Para filósofo que cunhou o termo ‘peemedebismo’, Dilma Rousseff moldou, no Ministério das Minas e Energia, o modelo de aliança PT–PMDB – e essa é a razão pela qual Lula a escolheu sua sucessora.

Ivan Marsiglia

O queixume entreouvido nos bastidores do governo logo evoluiu para um desavergonhado bate-boca. Primeiro, o PMDB se ressentiu da perda de espaço no primeiro escalão, com ministérios relevantes como o das Comunicações e da Saúde subtraídos da cota do principal partido aliado da presidente Dilma Rousseff e entregues, respectivamente, aos petistas Paulo Bernardo e Alexandre Padilha. Depois, a cúpula não se conformou com a troca de mãos das joias do segundo escalão das duas pastas, os Correios e a Funasa.

E o novo ministro teve de ouvir uma espécie de “vai para casa, Padilha” do líder peemedebista na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN): “Parece que vocês não aprenderam com o mensalão. Depois não venham correr atrás do PMDB para resolver os problemas”.

A temperatura na formação de novos governos é tradicionalmente quente na história política brasileira, afirma o filósofo e coordenador do Núcleo Direito e Democracia, do Centro Brasileiro de Planejamento e Análise (Cebrap), Marcos Nobre. “Ministros se xingavam em público na composição da equipe do primeiro mandato do Fernando Henrique, em 1995”, lembra esse paulistano de 45 anos, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doc na Universidade de Frankfurt, Alemanha. Mas Dilma deve estar atenta, diz, pois o xadrez da partilha de cargos pode complicar.

Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp), Nobre tem se dedicado ao estudo de um fenômeno singular da cultura política brasileira, o “peemedebismo” – espécie de consenso conservador, feito para acomodar todo o mundo e deixar tudo como está. Em artigo publicado na revista Piauí, Nobre sustenta que, diante de tal traço de continuidade na política brasileira, nem o Plano Real de FHC nem o “lulismo” descrito pelo cientista político André Singer podem se apresentar como grandes novidades.

Na entrevista a seguir, o filósofo defende que a polarização política é necessária ao funcionamento da democracia no Brasil. Afirma que o modelo da aliança PT–PMDB começou no programa Luz Para Todos, do Ministério das Minas e Energia, sob a batuta de Dilma – sendo essa a principal razão da escolha de Lula por ela. E alerta: a nova presidente terá dificuldades para lidar com um aliado que promete governabilidade, mas pode entregar a paralisia do País.

A primeira crise entre PT e PMDB já nos primeiros dias de governo o surpreendeu?

Nem um pouco. Mas é bom distinguir o que é tendência de curto prazo do que é mais longo. Todo governo que se instala passa por isso: se você lembrar a composição da equipe do primeiro mandato do Fernando Henrique, em 1995, em janeiro os ministros se xingavam em público. E a verdade é que Dilma foi muito inteligente em usar Lula como escudo na negociação. Ao deixar circular que foi ele quem “sugeriu” tais e tais nomes, emplacou na verdade os que ela queria. A discussão de cargos é apenas uma primeira etapa. Nos próximos três ou quatro meses é que vamos ver fechar o círculo central do poder. Aí, ou Dilma terá repactuado sua relação com o PMDB ou terá sérios problemas em seu governo.

O que achou da formação do ministério?

Até agora, o perfil se parece com o do governo Lula 1: com peso muito forte do PT. Minha impressão é que, cedo ou tarde, Dilma terá que entregar ao PMDB o que ele pede.

A temperatura entre aliados subiu mais por causa da Funasa e dos Correios, áreas historicamente apontadas como focos de corrupção. É por acaso?

Nem um pouco. Quando Dilma disse querer pessoas com currículo imaculado para esses postos, ecoava uma decisão política que tomou com Lula no fim do governo. O fato de Paulo Bernardo ter ido para as Comunicações e Padilha para a Saúde tem a ver com isso. Alguém tinha que controlar os Correios, pois de lá saíram todas as crises do governo Lula, do mensalão ao caso Erenice. Na Funasa, não estourou nada ainda. Mas o passado, com máfia dos sanguessugas, etc, mostra que é área delicada.

O sr. escreveu um artigo em que diz estarem errados tanto os acadêmicos tucanos, quando dizem que o Plano Real marcou um novo período da política brasileira, quanto o cientista político petista André Singer, que aponta o ‘lulismo’ como novidade. Por quê?

Porque há um movimento mais fundo na política brasileira, que vem desde a redemocratização, e trava a polarização necessária para que o sistema funcione. A democracia necessita de polarizações políticas consistentes, não apenas episódicas. Durante a redemocratização, os militares conduziram a transição. Havia, nos anos 80, uma pressão enorme da sociedade civil por participação, mas não se criaram instituições que pudessem dar vazão a ela. E passamos de uma situação de travamento total, com a hegemonia do PMDB, para o cesarismo alucinado do Collor. Dois extremos.

Essa polarização não se recolocou em seguida ao impeachment de Collor?

Sim, e foi o Plano Real, ainda no governo Itamar, que organizou isso. Quando Erundina é convidada a participar do governo e o PT recusa, opta pela oposição. Surgem dois polos que enfraquecem o ‘peemedebismo’.

O que é exatamente o peemedebismo?

É uma cultura política que tem como características estar no poder – igualar sobrevivência política com adesão a quem estiver no governo – e não ter consistência ideológica, um discurso completamente anódino, que qualquer um pode subscrever. É um sistema de gerenciamento de interesses no qual, como ninguém formula nada muito precisamente, todo mundo pode entrar. Fazer política dentro do peemedebismo significa receber direito de veto sobre algumas questões: a bancada evangélica pode vetar qualquer coisa que diga respeito à religião; a ruralista, questões relativas à terra; e assim por diante.

Se o Plano Real criou uma polaridade que enfraqueceu o peemedebismo, por que o sr. diz que o plano não representa novidade?

Porque não superou o peemedebismo, apenas o reorganizou, produzindo a polarização que durou alguns anos. De um lado, o PSDB e o então PFL; de outro, o PT e seus satélites. Tudo que fica no meio é o peemedebismo, que volta agora com força.

E os oito anos de governo Lula, trouxeram algo de novo em relação a esse consenso conservador?

O peemedebismo é extremamente conservador, como eu disse, pois você só consegue fazer transformações desviando-se dos vetos. Quando um projeto vai para o Congresso, tudo que for matéria de veto nem se discute, simplesmente tira-se do projeto. Por isso Lula optou por apresentar políticas que podiam até ser questionadas, mas não sofreriam veto – como o Bolsa-Família e os aumentos sistemáticos no salário mínimo, que os tucanos consideravam impossíveis. O combate à pobreza, contra o qual ninguém pode ser contra, é o que Lula introduziu de novo no tripé de FHC: câmbio flutuante, superávit fiscal e política de juros.

Então a frase dita por FHC, de que resta aos governos progressistas no Brasil atuar como ‘vanguarda do atraso’, está correta?

Fernando Henrique pegou essa frase do ex-ministro da Justiça de Sarney, Fernando Lyra, que a disse da tribuna da Câmara, em 1986. É uma expressão incrível. E de uma época em que, suprema ironia, Sarney é que era refém do PMDB...

Essa cultura do peemedebismo vai além do partido PMDB?

O PMDB é como se fosse a ponta do iceberg do peemedebismo. Este é um fenômeno de longo prazo, que vai além da agremiação partidária. Para mim, por exemplo, Aécio Neves é uma das maiores expressões do peemedebismo. O que ele tem para dizer? Nada. Seu discurso é anódino e ele nunca tem uma posição contra alguma coisa. Por isso é fácil imaginar que se o PSDB não deixá-lo se candidatar à Presidência, Aécio vai procurar outra opção partidária.

A presença do PMDB no governo petista é comparável à do ex-PFL nos anos FHC?

O PFL aceitou a liderança ideológica e a direção de governo do PSDB. O PMDB tende a ter o mesmo papel, mas até o momento não se submeteu. Por isso digo que, ou Dilma consegue renegociar os dividendos políticos com o PMDB, ou o partido não vai aceitar a liderança petista no governo. Veja que a presidente elencou dois projetos prioritários para o seu mandato: erradicar a miséria e fazer o plano nacional de banda larga. O acordo fechado entre os dois partidos é que desses dois projetos Dilma cuidará de perto, sem interferências – embora o PMDB possa até partilhar dividendos políticos. O problema é que ela ainda tem uma Copa do Mundo e uma Olimpíada para organizar, que poderão servir como matéria de chantagem por parte do PMDB.

Como esse acordo foi fechado?

O padrão de relacionamento entre o PT e o PMDB começou no Ministério das Minas e Energia, com Dilma. Quando a então ministra montou o Luz Para Todos, a liderança, a formulação do projeto e sua implementação ficaram com ela – mas o dividendo político, os louros do negócio, seriam dos prefeitos do PMDB. Porque o que o PMDB quer é aquele pequeno serviço ou obra pública no município que o prefeito da sigla possa vender como seus. Então, havia uma certa divisão do butim. Em minha opinião, foi por isso que Lula escolheu Dilma como candidata a sua sucessão: ele viu que ela era capaz de negociar com o PMDB.

Isso não está parecendo tão fácil agora...

Neste momento, essa divisão que funcionava está em causa. O que Dilma quer é reestabelecer um tipo de relação com o partido aliado nos moldes da que havia no programa Luz Para Todos.

Por que o sr. diz que, após o mensalão, as alianças que Lula formou tornaram ‘quase impossível’ a vida de um oposicionista?

Muitos dizem que o PSDB e o DEM não souberam fazer oposição a Lula. É um engano, pois o problema é estrutural. Diante do predomínio desse centro conservador, a polarização que tínhamos no Brasil durante os anos FHC só funcionava porque havia um partido com vitalidade bastante para permanecer na oposição por muito tempo, o PT. Quando ele vai para o governo e, após a crise do mensalão, compõe com esse centro, enfraquece a polarização.

É isso que explica a permanência de Sarney na presidência do Senado, apesar dos protestos da sociedade e da imprensa?

Exatamente. Sarney é o símbolo do peemedebismo: tem doutorado, livre-docência e titularidade sobre seu funcionamento. E esse predomínio do peemedebismo pode levar a um fechamento do sistema político para a sociedade. Veja a sucessão de crises e seus efeitos cada vez menores: primeiro Collor é derrubado por impeachment, depois ACM e Jader Barbalho são obrigados a renunciar, então Renan Calheiros deixa a presidência do Senado, mas não renuncia e, por fim, Sarney nem sai da presidência nem renuncia. A gente pode gritar quanto quiser porque o sistema está começando a se fechar em si mesmo, está em divórcio muito grave com a sociedade. O que esse sistema político diz? “Enquanto estivermos nesta bonança econômica podemos dar uma banana para a relação com a sociedade.” Agora, uma coisa é fazer isso com um líder popular como Lula mediando as demandas. Outra é com Dilma.

Dilma tem espaço para escapar desse arranjo que atrasa a modernização do País?

Que Dilma pode escapar, pode. Mas as opções que ela tem são muito restritas. É provavelmente a presidente com possibilidades mais restritas que já assumiu. Do ponto de vista político, as mãos dela estão acorrentadas. E a verdade é que, hoje, o jogo não se dá mais entre governo e oposição: ele migrou para dentro do governo.

O peemedebismo pode ser superado?

Não por acaso, Lula saiu do poder dizendo que sua prioridade é juntar lideranças para propor a reforma política. O ex-presidente não é a pessoa mais indicada para encaminhá-la, mas ela é necessária. Temos de produzir um sistema político que permita a polarização, no qual quem governa não seja engolido pela peemedebização. Para isso, não há receita, mas é preciso que o debate – da cláusula de barreira ao financiamento de campanha, por exemplo – seja pautado por esse objetivo. Senão, vamos continuar em uma democracia que patina, discute assuntos tópicos de maneira acalorada, mas não avança em reforma alguma nem desenvolve sua cultura democrática.

Ditadura: Dilma quer identificar torturadores

DEU EM O GLOBO

Torturada pela ditadura militar, a presidente Dilma Rousseff quer avançar no reconhecimento a violência oficial durante os anos de chumbo. Por decisão dela, o Executivo vai se empenhar para aprovar o projeto da Comissão da Verdade, permitindo a identificação dos torturadores - mesmo sem puni-los, já que todos foram beneficiados pela Lei de Anistia.

Governo quer aprovação da Comissão da Verdade

Dilma Rousseff pretende identificar torturadores; agressores não podem ser punidos porque foram anistiados

Evandro Éboli e Maria Lima

BRASÍLIA. Vítima da tortura durante o regime militar, a presidente Dilma Rousseff está disposta a ir além do que fez o governo Lula em relação ao reconhecimento oficial das violências cometidas pela ditadura. A partir de agora, o Executivo vai se empenhar na aprovação do projeto da Comissão Nacional da Verdade para que os torturadores sejam identificados. Mas o governo sabe que não dá para ir adiante e punir os agressores porque foram todos anistiados.

- O Estado brasileiro vai ter de deixar claro que houve tortura e nominar que fulano de tal é torturador. É preciso uma manifestação final de quem foi torturador e o que ocorreu nos porões da ditadura - disse um interlocutor do Palácio do Planalto.

A relação e a história de Dilma com esse passado vai tornar seu governo diferente no trato de temas como abertura de arquivos e busca pela localização de desaparecidos políticos. Em apenas uma semana de mandato, a presidente deu algumas demonstrações que esses assuntos lhe são caros. No discurso de posse, usou o jargão dos anos de chumbo e falou dos amigos que "tombaram no caminho" e que, como ela, ousaram "enfrentar o arbítrio".

Outra manifestação de apreço à causa foi na festa de sua posse, quando convidou diversas colegas que estiveram presas com ela no presídio Tiradentes, nos anos 70, em São Paulo. As antigas militantes foram a atração no coquetel do Itamaraty. Posaram para fotos até com embaixadores de outros países, curiosos em conhecê-las.

Declaração de ministro rende puxão de orelha

Nesta semana, Dilma reagiu à declaração do general José Elito Siqueira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. O oficial tocou na ferida ao afirmar que o fato de haver desaparecidos durante o regime militar não era motivo de se envergonhar ou se vangloriar. Dilma o convocou para uma conversa, interpretada como um puxão de orelha.

A iniciativa de Dilma de convocar Elito teve impacto imediato entre suas colegas. Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, a jornalista Rose Nogueira, que esteve presa com Dilma, elogiou o comportamento da colega nesse episódio.

- Diria que foi um cartão de visita de Dilma. Não se pode ser tolerante mesmo com essas posições. O general teve que se explicar e se espera que tenha aprendido a lição. Dilma é assim, dura e firme de um lado, mas doce e conciliadora quando precisa ser - disse Rose Nogueira. - Lula é mais conciliador, mais popular. Os dois têm personalidades bem diferentes.

'A verdade não prescreve', diz coronel da reserva

DEU EM O GLOBO

Para Fagundes, governo Dilma não fará "caça às bruxas"

BRASÍLIA. O coronel da reserva João Batista Fagundes, que representa as Forças Armadas na Comissão de Mortos e Desaparecidos, não acredita que o governo Dilma promoverá uma "caça às bruxas" e iniciará uma perseguição aos militares que confrontaram com os militantes de esquerda nos anos 60 e 70. Fagundes, muito próximo do comandante do Exército, general Enzo Peri, afirmou que não há resistência para a criação da Comissão Nacional da Verdade:

- Essa comissão irá esclarecer pontos ainda desconhecidos. A verdade não prescreve, ainda que existam certas coisas que estão sepultadas. A Dilma tem se mostrado sensata na abordagem desses temas. Que se crie a Comissão da Verdade. O militar é um cumpridor da lei.

Fagundes reconhece que as causas de Dilma não são unanimidade entre os militares, especialmente no meio dos que estão na reserva e que viveram o período da ditadura:

- Não há um descontentamento generalizado, mas alguns que não concordam com certas coisas, como o pagamento de pensão aos familiares de Carlos Lamarca (indenizado pela Comissão de Anistia). Não tenho nada contra.

Fagundes cita como prova de entendimento entre civis e militares o convite que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez ao ex-guerrilheiro e deputado federal José Genoino (PT-SP). O parlamentar deverá ser assessor especial de Jobim.

- Quer demonstração mais eloquente que essa de pacificação dos ânimos?! Convidar um sujeito que, naquela época, foi declaradamente um inimigo! Convivi bem com o Genoino no Congresso. O espírito está desarmado - diz Fagundes.

A Comissão da Verdade, em tramitação no Congresso, terá a atribuição de esclarecer circunstâncias de torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres; identificar e tornar públicos locais onde foram cometidos esses crimes; e colaborar para apuração dessas violações, mas observados os limites da Lei da Anistia.

Se instalada, caberá a Dilma indicar seus sete integrantes, que precisam ser pessoas de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificadas com a defesa da democracia e respeito aos direitos humanos. A Comissão funcionará por dois anos.

O coordenador-geral do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Gilson Cardoso, afirmou que está otimista. Ele diz que o "recado" da presidente foi dado por sua ministra dos Direitos Humanos, Maria Rosário, em seu discurso de posse. Rosário fez um apelo aos congressistas pela aprovação da comissão.

- É um governo que desponta na direção do resgate da dignidade dos mortos e desaparecidos - diz Gilson Cardoso.

Coronelismo eletrônico :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Cinco dias depois de empossada e devidamente enfaixada, a presidente Dilma Rousseff através do ministro das Comunicações solta um balão de ensaio que tem o potencial de um tsunami político associado a uma revolução midiática com profundas implicações nos modos, costumes e decoro parlamentar.

Em entrevista à Folha de S.Paulo publicada nessa sexta, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, com o seu estilo sóbrio e preciso defendeu de forma inequívoca o fim das concessões de rádio e TV a parlamentares.

Só isso? Pois "isso" é simplesmente extraordinário. "Isso" equivale ao fim do coronelismo eletrônico. "Isso" é, há décadas, o sonho da esquerda, dos liberais, dos secularistas, dos cientistas políticos, educadores, líderes comunitários, ONGs e dos congressistas decentes, comprometidos com o interesse público e que não compactuam com ilicitudes. "Isso" é uma colossal aberração que legaliza o conflito de interesses e permite que congressistas controlem as concessões de radiodifusão e, ao mesmo tempo, sejam seus beneficiários.

Paulo Bernardo admitiu ser mais fácil o Congresso iniciar um processo da impeachment do presidente da República do que limitar o aberrante privilégio oferecido aos congressistas. Ele sabe que o mandato no Congresso é um dos melhores negócios do País. Além dos ganhos diretos e indiretos (agora espetacularmente ampliados), os membros do egrégio Legislativo federal podem participar da mamata das concessões e assim se reeleger indefinidamente graças ao poder das rádios e repetidoras de TV dentro dos seus currais eleitorais.

Quem iniciou a prática foi um antecessor de Paulo Bernardo, Antônio Carlos Magalhães, o Toninho Malvadeza, que generosamente distribuiu concessões de radiodifusão aos congressistas para que votassem a extensão do mandato do presidente Sarney. A Constituição de 1988 proíbe esta duplicidade, o decoro parlamentar deveria inibi-la, mas como soe acontecer nestas plagas a prática universalizou-se. Na legislatura que se encerra dentro de dias, calcula-se que metade dos parlamentares é constituída de concessionários de rádio e TV (muitos de forma indireta através de laranjas e parentes com sobrenomes diferentes). E o mesmo José Sarney que inventou o benefício há 20 anos agora é o seu mais visível beneficiário: sua família controla a mídia eletrônica maranhense o que torna o seu jornal imbatível, apesar da péssima qualidade.

Aceitará Sarney o fim do privilégio? Ele que teve a coragem de contraditar Dilma Rousseff durante a cerimônia de posse designando-a como presidente, no lugar de presidente (como ela se autointitulou) terá a mesma fibra para confrontar um governo que ajudou a eleger e prometeu apoiar? O vice-presidente, Michel Temer, aparentemente, não é concessionário de rádio e TV, mas terá apetite para enfrentar os caciques do PMDB já irritados com a interrupção da distribuição de cargos no segundo escalão e a real possibilidade de corte de verbas para as emendas de parlamentares?

Paulo Bernardo terá condições de, ao menos, levar adiante o debate público? Ou a entrevista à repórter Elvira Lobato foi apenas uma manobra para refrear os insaciáveis apetites do PMDB?

O novo ministro só erra quando se queixa que "o Brasil tem tantos especialistas em comunicação quanto técnicos de futebol." Baixou nele o "espírito Lula" com suas perigosas simplificações e metáforas esportivas. Quem pede mudanças urgentes na legislação do audiovisual não são especialistas em comunicação - são eleitores, ouvintes e telespectadores revoltados com o lixo que os coronéis eletrônicos lhes impingem diariamente há décadas.

P.S. – O articulista interrompe a sua colaboração e retornará em 4 de fevereiro.

» Alberto Dines é jornalista

Dilma e Lula em paralelo :: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os últimos atos de Lula foram livrar o ativista italiano Cesare Battisti da extradição e a ex-ministra Erenice Guerra de penalidades em sindicância que a absolveu. O primeiro de Dilma Rousseff foi demitir apadrinhados do PMDB de cargos cobiçados no Ministério da Saúde e na direção dos Correios. Diferenças? De estilo, sem dúvida - os dois têm perfis opostos. Mas não só.

Sobressaem nesses primeiros dias de gestão o empenho da presidente em provar ao País que não é um poste - do que foi acusada - e que tem a personalidade forte de uma mulher que não chegou ao poder para ornamentá-lo, tampouco esquentar a cadeira para Lula. Dilma tenta mostrar que tem convicções e determinação para concretizá-las. Para acertar ou errar? O futuro dirá.


Depende de seu programa de governo, ainda nebuloso e cheio de incertezas, e de enfrentar com habilidade, e também coragem, os que fingem ser aliados para se dar bem e fazem da chantagem instrumento de barganha para conseguir o que querem.

Com eles Lula foi complacente, generoso até. Passou oito anos acariciando cabeças de corruptos, culpando a imprensa por divulgar fraudes, distribuindo cargos técnicos a políticos sabendo que ali estavam para tirar lascas de poder para seus partidos e comprometendo a qualidade de uma gestão que deveria focar o bem público.

Em seus dois discursos mais relevantes (na vitória eleitoral e no ato de posse), em que definiu mais linhas de conduta do que o conteúdo de um programa de governo, Dilma Rousseff avisou: "Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente, e os órgãos de controle e investigação terão todo o meu respaldo para atuarem com firmeza e autonomia." O País torce para ela cumprir o prometido, combater e punir a corrupção e não fazer de seu discurso uma banal peça de retórica que logo será esquecida. Nos primeiros dias de governo, em 2003, Lula levou o ministério inteiro ao município mais pobre do País, para "conhecerem de perto a miséria". Em pouco tempo os ministros esqueceram o que viram, mas com este ato, Lula marcava sua linha de percurso dos próximos oito anos: a paixão pela viagem e pelo monólogo em discurso e a aversão pela gestão cotidiana do País.

Tratou de comprar o "aerolula" e saiu pelo Brasil afora e por todos os continentes do mundo. Só para o exterior ele viajou 252 vezes. Em oito anos de governo operou como um animador de programa de auditório, que faz rir, busca popularidade e aplausos, fala o que quer e o que a plateia quer ouvir - inclusive inverdades. Para tocar o cotidiano do País de Brasília ele tinha José Dirceu e Antonio Palocci, num primeiro momento, e depois a própria Dilma e Paulo Bernardo.

Nessa primeira semana Dilma se recolheu ao gabinete, não deu entrevistas, não apareceu em público e tratou de começar a organizar e sistematizar o governo. Combinou linhas de ação com ministros, reuniu o conselho político para tentar acalmar PT e PMDB, às turras pela disputa de cargos de segundo escalão (cumprirá a nomeação de técnicos ou cederá ao fisiologismo?).


Chamou raposas do Congresso para conversar, preocupada com a eleição de um petista para a presidência da Câmara e com a votação do salário mínimo. Ao contrário de Lula, ficou longe dos holofotes.

Mas Dilma continua devendo ao País seu programa de governo. Se ela fala de austeridade fiscal e privatização de aeroportos, certamente não será mera continuidade do governo Lula. Embora seja tema de consenso no governo, o Banco Central parece ter tido plena liberdade para decidir medidas de efeito cambial na última quinta-feira, sem interferência, como ela prometeu ao assumir.

Ela teve mais de dois meses para preparar as primeiras propostas de governo, aquelas que precisam ser divulgadas no calor das urnas para ganhar apoio popular. Não há uma só definição sobre as reformas (política, tributária, previdenciária, trabalhista e as microrreformas). Não fazê-las foi enorme falha de Lula, um decepcionante atraso de oito anos. Dilma não pode repetir o erro.

Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

Guerra por segundo escalão envolve 600 cargos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PT e PMDB estão no centro da disputa pelo controle de 102 estatais dos setores produtivo e financeiro.

A disputa entre os partidos aliados da presidente Dilma Rousseff para manter os postos que já têm no segundo escalão ou conseguir novos cargos visa o controle de 102 empresas estatais, sendo 84 no setor produtivo e 18 no financeiro,. Ao todo, estão em jogo cerca de 600 cargos. É provável que a maioria seja mantida, pela continuidade do governo. Trata-se de um butim bilionário capaz de levar os partidos a uma longa batalha política, apesar dos apelos de paz feitos por Dilma e da suspensão de novas nomeações para o segundo escalão até as eleições para a Mesa Diretora da Câmara e do Senado. A guerra compreende postos estratégicos em ministérios e órgãos como os Correios, que o PMDB perdeu para o PT. Na Saúde, a disputa pela Secretaria de Atenção à Saúde deu origem à guerra do segundo escalão. Embora os R$ 45 bilhões da secretaria não estejam liberados para investimentos, o partido que ocupa o posto tem grande visibilidade no País.

Guerra por segundo escalão envolve 600 cargos e R$ 107 bi de investimento

Novo governo. Poder das nomeações, causa central do confronto entre PMDB e PT, está relacionado à visibilidade política dos postos, mensurada pelo montante de recursos que cada área tem para investir no País; acordo na Integração exclui peemedebistas.

João Domingos / BRASÍLIA

A disputa entre os partidos aliados da presidente Dilma Rousseff para manter os postos que já têm no segundo escalão ou abocanhar novos cargos visa o controle de 102 empresas estatais, sendo 84 no setor produtivo e 18 no setor financeiro. Destas, 66 do setor produtivo e sete do setor financeiro dispõem de R$ 107,54 bilhões para investimentos só neste ano. Ao todo, estão em disputa cerca de 600 cargos. É provável que a maioria seja mantida, pela continuidade do governo.

Trata-se de um butim bilionário capaz de levar os partidos a uma batalha política pelos próximos meses, apesar dos apelos de paz feitos pela presidente da República e da suspensão de novas nomeações para o segundo escalão até que sejam feitas as eleições para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado.

A guerra compreende também postos estratégicos em ministérios e órgãos, como os Correios, que o PMDB perdeu para o PT. Na Saúde, a disputa pela Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) deu origem à guerra do segundo escalão. Embora os R$ 45 bilhões dessa secretaria não estejam carimbados para investimentos - são repasses ao SUS -, o partido que ocupa o posto tem grande visibilidade no País, o que se traduz em votos.

O novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tomou o posto do PMDB e o passou para seu partido, o PT. Em seguida, avançou sobre a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), que tem orçamento de R$ 5 bilhões e cerca de R$ 1 bilhão para saneamento nas pequenas cidades. Depois de ameaçar votar em favor de um salário mínimo maior, o PMDB conseguiu que Padilha não nomeasse um petista para a Funasa, deixando as negociações suspensas até o mês que vem.

Agora, os peemedebistas lutam para manter Ariovaldo Rosendo na direção do Fundo Nacional da Saúde (FNS). Trata-se de um apadrinhado do ex-ministro Hélio Costa (PMDB). Esse fundo dispõe de R$ 65,2 bilhões.

Feudo. Nesse ritmo, os golpes prometem ser baixos e as rasteiras frequentes. O PT e o PSB, por exemplo, fecharam um acordo que deixará o PMDB ainda mais irritado. Decidiram varrer o partido de todos os cargos que detém no Ministério da Integração, velho feudo peemedebista.

Elias Fernandes, atual diretor-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), é homem de confiança do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). Será demitido pelo novo ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, do PSB.

Ocorreu o mesmo com o presidente da Codevasf, Orlando Castro, cujo padrinho é o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA). Pelo acordo entre PT e PSB do Nordeste, Castro também será afastado, dando lugar a um socialista, provavelmente Sérgio Novais, presidente do PSB de Fortaleza. Em troca, os petistas do Ceará, que desde 2003 mantêm o controle do Banco do Nordeste, devem permanecer no posto.

Poderosa. Dos R$ 107,54 bilhões que as estatais têm para investimentos, R$ 91,2 bilhões são do sistema Petrobrás. Trata-se de uma empresa que se tornou objeto de desejo, e da qual a presidente Dilma Rousseff não abre mão de controlar. Tanto é assim que, antes mesmo de fechar seu ministério, chamou o presidente José Sérgio Gabrielli para continuar à frente da empresa.

Diante da enormidade da estatal, aos outros partidos resta a luta para não perder os postos que detêm nas suas diretorias. Quem corre maior risco é - de novo - o PMDB. Desde que o deputado Fernando Diniz (MG) morreu, o diretor da Área Internacional da Petrobrás, Jorge Zelada, ficou sem padrinho. O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) luta para preservá-lo. O restante da diretoria é rateada entre o PT e o PP.

O PMDB mantém o controle de duas empresas importantes do sistema Petrobrás. Na direção da Transpetro o partido mantém o ex-senador Sérgio Machado, na cota do presidente do Senado, José Sarney (AP), e do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Machado já foi do PSDB e até liderou o partido no Senado. A Transpetro dispõe de R$ 2,47 bilhões para investimentos. Na presidência da BR Distribuidora está José Luiz de Andrade Neto, nomeado por influência do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Esta empresa conta com R$ 717 milhões para investir em 2011.

Substituta. Situação curiosa é a da ex-governadora do Pará Ana Júlia Carepa (PT). Madrinha da nomeação de Abidias Júnior para a presidência do Banco da Amazônia (Basa), a petista, derrotada nas urnas, agora quer o lugar do afilhado para manter um emprego público e ficar por dentro da rotina da articulação do governo federal. O Basa dispõe de R$ 120 milhões para investimentos neste ano.

Já o deputado Paulo Rocha (PT-PA), que perdeu a eleição para senador, responde ao processo do mensalão e ainda está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, batalha para pegar a direção da Superintendência da Amazônia (Sudam), que tem R$ 39 milhões para gastar em 2011. Seria mais um golpe para o PMDB: o atual superintendente, Djalma Melo, foi indicado pelo senador Eduardo Braga (AM) e pelo ex-senador Luiz Octávio (PA), ambos peemedebistas.

A guerra do segundo escalão 2


Arrastão - Edu Lobo - Zimbo Trio 45 anos - Orquestra Arte Viva

A mulher que passa::Vinicius de Moraes

Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.