quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Elio Gaspari: Cadê o Fabrício Queiroz?

- O Globo

O PM Fabrício Queiroz continua sumido. Quem conhece o mundo das malfeitorias garante: “É suicídio” . Ele não aparece em casa e não compareceu aos depoimentos combinados com o Ministério Público. Admita-se que esteja com os nervos em pandarecos, pois passou de amigo da Primeira Família para o centro de uma rede de movimentações financeiras pra lá de suspeitas. Seu ex-chefe, o senador eleito Flávio Bolsonaro diz que ouviu seu relato e achou-o “bastante plausível”. Só se poderá confiar nessa plausibilidade depois que o relato se tornar público.

Uma coisa é certa: a história segundo a qual Queiroz deixou a assessoria de Flávio Bolsonaro no dia 15 de outubro para tratar de sua aposentadoria não fica em pé. Ele foi exonerado no dia seguinte ao aparecimento da notícia de suas movimentações bancárias “atípicas”. Além disso, no mesmo dia, foi exonerada sua filha Nathalia, que estava lotada no gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília. Quando os dois tornaram-se “ex-assessores”, faltavam treze dias para o segundo turno.

O silêncio de Queiroz faz com que suas movimentações financeiras “atípicas” continuem apenas como algo suspeito. Um depósito de R$ 24 mil na conta da mulher de Jair Bolsonaro já foi explicado por ele como parte do pagamento de um empréstimo pessoal. O presidente eleito reconheceu que não informou a transação à Receita Federal, mas atire a primeira pedra quem já não fez isso com uma pessoa de suas relações.

Outros murmúrios, saídos de fontes anônimas, falam em venda de objetos eletrônicos a conhecidos. Coisa de R$ 600 mil ao longo de treze meses, caso se olhe só para o que entrava em sua conta. Mesmo assim, o feirão de Queiroz movimentava quantias muito superiores ao seu rendimento como suboficial da PM e assessor de um deputado estadual.

Míriam Leitão: O maior desafio na economia

- O Globo

Equipe econômica terá que lidar com o desafio da lenta recuperação do emprego, sempre o último indicador a sair das crises

O superministério que será chefiado pelo ministro Paulo Guedes terá vários desafios a partir de 1º de janeiro. Para nenhum deles haverá resposta fácil, mas o pior será o drama do desemprego. O mercado de trabalho é sempre o último a reagir aos ciclos econômicos e mesmo no melhor cenário o efeito sobre a criação de vagas será limitado. Paulo Guedes terá que administrar essa cobrança, ao mesmo tempo em que tenta implementar medidas duras para apagar o incêndio que consome as finanças públicas.

O mercado de trabalho formal em novembro abriu 58 mil vagas, o melhor resultado para este mês desde 2010. A questão é que entre 2015 e 2017 o país fechou 259 mil postos em meses de novembro. Ou seja, o saldo é negativo de 201 mil. O ritmo de melhora é lento e isso ajuda a entender por que os brasileiros ainda sentem os efeitos da recessão. Em qualquer indicador que se faça a conta, a história será parecida. Há uma melhora na ponta, mas que não recupera a perda que se acumulou nos anos recessivos.

Malu Delgado: Dalina, o piscineiro e os coletes verde-amarelos

- Valor Econômico

Caminhoneiros são levados aos palácios para dialogar

A sensação de solidão de quem experimenta o poder é bastante conhecida e bem documentada. Não são poucos os relatos de ex-chefes de Estado e ex-presidentes abordando o ônus de escolhas solitárias e o isolamento imposto por títulos provisórios e passageiros - isso quando se vive em democracias. Jair Bolsonaro comemorou, no mês do Natal, o impressionante número de 8,2 milhões de seguidores no Instagram. No Twitter, são quase 2,7 milhões. Sem dúvida são feitos para quem aposta no exercício do poder sem intermediação, em uma "nova relação direta entre o eleitor e seus representantes", como o presidente eleito afirmou na ocasião de sua diplomação ao cargo.

Bolsonaro está certo ao dizer que "as eleições revelaram uma realidade distinta das práticas do passado", mas a experiência de quem já teve o poder nas mãos pode lhe servir de boa conselheira.

"Como é que você fala com o outro quando você vira presidente da República?", perguntou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a uma plateia formada por jovens numa tarde do último mês do ano deste 2018, véspera em que Bolsonaro atualizou os dados de seu séquito virtual. FHC falava na ocasião do lançamento de seu último livro, "Legado para a juventude brasileira", escrito em parceria com a educadora Daniela de Rogatis. A obra compila diálogos de ambos com jovens, de 2014 a 2018, sobre a realidade brasileira. Uma tentativa de alertar a juventude, sobretudo os nascidos em berço esplêndido, sobre suas responsabilidades, seu protagonismo e o papel da política em uma nação democrática.

Quando se é presidente, os outros costumam lhe dizer apenas o que você quer ouvir, atestou FHC. Sociólogo, Fernando Henrique desenvolveu uma tática para furar "as bolhas" que cercam a Presidência e enxergar melhor a realidade do povo. Puxava conversa com pessoas que lhe serviam café da manhã nos palácios, geralmente de corporações militares. Tentou fazer amizade com o piscineiro que trabalhava há anos no Palácio da Alvorada e conviveu com Juscelino. Mas foi com Dalina, a senhora que cuidava das plantas do segundo andar e fazia parte da limpeza do Alvorada com quem o então presidente estabeleceu contato mais direto. Certo dia Dalina pediu ao presidente da República que fosse à missa. A maioria dos funcionários do Palácio era evangélica. Católica, Dalina queria que seu lado espiritual fosse prestigiado pelo líder maior. "Eu fui à missa, várias vezes. Eu ia para ter algum elemento de solidariedade para com a Dalina."

Cristiano Romero: O legado

- Valor Econômico

O segredo de Meirelles sempre foi montar boas equipes

Um dos maiores talentos do ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, tanto no setor privado quanto na vida pública, foi montar boas equipes. E, por isso, as coisas sempre deram certo. Meirelles foi o mais longevo e bem-sucedido, considerando-se o conjunto da obra, presidente do BC brasileiro - oito anos, durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). No comando da economia, tendo assumido o cargo em meio à mais longa recessão (2014-2016) da história do país, mudou, em pouco mais de dois anos, o rumo da economia - aqui, não se trata de opinião, mas de respeito à aritmética: o discurso, contundente, é dos números.

Meirelles foi chamado para assumir os dois postos públicos mais importantes da economia brasileira em momentos de crise severa. Em janeiro de 2003, chegou a Brasília com o país "em chamas", à beira de um possível calote na dívida externa. Por causa da desconfiança dos investidores nos propósitos do recém eleito governo de esquerda, investidores tiraram bilhões de dólares do país, levando a cotação da moeda americana para algo em torno de R$ 4,00.

As consequências, como diria o barão de Itararé, sempre citado pelo ex-senador Marco Maciel, vieram depois: a inflação anual, medida pelo IPCA, disparou (para 12,5% em dezembro 2002 e 17% em abril de 2003); a dívida pública superou os 60% do Produto Interno Bruto (PIB); a economia mergulhou em mais uma recessão, a segunda em menos de quatro anos; a taxa básica de juros (Selic) foi a 25% ao ano em dezembro de 2002, impondo às autoridades dilema de difícil solução, provocado pela chamada "dominância fiscal" - elevar os juros (Selic) para conter a escalada inflacionária e, com isso, aceitar o aumento explosivo da dívida pública, uma vez que, grosso modo, essa dívida é atrelada à Selic, ou não subir os juros e, assim, deixar a inflação crescer para evitar a expansão do endividamento;

No BC, mesmo vindo de uma vitoriosa carreira como executivo do BankBoston (Fleet), Meirelles, eleito deputado pelo PSDB em Goiás em 2002, foi recebido com extrema desconfiança pelo mercado. O que se dizia na época era: "Meirelles foi nomeado por Lula porque este não conseguiu convencer ninguém, à altura do cargo, a assumir a função naquele momento"; "Meirelles não entende nada de economia"; "o PT vai derrubá-lo em menos de seis meses".

José Eli da Veiga: Aos sete guardiães

- Valor Econômico

Há 50 anos o Brasil era a nação que mais prometia. Hoje, chega no máximo a ser forte exportador de produtos agropecuários

O último meio século de história da China é evidência empírica de que liberdade política e democracia não são condições necessárias ao desempenho econômico, do qual tanto depende o desenvolvimento. E não foi outro o pressuposto da decisão que - pela primeira vez, desde 1937, e pela quinta vez, na história do Brasil - fechou sine die o Congresso, com o Ato Institucional nº 5.

Achando-o "insuficiente", o recém quarentão e ainda meio obscuro ministro da Fazenda Delfim Netto se empenhou em convencer o marechal Costa e Silva a dar guinadas ainda mais despóticas, "absolutamente necessárias para que este país possa realizar o seu desenvolvimento com maior rapidez".

Eis uma das pérolas a reluzir em dez páginas que deveriam ser leitura obrigatória para a conclusão do ensino médio: o capítulo "A Missa Negra", do livro A Ditadura Envergonhada, de Elio Gaspari. Ótima ajuda para entender as subsequentes dezenas de atos complementares e verdadeiro tsunami de decretos-lei. Destes, foram cinquenta só na quinzena do apagar das luzes de 1968. Alguns bem cômicos, como mostrará visita ao  http://www.planalto.gov.br

Entre as perguntas suscitadas por tamanho festival tirânico, uma merece especial atenção de governantes nostálgicos da 'missa negra': como explicar a incompetência da ditadura brasileira em produzir, ao menos parcialmente, os feitos da homóloga chinesa e, mutatis mutandis, sul-coreana e chilena?

Bruno Boghossian: A burocracia e os picaretas

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro quer reduzir peso do Estado, mas corre risco de cortar serviços importantes

O futuro governo promete aplicar um tratamento de choque à burocracia. Seria um avanço reformar estruturas que gastam bilhões, abrem portas para a corrupção e dificultam a atividade econômica. Tudo indica, porém, que Jair Bolsonaro quer começar pelo lugar errado.

Ao anunciar que uma de suas prioridades será revogar rapidamente "inúmeras regulamentações em todos os setores", o presidente eleito só acerta pela metade. A pregação geral contra normas e fiscalizações escorrega na surrada metáfora que alerta contra o risco de se jogar o bebê fora junto com a água do banho.

Bolsonaro afirma desde a campanha que os órgãos de controle aplicam multas em excesso e que as exigências burocráticas atrapalham o desenvolvimento. A ira contra a ineficiência do Estado pode fazer sucesso, mas deixar de aplicar as regras não vai resolver o problema.

O futuro presidente do Ibama disse na semana passada ao jornal O Estado de S. Paulo que o licenciamento ambiental no Brasil é precário. Dada a lentidão do processo, é justo afirmar que ele tem razão.

Alexandre Schwartsman: Na balança

- Folha de S. Paulo

Houve avanços importantes durante o governo de Michel Temer

Não tenho dúvida que, do ponto de vista econômico, o breve governo de Michel Temer será dos mais estudados nos próximos anos, independentemente da trajetória a ser seguida pela economia brasileira no futuro imediato (tema para a semana que vem).

Apesar de legar muitas tarefas a cargo do seu sucessor, houve avanços importantes no período, seja do ponto de vista conjuntural, seja pelas transformações institucionais que tentou promover.

No que respeita à conjuntura, foi um governo que assumiu com a economia em queda livre. Naquele momento o país chegava ao nono trimestre de recessão, acumulando queda de 7% do PIB (Produto Interno Bruto).

Assim, o desemprego (sazonalmente ajustado), que chegara a 6,6% no primeiro trimestre de 2014 (o pico da expansão anterior), superava 11% no segundo trimestre de 2016, correspondendo a cerca de 11,6 milhões de pessoas, refletindo, entre outras coisas, a perda de 2,4 milhões de postos de trabalho formal.

A inflação marcava 9,3% (mais que o dobro da meta, ecoando as promessas da ex-presidente), enquanto o déficit primário do setor público (já limpo de “pedaladas” e afins) naquele ano atingia incríveis R$ 252 bilhões (a preços de outubro de 2018), ou seja, 3,7% do PIB.

Em contraste, este ano o PIB deve crescer 1,3%, enquanto o desemprego segue alto, 12%, embora em leve queda, decorrente da criação de 1,4 milhões de postos de trabalho nos últimos 12 meses. Segundo o Caged, nos 12 meses até novembro o país gerou 427 mil empregos formais, melhor marca desde setembro de 2014.

Fábio Alves: Caos nos mercados

- O Estado de S. Paulo

Espiral negativa das bolsas é cortesia de Trump, que voltou a criticar duramente o Fed

Os mercados globais entraram na última semana de 2018 numa espiral negativa de magnitude semelhante à registrada durante a crise financeira mundial de 2008, com o índice Dow Jones, um dos principais do mercado acionário dos Estados Unidos, fechando na segunda-feira com a pior queda em um pregão de véspera de Natal em cem anos.

A lista de problemas que paira sobre os mercados globais é extensa: de uma desaceleração mais forte da economia mundial, passando pelo temor de uma escalada na guerra comercial entre Estados Unidos e China até um impacto negativo maior do que o previsto da trajetória de alta dos juros americanos pelo Federal Reserve (Fed).

Sem falar na incerteza gerada com o fechamento parcial do governo americano em meio ao embate do presidente americano Donald Trump e o Congresso sobre o orçamento federal e o financiamento para construção do muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México.

Por aqui, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, que tomará posse do cargo na próxima terça-feira, iniciará o seu mandato com um cenário de crise aguda nos mercados internacionais, o que deve exigir urgência na aprovação da reforma da Previdência e de outras medidas de ajuste fiscal a fim de evitar um estrago maior à economia brasileira.

Vinicius Torres Freire: O risco de um presidente ignaro

- Folha de S. Paulo

Americanos discutem riscos de recessão da economia em 2019. Trump é um deles


Donald Trump quer fazer com que as Bolsas subam no grito. Enquanto solta berros pelo Twitter, o preço das ações cai mais. O Nero Laranja estimula o sentimento difuso e confuso de que a economia dos Estados Unidos pode ter problemas a partir de 2019.

Quais problemas? Um deles é o próprio Trump, um presidente ignaro, destemperado e dado a manias ideológicas.

Faz uns dois meses, americanos mais alarmados dizem ver sinais de que a economia entrará em recessão. A baixa nas Bolsas em parte seria resposta a esses indícios.

A atividade econômica, por sua vez, tende a piorar caso continue a derrocada do preço das ações, a mais feia desde 2008. Mas há motivos para tamanho desânimo?

Uma desaceleração do crescimento parece óbvia. As condições financeiras pioraram. As taxas de juros vêm subindo faz dois anos, embora para níveis ainda historicamente baixos, e os americanos ficam mais pobres e algo mais desanimados com as Bolsas em baixa.

Pelos preços dos mercados, nota-se ainda que os donos do dinheiro não apostam que as taxas de juros continuem a subir depois do começo do ano que vem. Mas daí apenas não se deduz uma recessão.

Manual do Exército orientou perseguição a comunistas durante a ditadura

Publicação acusou dissidentes de infiltração em associações, propaganda ideológica e lavagem cerebral

Alline Magalhães | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um documento encontrado por um pesquisador na cidade de Santos (SP) evidencia que o Estado-Maior do Exército distribuiu material com orientações para que autoridades militares perseguissem pessoas consideradas comunistas durante a ditadura militar (1964-1985).

Trata-se do “Manual de Campanha C 100-20 - Guerra Revolucionária”, um livro de 266 páginas que indica ter sido impresso em 1969 pelo Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias (EGGCF), a gráfica do Exército.

Segundo quatro especialistas no período de ditadura militar consultados pela reportagem, trata-se de uma publicação rara.

De circulação interna e tiragem de 5.000 exemplares, o manual registra ter sido aprovado e colocado em prática pelo então general do Exército e chefe do Estado-Maior do Exército, Adalberto Pereira dos Santos (1905-1984).

Vice-presidente no governo de Ernesto Geisel (1907-1996), Santos foi membro do Conselho de Segurança Nacional, que, em 13 de dezembro de 1968, aprovou o Ato Institucional número 5.

O decreto permitiu o fechamento do Congresso Nacional, cassação de mandatos políticos e suspensão do direito de habeas corpus pelo governo de Costa e Silva (1899-1969).

O manual do Exército contextualiza a Guerra Fria como sendo o período em que a humanidade se defrontou com duas grandes correntes ideológicas, o comunismo e a democracia.

“Às Forças Armadas, parte integrante da nação e, como ela, democráticas por convicção, cabe indiscutivelmente papel essencial nessa vigilância”, diz um dos trechos do manual, que argumenta ter havido um contragolpe para evitar uma revolução comunista em março de 1964.

Embora também discuta a questão das guerrilhas, o foco da publicação do Exército é a “arma psicológica” que seria utilizada por subversivos por meio de propagandas, livros e encontros em associações civis, estudantis, sindicais e até mesmo no âmbito do Ministério da Educação —que estaria sofrendo uma sistemática doutrinação “marxista-leninista”.

Em certos pontos, o documento apresenta uma perspectiva dos dissidentes que beira a paranoia.

“Pela lavagem cerebral, destrói-se a personalidade dos indivíduos”, diz o manual.

Em outros, descreve os aspectos brutais da repressão. Um dos capítulos, por exemplo, narra as “ações destrutivas” dos supostos agentes da revolução comunista com o fim de desmoralizar o governo e atingir a ordem social.

Algumas dessas ações seriam as greves de operários, as passeatas e os comícios considerados ilegais pelo regime militar.

Premier de Portugal vira referência para esquerda em Europa onde direita cresce

Solução de António Costa para economia passa pela imigração; brasileiros são a maior colônia no país europeu

Gian Amato, Especial para O Globo

LISBOA — António Costa segurava um sorriso tímido diante das câmeras de TV e do fracasso da manifestação dos coletes amarelos em Portugal na última sexta-feira. O primeiro-ministro visitava o bairro da Jamaica, no Seixal, margem sul de Lisboa, onde famílias pobres foram retiradas de casas degradadas, quando comentou, sem detalhes, os protestos em todo o país. Sem adesão popular ou distúrbios como em Paris, o desastre do movimento acabou ajudando a coroar um ano em que o secretário-geral do Partido Socialista (PS) avançou na condição de favorito para as eleições legislativas de 2019.

O cenário no Centro de Lisboa, a 25 quilômetros do Seixal, ajudava. A manifestação chegava ao fim esvaziada, com apenas dezenas de coletes amarelos cabisbaixos e dispersos sob a fina névoa e o frio do início do inverno: a organização, que tinha extensa pauta de reivindicações, culpava a infiltração da extrema direita no movimento como motivo principal do “falhanço”, com se diz em Portugal.

Não poderia haver desfecho melhor para um premier referência da esquerda numa Europa que convive com a ascensão dos partidos de direita. Tal fato fez o semanário inglês The Economist classificar Portugal do período pós-austeridade como “o pequeno milagre no Atlântico”. A reportagem foi ilustrada com uma caricatura de Costa pedalando para fazer voar um triciclo construído com asas de madeira e penas de aves. No chão, a população observa atônita. O veículo alado tem carimbado na cauda o apelido da solução informal de governo inventada por Costa: 

“geringonça”. Nunca houve melhor representação gráfica desta união inédita das esquerdas portuguesas.

O surgimento da geringonça é o exemplo de como Costa é hábil em reverter algo desfavorável. Em 2015, o PS perdeu as eleições legislativas para a coligação de direita e centro-direita Portugal à Frente — entre o Partido Social Democrata (PPD/PSD) e o Partido Popular (CDS/PP) — por uma diferença de 300 mil votos. O país acreditava que Costa aceitaria uma proposta de aliança com os vencedores, que não tinham a maioria parlamentar. Mas Costa negociou e fechou acordo de apoio com o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Ecologista (PEV). A esquerda tinha a maioria parlamentar e rejeitou a nomeação de Pedro Passos Coelho pelo então presidente da República, Cavaco Silva.

De pé crise após crise
Estava criada a geringonça, nome que virou febre no país. O batismo aconteceu em novembro de 2015, logo após a nomeação de Costa. Paulo Portas, líder do CDS-PP, disse no Parlamento na ocasião, dando ênfase na conotação negativa:

— Não é bem um governo, é uma geringonça.

Costa rebateu:

— É geringonça, mas funciona — disse o primeiro-ministro, arrancando gargalhadas até da oposição.

Os opositores deram seis meses de vida à geringonça. Três anos depois, os partidos da coligação informal têm mais apoio popular que no início. Somados, arregimentam 53% das intenções de voto para as eleições de 6 de outubro do próximo ano, segundo números da pesquisa da Aximage divulgados em novembro. Somente o PS tem 37,8%. Para atingir maioria parlamentar, são necessários 45% dos votos. A menor taxa de desemprego (6,7%) em 14 anos e a dificuldade de afirmação de Rui Rio, do PSD, um dos principais nomes da oposição, são fatores que os especialistas apontam para o favoritismo.

Um bônus para o governo: Editorial | O Estado de S. Paulo

Se depender da torcida, o presidente Jair Bolsonaro chegará ao fim de 2019 com inflação pouco abaixo da meta, juros contidos e contas públicas mais saudáveis que as de hoje, embora ainda frágeis. O balanço do primeiro ano de mandato será positivo e o governo terá fôlego para continuar o esforço de ajuste e de reformas nos anos seguintes. Mas será preciso um empenho maior para dinamizar a economia, criar empregos e, muito especialmente, dar mais vigor à indústria. A pouco menos de uma semana da posse presidencial, as projeções do mercado apontam sucesso nos próximos 12 meses, porque sucesso, nesse caso, significa, em primeiro lugar, passar sem danos muito graves pelas bombas de gastos armadas no percurso da execução orçamentária. O avanço será lento e trabalhoso.

O sinal mais vistoso de otimismo aparece na expectativa dos juros. A taxa básica de juros, a Selic, estará em 7,25% no fim do próximo ano, pela mediana das projeções captadas na última pesquisa Focus, divulgada na segunda-feira passada. Nessa pesquisa, realizada semanalmente pelo Banco Central (BC), cerca de 100 instituições financeiras e consultorias apresentam estimativas de vários indicadores econômicos. Quatro semanas antes, a mediana das projeções da Selic estava em 7,75%. Antes de chegar a esse nível, permaneceu por muito tempo em 8%.

O social sob o teto: Editorial | Folha de S. Paulo

Com ou sem o limite para o gasto federal inscrito na Constituição, avanços em educação e saúde não podem mais contar com a alta contínua de verbas

Para qualquer gestor, a imposição de um limite à expansão de despesas representa um desafio. Para a administração pública brasileira, que por duas décadas elevou seus desembolsos de modo contínuo, a instituição de um teto constitui um choque ainda não superado.

No governo federal, os gastos com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos cresceram do equivalente a 14% do Produto Interno Bruto, em 1997, a 20% em 2016, patamar que deve se repetir neste ano.

Embora com dados menos precisos, pode-se afirmar que os orçamentos estaduais e municipais também viveram uma escalada no período, impulsionados por objetivos e encargos na área social.

A considerar as três esferas de governo, por exemplo, a despesa com educação se elevou de 3,9% para 5,1% do PIB de 2000 a 2015, conforme o registro mais recente.

Na saúde, mediu-se uma alta de 2,9% para 3,9% do PIB entre 2000 e 2011, e o percentual tem variado pouco desde então.

É a Previdência, contudo, que responde com folga pela maior fatia da expansão estatal. Só os pagamentos do INSS saltaram de 4,9% do produto, em 1997, para 8,6% estimados neste 2018.

Evidente que tal estratégia para enfrentar as mazelas nacionais, por meio do aumento permanente do peso do setor público na economia, acabaria por se tornar, cedo ou tarde, insustentável.

Judiciário caro ajuda a consolidar casta de servidores: Editorial | O Globo

Nível de gasto só é comparável ao da Suíça, onde a renda é cinco vezes maior que no Brasil

O setor público se tornou um instrumento relevante de concentração da renda nacional. É o que confirmam diferentes estudos recém-divulgados sobre a evolução da folha de pessoal nas últimas duas décadas.

O funcionalismo tem sido excessivamente privilegiado em prejuízo ao restante da sociedade brasileira. De 1999 a 2017, recebeu aumento salarial médio de até o triplo do que conseguiram os trabalhadores do mercado formal, do setor privado.

Foi aumento real —ou seja, acima da inflação no período, mostram os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) analisados pela consultoria IDados e divulgados pelo jornal “Valor”. Enquanto o funcionalismo do Executivo federal, estadual e municipal teve ganho salarial médio (em termos reais) de 49%, os empregados privados receberam aumento médio de 14%.

Essa notável progressão salarial dos servidores ocorreu entre 2006 e 2014, nos governo Lula e Dilma— expoentes do PT, cuja base política é composta por funcionários públicos.

Agropecuária deve alavancar a recuperação da economia: Editorial | Valor Econômico

Com boas perspectivas para 2019, a agropecuária será de fundamental ajuda para manter a trajetória de crescimento econômico. A próxima safra poderá chegar perto ou até mesmo superar o recorde de 2017, estimulando a economia e bombando as exportações. A mais recente previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a terceira para a temporada, é de que a safra de grãos e fibras em 2018/19 poderá chegar a 238,41 milhões de toneladas, com altos índices de produtividade e condições climáticas favoráveis em todas as regiões produtoras. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que trabalha com o ano-civil e não com o ano-safra, estima que a próxima safra de grãos e oleaginosas será de 231,1 milhões de toneladas, ligeiramente superior à deste ano (1,7%) e a segunda maior da história, atrás dos 240,6 milhões de toneladas de 2017. Se o clima seguir favorável, não se descarta quebrar o recorde.

As projeções da Conab levam em conta os estudos para o clima e o comportamento dos preços. Os produtores de soja anteciparam o plantio, animados pelas chuvas da primavera que vieram intensas, entre outubro e novembro, e criaram boas perspectivas para a segunda safra de milho. As cotações favoráveis do algodão e da soja incentivaram o investimento na lavoura e o aumento da área plantada. A colheita de soja deverá superar 122 milhões de toneladas e alcançar recorde de área plantada de 36,4 milhões de hectares. Certamente o quadro será melhor do que o deste ano, quando as chuvas atrasaram e foram menos abundantes, postergando o plantio da soja ou até obrigando o replantio, reduzindo a safra a 227,2 milhões de toneladas, segundo a décima estimativa do IBGE.

Obituário /Advogado foi deputado constituinte e lutou em defesa de presos políticos

Michel Temer o classificou como um ‘lutador pela democracia brasileira’

O advogado e ex-deputado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas nasceu em Niterói e foi deputado federal por três vezes pelo Distrito Federal.

Em 1985, foi eleito pela primeira vez deputado federal pelo atual MDB e participou da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988. Naquele ano, deixou o PMDB e se filiou ao PSDB, partido pelo qual se reelegeu à Câmara, em 1990. Em 1997, ingressou no PT. Em 2002, foi novamente eleito deputado federal. Ele deixou a Câmara em janeiro de 2007.

Sigmaringa foi conselheiro da OAB-DF (19761984) e também consultor da Anistia Internacional, integrante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e vice-presidente do Comitê Brasileiro de Anistia na capital federal. Formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), foi advogado de presos políticos durante o regime militar.

O presidente Michel Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, lamentaram a morte de Sigmaringa. Em uma mensagem divulgada nas redes sociais, Temer diz que lamenta “imensamente a morte do grande advogado e homem público, Sigmaringa Seixas, um lutador pela democracia brasileira”.

Para Toffoli, “Sigmaringa Seixas tinha compromisso com a Justiça e o bem-estar social”. O presidente do STF disse ainda que o advogado deixou sua marca como homem público, deputado constituinte e advogado primoroso, sempre pronto a lutar pelos direitos humanos, pela democracia e pela liberdade em nosso país, trabalhando com humildade pelo bem comum, sem buscar os holofotes”.

LULA PEDE AUTORIZAÇÃO
“Entre as características de sua personalidade, estavam a discrição e a vocação para o outro. Um homem de bem! Uma grande perda para o Direito, a advocacia e o Brasil. Minha solidariedade a Marina, aos filhos, familiares e amigos”, diz Toffoli.

A senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, lamentou a morte do advogado. Gleisi destacou em redes sociais a luta “incansável” de Sigmaringa “pela justiça e pela democracia” no país. Já o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), disse que Brasília está de luto.

O senador Cristovam Buarque (PPS), ex-ministro da Educação do governo Lula, destacou que “Sigmaringa era pessoa de gigantescas qualidades, sobretudo a de fazer e manter amizades. Sua morte é uma imensa perda para todos os seus amigos: nosso mundo ficou menor”.

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, classificou a atuação de Sigmaringa como “memorável tanto na defesa dos Direitos Humanos como também na dedicação a advocacia”.

Sigmaringa tinha 74 anos e estava internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde fez transplante de medula. O enterro será em Brasília, às 16h30m. O corpo será velado hoje, a partir das 8h, no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul. O enterro está previsto para as 16h30m.

O ex-presidente Lula pediu à Justiça Federal do Paraná uma autorização para ir ao velório e sepultamento de Sigmaringa Seixas, que era seu amigo. O juiz plantonista, no entanto, negou o pedido.

Roberto Freire lamenta a morte de Sigmaringa Seixas

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), lamentou, nesta terça-feira (25), a morte do advogado e ex-deputado federal Luís Carlos Sigmaringa Seixas. Freire destacou o papel desempenhado por Seixa contra a Ditadura Militar e sua defesa incansável na defesa da democracia e o apoio irrestrito ao PCB (Partido Comunista Brasileiro).

“Uma grande perda. Um companheiro de luta. Desempenhou um papel importante na defesa da democracia e, sobretudo, dos direitos individuais e da liberdade. Sempre junto na luta pela resistência [contra a Ditadura Militar] e ao partidão. O PPS é solidário aos familiares e amigos deste grande brasileiro”, disse.

Biografia
Sigmaringa Seixas nasceu em Niterói (RJ) no dia 7 de novembro de 1944. Na década de 1970, foi advogado de presos políticos detidos pela ditadura militar. No começo dos anos 80, criou o Comitê Brasileiro de Anistia. O advogado também participou da política partidária desempenhando o papel de deputado federal constituinte.

Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti - Por quem os Blocos Cantam

Vinicius de Moraes: Toadinha de ano novo

E foi-se o ano - ano bissexto arrenegado! - ano ruim, ano safado, ano assim nunca se viu! Levou Aníbal, levou Antônio Maria, levou tanta poesia com Cecília que partiu... Levou Ari e levou Álvaro Moreyra (nunca vi ano bissexto pra fazer tanta besteira!). E não contente - eta aninho contundente! - ainda deixa pra semente tanto estorvo pro Brasil!...

Ano pior só fazendo de encomenda: depois da morte de Kennedy, até Kruchev caiu. De modo que se escutarem um barulhão, não se assustem, é nada não... foi a Bomba que explodiu.

Mas já se foi, já se mandou... - valha-nos isso! - ano chato, ano difícil, ano contraproducente. E isso porque além de todo esse estrupício, deu um estranho panarício no dedo de muita gente.

Pelo meu lado eu até não digo nada: me casei com a minha amada, fui com ela pra Paris. Fiz meus sambinhas, tenho uns planos de cinema e a Garota de lpanema me deixou muito feliz. E se a saúde não fizer nenhum forfait, este Ano Novo até que vai ser muito fagueiro: vou tacar peito, vou fazer muito poema, e a Garota de Ipanema vai ser mãe em fevereiro. Pois tem um samba feito por mim e por Baden que - não sei, vocês aguardem... - tem um balanço legal; e que se for trabalhado pelo Ciro, aposto vai ser um tiro: vai estourar no carnaval!

Pois é, meus filhos, aí está 65... Vai entar tudo nos trilhos, como diz Roberto Campos. Se não entrar, resta a Barra da Tijuca e uma garrafa de uca enquanto se pescam uns pampos. Resta saber que no Quarto Centenário o carioca, esse otário, vai ter água pra chuchu. Pois tem morrido um bocado de operário pra aliviar nosso calvário com a adutora do Guandu. Resta pensar na folia de Rei Momo - carnaval de quem não come resolve qualquer problema. Quem ficar vivo, segundo a lei do mais forte, esteve mais perto da morte que mocinho de cinema.

De qualquer modo resta o tomara-que-seja; resta o que a gente deseja, como diz o amigo Guima. E a esperança é uma mulher tão à mão, que é até ingratidão a gente não dar-lhe em cima.

Por isso, amigos, que este ano recém-nato, ao contrário do transacto, lhes chegue de fraldas limpas; e vocês tenham um milhão de coisas boas e possam ver suas pessoas num espelho mais bonito.

Que vocês tenham mais Jobim e mais Caymmi; mais paixão e menos crime; mais Zé Kéti e Opinião. E Zicartola continue sua escola com essa branquinha pachola que se chama Nara Leão.

Pois a verdade é que tudo se renova: bossa velha fica nova, o que eu acho muito bem. Só não renova quem já está com o pé na cova, quem não cria e não desova, quem não gosta de ninguém.

Que vocês tenham mais Drummond e mais Bandeira, e eles deixem de leseira e venham mais para a rua. E que Schmidt, em lugar de dar palpite, venda com mais apetite no Disco da velha Lua.

Que João Gilberto continue longe e perto, cantando pelo deserto seu canto de solidão. Canto que vende para a causa brasileira muito mais que o Bemoreira, o Rei da Voz e o Dragão.

Que a linda Astrud nos mande mais amiúde, de Nova York ou Hollywood, os ecos de sua voz; voz que faz mais por nossos pobres Cr$ do que os trustes estrangeiros que proliferam entre nós.

Que esses meninos tão bons do Cinema Novo mostrem mais ao nosso povo sua força e seu poder; e que através da mensagem de seus filmes evitem maiores crimes que inda podem acontecer.

Que a Bardotzinha volte sempre para Búzios e quando queira use e abuse dos nossos encantos mil: ou sejam os mares, os solstícios, os luares, os poentes e os madrugares que dão sopa no Brasil. Porque em matéria de exploração estrangeira, é a única verdadeira, que toma mas também dá. E que ela seja ao lado de seu Zaguri um truste que sempre dure na terra do sabiá.

Que Pixinguinha, já curado seu enfarte, nos dê mais de sua arte de sambista e de "chorão". E essa figura chamada Ciro Monteiro balance o Brasil inteiro com a voz do seu coração.

Que nasçam poemas, nasçam canções, nasçam filhos; e se terminem os exílios e se exerça mais perdão. E brotem flores das dragonas militares e não mais se assustem os lares com esses tiros de canhão. Que todos se unam, se protejam, apertem os cintos; se reúnam nos recintos com esperança brasileira. E que se dê de comer a quem não come, porque o povo passa fome: e a Fome é má conselheira...

Que o Rei Pelé faça gols por toda parte; e Di Cavalcanti, arte; e o Congresso, leis honestas. E Rubem Braga escreva crônicas lindas; e o Poder crie mais Dimas do que tem criado Gestas.

E - que diabo! - que eles voltem, meus pareceiros... Estão todos no estrangeiro. Que fazem vocês aí? Voltem depressa, venham logo para casa, que é pra gente mandar brasa ao som do Quarteto em Cy.

E finalmente que eu, pequeno mas decente, siga sempre para a frente com meu amor ao meu lado. E ela me dê no mais próximo presente, o presente de um futuro sem as dores do passado.