Luiz Sérgio Henriques
Editor do site Gramsci e o Brasil
O que esperam muitos filiados do PPS e, também, amigos e simpatizantes do partido, veteranos filiados do PCB, que ainda o têem como referência na hora de tomar uma decisão política? A pergunta ganha nova atualidade diante das eleições de 2010, cujo cenário já começa a se armar claramente diante dos nossos olhos.
Pelo menos um ponto é certo: a posição do PPS, nesta conjuntura que está destinada a se acelerar e até a se tornar dramática com a sobreposição da crise econômica global, não pode ser meramente reativa às propostas do PT e do bloco ora no poder. E, também, não deve carregar o selo de adesão passiva a qualquer uma das candidaturas que têm se apresentado no campo oposicionista, especialmente as dos governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais. Ao contrário, segundo a expectativa de muitos amigos e simpatizantes, o PPS deve se fazer portador de idéias e convicções próprias de uma esquerda moderna, democrática; um tipo de esquerda, aliás, que conhece penosa construção no nosso país, mas que ocasiões como a de 2010, além do significado eleitoral óbvio, podem contribuir para que vá adiante nas condições possíveis.
Por se pretender uma esquerda democrática, consciente dos seus deveres de obediência à Constituição republicana, o PPS acertadamente há muito se colocou, com autonomia, no campo das oposições. Sua ação, ainda que modesta, foi vista muitas vezes ao lado do PSDB, a quem não considera como um partido “neoliberal” pura e simplesmente; e ao lado do DEM, um partido que, com distantes raízes no regime militar, credenciou-se ao jogo democrático, representando legitimamente setores moderados e mesmo conservadores da nossa sociedade.
O pequeno PPS teve, assim, a valentia de se situar na oposição, num país em que, tradicionalmente, os recursos do poder, se não podem tudo, podem muito, inclusive interferir pesadamente na vida partidária, dessangrar os partidos de oposição, tornar irrelevante, ou quase isso, a função do Parlamento.
E foi assim que, antes mesmo dos episódios conhecidos como “mensalão”, o PPS descolou-se do bloco no poder e depois denunciou, na medida das suas forças, essa tentativa de corrupção institucional – talvez a pior das corrupções. Todo o episódio, de resto, ainda está sub judice, e cabe ao Supremo Tribunal Federal pronunciar-se sobre ações e personagens que o procurador-geral da República houve por bem arrolar como participantes de “sofisticada organização criminosa”.
Não se trata de condenar e nem mesmo desprezar todo um partido com a importância e a complexidade do PT, cuja chegada ao poder federal consagrou uma democracia efetivamente plural e fundada na alternância, sem nenhum tipo de exclusão. Mas o fato é que há diferenças com este partido e sua cultura política, e estas diferenças se consubstanciaram, por exemplo, em 1988, quando o então PCB aderiu com convicção íntima à Carta da democracia e fez dela o seu programa, o seu projeto mais fundamental para a sociedade brasileira. Como sabemos, não é o caso do PT, que manteve e mantém relações atribuladas com a Carta de 1988.
O PPS, felizmente, não se deixou absorver pelo PSDB durante os dois mandatos de FHC. Também o PSDB, tal como o PT, a seu modo era portador de idéias de ruptura e negação do passado, com as quais não concordávamos inteiramente. Havia se esgotado o nacional-desenvolvimentismo da era Vargas, reinterpretado pelos militares durante o regime de 1964? Sem dúvida alguma. Na verdade, era preciso, e ainda é, equacionar os termos de um novo tipo de desenvolvimento, cuja insubstituível premissa básica é a plena vigência das instituições democráticas, que, aliás, parte não desprezível da esquerda no poder ainda considera meramente instrumentais. Mas consideramos que os governos de FHC não cumpriram plenamente aquela tarefa de redefinição do desenvolvimentismo e, muitas vezes, até levaram-na adiante de modo pelo menos equívoco. Eram tempos de irrefletida autocelebração dos mercados...
Então, muitos simpatizantes do PPS viram favoravelmente a posição autônoma do partido em relação aos anos FHC. Sabem que o partido criticou duramente a manobra da reeleição, uma indefensável alteração constitucional feita sob medida para os detentores do poder. Sabem também, em retrospecto, que os dois governos FHC, se não representaram de modo algum um neoliberalismo extremado à Thatcher ou à Reagan, pecaram por “economicismo”, especialmente o núcleo duro malanista, que marcou de ponta a ponta os dois períodos presidenciais de FHC.
Mas, ao lado deste núcleo econômico liberal e em conflito latente ou aberto com ele, havia uma autocrítica prática, um contraponto constante representado pelo então ministro da Saúde, José Serra. E convém ao PPS, por sua trajetória, por seu apego à democracia e aos problemas históricos do desenvolvimento, associar-se a essa autocrítica prática, escorada numa sólida visão cepalina, que sobreviveu e se renovou durante os anos da reforma liberal: esta posição é possivelmente o que o país tem de mais consistente para enfrentar tempos particularmente difíceis, como os que vão se abater em cheio sobre o próximo mandato presidencial.
Por isso, o que esperamos do PPS é uma firme e imediata tomada de posição pró-Serra. Não se trata de hostilizar Aécio Neves, que de fato não pertence à “direita neoliberal”, ainda que tenha posições menos nítidas do que José Serra quanto às políticas pró-ativas de Estado. Ao contrário, Aécio deve ser incorporado por todos os títulos à coligação oposicionista, representativo, como é, de um estado tão importante na política e na tradição republicana. Além do mais, ninguém pode deixar de valorizar o recente movimento de Aécio em direção ao PT de Belo Horizonte, ocorrido por ocasião das últimas eleições municipais. É uma ação que contribui para a necessária normalização da dialética democrática entre governo e oposição: governar não é ignorar ou tentar suprimir a oposição; e fazer oposição não é contar “bravatas”, o que só contamina os costumes políticos.
Mais fundamental ainda é o papel que o PPS deve ter no sentido de contribuir para o constante aggiornamento do programa de Serra, que não pode se ver reduzido a uma “eficiente” gestão tecnocrática da economia. O novo desenvolvimentismo a que aspiramos não pode mais prescindir, sob pena de degradação do sistema produtivo e das condições de vida da população, nem de um forte compromisso de combate à exclusão social nem da assimilação crítica dos já incontornáveis temas ambientais. Os níveis de pobreza são um desmentido acintoso às nossas pretensões de fundar uma original civilização brasileira, e sua redução a um patamar pelo menos razoável não pode mais ser adiada para uma “segunda etapa”, depois do saneamento econômico. E o ambiente não é mais um “custo” econômico, mas sim uma oportunidade ímpar para a pesquisa científica e para a criação de novos modos de viver, produzir e consumir, requeridos neste momento de crise civilizacional.
Há todo um enorme contingente de jovens, um enorme leque de homens e mulheres da cultura e da técnica a serem atraídos por uma perspectiva concreta de desenvolvimento e democracia. Diga-se de passagem que a recente campanha de Fernando Gabeira, no Rio de Janeiro, demonstrou o potencial de participação que atualmente está quase todo à margem da ação política convencional e pode se perder nos descaminhos da apatia e da “antipolítica”. O PPS apoiou Gabeira, participando do que veio a ser, mais do que uma campanha convencional, uma feliz tentativa de reinvenção da política, que pode ter implicações nacionais já agora em 2010.
Esperamos que o tenha. E esperamos que a imaginação progressista do país, que nunca foi pequena, encontre no modesto PPS um canal privilegiado para se manifestar, enriquecendo decisivamente a candidatura e o projeto nacional em torno de Serra, contra qualquer tentativa anacrônica de recuperar o nacional-desenvolvimentismo em chave autoritária.
Editor do site Gramsci e o Brasil
O que esperam muitos filiados do PPS e, também, amigos e simpatizantes do partido, veteranos filiados do PCB, que ainda o têem como referência na hora de tomar uma decisão política? A pergunta ganha nova atualidade diante das eleições de 2010, cujo cenário já começa a se armar claramente diante dos nossos olhos.
Pelo menos um ponto é certo: a posição do PPS, nesta conjuntura que está destinada a se acelerar e até a se tornar dramática com a sobreposição da crise econômica global, não pode ser meramente reativa às propostas do PT e do bloco ora no poder. E, também, não deve carregar o selo de adesão passiva a qualquer uma das candidaturas que têm se apresentado no campo oposicionista, especialmente as dos governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais. Ao contrário, segundo a expectativa de muitos amigos e simpatizantes, o PPS deve se fazer portador de idéias e convicções próprias de uma esquerda moderna, democrática; um tipo de esquerda, aliás, que conhece penosa construção no nosso país, mas que ocasiões como a de 2010, além do significado eleitoral óbvio, podem contribuir para que vá adiante nas condições possíveis.
Por se pretender uma esquerda democrática, consciente dos seus deveres de obediência à Constituição republicana, o PPS acertadamente há muito se colocou, com autonomia, no campo das oposições. Sua ação, ainda que modesta, foi vista muitas vezes ao lado do PSDB, a quem não considera como um partido “neoliberal” pura e simplesmente; e ao lado do DEM, um partido que, com distantes raízes no regime militar, credenciou-se ao jogo democrático, representando legitimamente setores moderados e mesmo conservadores da nossa sociedade.
O pequeno PPS teve, assim, a valentia de se situar na oposição, num país em que, tradicionalmente, os recursos do poder, se não podem tudo, podem muito, inclusive interferir pesadamente na vida partidária, dessangrar os partidos de oposição, tornar irrelevante, ou quase isso, a função do Parlamento.
E foi assim que, antes mesmo dos episódios conhecidos como “mensalão”, o PPS descolou-se do bloco no poder e depois denunciou, na medida das suas forças, essa tentativa de corrupção institucional – talvez a pior das corrupções. Todo o episódio, de resto, ainda está sub judice, e cabe ao Supremo Tribunal Federal pronunciar-se sobre ações e personagens que o procurador-geral da República houve por bem arrolar como participantes de “sofisticada organização criminosa”.
Não se trata de condenar e nem mesmo desprezar todo um partido com a importância e a complexidade do PT, cuja chegada ao poder federal consagrou uma democracia efetivamente plural e fundada na alternância, sem nenhum tipo de exclusão. Mas o fato é que há diferenças com este partido e sua cultura política, e estas diferenças se consubstanciaram, por exemplo, em 1988, quando o então PCB aderiu com convicção íntima à Carta da democracia e fez dela o seu programa, o seu projeto mais fundamental para a sociedade brasileira. Como sabemos, não é o caso do PT, que manteve e mantém relações atribuladas com a Carta de 1988.
O PPS, felizmente, não se deixou absorver pelo PSDB durante os dois mandatos de FHC. Também o PSDB, tal como o PT, a seu modo era portador de idéias de ruptura e negação do passado, com as quais não concordávamos inteiramente. Havia se esgotado o nacional-desenvolvimentismo da era Vargas, reinterpretado pelos militares durante o regime de 1964? Sem dúvida alguma. Na verdade, era preciso, e ainda é, equacionar os termos de um novo tipo de desenvolvimento, cuja insubstituível premissa básica é a plena vigência das instituições democráticas, que, aliás, parte não desprezível da esquerda no poder ainda considera meramente instrumentais. Mas consideramos que os governos de FHC não cumpriram plenamente aquela tarefa de redefinição do desenvolvimentismo e, muitas vezes, até levaram-na adiante de modo pelo menos equívoco. Eram tempos de irrefletida autocelebração dos mercados...
Então, muitos simpatizantes do PPS viram favoravelmente a posição autônoma do partido em relação aos anos FHC. Sabem que o partido criticou duramente a manobra da reeleição, uma indefensável alteração constitucional feita sob medida para os detentores do poder. Sabem também, em retrospecto, que os dois governos FHC, se não representaram de modo algum um neoliberalismo extremado à Thatcher ou à Reagan, pecaram por “economicismo”, especialmente o núcleo duro malanista, que marcou de ponta a ponta os dois períodos presidenciais de FHC.
Mas, ao lado deste núcleo econômico liberal e em conflito latente ou aberto com ele, havia uma autocrítica prática, um contraponto constante representado pelo então ministro da Saúde, José Serra. E convém ao PPS, por sua trajetória, por seu apego à democracia e aos problemas históricos do desenvolvimento, associar-se a essa autocrítica prática, escorada numa sólida visão cepalina, que sobreviveu e se renovou durante os anos da reforma liberal: esta posição é possivelmente o que o país tem de mais consistente para enfrentar tempos particularmente difíceis, como os que vão se abater em cheio sobre o próximo mandato presidencial.
Por isso, o que esperamos do PPS é uma firme e imediata tomada de posição pró-Serra. Não se trata de hostilizar Aécio Neves, que de fato não pertence à “direita neoliberal”, ainda que tenha posições menos nítidas do que José Serra quanto às políticas pró-ativas de Estado. Ao contrário, Aécio deve ser incorporado por todos os títulos à coligação oposicionista, representativo, como é, de um estado tão importante na política e na tradição republicana. Além do mais, ninguém pode deixar de valorizar o recente movimento de Aécio em direção ao PT de Belo Horizonte, ocorrido por ocasião das últimas eleições municipais. É uma ação que contribui para a necessária normalização da dialética democrática entre governo e oposição: governar não é ignorar ou tentar suprimir a oposição; e fazer oposição não é contar “bravatas”, o que só contamina os costumes políticos.
Mais fundamental ainda é o papel que o PPS deve ter no sentido de contribuir para o constante aggiornamento do programa de Serra, que não pode se ver reduzido a uma “eficiente” gestão tecnocrática da economia. O novo desenvolvimentismo a que aspiramos não pode mais prescindir, sob pena de degradação do sistema produtivo e das condições de vida da população, nem de um forte compromisso de combate à exclusão social nem da assimilação crítica dos já incontornáveis temas ambientais. Os níveis de pobreza são um desmentido acintoso às nossas pretensões de fundar uma original civilização brasileira, e sua redução a um patamar pelo menos razoável não pode mais ser adiada para uma “segunda etapa”, depois do saneamento econômico. E o ambiente não é mais um “custo” econômico, mas sim uma oportunidade ímpar para a pesquisa científica e para a criação de novos modos de viver, produzir e consumir, requeridos neste momento de crise civilizacional.
Há todo um enorme contingente de jovens, um enorme leque de homens e mulheres da cultura e da técnica a serem atraídos por uma perspectiva concreta de desenvolvimento e democracia. Diga-se de passagem que a recente campanha de Fernando Gabeira, no Rio de Janeiro, demonstrou o potencial de participação que atualmente está quase todo à margem da ação política convencional e pode se perder nos descaminhos da apatia e da “antipolítica”. O PPS apoiou Gabeira, participando do que veio a ser, mais do que uma campanha convencional, uma feliz tentativa de reinvenção da política, que pode ter implicações nacionais já agora em 2010.
Esperamos que o tenha. E esperamos que a imaginação progressista do país, que nunca foi pequena, encontre no modesto PPS um canal privilegiado para se manifestar, enriquecendo decisivamente a candidatura e o projeto nacional em torno de Serra, contra qualquer tentativa anacrônica de recuperar o nacional-desenvolvimentismo em chave autoritária.